Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Tendência e distribuição espacial da hepatite B em gestantes no Brasil

Ingrid de Campos Albuquerque1; Vanessa Moreira da Silva Soeiro2; Rafael de Abreu Lima3; Adalgiza de Souza Paiva Ferreira4

DOI: 10.1590/1806-9304202400000091 e20230091

RESUMO

OBJETIVOS: analisar a tendência e distribuição espacial da hepatite B em gestantes no Brasil.
MÉTODOS: estudo ecológico a partir de todos os casos notificados de hepatite B em gestantes pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan entre 2009 e 2018. Foram calculadas as taxas de detecção do vírus da hepatite B (HBV) em todos os municípios. A análise espacial foi realizada por meio do Índice Global de Moran para os dados globais e os indicadores locais de associação espacial (Lisa) para os 5.570 municípios. Para análise de tendências por Estado, utilizou-se o modelo de regressão linear generalizada de Prais-Winsten.
RESULTADOS: foram notificadas 15.253 gestantes com HBV. Observou-se altas taxas de detecção nos municípios de São Miguel da Boa Vista-SC (68,96/1000 Nascidos vivos (NV)), Araguaiana-MT (68,18/1000 NV), Reserva do Cabaçal-MT(80,00/1.000 NV), São Geraldo da Piedade-MG (75/1000 NV), Porto Mauá-RS (111,11/1000 NV), nos respectivos biênios. Moran (I) (I=0,056) apresentou associação espacial positiva. No Lisa observou-se 78 municípios inserido no cluster alto-alto, sendo 51,28%na região Sul e 48 no cluster baixo-baixo com 72,91% no Sudeste. Verificou-se tendência crescente no Maranhão (p=0,004) e Pernambuco (p=0,007) e diminuição no Mato Grosso (p=0,012), Paraná (p=0,031) e Santa Catarina (p=0,008).
CONCLUSÃO: Observou-se a detecção de hepatite B em gestantes na maioria dos municípios brasileiros, com tendência crescente em dois estados e diminuição em outros três.

Palavras-chave: Hepatite B, Sistema de informação, Gestantes

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the trend and spatial distribution of hepatitis B in pregnant women in Brazil.
METHODS: ecological study based on all notified cases of hepatitis B in pregnant women through the Information System for Notifiable Diseases - Sinan between 2009 and 2018. Hepatitis B virus (HBV) detection rates were calculated in all municipalities. Spatial analysis was performed using the Global Moran Index for global data and local indicators of spatial association (Lisa) for the 5,570 municipalities. For trend analysis by State, the Prais-Winsten generalized linear regression model was used.
RESULTS: 15,253 pregnant women with HBV were reported. High detection rates were observed in the municipalities of São Miguel da Boa Vista-SC (68.96/1000 live births (LB)), Araguaiana-MT (68.18/1000 LB), Reserva do Cabaçal-MT (80, 00/1,000 LB), São Geraldo da Piedade-MG (75/1000 LB), Porto Mauá-RS (111, 11/1000 LB), in the respective bienniums. Moran (I) (I=0.056) showed a positive spatial association. In Lisa, 78 municipalities were included in the high-high cluster, 51.28% in the South region and 48 in the low-low cluster with 72.91% in the Southeast. There was an increasing trend in Maranhão (p=0.004) and Pernambuco (p=0.007) and a decrease in Mato Grosso (p=0.012), Paraná (p=0.031) and Santa Catarina (p=0.008).
CONCLUSION: the detection of hepatitis B in pregnant women was observed in most Brazilian municipalities, with an increasing trend in two states and a decrease in three others.

