Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma

Licença Creative Commons

ARTIGOS ORIGINAIS


Acesso aberto Revisado por pares
0
Visualização

Tendência e clusters de alto risco para a ocorrência de anomalias congênitas no Estado de Mato Grosso, Brasil (2008-2019)

Bruna Rayeli Groth1; Eliziani Gonçalves da Silva2; Camila Beatriz Alves da Rocha3; Bruna Hinnah Borges Martins de Freitas4; Rafaela Benevides Ferreira Machado5; Elena Alves Benevides Ferreira6; Lúbia Maieles Gomes Machado7; Emerson Soares dos Santos8; Iara Denise Endruweit Battisti9; Silvana Margarida Benevides Ferreira10

DOI: 10.1590/1806-9304202500000111 e20240111

RESUMO

OBJETIVOS: analisar a dinâmica espaço-temporal da prevalência de anomalias congênitas em municípios de Mato Grosso (MT), Centro-Oeste brasileiro, no período de 2008 a 2019.
MÉTODOS: estudo ecológico de casos residentes em MT, no período de 2008 a 2019. Utilizou-se a Variação Percentual Anual (VPA) dos coeficientes na análise de tendência, por meio de regressão de Prais-Winsten e identificação de clusters de alto risco.
RESULTADOS: a taxa de malformação congênita no estado foi de 6,52 por 1.000 nascidos vivos, apresentando tendência estacionária (VPA= -1,02; IC95%= -2,93-0,93). A maioria das anomalias congênitas apresentou tendência estacionária, exceto do aparelho cardiovascular (VPA=13,58; IC95%= 3,60-24,52). Neonatos com ≤7 pontos do índice de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida, apresentaram tendência crescente (VPA=2,30; IC95%= 0,05-4,60 e VPA=4,15; IC95%= 1,52-6,65, respectivamente). A distribuição espacial teve caráter heterogêneo com as maiores taxas médias de casos entre as macrorregiões de saúde Oeste, Centro-Norte e Sul, e a varredura espaço-temporal identificou três clusters de alto risco entre 2015 e 2019, com RR de até cinco vezes maior para anomalias.
CONCLUSÃO: as anomalias congênitas em MT apresentaram uma dinâmica heterogênea com áreas de alto risco específicas. A tendência crescente entre fatores maternos e neonatais destaca a necessidade de estratégias regionais de prevenção e controle.

Palavras-chave: Anormalidades congênitas, Análise espaço-temporal, Conglomerados espaço-temporais

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the spatiotemporal dynamics of the prevalence of congenital anomalies in in cities of Mato Grosso (MT), in the Mid-West of Brazil, from 2008 to 2019.
METHODS: an ecological study of cases in MT during the period from 2008 to 2019. The Annual Percent Change (APC) of the coefficients was used in the tendency analysis, through Prais-Winsten regression and the identification of high risk clusters.
RESULTS: the congenital malformation rate in the State was 6.52 per 1,000 live births, demonstrating a stationary tendency (APC-1.02; 95%CI= -2.93-0.93). Most congenital anomalies showed a stationary tendency, except for those of the cardiovascular system (APC=13.58; 95%CI= 3.60-24.52). Newborns with an Apgar score of ≤ 7 at the first and fifth minutes of life showed an increased tendency (APC=2.30; 95%CI=0.05-4.60 and APC=4.15; 95%CI= 1.52-6.65, respectively). The spatial distribution was heterogeneous, with the highest average rates of cases in the West, Central North, and South health macro-regions. The spatiotemporal scan identified three high risk clusters between 2015 and 2019, with a relative risk (RR) up to five times higher for anomalies.
CONCLUSION: congenital anomalies in MT exhibited a heterogeneous dynamic with specific high risk areas, and their increasing tendency among maternal and neonatal factors highlights the need for regional prevention and control strategies.

