Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Classificação de Robson para avaliação das taxas de cesárea em um hospital público: estudo transversal

Gregório Corrêa Patuzzi1; Raquel Vieira Schuster2; Dinara Dornfeld3; Camila Borba da Luz4; Carolina de Castilhos Teixeira Canassa5; Agnes Ludwig Neutzling6

DOI: 10.1590/1806-9304202400000027 e20230027

RESUMO

OBJETIVOS: descrever a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público no sul do Brasil.
MÉTODOS: estudo transversal retrospectivo. Foram incluídas mulheres com parto vaginal ou cesárea assistidos na instituição (idade gestacional >20 semanas e/ou fetos com peso >500g) e excluídos nascimentos de feto morto. Dados sociodemográficos e obstétricos de julho a novembro de 2018 foram coletados retrospectivamente dos prontuários. Para análise utilizou-se o teste qui-quadrado e teste de tendência linear. A Classificação de Robson foi analisada conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde, e foram descritas as justificativas de cesárea.
RESULTADOS: amostra de 1.531 mulheres, com percentual de cesárea de 39,1% (n=598). Identificou-se maior ocorrência de cesarianas entre mulheres com maior faixa etária, nível de escolaridade e número de cesarianas prévias, e sem partos vaginais prévios. Os Grupos 1, 2 e 5 da Classificação de Robson destacaram-se por apresentar, respectivamente, os percentuais de cesárea de 16%, 56,9% e 66,2%, e por totalizar 60,3% dos nascimentos por via cirúrgica.
CONCLUSÕES: neste estudo, os percentuais de cesárea dos grupos da Classificação de Robson foram maiores quando comparados a estudos internacionais. Os Grupos 1 a 5 apresentaram valores menores em relação ao panorama nacional. Os Grupos 1, 2 e 5 destacaram-se como prioritários para intervenções assistenciais e de gestão.

Palavras-chave: Cesárea, Obstetrícia, Parto, Parto normal, Gravidez

ABSTRACT

OBJECTIVES: this study describes the occurrence of cesarean sections according to the Robson Classification in a public hospital in southern Brazil.
METHODS: a cross-sectional and retrospective study was conducted. Women who underwent vaginal delivery or cesarean section at the study location (gestational age >20 weeks and/or fetuses weighing > 500 g) were included. Stillbirths were excluded. Sociodemographic and obstetric data from July to November 2018 were retrospectively collected from medical records. Chi-square and linear trend tests were used for data analysis. The Robson Classification was analyzed according to World Health Organization recommendations, and the reasons for cesarean section were described.
RESULTS: the sample consisted of 1,531 women. The cesarean section rate was 39.1% (n=598). A greater incidence of cesarean sections was identified among women with no previous vaginal births, older women, those with higher educational levels, and those with more previous cesarean sections. Groups 1, 2 and 5 of the Robson Classification stood out for presenting cesarean section rates of 16%, 56.9% and 66.2%, respectively, and for totaling 60.3% of births by cesarean section in the studied institution.
CONCLUSIONS: the percentage of cesarean sections found was greater than that reported in studies conducted in other countries. Groups 1 to 5 of the Robson Classification presented rates lower than values found in national literature. Groups 1, 2 and 5 should be prioritized for management and care interventions aiming to reduce cesarean rates.

Keywords: Cesarean section, Obstetrics, Parturition, Natural childbirth, Pregnancy

