RESUMO
OBJETIVOS: identificar se a presença do companheiro favorece maior duração do aleitamento materno exclusivo (AME) de mulheres residentes em João Pessoa assistidas pelo Sistema Único de Saúde.
MÉTODOS: coorte com gestantes recrutadas nos serviços de saúde e acompanhadas nos seus domicílios. Coletou-se informações socioeconômicas, demográficas, sobre pré-natal, parto, cuidados no puerpério e alimentação do bebê. Mediana do AME foi calculada por análise de sobrevivência, Kaplan-Meyer, com teste log-rank para comparar grupos. Estimou-se os efeitos independentes dos fatores relacionados com AME com regressão múltipla de Cox. Considerou-se 5% de nível de significância.
RESULTADOS: foram acompanhadas 162 mulheres e seus filhos. Mediana do AME foi 120 dias. Até os primeiros quatro meses pós-parto, mulheres com companheiro tiveram maior duração do AME (p=0,002). No modelo final, "ter recebido orientações no pré-natal" (HR= 1,67; IC95%= 1,05 – 2,65), "não ter tido dificuldade para amamentar após a alta hospitalar" (HR: 1,58; IC95%= 1,03 – 2,42) e "não usar chupeta" (HR= 1,64; IC95%= 1,07 – 2,53) favoreceram maior duração do AME.
CONCLUSÃO: o apoio prolongado do companheiro pode ser uma estratégia viável para a melhora do AME. Ações de promoção e não oferecer chupeta são importantes para uma maior duração do AME e o apoio e manejo no puerpério precisam ser fortalecidos.
Palavras-chave:
Aleitamento materno, Saúde materno-infantil, Estudos de coorte
ABSTRACT
OBJECTIVES: to identify whether the presence of a partner is a protective factor for a longer duration of exclusive breastfeeding (EBF) of women living in João Pessoa and assisted by the Public Health System.
METHODS: cohort with pregnant women recruited from health services and followed up at their homes. Socioeconomic and demographic information, information on prenatal care, childbirth, puerperium care and baby nutrition were collected. Median EBF was calculated by survival analysis, Kaplan-Meyer, with log-rank test for group comparison. The independent EBF factors were estimated with multiple Cox regression. A 5% significance level was considered.
RESULTS: 162 women and their children were assessed. The median EBF was 120 days. Until the first four months of postpartum, women with a partner had longer EBF (p=0.002). In the final model, "having received prenatal guidance" (HR= 1.67; 95%CI= 1.05 - 2.65), "not having difficulty in breastfeeding after hospital discharge" (HR= 1. 58; 95%CI= 1.03 - 2.42) and "not using a pacifier" (HR= 1.64; 95%CI= 1.07 - 2.53) favored longer EBF duration.
CONCLUSION: encouraging partner's support for longer periods may be a viable strategy for improving EBF. Promotional actions and not offering pacifiers are important for a longer duration of EBF, and support and management in the puerperium period needs to be strengthened.
Keywords:
Breastfeeding, Maternal and child health, Cohort studies
IntroduçãoNos anos 1970 do século passado a duração mediana da amamentação era de apenas 75 dias e o aleitamento materno exclusivo praticamente não era realizado.
1 Frente a esta situação, o Brasil implementou diversas políticas, que conformaram uma história exitosa de melhoria nas práticas de aleitamento materno nos últimos 40 anos, com uma multiplicidade de ações simultâneas realizadas de forma multisetorial, descritas como um modelo de engrenagens
2: as campanhas nacionais de promoção, a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, a lei de proteção que proíbe o marketing indevido a produtos que concorrem com o leite materno (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos pata Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Mamadeiras, Bicos e Chupetas – NBCAL
3), o incremento das ações de pré-natal, a formação da rede de bancos de leite humano, entre outras ações,
4-6 são exemplos importantes que constituem atualmente a política nacional de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno.