Keywords: Congenital anomalies, Spatio temporal analysis, Spatio temporal clusters

Introdução
Anomalias congênitas (AC) são anormalidades estruturais ou funcionais, incluindo distúrbios metabólicos, que podem ser identificadas antes e durante o nascimento ou mais tarde na vida. Trata-se de distúrbios de origem pré-natal, que podem ser causados por defeitos de gene único, distúrbios cromossômicos, herança multifatorial, teratógenos ambientais ou desnutrição de micronutrientes. Dentre as AC, estão as malformações congênitas que se referem a defeitos na morfogênese dos órgãos ou corpos.1,2
As AC comumente se classificam em anomalias maiores e menores. Enquanto as anomalias maiores são responsáveis pela maioria das mortes, morbidades e incapacidades relacionadas, as menores, embora mais prevalentes na população em geral, não causam problemas significativos de saúde no período neonatal e tendem a ter consequências sociais ou estéticas limitadas para o indivíduo afetado.1 Deve-se considerar também as AC internas, e as AC externas, o que determinará a oportunidade diagnóstica ocorrer no pré-natal, durante ou depois do nascimento.1
Estima-se que 6% dos nascidos vivos (NV) são diagnosticados com algum tipo de anomalia congênita no mundo. Entretanto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse percentual pode ser maior porque as estatísticas geralmente não consideram gestações interrompidas e natimortos. A cada ano, em todo o mundo, 295.000 recém-nascidos morrem antes de completar quatro semanas de idade devido a AC e complicações associadas.3
No Brasil, as anomalias são a segunda principal causa de mortalidade em menores de cinco anos. Entre os anos de 2010 e 2022, foram registrados 37.126.352 NV, dos quais 309.140 (0,83%) apresentaram alguma anomalia congênita, sendo que em média 24 mil NV ao ano apresentaram alguma AC, com prevalência de 83 casos para cada 10 mil NV.4 Entre as unidades federativas no Brasil, as regiões com maior prevalência de AC por mil NV que se destacaram em 2022 foram: Sudeste, com 14,13; Sul, com 11,41; e Nordeste, com 11,18.4
Entre 2010 e 2019, no Brasil, foram notificados 16 mil NV/ano com alguma AC nos oito grupos prioritários para vigilância do nascimento no país. Dentre esses, destacam-se: defeitos de membros, cardiopatias congênitas, fendas orais, defeitos de tubo neural, defeitos da parede abdominal, microcefalia, defeitos de órgãos genitais e Síndrome de Down. Tais casos correspondem a 66% por ano do total de NV diagnosticados com qualquer tipo de AC registrado no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc).4
É necessário que a vigilância dos nascimentos seja realizada de forma contínua para determinar a presença de AC. As prevalências dos diferentes agravos e condições de saúde variam conforme as características de pessoa, tempo e lugar, considerando as características maternas, gestacionais e dos próprios NV. Evidências indicam que as AC mais comuns encontradas são as osteoarticulares (30%), do sistema cardiovascular (25%) e da cabeça e do pescoço (13%). Essas anomalias estão associadas a uma maior chance de ocorrência do evento em prematuros, em gestantes com idade acima de 40 anos e menores de 19 anos, em recém-nascidos com peso ao nascer entre 500 e 2500g e com peso maior que 3550g e em gestações múltiplas.4,5
Um estudo de tendência e análise temporal (2001 a 2016) de AC realizado por Reis et al.6 indicou um aumento nos registros ao longo dos anos, crescendo de 19,3/10.000 em 2001 para 62,0/10.000 NV em 2016. Observaram-se diferenças entre municípios investigados com aglomerados de AC, com valores elevados entre as regiões estudadas.6 Desta forma, é necessária a realização de estudos que evidenciem análises espaço-temporais de maneira robusta, que permitam visualizar a dinâmica das AC, assim como identifiquem as áreas de maior risco para a sua ocorrência.
Assim, o presente estudo teve por objetivo analisar a dinâmica espaço-temporal da prevalência de anomalias congênitas em municípios de Mato Grosso, Centro-Oeste, Brasil, no período de 2008 a 2019.
Métodos
Este estudo ecológico analisa a tendência temporal, as taxas médias de casos de AC e os clusters de alto risco nos 141 municípios do estado de MT, Brasil, no período de 2008 a 2019.