Keywords: Hepatitis B, Information system, Pregnant women

Introdução
A hepatite B é uma infecção viral de alta transmissibilidade, causada pelo vírus da hepatite B (HBV), com potencial oncogênico e tropismo pelas células hepáticas. Manifesta-se de maneira aguda ou crônica, sendo a segunda forma responsável pelo risco do desenvolvimento de cirrose hepática e/ou carcinoma hepatocelular, configurando-se com um problema de saúde pública mundial.1,2
A prevalência do HBV em âmbito nacional é baixa, mas distribuída heterogeneamente, variando de menos de 1% até 8%, havendo estados considerados com prevalência alta como Acre, Rondônia, Amazonas, Paraná, Mato Grosso, Santa Catarina, Goiás, Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Amapá.3 Essa oscilação repercute nas taxas de detecção em gestantes, pois nessas áreas, a via vertical e a horizontal por contato próximo na infância são as principais formas de transmissão do vírus.4
No mundo a prevalência de gestantes portadoras do HBV varia de 0,32 a 14,02%,5,6 enquanto no Brasil, em estudos realizados em vários estados houve variação de 0,13 a 1,9%.2,7-9 Mesmo pela baixa endemicidade, há o risco de transmissão via vertical, quando a mãe portadora do vírus transmite para o recém-nascido, principalmente no momento do parto e no período perinatal.7 Quando os recém-nascidos são infectados, estes podem se tornar-se portadores crônicos em até 90% dos casos devido à imaturidade do sistema imunológico.10
Em razão disso, não se exime a realização do rastreio sorológico em gestantes durante o pré-natal e a regularização da situação vacinal quando necessário. As autoridades de saúde internacionais e nacionais recomendam a realização de testes diagnósticos acessíveis e confiáveis. A realização do teste HBsAg laboratorial ou rápido deve ser na primeira consulta, independentemente da idade gestacional, e no terceiro trimestre de gestação.7
Nos casos de gestantes portadores do HBV, deve-se evitar procedimentos invasivos e a amamentação não é contraindicada. A respeito do recém-nascido, independente da sorologia materna, é recomendada a 1ª dose de vacina contra hepatite B até 24 horas após o nascimento. Perante sorologia positiva da mãe, administrar também, nas primeiras 12 horas de vida a imunoglobulina específica anti-hepatite B (HBIG).11
Essas condutas, deve-se as estratégias que visam melhorias na qualidade da assistência e a humanização do atendimento à gestante, preconizadas pelas políticas de saúde do Brasil, com intuito de assegurar o nascimento de uma criança saudável e garantir o bem-estar de mãe e filho.12
Essas medidas apresentam eficácia na redução da transmissão vertical, no entanto, ainda há falhas na implementação dessas estratégias pelos serviços de saúde, implicando na transmissão vertical do HBV, como apontado em vários estudos realizados com gestantes, de modo pontual, em diversas localidades do país.2,7,9,13,14 Existe maior escassez, de estudos que verificaram a distribuição espacial da hepatite B nessa população.15,16 Dessa maneira, é desconhecido o panorama da transmissão vertical do HBV em gestantes a nível local no país, mesmo com a implantação da Rede Cegonha e outras Redes de Atenção à Saúde que disponibilizam testes diagnósticos de hepatite B, configurando a existência de possíveis barreiras de acesso à assistência à saúde pública no país.
Assim, o presente estudo tem por objetivo analisar a tendência e distribuição espacial da hepatite B em gestantes no Brasil entre 2009 e 2018.

