RESUMO
OBJETIVOS: analisar a evolução e as desigualdades na realização das consultas de pré-natal em Pernambuco segundo escolaridade materna.
MÉTODOS: estudo ecológico das gestantes que realizaram sete e mais consultas de pré-natal residentes em Pernambuco entre 2011 e 2020 segundo as variáveis escolaridade materna e ano do nascimento. Os dados foram obtidos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. A análise de tendência temporal foi realizada por meio do método de joinpoint regression e para análise dos padrões de desigualdades foram utilizadas medidas absolutas (diferença, razão), relativa (índice de concentração - CIX) e gráficos do tipo Equiplot.
RESULTADOS: observou-se uma tendência crescente no acesso das mulheres a sete e mais consultas de pré-natal entre 2011 e 2020 em Pernambuco (+3,6; p<0,001). Nas gestantes sem escolaridade, a cobertura pré-natal foi de 47,85%, enquanto entre aquelas com mais de 12 anos de estudo, chegou a 78,15%. O Índice de Concentração (CIX=0,0979; p<0,001) sugere que 9,79% do acesso ao pré-natal concentra-se nas mulheres com maior escolaridade.
CONCLUSÕES: apesar da expansão do pré-natal em Pernambuco, o acesso é desigual entre mulheres com diferentes níveis de escolarização, evidenciando a escolaridade materna como um marcador de iniquidades em saúde. É preciso adotar estratégias para garantir maior equidade no atendimento às gestantes mais vulneráveis.
Palavras-chave:
Cuidado pré-natal, Escolaridade, Indicadores de desigualdade em saúde, Disparidades nos níveis de saúde
ABSTRACT
OBJECTIVES: to analyze the evolution and inequalities in prenatal care consultations in Pernambuco, according to maternal education level.
METHODS: this is an ecological study of pregnant women who attended seven or more prenatal consultations and resided in Pernambuco between 2011 and 2020, stratified by maternal education level and year of birth. Data were obtained from the Live Birth Information System. Temporal trend analysis was performed using the joinpoint regression method, and patterns of inequality were assessed through absolute measures (difference, ratio), relative measures (concentration index - CIX), and Equiplot-type graphs.
RESULTS: a rising trend in access to seven or more prenatal consultations among women in Pernambuco was observed between 2011 and 2020 (+3.6; p<0.001). Among women with no formal education, prenatal coverage was 47.85%, while for those with more than 12 years of education, it reached 78.15%. The Concentration Index (CIX=0.0979; p<0.001) suggests that 9.79% of prenatal access is concentrated among women with higher education levels.
CONCLUSIONS: despite the expansion of prenatal care in Pernambuco, access remains unequal among women with different levels of education, highlighting maternal education as a marker of health inequities. Strategies need to be adopted to ensure greater equity in prenatal care for more vulnerable pregnant women.
Keywords:
Prenatal care, Educational status, Health inequality indicators, Health status disparities
IntroduçãoA saúde da mulher e da criança se caracteriza como um importante campo da Saúde Pública, apresentando indicadores que refletem as condições de vida da população. Neste contexto, a atenção ao pré-natal é constituída por um conjunto de ações e serviços voltados para o acolhimento e acompanhamento das gestantes, contribuindo para a melhoria dos indicadores materno-infantil e reduzindo os desfechos negativos relacionados à gestação e ao parto.
1,2No Brasil, entre os anos de 2000 a 2015, houve um aumento significativo do acesso das mulheres à atenção ao pré-natal, passando de 46,0% para 66,9%.
3 No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde (MS) vem priorizando o desenvolvimento de estratégias para ampliação e melhoria do acesso ao pré-natal, destacando-se a implementação da Rede Cegonha e do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN).
4 A iniciativa Rede Cegonha, lançada pelo Ministério da Saúde em 2011, considera como parâmetro de qualidade a realização de sete e mais consultas de pré-natal.
5Contudo, mesmo com os avanços no campo da saúde materno-infantil, verifica-se uma desigualdade no acesso à atenção pré-natal entre as mulheres brasileiras. Historicamente, o território nacional é marcado por iniquidades sociais, interferindo no acesso da população aos serviços de saúde. No que diz respeito à atenção ao pré-natal, as condições geográficas e socioeconômicas apresentam relação com o acesso e qualidade do pré-natal.