O estado de MT está localizado na região Centro-Oeste do Brasil, possui 141 municípios incluídos na Amazônia Legal, sendo Cuiabá a sua capital, e está dividido geograficamente em seis macrorregiões de saúde: Norte, Sul, Leste, Centro Noroeste, Oeste e Centro Norte. Abrange uma área territorial de 903.208,361 km2, reunindo uma população de 3.658.813 habitantes, com 58.169 NV no ano de 2022.7
O período de coleta dos dados foi definido para abranger eventos ocorridos ao longo de doze anos. Os dados foram extraídos do Sinasc disponibilizados pela Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso (SES/MT). A coleta incluiu informações sobre as características dos nascimentos e o registro da presença de anomalias congênitas na Declaração de Nascido Vivo (DNV). Foram incluídos na pesquisa apenas os nascimentos em que foi identificada a anomalia congênita no recém-nascido. Não foram considerados na análise, os registros de anomalias congênitas em branco ou ignorados.
A população do estudo (n=4.207) foi composta por NV com AC, oriundos de mães residentes nos municípios do estado de Mato Grosso, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2019, conforme registrados no Sinasc a partir da DNV.8
As variáveis analisadas quanto às características maternas foram: faixa etária materna (≤25 anos e >25 anos), escolaridade materna (≤7 anos e >7 anos) e idade gestacional (≤36 semanas e >36 semanas).
As variáveis relativas ao recém-nascido foram: sexo (feminino e masculino), peso ao nascer (≤2.500g e >2.500g) e índice de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida (≤7 e >7). As variáveis relativas às AC foram selecionadas de acordo com o Código Internacional de Doenças (CID10): cromossômicas – Q90-Q99, do sistema nervoso central – Q00-Q07, da cabeça e do pescoço – Q10-Q18, Q30-Q31; Q35-Q38, do sistema respiratório – Q32-Q34, do aparelho cardiovascular – Q20-Q28, do aparelho digestivo – Q39-Q45, genitais – Q50-Q56, do aparelho urinário – Q60-Q64 e do aparelho osteomuscular – Q65-Q79.
Para o gerenciamento e a análise de tendência temporal, utilizou-se o software Stata 11.1. A Variação Percentual Anual (VPA) dos coeficientes foi calculada por meio da regressão de Prais-Winsten que corrige a autocorrelação de primeira ordem.9 A variável dependente foi o logaritmo dos coeficientes, e a variável independente consistiu nos anos da série histórica. A estimação quantitativa da tendência foi calculada pela seguinte expressão: VPA= [– 1 + 10b] *100%. Os Intervalos de Confiança (IC), foram calculados como: IC95%= [– 1 + 10b±t*se.] *100%, em que "b" corresponde à taxa de crescimento anual, "se" ao erro padrão e "t" ao valor fornecido pela tabela da distribuição de t de Student. A série foi considerada crescente quando a taxa foi positiva, decrescente quando negativa e estacionária quando não houve diferença significativa entre seu valor e o zero no IC.
Foi realizada distribuição espacial com as taxas médias por município, considerando a média de casos e de população de NV do mesmo período, multiplicados pela constante 1.000. Para a varredura espaço-temporal, foi definido janela circular para a identificação de clusters de alto risco (RR>1,0), tendo como parâmetro de entrada a distribuição de probabilidade discreta de Poisson, raio adaptativo e coordenadas planas (X,Y) para os municípios do estado, com significância estatística pela simulação de Monte Carlo. Para a análise utilizou-se o software SaTScan, versão 10.1.10
Para a estimação do Risco Relativo (RR) e respectivos valores de p≤0,05 de cada cluster, foi calculado um valor que representa a susceptibilidade de uma área à ocorrência do evento em relação às demais áreas estudadas.10 Também foram calculados os RR dos municípios, para melhor compreensão da dinâmica de cada cluster identificado. Todos os mapas foram gerados no software ArcGis 9x (ESRI Corp).
O presente projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso – Área da Saúde (CEP/SAÚDE), sob o Parecer nº 4.082.907.
Resultados
Foram incluídos no estudo 4.207 casos de anomalias congênitas no período da pesquisa, correspondendo a uma taxa de 6,52 por 1.000 NV, apresentando tendência estacionária (VPA -1,02; IC95%= -2,93-0,93).
A prevalência de AC foi maior entre os meninos comparados às meninas, com taxas de 7,14 e 5,68 por 1.000 NV, respectivamente, ambas com tendência estacionária (Figura 1).
 