Introdução
Um dos objetivos de desenvolvimento sustentável é a redução da morbimortalidade materna e neonatal. Entre as estratégias para alcançar esse objetivo está a implementação de boas práticas na assistência ao trabalho de parto, parto e nascimento e a redução de cesáreas.1
De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), percentuais de cesariana superiores a 15% não auxiliam na redução de morbimortalidade.2 A estimativa de ocorrência de cesáreas no mundo é de 21,1%, em países de alta renda é de 27,2%, em países de média renda é de 24,2% e de baixa renda é de 8,2%. A América Latina, por sua vez, apresenta estimativa de 42,8%3 e o Brasil destaca-se no ranking mundial de cesarianas com um percentual de 57,0%,4-6 variando de 53,5 a 63,8% nas diferentes regiões brasileiras no ano de 20214. Já o Rio Grande do Sul apresentou percentual de 64,2% de nascimentos por cesárea em 2021.4
Com frequência, a realização de cesarianas é justificada inadequadamente e sem embasamento nas evidências científicas atuais, casos em que se torna iatrogênica.2,7 Dentre as indicações possíveis estão: desproporção cefalopélvica, estado fetal não tranquilizador, cesariana prévia, colo uterino desfavorável à indução, feto pélvico ou transverso, herpes genital, problemas placentários, HIV (conforme carga viral), gestações múltiplas, prolapso de cordão e macrossomia fetal.7,8 Contudo, destaca-se que a maioria dessas indicações deve ser individualizada considerando que ainda há divergências entre as recomendações vigentes.
Com o objetivo de reduzir a realização de cesáreas sem indicação clínica ou obstétrica, algumas medidas são recomendadas. Dentre elas estão: inserção da enfermeira obstetra na atenção ao parto9; utilização de diretrizes clínicas e discussão de caso para a indicação de cesárea; envolvimento de especialistas locais na educação permanente dos profissionais de saúde; e monitoramento e devolutiva das práticas de cesáreas para as equipes assistenciais.10
Em 2015, a OMS recomendou que todas as instituições de saúde deveriam implementar a Classificação de Robson como estratégia de monitoramento da realização de cesarianas.2 A Classificação de Robson é uma ferramenta que agrupa as gestantes em dez grupos a partir de cinco critérios: paridade, início do trabalho de parto, idade gestacional, apresentação fetal e número de fetos.2,11-14 Sua aplicação considera fatores de risco epidemiológicos para o nascimento por via cirúrgica, sem considerar indicações clínicas ou obstétricas, e possibilita a otimização da realização de cesáreas através das seguintes ações: identificação de intervenções em grupos específicos conforme o local; avaliação da efetividade de estratégias para redução de cesáreas; avaliação da qualidade da assistência; e avaliação dos desfechos por grupo.2,11,12
Em relação ao percentual de cesárea por grupo da Classificação de Robson, com base em estudos internacionais,13,15 a OMS construiu os seguintes parâmetros que podem ser norteadores na análise desse indicador12: Grupo 1) <10%; Grupo 2) 20% a 35%; Grupo 3) <3%; Grupo 4) <15%; Grupo 5) 50% a 60%; Grupo 8) 60%; Grupo 9) 100%; Grupo 10) 30%. Embora os Grupos 6 e 7 não apresentem parâmetros padronizados pela OMS, seus valores mostram-se entre 78,5% a 93,2% e 73,8% a 85,0%, respectivamente.13,15 No contexto nacional, os percentuais de oito dos dez grupos são bem mais elevados do que aqueles relatados no âmbito internacional.6
A realização desta pesquisa configura-se como uma ação para o monitoramento da ocorrência de cesáreas por meio da Classificação de Robson, o que é estimulado pelas políticas públicas de saúde nacionais e diretrizes internacionais. Portanto, o presente estudo tem como objetivo descrever a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público no sul do Brasil.