3Em relação às desigualdades no campo da saúde da criança, o princípio da "equidade inversa" é utilizado para debater as iniquidades sociais em saúde. Segundo este princípio, as políticas públicas atingem primeiro os grupos socioeconômicos mais favorecidos e, posteriormente, os mais desfavorecidos. Dessa forma, impulsiona as desigualdades em saúde e gera impactos nos indicadores relacionados à cobertura, morbidade e mortalidade.
6Nesse cenário, a escolaridade materna é considerada um importante marcador para avaliar as condições de vida da população feminina. As gestantes com menos anos de estudo apresentam uma maior concentração dos fatores de riscos e de desfechos negativos. Sendo assim, a escolaridade materna pode ser utilizada como um parâmetro para identificar os grupos populacionais mais vulneráveis, mensurando as desigualdades em saúde.
7,8A análise da evolução do acesso das gestantes à atenção pré-natal é uma estratégia para a identificação das iniquidades sociais, direcionando o planejamento das políticas públicas. A mensuração das desigualdades em saúde das gestantes que realizaram ao menos sete consultas, tendo a escolaridade como marcador, pode contribuir no desenvolvimento de políticas voltadas para redução da mortalidade materno-infantil e promoção da equidade em saúde.
9Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi analisar a evolução temporal e as desigualdades na realização das consultas de pré-natal em Pernambuco entre 2011 e 2020, segundo escolaridade materna.
MétodosTrata-se de um estudo ecológico misto (série temporal e desigualdades) com base em dados agregados dos nascidos vivos de gestantes que realizaram, ao menos, sete consultas de pré-natal residentes no estado de Pernambuco registrados no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) nos anos de 2011 e 2021.
A área de abrangência do estudo foi o estado de Pernambuco, localizado na Região Nordeste do Brasil, apresentando uma área de 98.067,877 km
2 e uma população estimada em 9.674.793 habitantes no ano de 2021. Pernambuco é considerado o sétimo estado mais populoso do país, sendo constituído por 184 municípios e um distrito estadual (Fernando de Noronha) e em 12 Regiões de Saúde.
10O estudo adotou as seguintes variáveis exploratórias: I – variável dependente: Proporção de nascidos vivos de gestantes que realizaram sete e mais consultas de pré-natal; II – variáveis independentes: Escolaridade materna (nenhuma escolaridade, 1 a 3 anos de estudo, 4 a 6 anos, 8 a 11 anos e 12 ou mais) e ano de nascimento (2011 a 2020). Como critério de exclusão, foram eliminados os dados de mães que realizaram menos de sete consultas pré-natal e aqueles onde a escolaridade não foi informada.
Foi calculada a proporção de nascidos vivos de gestantes que realizaram sete e mais consultas de pré-natal para cada grupo de escolaridade materna e ano, considerando no numerador o número de nascidos vivos de gestantes que realizaram ao menos sete consultas de pré-natal no ano e no denominador o número total nascidos vivos no ano, multiplicado por 100.
Os dados foram obtidos por meio da interface de consulta
online do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), sendo coletadas informações do Sinasc, que tem como documento base a Declaração de Nascidos Vivos (DNV), e com preenchimento compulsório em todo o território nacional.
11Para a análise de tendência temporal foi utilizado o método de
joinpoint regression, o qual permite analisar tanto tendências significantes quanto os pontos de inflexão, conhecidos como
joinpoints; ou, ainda, momentos em que uma alteração significativa de tendência ocorre ao longo do tempo. Esse método permite testar se determinada linha temporal, de múltiplos segmentos, é adequada estatisticamente para realizar a descrição da evolução temporal de dados, comparativamente a uma linha com menos segmentos ou reta.
12Foram estimadas as APC (Variações Percentuais Anuais, do inglês
Annual Percent Change) e a AAPC (variação percentual média anual, do inglês
Average Annual Percent Change) para o período analisado, com os respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% e significância estatística (
p). As análises de regressão foram realizadas utilizando o programa estatístico
Joinpoint Trend Analysis versão 4.9.0.1.