Em relação à apresentação das características das AC (Tabela 1), observa-se que todos os tipos de AC tiveram uma variação de tendência estacionária, com exceção das anomalias do aparelho cardiovascular (VPA=13,58; IC95%= 3,60-24,52).
 


Ainda quanto aos tipos de AC, observa-se que a maior proporção de ocorrência de casos foi representada pelas osteoarticulares (n=1757; 41,76%), seguidas das anomalias de cabeça e do pescoço (n=747; 17,76%) e do Sistema Nervoso Central (SNC) (n=668; 15,88%). Comparando-se o ano de 2008 com o de 2019, isoladamente observou-se um aumento da proporção de AC para o SNC (9,9% versus 11,9%), o cardiovascular (1,31% versus 5,97%) e o urinário (1,96% versus 5,97%). Em contrapartida, houve uma redução da proporção de anomalias em comparação com esses anos para os tipos de casos de AC de cabeça e do pescoço (24,2% versus 8,49%) e do aparelho genital (5,57% versus 0,94%).
Quanto ao peso ao nascer, as anomalias foram mais frequentes entre os que pesaram mais de 2.500g (n=3.066; 72,88%), com tendência estacionária (VPA= -0,56; IC95%= -1,55-0,44). Os NV que registraram ≤7 pontos no primeiro e no quinto minutos de vida, na avaliação do índice de Apgar, apresentaram tendência crescente para AC (VPA=2,30; IC95%=0,05-4,60 e VPA=4,15; IC95%= 1,52-6,65, respectivamente). As categorias de análise materna e com tendência crescente incluem: faixa etária maior de 25 anos, escolaridade maior de sete anos de estudo e idade gestacional inferior a 36 semanas (VPA=6,62; IC95%=2,70-10,69; VPA=2,43; IC95%=1,92-2,95; VPA=3,14; IC95%=0,92-5,42, respectivamente).
A distribuição espacial das taxas médias de anomalias congênitas entre os municípios mato-grossenses é heterogênea, com observação de taxas acima de 11 casos por 1.000 NV em todas as macrorregiões de saúde, sendo mais prevalente nas macrorregiões de saúde Oeste, Centro-Norte e Sul (Figura 2).
 


A varredura espaço-temporal identificou três clusters de alto risco (Figura 3), estatisticamente significantes para a ocorrência de AC, que incluíram 35 municípios (24,8%). O cluster 3 possui RR de cinco vezes para a ocorrência de AC em relação aos demais municípios, nos anos de 2016 e 2017, e inclui dois municípios (Porto dos Gaúchos e Tabaporã) pertencentes à macrorregião de saúde Norte. Na sequência, o cluster 1, com RR de 1,8 vezes para a ocorrência de AC, entre 2015 e 2019, e incluiu cinco municípios pertencentes à macrorregião de saúde Sul. Por último, o cluster 2, de RR de 1,48, entre 2016 e 2018, que incluiu 28 municípios pertencentes às macrorregiões de saúde Oeste, Centro Noroeste e Centro Norte do estado.
 