Métodos
Trata-se de um estudo transversal. A coleta de dados ocorreu de forma retrospectiva referente ao período de 01/07/2018 a 21/11/2018 e foi realizada entre junho de 2019 e março de 2020, em um Centro Obstétrico, de um hospital público federal de grande porte, localizado em Porto Alegre/RS, Brasil. Esse serviço hospitalar realiza 100% dos seus atendimentos através do Sistema Único de Saúde (SUS), atende média de 300 nascimentos/mês e é referência estadual para gestações de alto risco. Além disso, busca seguir as recomendações vigentes para aplicar as boas práticas obstétricas, incluindo a implementação do modelo colaborativo assistencial com a inserção de enfermeiras obstetras na atenção ao parto e nascimento.
A população foi composta por mulheres atendidas no cenário do estudo. Foram incluídas todas aquelas que tiveram parto vaginal ou cesárea assistidos na instituição com idade gestacional maior que 20 semanas e/ou fetos com peso maior ou igual a 500 gramas e excluídas aquelas com nascimento de feto morto.
O tamanho de amostra foi calculado para estudo de prevalência de cesarianas considerando o percentual de 39% de nascimentos por via cirúrgica do local de estudo, conforme dados do Sistema de Informações em Saúde interno, com um nível de confiança de 95%. O número mínimo de nascimentos por grupo de Robson foi calculado conforme desfecho estudado (ocorrência de cesáreas) e o perfil de atendimentos do local de estudo, em que, conforme estatísticas do serviço estima-se que 24% das mulheres atendidas são classificadas no maior grupo (Grupo 3). Dessa forma, para que a composição mínima do grupo estivesse presente no maior grupo, estipulou-se o tamanho amostral mínimo de 1.525 nascimentos. A seleção da amostra ocorreu por conveniência, considerando a data inicial de implantação da Classificação de Robson na instituição e de acordo com o período em meses necessário para atingir o tamanho amostral de nascimentos calculado.
A coleta de dados foi realizada pelos próprios pesquisadores após treinamento. Os dados foram obtidos dos prontuários físicos e eletrônicos da amostra, por meio de instrumento padronizado e pré-codificado, elaborado pelos pesquisadores. Também, foram coletados dados em livros de registro utilizados pela equipe do Centro Obstétrico da instituição.
Em relação às variáveis foram coletados os seguintes dados do perfil sociodemográfico: idade em anos completos e categorizada (<20 / 20-24 / 25-29 / 30-34 />35); raça/cor (branca/preta/parda); escolaridade (ensino fundamental/ensino médio/ensino superior); e estado civil (casada/não casada). Em relação aos dados obstétricos, avaliou-se: número de gestações (1 / ≥2); número de partos vaginais prévios (0 / 1 / ≥2); número de cesáreas prévias (0 / 1 / ≥2); idade gestacional (em semanas completas); e “ocorrência de cesárea” (sim/não). Como justificativa de cesariana, foram consideradas as seguintes informações de acordo com os termos registrados nos prontuários: apresentação fetal anômala (pélvica e córmica), gestações múltiplas, duas ou mais cesarianas prévias, desproporção cefalopélvica, estado fetal não tranquilizador, falha de indução de trabalho de parto, sem condições para indução de trabalho de parto, condições maternas (HIV com carga viral >1000 cópias ou desconhecida, eclâmpsia, placenta prévia ou oclusiva, descolamento prematuro da placenta, herpes genital ativa, prolapso de cordão), condições fetais (malformações congênitas, macrossomia, restrição de crescimento intrauterino) ou pedido materno.
A Classificação de Robson é definida e registrada pela equipe assistencial do local de estudo no prontuário das mulheres utilizando-se dos critérios apresentados na Tabela 1 para aplicá-la. Neste estudo utilizou-se o grupo registrado em prontuário pela equipe do serviço para análise dessa variável.
 


Os dados foram digitados em planilha Excel®. Após, realizou-se análise com uso do software estatístico SPSS® versão 22. As variáveis categóricas foram apresentadas como valor absoluto e relativo e a variável numérica “idade” foi expressa também como média e desvio padrão (DP). Para comparar a proporção de cesáreas e partos vaginais, as mulheres da amostra foram agrupadas conforme suas características sociodemográficas e obstétricas e, para análise, utilizou-se o teste qui-quadrado e teste de tendência linear (para variáveis com aumento linear do valor percentual); considerou-se o valor de significância de 5% (α = 0,05). A análise da distribuição da amostra nos grupos da Classificação de Robson foi realizada de acordo com as recomendações da OMS.12 A análise da distribuição das justificativas de cesáreas por grupo da Classificação de Robson foi apresentada de forma descritiva por meio dos seus percentuais. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da instituição, conforme parecer n° 3.252.730 de 09 de abril de 2019 e CAAE nº 05684919.1.0000.5530.