De acordo com o último inquérito nacional conduzido no país, no ano de 2019, 45,7% das crianças menores de seis meses de idade estavam em aleitamento materno exclusivo o que significa que, apesar dos expressivos avanços, esta prática ainda está aquém das recomendações nacionais e internacionais que são de a mãe amamentar seu filho, sem a introdução de água ou de qualquer outro alimento, até que ele complete seis meses de vida.
7Diferentes fatores influenciam amamentar exclusivamente e conhecê-los favorece a preparação de programas mais eficientes para produzir um impacto positivo no aumento da sua duração. Entretanto, estes fatores podem variar de acordo com a região, seja na sua presença como também na sua importância. O município de João Pessoa é uma capital de um estado da região Nordeste, região que apresenta grande desigualdade social e piores indicadores sociais e de saúde.
8 O aleitamento materno exclusivo (AME), realizada durante o tempo recomendado atende os princípios do direito humano a uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada. Em localidades como João Pessoa pode também ter impacto econômico e social devido à economia gerada com a dispensa da compra de substitutos caros do leite materno e pela proteção à saúde dos recém-nascidos contra as diarreias, infecções respiratórias, redução de óbitos infantis e importante efeito protetor contra a obesidade e outras doenças não transmissíveis.
9-11Estudo realizado com mulheres na região sul do Brasil identificou que a presença do companheiro reduzia em 40% a chance de a mãe continuar amamentando por dois anos ou mais, como é recomendado.
12 Entretanto sobre o período de AME, estudo transversal desenvolvido no Rio de Janeiro em 2013 mostrou que mães que não vivem com seus companheiros têm uma prevalência 24% menor de AME, quando comparada com aquelas com companheiro.
13 Da mesma forma, outro estudo transversal realizado em Campinas, no estado de São Paulo, no ano de 2010 mostrou que a presença do companheiro ajuda a práticas mais assertivas de introdução alimentar de forma oportuna, e, portanto, AME mais adequado.
14 Sendo estes estudos provenientes da região sudeste do Brasil e de delineamento transversal, pouco se sabe da influência do companheiro nos primeiros seis meses de vida do bebê na região nordeste, a partir de um estudo de seguimento, onde pode se observar o que acontece ao longo do tempo.
Desse modo o estudo procurou analisar os fatores que favorecem uma maior duração da amamentação exclusiva de mulheres residentes em João Pessoa - Paraíba, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e identificar se a presença do companheiro favorece a uma maior duração do aleitamento materno.
MétodosTrata-se de um estudo de coorte prospectivo com gestantes usuárias do SUS do município de João Pessoa, que segundo dados do atlas do desenvolvimento humano no Brasil, tinha uma população de 811.598 habitantes (2.017) e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) igual a 0,763 (2.010). As gestantes foram recrutadas em 14 Unidades de Saúde da Família (UBS) selecionadas por conveniência, nos bairros da região sul, referentes ao Distrito Sanitário III que além de ser o maior dos cinco distritos, também se caracteriza por ser habitado por famílias de renda média e baixa. De acordo com os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos do Ministério da Saúde, houve em torno de 12 mil nascimentos no ano de 2018 no município, o que corresponderia à população alvo do estudo. Todas as mulheres que se apresentaram para a realização de suas consultas de rotina de pré-natal durante o período de coleta de dados, de segunda a sexta e que atendiam aos critérios de inclusão do estudo, foram convidadas a participar do estudo, até completar o tamanho amostral desejado. A forma de seleção das mulheres no estudo não teve a finalidade de se obter representatividade populacional, mas de se obter grupos passiveis de comparação sem nenhum viés de seleção.
Os critérios de inclusão foram ter 18 anos de idade ou mais, estar gestante em qualquer período gestacional e com o desenvolvimento normal da gestação e sem qualquer limitação para amamentar ou para cuidar do seu filho. Foram excluídas as mulheres que apresentavam algum problema de comunicação ou declarassem algum problema de saúde que as impedissem de amamentar seus filhos.
O tamanho amostral para este estudo foi estimado para se poder observar diferentes fatores com Risco Relativo igual ou maiores que 1,5 para a interrupção precoce do AME. Considerando intervalo de confiança de 95% e poder do teste de 80%, dividindo-se os expostos e não expostos em grupos de tamanho semelhante e com uma porcentagem de expostos positivos de 50%, seria necessário um tamanho amostral mínimo de 132 participantes.
15O recrutamento teve início em outubro de 2018 quando foi aplicado um primeiro questionário de identificação da gestante. Para compensar as perdas de seguimento foram recrutadas inicialmente 269 gestantes. Foi considerada perda de seguimento para as gestantes em que foram realizadas mais de três tentativas de entrevista domiciliar sem sucesso, em dias e horários diferentes. Foram localizadas nos seus domicílios 185 mulheres para a primeira entrevista domiciliar e 162 para a segunda entrevista domiciliar, perfazendo o tamanho amostral desta coorte (Figura 1). As visitas para cada mãe tiveram um intervalo em torno de três meses. Por se tratar de uma coorte aberta as gestantes foram sendo incluídas de forma contínua e com idades gestacionais (IG) diversas, desta forma os filhos/bebês também tinham idades diferentes no momento da entrevista. Para a realização da análise de sobrevivência foi suficiente classificar as crianças de acordo com a amamentação exclusiva, sim ou não e registar sua idade naquele momento.

Para verificar se ocorreu algum viés de seleção devido às perdas, as gestantes acompanhadas foram comparadas com aquelas recrutadas e não localizadas para acompanhamento. O teste qui-quadrado mostrou que não houve diferenças entre estes dois grupos com relação a viver com o companheiro, escolaridade materna, cor da pele, ocupação materna fora de casa e se é titular de benefício social.
Todas as informações foram coletadas através de entrevistas face a face utilizando aparelhos celulares tipo smartfones para registro dos dados, com o auxílio do aplicativo
KoboCollect, plataforma gratuita de código aberto desenvolvida pela
Harvard Humanitarian Initiative.
16No recrutamento foram coletadas informações de endereço e contato telefônico, dados socioeconômicos, características da família da gestante, informações sobre a gestação e sobre os cuidados recebidos durante o pré-natal. No domicílio, após o nascimento do bebê foram feitas perguntas sobre os cuidados no puerpério, saúde e alimentação do lactente.
O evento, duração do AME, foi estimado pelo número de dias entre o nascimento do bebê e a introdução do primeiro alimento ou água na dieta da criança. Para mães que ainda amamentavam foi perguntado: "além de mamar no peito, você já ofereceu água ou algum outro alimento?", se sim, perguntava-se: "Qual era a idade do seu filho no momento desta introdução alimentar?" Para mães que já haviam desmamado completamente perguntou-se: "Até que idade seu filho mamou somente no peito, sem a introdução de água ou outro alimento?". Foi considerada a última informação completa de cada mãe, seja na primeira entrevista domiciliar, caso já houvesse interrompido o AME ou na segunda visita domiciliar. Ao final do seguimento, caso a mãe ainda não houvesse introduzido nenhum alimento, foi considerada a idade do bebê como tempo de AME e este dado foi analisado como censura na análise de sobrevivência.
Todas as variáveis de interesse foram categorizadas e testou-se a relação de cada uma delas com o tempo de AME através de análise de sobrevivência, utilizando a técnica de Kaplan-Meyer e o teste Log-Rank, com nível de significância de 5%, para a comparação das curvas de sobrevivência do tempo de AME de cada grupo de comparação. Para investigar o efeito independente das variáveis que apresentaram relação com a duração do AME foi construído um modelo de regressão múltipla de Cox, incluindo todas as variáveis que apresentaram
p-valor menor ou igual a 0,20 nas análises de Kaplan-Meyer e realizando a retirada progressiva daquelas que não apresentaram um
p-valor menor que 5%, segundo a estatística Wald, realizando a retirada progressiva das variáveis do modelo inicial.
O protocolo desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa / Plataforma Brasil do Estado da Paraíba, parecer número 2.413.361 de 04 de dezembro de 2017 (CAAE: 78557717.6.0000.5188).
ResultadosCompletaram o seguimento 162 mulheres que foram recrutadas com diferentes idades gestacionais, sendo 16,4% no primeiro, 32,7% no segundo e 50,9% no terceiro trimestre. Tinham entre 25 e 35 anos 53,1% delas, a grande maioria residia em domicílios com até três moradores (58,4%); viviam com o companheiro (casada ou união estável) 70,4% delas; 1/3 das mulheres era assistido por algum programa social de transferência de renda e 44,5% com baixa renda (até ½ salário-mínimo
per capita mensal = R$ 500,00); a cor parda foi autodeclarada por 57,4%. A escolaridade até o ensino médio por referida 74,1% das participantes e 79,0% realizavam alguma atividade remunerada fora de casa; referiram não ser primíparas 63% das mulheres e 68,8% declararam ter recebido orientação sobre aleitamento materno, mas somente 24,1% afirmaram haver realizado pelo menos uma consulta com nutricionista (Tabela 1).

Após o nascimento do bebê metade das mães referiu haver recebido algum apoio para amamentar, sendo este apoio ofertado na sua grande maioria (78,5%) ainda na maternidade, realizada por enfermeiros, pediatra, profissionais da equipe dos bancos de leite ou de algum outro profissional de saúde não especificado. Após a alta hospitalar 17 mulheres receberam apoio oferecido principalmente por parentes e amigos, o que corresponde a 21,5% das mães que receberam apoio ou 10,7% do total de mães, entretanto 31,5% das mulheres referiram haver tido alguma dificuldade para amamentar após a alta hospitalar.
O uso de chupeta pelos bebês foi referido por 43,3% das mães antes da interrupção do AME e com relação a orientações sobre introdução alimentar dos seus filhos, metade das mães não souberam responder e entre aquelas que responderam, menos da metade (42%) declararam ter recebido alguma orientação (Tabela 1).
A duração mediana do AME, estimada pela análise de sobrevivência, foi de 120 dias (IC95%= 96,6-143,4; 95 eventos e 67 censuras). Quando foi feita a comparação de diferentes grupos de mulheres, divididos de acordo com as variáveis independentes do estudo, três características apresentaram diferença significativa entre os grupos: orientação sobre aleitamento materno no pré-natal (
p<0,013); dificuldade para amamentar (
p<0,004); e o uso da chupeta (
p<0,005), de acordo com o teste log-rank. Receber orientação sobre AM no pré-natal ou não ter dificuldade para amamentar aumentou em 55 dias a duração do AME (aumento de 38%). Não usar chupeta, por sua vez, aumentou em 60 dias a duração mediana do AME (aumento de 41%) (Tabela 2).
As variáveis que obtiveram significância estatística e aquelas que tiveram
p-valor menor que 0,20 ("recebeu ajuda" e "Vive com companheiro"), foram incluídas em um modelo de regressão múltiplo de Cox. Os fatores associados independentes (
Hazard Ratio) a interromper menos precocemente o aleitamento materno exclusivo foram: receber orientação sobre aleitamento materno durante o pré-natal (67%), não usar chupeta (64%) e não ter tido dificuldades de amamentar (Tabela 3).
Quando observado o comportamento da duração do AME das mulheres em função da presença de companheiro, foi possível observar uma diferença nos quatro primeiros meses (Figura 2A). O teste de comparação para este período mostrou-se significativo sendo a mediana do AME 33,3% maior entre as mães que viviam com companheiro (mediana 50 dias
vs 75 dias,
p=0,002 teste log-rank) (Figura 2B). Esta diferença desaparece após este período, como pode ser observado na Figura 2A.
DiscussãoOs resultados deste estudo mostraram que a estimativa da duração mediana de AME observada entre as mulheres de João Pessoa, em torno de quatro meses, foi melhor do que o observado para o Brasil, no estudo nacional realizado no ano de 2019, onde foi observada uma mediana de três meses.
8 Estes resultados são positivos e foram melhores também do que o observado em estudos anteriores realizados em diferentes municípios do estado da Paraíba, no ano de 2002 entre 70 municípios, que mostrou que somente 16,6% das crianças menores de seis meses estavam em AME
17 e no ano de 2005, com dados de 14 municípios onde 30,5% das crianças menores de seis meses estavam em AME.
18Na análise das ações que tiveram efeito positivo à maior duração da AME, estão as orientações realizadas no pré-natal. Observou-se que duas de cada três gestantes referiram ter recebido estas orientações e considerando a importância desta atividade, o seu baixo custo e sua grande efetividade, ela poderia ser ampliada para fortalecer a política nacional de promoção de aleitamento materno.
19 Uma meta-análise analisou o efeito da promoção da amamentação e confirmou que mães que tiveram orientação sobre amamentação durante o pré-natal tiveram uma probabilidade 41% maior de iniciar e continuar a amamentação em comparação com as mães que não tiveram essa orientação.
20Por outro lado, ter realizado consulta com profissional de nutrição teve uma frequência referida baixa, somente uma a cada quatro mulheres, e não foi observado eficácia para melhorar a duração do tempo de AME delas. Assim o baixo número de mulheres que tiveram acesso a este serviço, bem como a baixa presença de nutricionistas nas unidades podem explicar este resultado.
Metade das mulheres referiram ter recebido ajuda com a amamentação após o nascimento do bebê ainda na maternidade, mas ação não impactou no tempo da AME. Entretanto após a alta hospitalar, um terço das mães relataram ter tido dificuldades para amamentar e isto foi um fator que impactou para que elas amamentassem exclusivamente por menos tempo. As dificuldades, frequentes e bem descritas na literatura estão relacionadas a fatores como: a posição do bebê inadequada durante a amamentação, dificuldade de pega do seio materno, os ferimentos nos mamilos, dor e desconforto maternos, ingurgitamento mamário, fissura e ferida mamilar, podendo chegar até a problemas mais sérios como mastite, e todos eles influenciam para a interrupção do AME.
19-21 Somente um décimo das mães relatou haver recebido algum apoio neste momento e quase sempre por parentes ou amigos, o que mostra uma possível fragilidade das ações de acompanhamento durante o puerpério realizadas pela atenção básica dos serviços de saúde locais.
É sabida a importância deste tipo de ação para o estabelecimento da amamentação de forma segura e prazerosa para a mãe e filho. Se o Brasil tem demonstrado, ao longo dos anos, um grande sucesso nas ações de promoção, faz-se necessário implementar melhor políticas de apoio, seja através de aconselhamento individual ou em grupo, redes comunitárias, ou meios remotos, como contato telefônico ou uso de redes sociais. Iniciativas inovadoras como o uso de rede social virtual para apoiar, de forma oportuna, as puérperas após a alta hospitalar, tem grande potencial de sucesso.
22 Estudo experimental, realizado com mulheres que tiveram seus filhos no Hospital Universitário de João Pessoa, população semelhante à deste estudo, encontrou que as puérperas que participaram de um grupo virtual de apoio tiveram duração de AME de 149 dias, quase o dobro daquelas que não participaram do mesmo grupo.
23O presente trabalho observou que a presença de companheiro teve efeito positivo no início da amamentação e na sua continuidade até os quatro meses de idade do bebê. Outros estudos reconhecem a importância do companheiro no início do puerpério,
24 ou do apoio familiar, que inclui o companheiro, aos seis meses.
25 Entretanto, chama atenção neste estudo este efeito desaparecer após este período. Uma coorte realizada em Viçosa, Minas Gerais, durante os anos de 2011 e 2012 acompanhou 168 mulheres e seus filhos durante 120 dias e observou que a falta de ajuda do companheiro no cuidado do bebê aumenta a probabilidade de interrupção do AME em 33%, comparado com as mulheres que receberam este apoio.
26 Esse resultado confirma os achados do presente estudo mostrando, em uma outra região do país, um efeito semelhante com relação a práticas de cuidado e apoio ao recém-nascido e à mulher que amamenta. Como o estudo de Minas Gerais não teve continuidade após os 120 dias, o desaparecimento deste efeito protetor do AME observado pelo nosso estudo não pode ser mais bem comparado.
A redução da diferença na duração do AME aos quatro meses pós-parto entre os grupos com e sem companheiro poderia ser um confundimento atribuído ao retorno das mulheres ao trabalho, sendo este um fator importante já descrito na literatura.
17 Entretanto no estudo atual a comparação da duração do AME entre mulheres que realizam trabalho remunerado, com ou sem licença maternidade, ou ainda a comparação destas com aquelas que não trabalham não foi observada, o que reforça os achados com relação ao resultado positivo da presença do companheiro neste período para uma maior duração do AME.
Faz-se necessário estudos que possam identificar o papel do companheiro, bem como suas concepções com relação ao aleitamento materno e consequentemente direcionar ações de saúde voltadas para este público, destacando o possível impacto positivo que este tipo de ação pode ter para o incremento da duração do AME, direta ou indiretamente.
27O uso de chupeta nos primeiros meses de vida é comprovadamente prejudicial à prática e manutenção do AME, entretanto ainda é comum entre lactentes de pouca idade.
28 Meta-análise realizada com estudos epidemiológicos brasileiros, identificou que entre as características relacionadas à criança, o uso de chupeta foi um dos principais fatores associados à interrupção do AME,
29 resultado que se confirma em estudos internacionais que demonstram que esta prática causa o comprometimento na sucção e consequentemente a diminuição da produção de leite.
30O uso de mamadeira não foi incluído nas análises devido ao fato de o desfecho estudado haver sido o AME, desta forma o uso da mamadeira, mais do que um fator de risco, já se configura a própria interrupção desta prática, salvo pouquíssimos casos de administração de leite humano extraído via mamadeira.
22Uma limitação deste estudo foi não acompanhar todas as mulheres recrutadas nos serviços de saúde, o que é um desafio para os estudos de coorte, mas as análises mostraram que as perdas foram aleatórias, minimizando este problema. Também é importante considerar que este não é um estudo de representatividade populacional, mas um estudo de seguimento que tem a finalidade de identificar fatores relacionados à duração de AME num grupo de mulheres atendidas no SUS, de modo que os resultados observados devem ser analisados com cautela.
Como ponto positivo as entrevistas foram todas feitas no domicílio e por entrevistadores treinados e buscou-se confirmar as informações entre cada entrevista, utilizando-se sempre a mais recente para evitar viés de memória. As informações referidas são simples e de fácil entendimento, garantindo a qualidade dos dados analisados. Apesar da existência de muitos estudos que abordam este mesmo tema, os estudos de coorte como este permitem observar relações de causa e efeito e identificar quais experiências vivenciadas pelas mulheres favorecem uma prática de AME mais duradoura.
Conclui-se que o apoio prolongado do companheiro pode ser uma estratégia viável para a melhora do AME. Ações de promoção e não oferecer chupeta são importantes para uma maior duração do AME e o apoio e manejo no puerpério precisam ser fortalecidos. Além disso, recomenda-se que novos estudos com maior poder estatístico sejam realizados, inclusive com amostras representativas da população, contribuindo para o fortalecimento do cuidado do grupo materno-infantil de forma integral, universal, equânime e continua durante o período de lactação.