Discussão
Os resultados deste estudo revelaram uma heterogeneidade na prevalência de AC entre os municípios de MT no período estudado. A maioria das AC apresentou tendência estacionária, exceto as do aparelho cardiovascular, que aumentaram significativamente. Houve maior prevalência das anomalias osteoarticulares, assim como entre neonatos com peso superior a 2.500g, ambas com tendência estacionária. Os neonatos que registraram ≤7 pontos na avaliação do índice de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida, apresentaram tendência crescente para AC. Características maternas associadas a ocorrência de AC e com tendência crescente para o agravo incluíram idade superior a 25 anos, maior escolaridade e idade gestacional inferior a 36 semanas. A análise espaço-temporal identificou três clusters de alto risco para AC, destacando áreas com maior susceptibilidade. Esses achados fornecem uma compreensão detalhada das variações e áreas de maior risco, respondendo ao objetivo do estudo.
As AC são uma causa importante de incapacidade e mortalidade infantil, em especial no período neonatal, e constituem um considerável e crescente desafio clínico e de saúde pública, devido ao impacto sobre a saúde da população.11
Foi evidenciada uma prevalência de AC de 6,52 por 1.000 NV com tendência estacionária em MT no período analisado. Desta forma, esse dado foi menor do que em outros estados brasileiros, conforme outros estudos, onde foram encontradas uma taxa média de ocorrência de AC de 9,20 por 1.000 NV de 2005 a 2014 no Rio Grande do Sul12 e uma taxa média de 8,36 por 1.000 NV de 2015 a 2019 em Rondônia, outro estado da Amazônia Legal.13 No entanto, a taxa de AC no estado de MT é semelhante a que foi apontada em um estudo realizado entre 2001 e 2016 no estado do Maranhão, sendo a prevalência de 6,2 por 1.000 NV.14
A flutuação da taxa de prevalência geral entre 2008 e 2015 apresentada na Figura 1 pode ter sido atribuída a uma mudança aplicada na DNV a partir de 2011, o que pode ter gerado um aumento no número de notificações.11 Os dados deste estudo demonstraram que as anomalias osteoarticulares, foram as mais frequentes, similar a estudos no Rio Grande do Sul e em Rondônia.12,13 Tal fato pode ocorrer devido a facilidade de identificação dessas AC por estudos de imagem durante o pré-natal ou exame físico após o parto.15
Também se identificou um pequeno aumento, estatisticamente não significativo, nas AC do SNC, de 9,9% no ano de 2008 para 11,9% no ano de 2019, possivelmente explicado pela exposição ao vírus Zika a partir de 2015, conforme análise do Ministério da Saúde.16 Houve uma tendência de aumento na proporção de AC do aparelho cardiovascular, reforçando a vigilância em casos específicos, como a instituição da oximetria de pulso como teste de triagem neonatal.17
Semelhante a outros estudos,13,18,19 o estado de MT apresentou maior prevalência de AC nos recém-nascidos que pesaram acima de 2.500g. Defeitos congênitos podem estar associados a essas características dos recém-nascidos.20,21
Observou-se que as AC tiveram tendências crescentes para índice de Apgar menor do que sete no primeiro e no quinto minutos de nascimento, e em neonatos nascidos com idade gestacional inferior a 37 semanas de gestação, reforça a prematuridade como um fator de risco. A prematuridade juntamente com a ocorrência de AC, representam um importante problema de saúde pública, aumentando da morbimortalidade neonatal.19
Este estudo também indicou uma tendência crescente de AC entre a população materna com idade superior a 25 anos, confirmando os resultados de um estudo que indicou que a média da idade materna com AC foi de 25,59±7,6 anos, com apenas 10% das mães com mais de 40 anos.21 Erros meióticos cromossômicos aumentam com a idade materna, o que pode resultar em AC.22
Nesta pesquisa foi encontrado maior prevalência e tendência crescente de AC nas mães com mais de sete anos de estudos, apontando que a melhor escolaridade materna pode auxiliar no diagnóstico precoce das AC,11 divergindo de outros estudos11,13,23,24 que associaram AC a mães com menos de sete anos de estudo. Novas pesquisas que são necessárias para explorar esta associação.