Resultados
Foram selecionados 1.550 nascimentos para composição da amostra, com exclusão de 19 participantes conforme critério de exclusão; foram analisados 1.531 prontuários neste estudo. As características demográficas e obstétricas da amostra estão descritas na Tabela 2. A média de idade foi de 28,4 (DP= 6,6) anos. As mulheres eram, predominantemente, brancas (68,0%), não casadas (88,0%) e com ensino fundamental completo (50,4%). Com relação às características obstétricas, 66,2% da amostra havia tido duas gestações ou mais, 56,4% não tinha nenhum parto vaginal prévio e 75,6% nenhuma cesárea prévia. Na amostra, 60,7% não eram nulíparas, dessas 71,7% tinham um ou mais partos vaginais anteriores e 40,2% tinham uma ou mais cesáreas anteriores.
 


A ocorrência de cesáreas foi de 39,1% (n=598) na amostra. Das mulheres com uma cesárea prévia, 54,0% foram submetidas a uma nova cesariana. Observou-se que, quanto maior a faixa etária (p<0,001) e o nível de escolaridade (p<0,001), maior a frequência de cirurgia cesariana. Observou-se maior ocorrência de cesárea entre as mulheres com maior número de cesarianas prévias (p<0,001), ao passo que se identificou menor percentual de cesárea entre aquelas com maior número de partos vaginais prévios (p<0,001).
A Tabela 3 apresenta a distribuição da amostra de acordo com os dez grupos da Classificação de Robson, bem como os percentuais de cesárea de cada grupo e a contribuição absoluta e relativa de cada grupo para a proporção total de cesárea da amostra. O grupo com maior representatividade dentro da amostra foi o Grupo 3 (22,1%); e os grupos que apresentaram maior contribuição relativa para a taxa de cesárea da instituição foram o Grupo 5 (32,4%) e o Grupo 2 (20,7%).
 


Em análise complementar, relacionada às justificativas registradas pela equipe para realização de cesárea, constatou-se que as mais frequentes foram estado fetal não tranquilizador (24,1%), desproporção cefalopélvica (17,6%) e duas ou mais cesáreas prévias (16,1%). Quando analisadas as justificativas dentro dos grupos da Classificação de Robson, observou-se que os Grupos 1, 2 e 3 apresentaram percentuais mais elevados de desproporção cefalopélvica em relação aos outros grupos (Tabela 4). A falha de indução do trabalho de parto surgiu como justificativa para realização de cesárea em 10,9% da amostra, apresentando maior percentual dentro do Grupo 2 quando comparado aos demais (Tabela 4). Outras justificativas apresentadas na amostra foram: apresentação fetal anômala (8,5%), condição materna (7,7%), condição fetal (5,2%), gestação múltipla (4,5%) e sem condições para indução do trabalho de parto (2,8%). Os grupos 6,7 e 9 da Classificação de Robson tiveram como justificativas de cesárea a apresentação fetal anômala.
 



Discussão
Na amostra estudada, foi observado maior ocorrência de cesarianas entre mulheres sem partos vaginais prévios, com maior faixa etária, maior nível de escolaridade e maior número de cesarianas prévias. Além disso, os Grupos 1, 2 e 5 da Classificação de Robson destacaram-se por representar a maior parte dos nascimentos por via cirúrgica da amostra.
Neste estudo, quanto maior a idade materna, maior foi a ocorrência de cesarianas. Esse achado vai ao encontro de outros estudos11,16 e pode estar relacionado ao fato de que mulheres mais velhas estão mais suscetíveis a desenvolver complicações durante a gravidez que podem influenciar na realização de cesarianas.17
O percentual de cesariana também se mostrou mais elevado nas mulheres com maior nível de escolaridade. No entanto, uma análise mais robusta seria necessária para avaliar se esse efeito seria mantido em associação a outras variáveis socioeconômicas, visto que a literatura apresenta divergências sobre o impacto desses fatores nesse indicador.5,18 Estudo brasileiro, realizado em hospitais públicos e privados, não encontrou diferença entre escolaridade e proporção de cesáreas. Contudo, verificou que outros fatores socioeconômicos estiveram associados à maior probabilidade de cesárea em relação ao restante da amostra.5 Por outro lado, estudo realizado com mulheres atendidas somente em hospitais públicos com protocolos obstétricos instituídos, concluiu que indicadores socioeconômicos não influenciaram nas taxas de cesárea, as quais foram provavelmente apenas determinadas por indicações clínicas e obstétricas.19
A maior proporção de cesarianas entre mulheres sem parto vaginal prévio e entre mulheres com cesáreas prévias reforça a importância de medidas para se evitar a primeira cesariana6 e do uso de ferramentas como a Classificação de Robson para análise da ocorrência de nascimentos por via cirúrgica nos serviços de saúde.
O percentual geral de cesariana, na presente amostra, mostrou-se superior àquele encontrado em países desenvolvidos.20,21 Entretanto, os valores são menores quando comparados à média nacional e àqueles verificados nas diferentes regiões brasileiras4. A ocorrência de cesárea por grupo da Classificação de Robson também apresentou valores maiores do que aqueles apresentados em estudos internacionais.13,15 No entanto, os percentuais dos Grupos 1, 2, 3, 4 e 5 são menores que aqueles encontrados em âmbito nacional e regional.6 A exemplo disso, citam-se os dados de nascimentos por via cirúrgica conforme os grupos de Classificação de Robson na região sul do Brasil no ano de 20214: Grupo 1) 46,2%; Grupo 2) 74,4%; Grupo 3) 16,9%; Grupo 4) 49,5%; Grupo 5) 86,5%. Esse cenário ilustra a epidemia de cesáreas vigente no país.
Considerando a ocorrência de cesárea dentro de cada grupo, observou-se percentual maior que 50% nos Grupos 2, 5 e 10. A respeito dos Grupos 6, 7, 8 e 9, estes abrangem as situações que, normalmente, dificultam ou impedem o parto vaginal.22 Já a discussão sobre o elevado percentual de cesáreas do Grupo 10 perpassa o fato de que o serviço estudado é referência para o atendimento de gestações de alto risco, as quais podem resultar em um maior número de nascimentos prematuros por via cirúrgica.22
A soma dos percentuais dos Grupos 1, 2, e 5 representa 60,3% das cesarianas realizadas na instituição (contribuição relativa); dados similares aos descritos por estudo multicêntrico internacional15. Tais achados sugerem que esses são os grupos prioritários para intervenções que reduzam a realização de cesárea com base na revisão das práticas obstétricas das equipes assistenciais.6,12,17,22 Desse modo, estudos nacionais propõem a implementação de políticas de saúde para prevenir a realização de cirurgias cesarianas desnecessárias, especialmente, as eletivas, em mulheres dos Grupos 1 e 2 já que quando essas são submetidas a cesáreas, passam a integrar o Grupo 5.23,24 Da mesma forma, as políticas públicas orientam-se, também, para o estímulo ao parto vaginal após cesárea, a fim de prevenir a ocorrência da cesariana de repetição,24 visto que essa população apresenta maior risco de complicações obstétricas que aumentam a morbimortalidade materno-neonatal quando comparadas a mulheres que tiveram parto vaginal.7