Para mensuração das desigualdades de acesso a sete e mais consultas de pré-natal foram empregadas as medidas simples e complexas, a saber: I -
Diferença: Diferença dos valores do indicador entre o grupo de referência (12 anos e mais) e o de comparação (nenhuma escolaridade); II -
Razão: Quociente dos valores do indicador entre o grupo de referência (12 anos e mais) e o de comparação (nenhuma escolaridade);
III - Índice de concentração (CIX): É uma medida relativa de desigualdade para estratificadores ordenados tendo por base a curva de Lorenz. É definido como o dobro da diferença entre as áreas limitadas, respectivamente, pela diagonal e a curva de Lorenz.
13Além disso, para identificar os padrões de desigualdades, a proporção de nascimentos de mães que realizaram sete e mais consultas de pré-natal foi estratificada por grupo de escolaridade materna em cada ano. A figura do tipo equiplot, o qual foi concebida pelo
International Center for Equity in Health, com o objetivo de analisar as desigualdades em saúde.
14Para processamento e análise dos dados foi utilizado o pacote estatístico do programa Stata, versão 16.1 (
https://www.stata.com).
O estudo foi desenvolvido por meio de dados secundários, de domínio público e disponibilizado gratuitamente, sendo garantida a confidencialidade das informações pessoais. Dessa forma, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510/2016, foi dispensada a submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa.
ResultadosEntre os anos de 2011 e 2020 o percentual de gestantes que realizou sete e mais consultas de pré-natal em Pernambuco passou de 54,2% para 71,8%, um incremento de 32,4%, com diferenciais por níveis de escolaridade materna. A menor cobertura de pré-natal foi verificada entre as gestantes sem escolaridade em todo o período (47,0%), enquanto naquelas mulheres com 12 anos de estudo ou mais observou-se maior cobertura (78,8%) (Figura 1).
A análise temporal demonstrou uma tendência significante de aumento da realização de sete e mais consultas de pré-natal em Pernambuco durante o período analisado, em todos os níveis de escolaridade materna, porém em patamares diferentes (Tabela 1).
Entre as gestantes sem escolaridade, embora tenha sido registrada a menor cobertura média (47,9%), foi também onde se observou o crescimento mais expressivo, com uma APC de 14,0 entre 2011 e 2013 (
p=0,018), e mantendo-se significante no período de 2013 a 2020 (APC=4,4,
p=0,001) (Tabela 1).
Também se verificou um crescimento significativo do percentual de, ao menos, sete consultas de pré-natal nas gestantes com um a três anos de escolaridade, com um incremento de APC de 7,5 (
p<0,001) entre os anos de 2011 e 2014 e de 3,9 (
p<0,001) no período de 2014 e 2020. Por outro lado, nas gestantes com 12 e mais anos de estudo, embora apresentem a maior cobertura média de sete e mais consultas de pré-natal no período (78,2%), se verificou o menor incremento anual (APC=0,5,
p=0,006) (Tabela 1).
Na Figura 2 é possível verificar o padrão de desigualdades da proporção de gestantes que realizaram ao menos sete consultas de pré-natal segundo a escolaridade materna e ano de nascimento, no qual se observa maiores patamares de desigualdade nos primeiros anos do período estudado (2011 e 2012), com uma redução dos níveis de desigualdade a partir de 2013. Contudo, no ano de 2020, verificou-se um discreto crescimento das desigualdades entre os grupos de escolaridade materna. Os dados sugerem ainda um padrão de desigualdade denominado
bottom inequality, ou exclusão marginal.
Na Tabela 2 são apresentadas as medidas de desigualdade para a proporção de gestantes que realizou ao menos sete consultas de pré-natal segundo a escolaridade e ano de nascimento. Observa-se que a diferença absoluta da cobertura de pré-natal entre o grupo com maior escolaridade em relação ao de menor escolaridade na média do período foi 31,8, porém com uma redução durante os anos, passando de 44,5 em 2011 para 22,5 em 2019 (Tabela 2).
No ano de 2011 observa-se que a desigualdade entre as gestantes sem escolaridade era 2,3 vezes maior quando comparada com as gestantes com 12 anos ou mais de estudo, e uma redução ao longo dos anos, atingindo o valor de 1,4 em 2019, um decréscimo de 39,1%. Houve um discreto aumento em todas as medidas de desigualdade no ano de 2020 (Tabela 2).