A distribuição espacial revelou variações heterogêneas das taxas médias de AC em todos os municípios, com maior prevalência nas macrorregiões de saúde Oeste, Centro-Norte e Sul. A estatística de varredura espaço-temporal identificou áreas de maior risco no período de 2015 a 2019, que incluíram 24,8% dos municípios, com destaque ao cluster 3 (2016 e 2017), localizado na macrorregião Norte, que apresentou um RR de cinco vezes maior para ocorrência de AC. Municípios dessa macrorregião Norte estão entre os maiores produtores de grãos e cana-de-açúcar, além de aumento de 49,41% na área plantada de soja entre os anos de 2003 e 2015,25 com uso de grandes quantidades de agrotóxicos, o que pode estar relacionado ao maior risco para AC.
Em MT, a comercialização de agrotóxicos de 2000 a 2016, aumentou em 480,3%, o que superou o aumento da área de plantio (139,6%). A exposição a agrotóxicos está associada a AC, o que pode corroborar a hipótese de que a exposição ambiental tem aumentado a prevalência de AC, especialmente recém-nascidos rurais.26,27,28
As principais limitações deste estudo estão relacionadas à qualidade e completude dos dados obtidos através da DNV e do Sinasc, que podem variar entre os municípios e ao longo do tempo. A dependência de dados secundários pode levar a subnotificações ou classificações incorretas de AC, impactando a precisão das estimativas de prevalência. Além disso, a mudança na DNV a partir de 2011 pode ter influenciado a flutuação nas taxas de prevalência, dificultando comparações diretas ao longo do período estudado. A heterogeneidade na disponibilidade e qualidade dos serviços de saúde entre os municípios também pode afetar a detecção e registro de AC, potencialmente subestimando a prevalência em áreas com menor acesso a cuidados de saúde adequados. A análise espacial e temporal, embora robusta, pode não captar todas as nuances das variáveis ambientais e socioeconômicas que contribuem para a ocorrência de AC. Além disso, a relação causal entre a exposição a agrotóxicos e o aumento de AC, sugerida pelos clusters de alto risco identificados, não pôde ser confirmada neste estudo e requer investigação adicional.
Este estudo contribui para o entendimento da prevalência e distribuição espacial das AC em MT, identificando clusters de alto risco e a tendência das AC conforme características maternas e dos recém-nascidos. Recomenda-se a implementação de programas de vigilância ativa para AC, abrangendo nascidos vivos, natimortos e abortos, para melhorar a detecção precoce e monitoramento. É essencial investigar melhor a relação entre a exposição a agrotóxicos e a ocorrência de AC, especialmente em áreas agrícolas.
Referências
1. World Health Organization (WHO). Birth defects surveillance: a manual for programme managers, second edition. Geneva: WHO; 2020. [acesso em 2024 Jul 24]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240015395
2. Mekonen, H.K., Berhe, Y., Berihu, B.A. Teka H, Hadgu A, Gebregziabher L, et al. A silent epidemic of major congenital malformations in Tigray, northern Ethiopia: hospital-based study. Sci Rep. 2021; 11 (1): 21035.
3. World Health Organization (WHO). Congenital disorders. Geneva: WHO; 2023. [Internet]. [acesso em 2024 Jul 24]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/birth-defects
4. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Boletim Epidemiológico Vol. 54 Nº 3. Análise da situação epidemiológica das anomalias congênitas no Brasil, 2010 a 2021. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2023. [Internet]. [acesso em 2024 Jul 24]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2023/boletim-epidemiologico-volume-54-no-03/view 54: 1-26.
5. Cosme HW, Lima LS, Barbosa LG. Prevalence of congenital anomalies and their associated factors in newborns in the City of São Paulo from 2010 to 2014. Rev Paul Pediatr. 2014 Mar; 35 (1): 33-8.
6. Reis LC, Barbian MH, Cardoso-dos-Santos AC, Silva EVL, Boquett JA, Schuler-Faccini L. Prevalence of congenital anomalies at birth among live births in the state of Maranhão from 2001 to 2016: temporal and spatial analysis. Rev Bras Epidemiol. 2021; 24 (Suppl. 1): 1-11.
7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nascidos Vivos [Internet]. Brasil, 2022. [acesso em 2024 Jul 23]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
8. Castilla EE, Oriolli IM, Luquetti DV, Dutra MG. Manual de preenchimento e de codificação de anomalias congênitas no campo 34 da DN (SINASC). ECLAMC: Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações Congênitas. INaGeMP no IOC; 2010.
9. Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde. 2015 Set; 24 (3): 565-76.