Referências1. Venancio SI, Saldiva SR, Monteiro CA. Tendência secular da amamentação no Brasil. Rev Saúde Pública. 2013; 47 (6): 1205-8.
2. Pérez-Escamilla R, Dykes FC, Kendall S. Gearing to success with national breastfeeding programmes: The Becoming Breastfeeding Friendly (BBF) initiative experience. Matern Child Nutr. 2023 Jan; 19 (Suppl. 1): e13339.
3. Presidência da República. Lei nº 11.265, de 3 de janeiro de 2006. Regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos. Brasília (DF): DOU de 4 de janeiro de 2006. [acesso em 2024 Abr 6]. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11265.htm4. Lamounier JA, Chaves RG, Rego MAS, Bouzada, MCF. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: 25 anos de experiência no brasil. Rev Paul Pediatr. 2019; 37: 486-93.
5. Melo DS, Oliveira MH, Pereira DS. Brazil's progress in protecting, promoting and supporting breastfeeding from the perspective of the global breastfeeding collective. Rev Paul Pediatr. 2021; 39: e2019296.
6. Silva KB. Oliveira MIC, Boccolini CS, Sally EOF. Promoção comercial ilegal de produtos que competem com o aleitamento materno. Rev Saúde Pública. 2020; 54: 10.
7. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos. 4: ENANI 2019. [
Internet] Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. (108 p.). [acesso em 2024 Abr 6]. Disponível em:
https://enani.estudiomassa.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Relatorio-4-ENANI-2019-Aleitamento-Materno.pdf8. Cherol CCS, Ferreira AA, Lignani JB, Salles-Costa R. Regional and social inequalities in food insecurity in Brazil, 2013-2018. Cad Saúde Pública. 2023; 38: e00083822.
9. Dib S, Fair FJ, McCann LJ, Nicholls A, Kalea AZ, Soltani H,
et al. Effects of Exclusive Breastfeeding Promotion Interventions on Child Outcomes: A Systematic Review and Meta-Analysis. Ann Nutr Metab. 2024; 80 (2): 57-73.
10. Horta BL, Rollins N, Dias MS, Garcez V, Pérez-Escamilla R. Systematic review and meta-analysis of breastfeeding and later overweight or obesity expands on previous study for World Health Organization. Acta Paediatr. 2023 Jan; 112 (1): 34-41.
11. Qiao J, Dai LJ, Zhang Q, Ouyang YQ. A Meta-Analysis of the Association Between Breastfeeding and Early Childhood Obesity. J Pediatr Nurs. 2020; 53: 57-66.
12. Martins EJ, Giugliani ERJ. Which women breastfeed for 2 years or more? J. Pediatr. 2012; 88 (1): 67-73.
13. Alves, Jessica de Souza, Oliveira, Maria Inês Couto de, e Rito, Rosane Valéria Viana Fonseca. Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo. Ciênc Saúde Colet. 2018; 23 (4): 1077-88.
14. Mais LADomene SMA, Barbosa MB, Taddei JAAC. Diagnóstico das práticas de alimentação complementar para o matriciamento das ações na Atenção Básica. Ciênc Saúde Colet. 2014; 19 (1): 93-104.
15. Venancio SI, Saldiva SRDM, Monteiro CA. Tendência secular da amamentação no Brasil. Rev Saúde Pública. 2013 Dec; 47 (6): 1205-8.
16. KoboToolBox. Harvard Humanitarian Initiative. 2020. [acesso em 2022 Nov 12]. Disponível em:
https://www.kobotoolbox.org/ 17. Vianna RPT, Rea MF, Venancio SI, Escuder MM. A prática de amamentar entre mulheres que exercem trabalho remunerado na Paraíba, Brasil: um estudo transversal. Cad Saúde Pública. 2007 Oct; 23 (10): 2403-9.
18. Palmeira PA, Santos SMC, Vianna RPT. Prática alimentar entre crianças menores de dois anos de idade residentes em municípios do semiárido do Estado da Paraíba, Brasil. Rev Nutr. 2011 Jul; 24 (4): 553-63.
19. Venancio SI, Melo DS, Relvas GRB, Bortoli MC, Araújo BC, Oliveira CF,
et al. Effective interventions for the promotion of breastfeeding and healthy complementary feeding in the context of Primary Health Care. Rev Paul Pediatr. 2022; 41: e2021362.
20. Cohen SS, Alexander DD, Krebs NF, Yuong BE, Cabana MD, Erdmann P,
et al. Factors Associated with Breastfeeding Initiation and Continuation: A Meta-Analysis. J Pediatr. 2018; 203: 190-196.e21.
21. Rocha GP, Oliveira MDCF, Ávila LBB, Longo GZ, Cotta RMM, Araújo RMA. Condicionantes da amamentação exclusiva na perspectiva materna. Cad Saúde Pública. 2018; 34 (6): e00045217.
22. Galvão DMPG, Silva EMB, Silva DM. Use of new technologies and promotion of breastfeeding: integrative literature review. Rev Paul Pediatr. 2021; 40: e2020234.
23. Cavalcanti DS, Cabral CS, Toledo Vianna RP, Osório MM. Online participatory intervention to promote and support exclusive breastfeeding: Randomized clinical trial. Matern Child Nutr. 2019; 15 (3): e12806.
24. Freitas DAK, Pires T, Willges BS, Daudt L, Käfer KD, Martins FS,
et al. Determinantes para a interrupção do aleitamento materno exclusivo aos 30 dias de vida. Rev Paul Pediatr. 2022; 40: e2021096.
25. Brandt GP, Britto AMA, Leite CCDP, Marin LG. Factors Associated with Exclusive Breastfeeding in a Maternity Hospital Reference in Humanized Birth. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43(2): 91-6.
26. Machado MC, Assis KF, Oliveira FC, Ribeiro AQ, Araújo RM, Cury AF,
et al. Determinants of the exclusive breastfeeding abandonment: psychosocial factors. Rev Saúde Pública. 2014 Dec; 48 (6): 985-94.
27. Mitchell-Box KM, Braun KL. Impact of male-partner-focused interventions on breastfeeding initiation, exclusivity, and continuation. J Hum Lact. 2013; 29 (4): 473-9.
28. Santos EMD, Silva LS, Rodrigues BFS, Amorim TMAX, Silva CS, Borba JMC,
et al. Avaliação do aleitamento materno em crianças até dois anos assistidas na atenção básica do Recife, Pernambuco, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2019; 24 (3): 1211-22.
29. Pereira-Santos M, Santana MS, Oliveira DS, Nepomuceno RA, Lisboa CS, Almeida LMR,
et al. Prevalência e fatores associados à interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo: meta-análise de estudos epidemiológicos brasileiros. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017; 17 (1): 59-67.
30. Buccini GDS, Pérez-Escamilla R, Paulino LM, Araújo CL; Venancio SI. Pacifier use and interruption of exclusive breastfeeding: Systematic review and meta-analysis. Matern Child Nutr. 2017; 13 (3): e12384.
Contribuição dos autores: Silva LKC: conceituação do trabalho, análises, coleta de dados, definição da metodologia, administração do projeto, escrita na versão inicial e escrita versão final.
Viana MACBM: curadoria dos dados, definição da metodologia e da revisão da versão final.
Oliveira SF: coleta de dados e da escrita da revisão e versão final do manuscrito.
Lima RLFC: conceituação do trabalho, definição da metodologia e escrita da versão final e revisão.
Vianna RPT: conceituação do trabalho, análises, aquisição do financiamento, definição da metodologia, administração do projeto, escrita na versão inicial e escrita versão final.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 16 de Maio de 2024
Versão final apresentada em 5 de Dezembro de 2024
Aprovado em 9 de Dezembro de 2024
Editor Associado: Ricardo Cobucci