Para mudar esse cenário, a OMS1 incentiva a inclusão da enfermeira obstetra como uma das estratégias, já que parturientes assistidas por equipes com essa profissional recebem menos intervenções e tem maior chance de parto vaginal espontâneo.9,25 A adoção desse modelo assistencial pela instituição estudada pode ter contribuído para menor ocorrência de cesáreas na amostra e menor contribuição relativa de cesáreas dos Grupos 1 a 4 quando comparado a dados nacionais e regionais.6,23
Neste estudo, observou-se elevada contribuição (relativa e absoluta) de cesáreas do Grupo 2, em conformidade com a literatura que caracteriza este grupo como o de maior proporção de cesáreas entre nulíparas com percentual que varia de 24,0 a 69,0%.6,15,17,23,26 Ao analisar a composição heterogênea do Grupo 2, sugere-se a estratificação12 em mulheres que passaram pela indução do trabalho de parto e aquelas que tiveram a cesariana antes do início do trabalho de parto, visto que a ocorrência de cesárea em cada um desses subgrupos demanda intervenções como avaliação do protocolo de indução utilizado e a redução de cesáreas eletivas.
O Grupo 5, por sua vez, apresentou a maior contribuição relativa para o total de cesarianas da amostra, dado compatível com os achados da literatura,15,17,26 com destaque para a região Sul do Brasil6. O Grupo 5 pode ser dividido em mulheres com uma cesariana prévia e aquelas com duas ou mais, a fim de elencar as estratégias de redução de cesárea para cada subgrupo.12
Na amostra estudada, a principal justificativa utilizada pela equipe para indicação de cesáreas foi estado fetal não tranquilizador, dado que diverge do observado em estudos internacionais.27,28 Tal achado aponta para a necessidade de aprofundar a análise, identificar fatores associados à ocorrência de estado fetal não tranquilizador durante o trabalho de parto no local de estudo e capacitar a equipe para qualificar a assistência obstétrica. A segunda justificativa de cesárea mais frequente na amostra foi desproporção cefalopélvica, salientando a necessidade de estratégias que qualifiquem a avaliação da evolução do trabalho de parto e desse diagnóstico, como o uso adequado do partograma.29
A ocorrência de cesáreas justificadas por cesarianas prévias na amostra foi inferior ao reportado por outros estudos (35,0 a 42,0%),27,28 o que pode estar relacionado ao fato de que uma cesárea prévia não é indicação para nascimento por via cirúrgica no local de estudo. Entretanto, mudanças nas práticas obstétricas ainda são necessárias, visto que a literatura aponta que o parto vaginal de mulheres com duas cicatrizes uterinas prévias não aumenta desfechos maternos e neonatais desfavoráveis.30
Em relação às possíveis limitações deste estudo, salienta-se que os dados utilizados para análise são provenientes de prontuários (inclusive a Classificação de Robson), os quais podem apresentar erros de preenchimento e restrição no formato de apresentação dos dados. Além disso, acredita-se que uma análise multivariada poderia ajudar a entender melhor os achados. Quanto aos aspectos potentes, destaca-se o impacto da pesquisa local na discussão e avaliação da prática institucional, especialmente em contexto de serviço público, e o seu potencial para gerar mudanças no cenário obstétrico atual. A atenção para a análise das indicações clínicas e obstétricas de cesáreas em cada grupo da Classificação de Robson também é um diferencial deste estudo.
Em conclusão, o presente estudo descreveu a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público do Sul do Brasil. Embora os valores ainda estejam acima do recomendado pela OMS, o percentual de cesáreas encontrado mostrou-se menor que a média nacional, fato que pode ser reflexo do modelo interdisciplinar de assistência obstétrica adotado na instituição. Os resultados deste estudo sugerem que os Grupos 1, 2 e 5 são grupos prioritários para intervenções assistenciais e de gestão. Ações voltadas para a prevenção de cesáreas em nulíparas poderão refletir na diminuição do Grupo 5.

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Contribuição dos autores: Patuzzi GC, Schuster RV, Dornfeld D, Luz CB, Canassa CCT, Neutzling AL: concepção, estruturação, análise e interpretação dos dados, escrita e revisão crítica do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 29 de Junho de 2023
Versão final apresentada em 26 de Abril de 2024
Aprovado em 29 de Maio de 2024

Editor Associado: Melânia Amorim

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