Tais desigualdades são também ratificadas pelo índice de concentração (CIX) cujos valores (0,0979;
p<0,001) sugerem que a proporção de ao menos sete consultas pré-natal, está concentrada em 9,79% nas mulheres com maior nível de escolaridade (Figura 3).
DiscussãoOs resultados do presente estudo indicaram uma tendência significativamente crescente do acesso das mulheres à assistência ao pré-natal, contudo, a tendência apresenta ritmo de crescimento e magnitude diferentes entre os grupos de escolaridade materna. Os achados apontam para existência de um padrão de desigualdade entre as gestantes, onde o maior nível de escolaridade foi identificado como potencializador do acesso, ou seja, quanto mais anos de estudo, maior a proporção de gestantes que realizaram o número recomendado de consultas de pré-natal.
O desenvolvimento de estudos com o objetivo de mensurar as desigualdades busca identificar as disparidades sociais e, posteriormente, explicar a causalidade. Além dos procedimentos estatísticos, a mensuração das desigualdades implica em valores morais, associados à justiça social. O monitoramento das desigualdades em saúde visa subsidiar a construção de políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades sociais e para a promoção da justiça social.
13,15De acordo com Barros e Victora,
16 os sistemas de saúde vêm buscando a efetivação do princípio da equidade, e, para isso, a mensuração das iniquidades sociais em saúde se encontra como um instrumento estratégico. Os autores indicam a existência de diversos indicadores em saúde que colaboram para analisar a posição socioeconômica da população. No campo saúde da mãe e da criança, a escolaridade materna é identificada como um dos principais indicadores para mensurar e interpretar as desigualdades sociais.
O estudo indica uma tendência de crescimento significativa na cobertura das consultas de pré-natal no estado de Pernambuco em todos os grupos de escolaridade materna, porém com marcantes diferenciais entre grupos. Esses achados corroboram com os resultados do estudo nacional de Mallmann
et al.
3 Embora haja uma tendência de universalização da cobertura pré-natal no Brasil, ainda persistem iniquidades sociodemográficas e regionais em aspectos específicos do cuidado, nos quais gestantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além de mulheres negras, indígenas, jovens, com baixa escolaridade e sem companheiro(a), apresentam maior risco de receber um pré-natal inadequado.
17Estudos apontam que, em geral, a população feminina com maior grau de escolaridade apresenta melhores condições socioeconômicas, fato que pode influenciar na busca pelo cuidado em saúde. Além disso, essa população tem um maior acesso aos conhecimentos referentes aos seus direitos reprodutivos e, consequentemente, realizam a quantidade adequada de consultas de pré-natal.
3,7Ainda sobre a ampliação na cobertura pré-natal em Pernambuco, cabe destacar a adesão do estado, no ano de 2012, à estratégia da Rede Cegonha, que visava contribuir para o aperfeiçoamento da atenção ao pré-natal no estado e para o aumento da alocação de recursos voltado para a atenção às gestantes.
17 Desta forma, o processo de implementação da Rede Cegonha no estado pode ter colaborado para o aumento do acesso à atenção ao pré-natal.
Em um estudo realizado com o objetivo de descrever os indicadores do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) referentes à qualidade do pré-natal, foi identificado um aumento no acesso das mulheres aos serviços. No entanto, verificou-se a persistência de desigualdades em saúde como as disparidades socioeconômicas e regionais, onde as gestantes residentes da Região Sudeste e com maior renda apresentaram cobertura significativamente superior.
18Outro aspecto relevante observado nesse estudo, foi que, embora existam acentuadas desigualdades entre os estratos de gestantes por escolaridade materna ao longo de todo o período analisado, a magnitude dessas disparidades, expressas de forma mais objetiva, nas medidas simples (diferença e razão), reduziu entre os anos 2011 e 2019. No ano de 2020, porém, a cobertura de pré-natal apresentou uma discreta redução, além de se verificar um leve aumento nas desigualdades.
Contudo, vale salientar que o ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia da Covid-19 no Brasil, a qual interferiu no acesso da população aos serviços de saúde.
19 Segundo Chisini
et al.,
20 durante o ano de 2020, a pandemia da Covid-19 impactou na redução da realização de procedimentos realizados no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), sendo a atenção ao pré-natal um dos serviços atingidos nos municípios brasileiros.