10. Kulldorff M. SaTScanTM user guide for version 10.1. 2018. [acesso em 2023 Oct 20]. Disponível em: https://www.satscan.org/cgibin/satscan/register.pl/SaTScan_Users_Guide.pdf?todo=process_userguide_download.
11. Luz GDS, Karam SM, Dumith SC. Anomalias congênitas no estado do Rio Grande do Sul: análise de série temporal. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22: 1-14.
12. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Vol. 52 Nº6. Anomalias congênitas no Brasil, 2010 a 2019: análise de um grupo prioritário para a vigilância ao nascimento. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2021. [acesso em 2024 Jul 23]. Disponível em: http://plataforma.saude.gov.br/anomalias-congenitas/boletim-epidemiologico-SVS-06-2021.pdf
14. Reis LC, Barbian MH, Cardoso-dos-Santos AC, Silva EVL, Boquett JA, Schuler-Faccini L. Prevalence of congenital anomalies at birth among live births in the state of Maranhão from 2001 to 2016: temporal and spatial analysis. Rev Bras Epidemiol. 2021; 24 (Suppl. 1): e210020.
15. Wojcik MH, Agrawal PB. Deciphering congenital anomalies for the next generation. Cold Spring Harb Mol Case Stud. 2020 Oct; 6 (5): a005504.
16. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2017. [acesso em 2024 Jul 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2015_2016_analise_zika.pdf
17. Brasil. Portaria nº 20, de 10 de Junho de 2014. Torna pública a decisão de incorporar a oximetria de pulso - teste do coraçãozinho, a ser realizado de forma universal, fazendo parte da triagem Neonatal no Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília (DF): DOU de 10 de Junho de 2014. [acesso em 2024 Jul 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2014/prt0020_10_06_2014.html
18. Freitas LCS, Nunes AA, Meneguci J, Nascimento Neto GC, Castro SS. Association of congenital anomalies in live births with their obstetric-neonatal and sociodemographic profiles. Texto Contexto Enferm. 2021; 30: e20200256.
19. Gonçalves MKS, Cardoso MD, Lima RAF, Oliveira CM, Bonfim CV. Prevalência e fatores associados às malformações congênitas em nascidos vivos. Acta Paul Enferm. 2021; 34: eAPE00852.
20. Franciotti D, Mayer G, Cancelier AC. Fatores de risco para baixo peso ao nascer: um estudo de caso-controle. Arq Cat Med. 2010; 39: 63-9.
21. Qadir M, Amir Shahril, Bano S. Prevalence and associated risk factors of congenital anomalies at a tertiary care hospital. Pak J Med Sci. 2017; 11: 942-4.
22. Toufaily MH, Westgate MN, Lin AE, Holmes LB. Causes of Congenital Malformations. Birth Defects Res. 2018; 110: 87-91.
23. Vanassi BM, Parma GC, Magalhães VS, Santos ACC, Isera BPM. Anomalias congênitas em Santa Catarina: distribuição e tendências no período de 2010–2018. Rev Paul Pediatr. 2021; 40: e2020331.
24. Tran M, Miner A, Merkel C, Sakurai K, Woon J, Ayala J, et al. Sociodemographic profile associated with congenital heart disease among infants <1 year old. J Pediatr Nurs. 2023; 73: e618-23.
25. Santos NB, Faria AMM, Dallemole D, Manso JRP. Desenvolvimento e crescimento econômico das macrorregiões de Mato Grosso nos anos 2005 e 2013. Interações (Campo Grande). 2017; 18 (3): 169–82.
26. Dutra LS, Ferreira AP. Tendência de malformações congênitas e utilização de agrotóxicos em commodities: um estudo ecológico. Saúde Debate. 2019; 43: 390-405.
27. Dutra LS, Ferreira AP. Malformações congênitas em regiões de monocultivo no estado de Minas Gerais, Brasil. Medicina (Ribeirão Preto). 2017; 50: 285-96.
28. Nicoll R. Environmental contaminants and congenital heart defects: A re-evaluation of the evidence. Int J Environ Res Public Health. 2018; 15: 2096.
Agradecimentos: Agradecemos ao Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP) pelo apoio financeiro.
Contribuição dos autores: Groth BR: concepção e planejamento do estudo, coleta, análise e interpretação dos dados. Ferreira SMB: concepção e planejamento do estudo, elaboração ou revisão do manuscrito. Silva EG, Rocha CBA, Freitas BHBM, Santos ES, Battisti IDE: coleta, análise e interpretação dos dados. Machado RBF, Ferreira EAB, Machado LMG: elaboração ou revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.


Recebido em 23 de Abril de 2024
Versão final apresentada em 23 de Setembro de 2024
Aprovado em 24 de Setembro de 2024

Editor Associado: Karla Bomfim

Copyright © 2025 Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por: