Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Prevalência e fatores associados a interrupção do aleitamento materno em menores de dois anos: Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição

Mariana Oliveira Alencar Ramalho 1; Vilma Costa de Macêdo 2; Paulo Germano Frias 3; Marília de Carvalho Lima 4; Juliana Souza Oliveira 5; Malaquias Batista Filho 6; Pedro Israel Cabral Lira 7

DOI: 10.1590/1806-9304202400000027 e20240027

RESUMO

OBJETIVOS: determinar a prevalência da interrupção do aleitamento materno e os fatores associados em menores de dois anos residentes em Pernambuco.
MÉTODOS: estudo transversal utilizando dados da IV Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição, inquérito de base domiciliar, realizada em 2015/2016. As informações foram obtidas através de formulários padronizados aplicados com as mães e/ou responsáveis pelas crianças. Em uma subamostra de 358 menores de dois anos.
RESULTADOS: a prevalência da interrupção do aleitamento materno exclusivo (AME) foi 76,2% e do aleitamento materno 61,7%. Na análise de regressão multivariada permaneceram associados a interrupção do AME: faixa etária de três a seis meses (RP = 1,10; IC95% = 1,01-1,21) e o uso atual ou pregresso de chupeta (RP = 1,18; IC95% = 1,07-1,30). Para o aleitamento materno entre seis e 24 meses: classe econômica D ou E (RP=1,08; IC95%=1,01-1,16); trabalho materno (RP=1,10; IC95%=1,02-1,18); mãe preta/parda (RP=1,07; IC95%=1,00-1,14); não ter realizado consulta puerperal (RP=1,08; IC95%=1,00-1,16); faixa etária de 19 a 24 meses (RP=1,09; IC95%=1,01-1,17) e entre aquelas que faziam uso atual ou pregresso de chupeta (RP=1,40; IC95%=1,31-1,50).
CONCLUSÕES: a alta prevalência do desmame precoce revela a necessidade de implementar políticas de apoio e incentivo ao aleitamento materno considerando os principais fatores associados.

Palavras-chave: Lactente, Aleitamento materno, Prevalência, Fatores de risco

ABSTRACT

OBJECTIVES: to determine the prevalence of breastfeeding interruption and associated factors in children under two years old living in Pernambuco.
METHODS: cross-sectional study using data from the IV Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (IV State Health and Nutrition Survey), a household-based survey, carried out in 2015/2016. The information was obtained through standardized forms applied to the children's mothers and/or guardians. In a subsample of 358 children under two years old.
RESULTS: the prevalence of exclusive breastfeeding (EBF) interruption was 76.2% and of breastfeeding 61.7%. In the multivariate regression analysis, the following remained associated with EBF interruption: age range from three to six months (RP= 1.10; CI95%=1.01-1.21) and current or previous use of a pacifier (RP = 1.18; CI95%= 1.07-1.30). For breastfeeding between six and 24 months: economic class D or E (RP=1.08; CI95%=1.01-1.16); maternal work (PR=1.10; CI95%=1.02-1.18); black/mixed color mother (PR=1.07; CI95%=1.00-1.14); not having had a puerperal consultation (PR=1.08; CI95%=1.00-1.16); age group from 19 to 24 months (RP=1.09; CI95%=1.01-1.17) and among those who currently or previously used a pacifier (RP=1.40; CI95%=1.31-1.50).
CONCLUSIONS: the high prevalence of early weaning reveals the need to implement policies to support and encourage breastfeeding, considering the main associated factors.

Keywords: Infant, Breastfeeding, Prevalence, Risk factors

Introdução
A interrupção do aleitamento materno ocorre quando a criança deixa de receber o leite humano e passa a ser alimentada com outros líquidos ou sólidos, acarretando implicações na saúde ao longo da vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), endossada pelo Ministério da Saúde do Brasil, recomenda o aleitamento materno exclusivo (AME) para os primeiros seis meses de vida e que continue junto com alimentos complementares por até dois anos ou mais.1,2
Entre os benefícios do aleitamento encontram-se que a curto ou longo prazo a amamentação influencia positivamente a saúde da mãe e crianças, independente da renda. O AME, protege contra doenças infecciosas, especialmente diarreia e pneumonia. A longo prazo está associado a menor chance de desenvolver obesidade, diabetes tipo 2, maior inteligência na infância, adolescência e vida adulta e níveis mais altos de educação formal e renda.3,4
Mesmo que se disponha de informações sobre o potencial da prática da amamentação não é fácil para as mulheres e famílias aderirem e mantê-la conforme o preconizado, em decorrência da conjunção da determinação biológica e o condicionamento sociocultural, econômico e político. O saber geracional relacionado à amamentação e à alimentação dos lactentes, ato regulável pela sociedade foi dirimido e mediado durante muitos anos, por interesses relacionados à modulação comportamental e às chances para obtenção de lucros a partir do consumo, por meio do marketing da indústria de alimentos infantis, frequentemente interposto por profissionais de saúde.4
No Brasil, estudo de tendência temporal realizado em quatro períodos (1986, 1996, 2006 e 2013) mostrou que o AME foi incrementado, atingindo no ano de 2006 a prevalência de 37% entre os menores de seis meses seguido de estabilização no último período.5 Essas mudanças podem ser decorrentes de variáveis comportamentais de populações com perfis de maior vulnerabilidade e que moram em regiões de menor desenvolvimento socioeconômico. Entender o que ocasiona essas modificações e os motivos da interrupção pode favorecer na manutenção do alimento de maior potencial para redução da morbidade e mortalidade infantil.4,6
Considerando a relevância de estudos epidemiológicos, em regiões com precária condição de vida, que identifiquem os fatores associados a interrupção de uma prática recomendada universalmente em um período da vida das crianças, este trabalho teve como objetivo determinar a prevalência da interrupção do aleitamento materno (AM) e os fatores associados em menores de dois anos residentes no estado de Pernambuco.

Métodos
Trata-se de estudo de corte transversal, derivado da IV Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (PESN),7 inquérito de base domiciliar sobre saúde e nutrição materno-infantil realizado em 2015-2016 em Pernambuco.
As PESN realizadas em 1991, 1997, 2006 e 2015-2016 descrevem a condição de saúde e nutrição da população pernambucana. A última edição teve seus objetivos ampliados, sendo denominada “Saúde, alimentação, nutrição, serviços e condições socioeconômicas na população materno-infantil do estado de Pernambuco”. Abrangeu 13 municípios: Recife; Cabo de Santo Agostinho; Jaboatão dos Guararapes; Olinda; Paulista; Belém do São Francisco; Caruaru; Palmares; Panelas; Vicência; São Bento do Una; Serra Talhada e Custódia representando estatisticamente o estrato rural e urbano da população do estado.
A seleção amostral ocorreu em três etapas: sorteio dos municípios, com probabilidade proporcional a população residente obtida nos Censos Demográficos; sorteio dos setores censitários (unidades de amostragem do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) em cada município; e o sorteio das famílias com crianças menores de cinco anos residentes em cada setor censitário.
O cálculo amostral de referência para a IV PESN foi baseada nas prevalências de excesso de peso, déficit estatural, hipovitaminose A e anemias encontradas na III PESN (2006). Considerou-se um erro de estimativa entre 2,4 e 3,8% e adicional de 15% para compensação de eventuais perdas, ao final a amostra contou com 875 crianças menores de cinco anos. Posteriormente, construiu-se um banco de dados “ad hoc” com uma subamostra dos menores de dois anos, aqui utilizada, para a investigação sobre a interrupção do AM.
A coleta de dados foi realizada através de entrevista com as mães e/ou responsáveis pelas crianças, utilizando seis formulários padronizados (F): F1- Registro dos moradores do domicílio; F2- Registro do domicílio e renda; F3- Registro da Criança; F4- Registro do Adulto; F5- Registro da Mulher; Consumo alimentar da família (qualitativo), utilizando a ferramenta R24h (Recordatório Alimentar das Últimas 24 horas).
Previamente ao início da coleta de dados, adotaram-se medidas para garantia da qualidade que envolveu o uso de instrumentos pré-testados e padronizados, baseados nas PESN anteriores7; a elaboração de manual com orientações detalhadas para a realização das entrevistas; o treinamento dos entrevistadores e a realização de estudo piloto. Nessa ocasião além de testar os instrumentos, foi examinada a logística do trabalho de campo, a fim de verificar exequibilidade e realizar as adequações de acordo com os problemas identificados.
Com base no levantamento bibliográfico sobre o tema e na disponibilidade das variáveis no banco de dados foram selecionadas aquelas que constituem potenciais fatores de risco ou proteção para o AM. Posteriormente, agrupou-se em blocos, constituindo um modelo causal hierarquizado da interrupção do AM (Figura 1). O bloco 1 conta com as características socioeconômicas (classe econômica, local do domicílio e trabalho materno), no bloco 2 estão as características sociodemográficas maternas (raça/cor da pele, faixa etária, escolaridade, número de partos com nascidos vivos). O bloco 3 consiste nas características assistenciais à saúde (pré-natal, número de consultas de pré-natal, exame das mamas no pré-natal, orientação do aleitamento materno no pré-natal, tempo de AME orientado no pré-natal, AM na primeira hora de vida, contato pele a pele na primeira hora de vida, tipo de parto, alojamento conjunto, consulta puerperal). No bloco 4 estão as características individuais da criança (sexo, faixa etária, interrupção do AM, uso atual ou pregresso de chupeta).
 


Os desfechos foram a interrupção do AME entre menores de seis meses e do AM entre crianças de seis a 24 meses de idade. O primeiro foi definido como a situação em que o bebê já havia recebido água, chá, suco, outro leite, mingau e outros alimentos em algum momento até a entrevista ou nunca fora amamentado; e, o segundo, a situação em que a criança não estava recebendo leite humano diretamente do peito ou ordenhado no dia da entrevista ou nunca havia sido amamentada.
Utilizando o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20, realizou-se a análise bivariada das variáveis independentes com o desfecho utilizando a Razão de Prevalência (RP) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). A seguir, fez-se a análise de regressão de Poisson multivariada com ajuste robusto, visto se tratar de desfechos comuns (>10%),8 adotando-se como estratégia para introdução das variáveis um processo de modelagem por blocos, considerando os possíveis fatores associados à interrupção do AM. As variáveis selecionadas para serem introduzidas no modelo foram as que apresentavam, na análise bivariada, valor de p≤0,25.
Para a estimativa da Razão de Prevalência (RP) ajustada e não ajustada e seu respectivo IC95% foi definida como categoria de referência aquela com menor risco para a interrupção do AM, considerando como significantes valores de p<0,05.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, sob os CAAE 44508215.7.0000.5201.

Resultados
Obteve-se informações sobre o aleitamento materno de 358 menores de dois anos, dos quais 84 eram menores de seis meses e 274 tinham entre seis e 24 meses de idade.
Entre os menores de seis meses, 64 (76,2%) haviam interrompido o AME no momento da entrevista, 58% eram do sexo feminino e com idade de até dois meses. Dentre as mães, 75% não trabalhavam, 73,8% se autodeclararam negras, amarelas ou indígenas, destas, 80,6% haviam interrompido o AME. Metade tinha idade entre 16 e 24 anos e 58,3% tinham até dois filhos vivos. Quanto as características assistenciais 92,9% das mães realizaram pré-natal, 72,6% receberam orientação durante consultas ou nas atividades em grupos. Após o nascimento do bebê, 77 (91,7%) permaneceram em alojamento conjunto no hospital, dos quais 77,9% haviam interrompido o AME até o momento da entrevista. Na análise bivariada as variáveis relacionadas às características assistenciais não obtiveram significância estatística, entretanto, atingiram valor de p≤ 0,25, as seguintes variáveis: local de domicílio; raça/cor da pele e escolaridade da genitora; faixa etária da criança e uso de chupeta (Tabela 1).
 


As razões de prevalência não ajustada e ajustada no modelo multivariado hierarquizado dos fatores associados à interrupção do AME são apresentadas na Tabela 2. As variáveis dos blocos 1 e 2 na análise multivariada perderam significância estatística. No bloco 4, condições relacionadas à criança, os estratos de maior risco para a interrupção precoce do AME foram: a faixa etária de três a seis meses (RP = 1,10; IC95% = 1,01-1,21) e o uso atual ou pregresso de chupeta (RP = 1,18; IC95% = 1,07-1,30) (Tabela 2).
 


Do universo de crianças menores de 24 meses, 169 (61,7%) haviam interrompido o AM no momento da entrevista e 52% eram do sexo masculino. Entre as mães, 56,2% eram das classes econômicas B/C, 28,1% trabalhavam, 74% residiam na zona urbana e se autodeclararam preta ou parda ou amarela ou indígena, quanto à paridade 72,3% tinham até dois filhos nascidos vivos. Dentre as características assistenciais, 20,8% das mulheres não receberam orientações sobre o AM nas consultas de pré-natal ou atividades em grupo, atingindo maior proporção de desmame (71,9%) quando comparadas às orientadas (59,0%). A não realização de consulta puerperal foi identificada em 159 (58%) das mães, das quais 68,6% interromperam o AM antes de 24 meses de vida da criança. Na análise bivariada obtiveram p≤0,25, as variáveis: classe econômica, trabalho, cor e faixa etária da mãe, paridade, orientação sobre AM, tempo de AME orientado no pré-natal, contato pele a pele na 1ª hora de vida, consulta puerperal, faixa etária da criança e uso de chupeta (Tabela 3).
 


As razões de prevalência não ajustada e ajustada no modelo multivariado dos fatores associados à interrupção do AM são apresentadas na Tabela 4. Para o bloco socioeconômico os estratos com maior probabilidade para interrupção do AM foram: pertencer às classes econômicas D e E (RP=1,08; IC95%=1,01-1,16) e o trabalho materno (RP=1,10; IC95%=1,02-1,18); no bloco sociodemográfico foram: cor da mãe preta /parda ou outra (RP=1,07; IC95%=1,00-1,14):, no bloco assistencial: não ter realizado consulta puerperal (RP=1,08; IC95%=1,00-1,16) e no bloco relacionado as características individuais da criança, identificou-se associação com a idade da criança 19 a 24 meses (RP=1,09; IC95%=1,01-1,17) e entre aquelas que faziam uso atual ou pregresso de chupeta (RP=1,40; IC95%=1,31-1,50) (Tabela 4).
 


Discussão
Os principais achados do estudo mostraram que os fatores associados à interrupção do AME em menores de seis meses foram: faixa etária acima de três meses e o uso atual ou pregresso de chupeta. Para o AM em crianças entre seis e 24 meses foram: classe econômica D ou E, trabalho materno, cor da mãe preta, parda, amarela ou indígena, não ter realizado consulta puerperal, criança acima de 19 meses e o uso atual ou pregresso de chupeta.
As características socioeconômicas não exerceram influência sobre o AME, porém estiveram associadas ao AM entre aqueles de seis a 24 meses de idade. A probabilidade de desmame é demonstrada como inversamente proporcional a renda familiar,9-11 ratificado no presente estudo, em que a maior probabilidade de desmame ocorreu entre filhos de mães das classes econômicas D e E. Esta associação pode ser devido à dificuldade de acesso aos meios de comunicação e internet, que poderiam melhorar o conhecimento e a informação acerca da importância e benefícios da prática.12
Embora o presente estudo não contemple o tipo de trabalho desempenhado pelas mulheres, se formal ou informal, este fator configurou-se como um obstáculo a continuidade do AM, corroborando com outras investigações.11,13,14 O tipo de vínculo empregatício influencia na duração do AM, mulheres com empregos informais tendem a aleitar por menos tempo, pois não têm direito a licença maternidade remunerada. Esta licença oportuniza a mãe dedicar-se à amamentação e aos cuidados com o bebê durante os primeiros meses de vida, essenciais para a continuidade do aleitamento durante dois anos ou mais.15,16
A relação da raça/cor da pele da mãe com a interrupção do aleitamento é controversa nos estudos brasileiros. Os quatro recortes temporais da coorte de Pelotas, identificaram que as mães negras tendiam a manter o aleitamento por 12 meses ou mais,3 semelhante ao verificado nas macrorregiões brasileiras em 2014.9 Flores et al.,10 em 2017 identificou associação inversa: mães negras tinham menor probabilidade de amamentar seus filhos por até dois anos, semelhante ao nosso resultado.
Dentre as características assistenciais à saúde somente a não realização da consulta puerperal foi associada ao abandono do aleitamento em menores de dois anos. Os primeiros dias após o parto são críticos para a implementação das boas práticas de nutrição do lactente. É quando surgem problemas comuns como: trauma mamilar, mastite, pega incorreta e a dificuldade do bebê na adaptação a vida extrauterina. E, ainda é um momento em que há insegurança e fragilidade emocional da mulher.17,18 A consulta puerperal constitui um momento de cuidado ao binômio mãe-bebê, em que a o apoio e a orientação de um profissional de saúde através da escuta qualificada e atenção humanizada contribuem para que a mulher inicie e prossiga com o aleitamento. Nesse momento se pode identificar problemas relativos ao processo de aleitar, propor intervenções que atendam àquelas particularidades, e auxiliar na tomada de decisão.19
Dentre as características individuais da criança, aquelas com mais idade apresentaram maior prevalência de interrupção, tanto para o AME quanto o continuado. Esse achado se mostrou consistente a outros estudos.20,21 Em inquérito nacional se observou que a duração do AME era inversamente proporcional a idade, a cada mês de vida do bebê, reduzia em 33% a prevalência da amamentação exclusiva.21 Esses resultados podem ser devido ao desconhecimento das mães sobre o tempo recomendado de duração do AME, a crença de que o leite materno não é suficiente conforme o crescimento da criança, levando a introdução precoce de água, chá, suco, leite de vaca ou fórmula infantil antes do sexto mês de vida.4,22,23 Pode ainda refletir a falta do apoio dos companheiros e co-habitantes do domicílio na amamentação.
No pós-parto imediato as genitoras geralmente estão mais dedicadas ao bebê, e com o passar das semanas assumem tarefas domésticas e o cuidado com os filhos mais velhos, reduzindo o tempo disponível para a amamentação.21 Alguns autores referem que o impacto da idade da criança no AME pode estar relacionado ao efeito da agregação de outros fatores como, socioeconômicos e demográficos ao longo do tempo.4,23
A história e/ou uso atual de chupeta apresentou alta prevalência e associação aos dois desfechos de interesse e foi o fator mais fortemente associado à interrupção do aleitamento, aumentando em 40% a probabilidade de a criança desmamar precocemente. O seu uso tem sido justificado como um hábito cultural passado de geração em geração como algo positivo e característico do bebê. Configurando como um instrumento para conforto, redução da agitação e satisfação da criança nos intervalos da amamentação, constituindo um auxílio materno.24 Apesar de estudos transversais demonstrarem a influência negativa da chupeta na duração do aleitamento materno,25-27 revisões sistemáticas recentes sobre o tema têm demonstrado resultados conflitantes.
Alguns autores compararam o impacto de duas formas de uso de chupeta sobre a amamentação, um restrito, quando a chupeta era utilizada apenas em situações em que o bebê precisasse ser acalmado e, a outra irrestrita, quando era oferecida por muitas horas consecutivas. Encontrou-se que o uso de chupeta não exerceu efeito significativo na proporção de bebês em AME aos três e quatro meses de idade.28 Enquanto outra metanálise contemplando 46 estudos evidenciou associação negativa entre o uso de chupeta e o AME. Os autores apontam a existência de uma heterogeneidade nos métodos dos artigos que avaliam a associação, dificultando a elucidação desta rede de causalidade.29
Os efeitos deletérios do emprego da chupeta não se restringem ao AM. O hábito de sucção não nutritiva proporcionado pela chupeta, prejudica o desenvolvimento adequado de todo o sistema estomatognático. O seu uso altera precocemente as estruturas orais, levando ao surgimento de problemas oclusais, sendo os mais comuns a mordida aberta e mordida cruzada, prejudicando a dentição decídua e mista.30
Este artigo apresenta algumas limitações, como a IV PESN se propunha não somente ao estudo do aleitamento materno, foram incluídos menores de dois anos independentemente de estarem expostos ou não ao vírus do HIV, não sendo possível distinguir crianças expostas das não expostas; o instrumento de coleta de dados não dispunha de informações acerca da divisão do trabalho doméstico e de cuidados com a prole, não sendo possível avaliar a associação destas atividades ao tempo disponível para amamentação; não foi possível ainda, explorar a associação entre o AM e a violência entre parceiros íntimos pela indisponibilidade de dados na PESN. Os próximos inquéritos estaduais poderiam incluir variáveis acerca destes temas a fim de melhor esclarecer essas interações.
A alta prevalência da interrupção do AM materno revela a necessidade de implementar políticas de apoio e incentivo ao aleitamento materno, além da importância de inquéritos populacionais como a Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição, que permita o acompanhamento da evolução da saúde materno-infantil.

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Contribuição dos autores
Ramalho MOA e Lira PIC: concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Macêdo VC, Frias PG, Oliveira JS: análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Lima MC: análise e interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito. Batista Filho M: análise e interpretação dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 30 de Março de 2024
Versão final apresentada em 30 de Julho de 2024
Aprovado em 13 de Agosto de 2024

Editor Associado: Karla Bomfim

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