Este estudo mostra que as gestantes com maior escolaridade ao longo do período, apresentam primeiro o aumento em relação a cobertura do pré-natal, e só posteriormente, a cobertura das gestantes com menor escolaridade avança. Esses achados trazem à tona o princípio de "equidade inversa", conforme discutido por Victoria
et al.,
6 no qual as políticas públicas, quando implantadas, beneficiam inicialmente os estratos socioeconômicos mais privilegiados, para só depois alcançarem os menos favorecidos.
6Em relação aos avanços e aumento da cobertura do pré-natal, a APS se encontra como serviço estratégico para o cuidado materno-infantil, sendo referência para a realização do pré-natal.
21 Entretanto, no contexto atual o SUS está diante de um progressivo desmonte, marcado, especialmente, pela adoção de medidas de austeridade fiscal sendo a APS um dos principais serviços atingidos
22 Segundo Paes-Sousa
et al.
23 as políticas de austeridade fiscal apresentam resultados negativos para a população e grupos mais vulneráveis, como ocorreu nos indicadores referentes à mortalidade infantil. De acordo com os autores, o Brasil vem sendo marcado por diversas notícias relacionadas ao retrocesso em saúde, como a redução da cobertura vacinal e o risco de surto de sarampo, indicando que a redução dos investimentos em saúde é observada, principalmente, na APS.
Outrossim, Silva
et al.
24 afirmam que a implementação de medidas de austeridade, como cortes em gastos sociais e serviços de saúde, está associada a um aumento na mortalidade infantil e a um agravamento das desigualdades em saúde. A pesquisa revelou que regiões que enfrentam severos ajustes fiscais experimentaram um declínio na qualidade dos serviços de saúde e uma redução no acesso a cuidados essenciais, o que contribui para o aumento das taxas de mortalidade infantil e outros indicadores de saúde negativos entre as populações mais desfavorecidas. Este estudo reforça a necessidade de políticas mais equilibradas que protejam os serviços sociais e promovam a equidade na saúde.
Entre as limitações desta pesquisa, destacam-se os possíveis vieses em relação à qualidade das informações, dado que a pesquisa foi baseada em dados secundários. Além disso, o objeto do estudo foi a análise descritiva da evolução do acesso ao pré-natal e das desigualdades em saúde, não se propondo elucidar as relações de causalidade. Esse aspecto pode exigir, em estudos futuros, a utilização outras abordagens metodológicas para um aprofundamento da temática.
Em conclusão, apesar da tendência crescente da cobertura da assistência pré-natal, os resultados do presente estudo constatam a persistência das desigualdades sociais, aqui expressas pelos níveis de escolaridade materna. Para Guimarães
et al.,
21 mesmo que os investimentos em saúde não sejam capazes de reverter indicadores sociais negativos, a garantia do acesso universal e equânime às gestantes pode colaborar para a redução das desigualdades, em especial para as mulheres mais vulnerabilizadas e que mais necessitam dos serviços públicos do pré-natal.
21 Logo, ressalta-se a necessidade do fortalecimento de políticas públicas que considerem os determinantes sociais em saúde, visando superar as desigualdades sociais persistentes e, consequentemente, efetivar a garantia do princípio da equidade no SUS. Este estudo avança ao combinar a análise de série temporal da cobertura das consultas de pré-natal com uma abordagem de mensuração das desigualdades em saúde materno-infantil. Em um país como o Brasil, e no contexto específico de Pernambuco, essas desigualdades representam um desafio persistente, demandando debates aprofundados para embasar a formulação de políticas públicas eficazes.
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Contribuição dos autores: Lis DOA: Conceitualização (Igualdade); Curadoria de dados (igual); Análise formal (igual); Investigação (igual); Metodologia (Igualdade); Administração do projeto (Igual); Recursos (iguais); Software (igual); Supervisão (igual); Validação (Igual); Visualização (Igual); Redação – rascunho original (Igual); Redação – revisão e edição (Igual).
Silva MTA: Supervisão (Suporte); Redação – revisão e edição (apoio).
Maia LTS: Metodologia (Igualdade); Software (igual); Supervisão (Líder); Redação – revisão e edição (líder).
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 24 de Julho de 2023
Versão final apresentada em 21 de Outubro de 2024
Aprovado em 6 de Novembro de 2024
Editor Associado: Aurélio Costa