Métodos
Trata-se de um estudo ecológico de análise espacial que buscou avaliar a dinâmica espacial e temporal da ocorrência de hepatite B em gestantes nas 27 unidades federativas (UF) do Brasil e nos seus respectivos municípios, entre os anos de 2009 a 2018.
Foi definido gestante com hepatite B todos os casos notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ou seja, todas as gestantes que, durante o pré-natal, apresentaram evidência sorológica de presença de HBsAg. Nesse sistema, as variáveis analisadas foram: gestante, ano de diagnóstico/sintomas, UF de notificação, município de notificação, raça, sexo, faixa etária, forma clínica, classificação etiológica e fonte/mecanismo de infecção. O número de nascidos vivos que foi obtido no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), disponível no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).
A taxa de detecção de hepatite B em gestantes, variável de interesse, foi calculada utilizando-se o número de casos confirmados de hepatite B em gestantes em um determinado ano de notificação e local de residência como numerador e o número de nascidos vivos, no mesmo ano, no mesmo local como denominador, vezes 1.000.17 Não existe, na literatura, um padrão de categorização para hepatite B em gestantes, por isso a taxa de detecção no período analisado foi categorizada em múltiplos de 5,0/1.000 nascidos vivos.
Para verificar as mudanças dos padrões espaciais da HBV, foram elaborados mapas temáticos em biênios (2009-2010, 2011-2012, 2013-2014, 2015-2016 e 2017-2018) para melhor visualização e compreensão das taxas de detecção de hepatite B em gestantes por município a partir do software QGIS 3.16.3 Odense, com base nos dados da malha municipal digital do Brasil fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Foram calculadas as taxas brutas para expressar o risco de ocorrência de hepatite B em gestantes, mas por se tratar de um evento raro e susceptível a variações substanciais, apresentam grande instabilidade. Por isso, as taxas brutas de detecção foram suavizadas pelo método Bayesiano empírico local, que possuem menor variabilidade e maior adequação aos reais riscos de ocorrência do evento em cada área geográfica analisada. O estimador Bayes empírico local utiliza a informação das outras áreas que compõem a região de estudo, de modo a diminuir o efeito das flutuações aleatórias dos atributos associados ao risco, em que ao levarem em conta a correlação espacial entre áreas vizinhas trazem como resultado mapas mais suaves, mais informativos e com taxas mais confiáveis e com melhor qualidade dos indicadores trabalhados.16
Para verificar se as mudanças nos padrões e heterogeneidade das dependências espaciais dos casos de hepatite B em gestantes por município nos anos de 2009 a 2018 ocorreu de maneira aleatória no espaço, ou se a ocorrência de casos nos municípios influencia a ocorrência de casos em municípios vizinhos, utilizou-se o software GeoDa versão 1.18. Para essa análise espacial, optou-se por utilizar o índice global de Moran (I) e os indicadores locais de associação espacial (Lisa) a fim de observar os dados locais de 5.570 municípios do Brasil.
Os índices de Moran global (I) e Lisa realizam uma autocorrelação espacial que mede a relação entre observações com proximidade espacial, considerando que observações próximas espacialmente possuem valores parecidos. Para o cálculo de Moran global (I) é realizada uma autocorrelação espacial, como uma covariância, a partir do produto dos desvios em relação à média. Esse índice testa se as áreas vizinhas apresentam maior semelhança quanto ao indicador estudado do que se espera ao acaso. Para isso utilizou-se uma matriz de pesos espaciais do tipo adjacência de primeira ordem, já que se mostrou mais adequada para captar a espacialidade dos dados, pois verifica a interação de maneira horizontal, vertical e nas diagonais. O resultado varia de -1 a +1, em que valores positivos (entre 0 e +1) indicam autocorrelação, ou seja, o objeto tende a ser semelhante aos valores dos seus vizinhos, enquanto valores negativos (entre 0 e -1) correspondem a uma correlação inversa, ou seja, o valor do atributo em uma região não é dependente dos valores dessa mesma variável em áreas diferentes. O índice global de Moran representa a autocorrelação considerando apenas o primeiro vizinho.
O Lisa produz um valor específico para cada município e permite a visualização de agrupamentos de municípios com valores similares para os indicadores selecionados. Os clusters podem ser: Correlações do tipo alto-alto mostram municípios com altas taxas de detecção, cercados de outros municípios também com altas taxas de detecção; as do tipo baixo-baixo indicam municípios com baixas taxas de detecção, cercados por municípios com baixas taxas de detecção do mesmo indicador; as do tipo alto-baixo denotam municípios com alta taxa de detecção, cercados por municípios com baixas taxas de detecção desse indicador; e as do tipo baixo-alto descrevem municípios com baixas taxas de detecção, cercados de municípios com altas taxas de detecção do mesmo indicador.
A análise da tendência foi realizada para todos os estados por meio do modelo de Regressão Generalizada de Prais-Winsten,16 que é indicado para análises de tendência, dado que corrige a autocorrelação temporal dos resíduos, partindo-se do pressuposto ecológico de que as incidências podem ser influenciadas entre si nos anos da série temporal. A suavização das taxas para as séries temporais foi realizada pela média móvel de terceira ordem. A análise dos diagramas de dispersão das incidências e de autocorrelação dos resíduos permitiu identificar o comportamento da tendência: estável (se p>0,05); decrescente (se p<0,05 e coeficiente de regressão (β1) negativo) e crescente (se p<0,05 e coeficiente de regressão (β1) positivo). Foram estimados o coeficiente de regressão da modelagem de Prais-Winsten e a variação anual das taxas de detecção de hepatite B em gestantes no período (em porcentagem) por meio da fórmula: (-1+10-^b) x100, uma vez que a regressão utiliza o logaritmo das taxas (10^b). Para a análise de tendência, foi utilizado o software Stata 13.
Por se tratar de pesquisa com bancos de dados e informações agregadas, este trabalho dispensa a submissão aos comitês de ética em pesquisa.

Resultados
No período de 2009 a 2018 foram notificadas 13.588 gestantes portadoras do vírus da hepatite B, com a maioria pertencendo a faixa etária de 20 a 39 anos (82,48%), de raça parda (40,96%), contaminadas por via sexual (28,31%), com diagnóstico no terceiro trimestre (37,22%) e classificadas como portadoras crônicas (80,16%) (Tabela 1).



Ao analisar as taxas brutas de detecção de hepatite B em gestantes entre 2009 a 2018, observou-se concentração de casos em municípios dos estados da região Norte (Amazonas, Rondônia e Acre), Centro-Oeste (Mato Grosso) e Sul (Paraná e Santa Catarina). O biênio de 2009 e 2010, obteve 11,13% (265) dos municípios que notificaram com taxa de detecção ≥5,0 casos por 1 mil nascidos vivos (NV), com destaque para São Miguel da Boa Vista (68,96/1000 NV), em Santa Catarina. Em 2011 e 2012, esse percentual foi de 10,51% (264) municípios e Araguaiana no Mato Grosso obteve maior taxa de detecção (68,18/1000 NV). Nos anos de 2013 e 2014 12,15% (306) dos municípios, nos quais Reserva do Cabaçal (80,00/1.000 NV), no Mato Grosso, se destacou. Por conseguinte, 2015 e 2016 9,27% dos municípios (337), e São Geraldo da Piedade em Minas Gerais atingindo maior taxa (75/1000 NV). E nos anos de 2017 e 2018, 8,91% municípios (178), sendo Porto Mauá no Rio Grande do Sul (111,11/1000 NV) com maior taxa (Figura 1).

 



As taxas suavizadas, em todos os biênios, foram menores que as taxas brutas. O período de 2013-2014 também apresentou maior número de municípios com taxas mais elevadas (Figura 2).

 



O índice global de Moran (I) obtido para o período entre 2009 a 2018 (I=0,056) apresentou uma associação espacial positiva. Enquanto, no Lisa foi possível observar que 78 municípios estavam inseridos no cluster alto-alto, caracterizando forte correlação espacial entre si, devido as maiores taxas de detecção de HBV em gestantes. Houve maior concentração de municípios na região Sul atingindo 51,28% (40 municípios), mas pequenos nichos foram identificados em outras regiões do país, exceto a Região Nordeste (Figura 2).
Os municípios pertencentes ao cluster baixo-baixo, possuem média dos vizinhos abaixo da média global, totalizaram 48, em sua maioria localizados na região Sudeste (72,91%) (35 municípios) e em pontos esparsos nas demais regiões, com exceção da Centro-Oeste (Figura 2).
Os clusters baixo-alto e alto-baixo se referem aos municípios com comportamento oposto, assim são considerados municípios de transição. Ou seja, no baixo-alto são apontados os municípios com baixa taxa de detecção com vizinhos acima da média global (108 municípios). Enquanto, os alto-baixo estão os municípios que possuem alta taxa de detecção com vizinhos abaixo da média global (51 municípios) (Figura 2).
Todos os municípios englobados nas quatro áreas incluídas no Lisa apresentaram valores significativos, com p<0,05, e 3.702 municípios mostraram resultados sem significância. Os demais 1.583 foram considerados indefinidos por não terem notificações no período analisado (Figura 3).

 



Ao analisar a tendência da taxa de detecção de hepatite em gestantes nos estados verificou-se que foi crescente no Maranhão (p=0,004) e Pernambuco (p=0,007) e com diminuição no Mato Grosso (p=0,012), Paraná (p=0,031) e Santa Catarina (p=0,008). Nas regiões Norte e Sudeste e os demais estados das outras regiões mantiveram-se estáveis durante o período do estudo (Tabela 2).

 



Discussão
O presente estudo buscou demonstrar a distribuição espacial e tendência dos casos de hepatite B em gestantes no Brasil, no período de 2009 a 2018, com isso verificou localidades, que historicamente são endêmicas para hepatite B, com altas taxas de detecção. Ainda mais preocupante são os Estados que apresentaram crescimento nesses índices, que até outrora não são considerados de alta endemicidade pelas estatísticas oficiais. Uma vez que se trata de uma doença imunoprevenível e com testes diagnósticos para detecção precoce disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Apesar da relevância, o estudo apresentou limitações que se relacionam à qualidade dos dados provenientes dos sistemas utilizados, como baixa completude de campos, subregistro e subnotificação, o que possibilita potenciais vieses e comprometem a fidedignidade das ações realizadas, prejudicando a avaliação das medidas executadas e o gerenciamento de atividades de vigilância. Contudo, para minimizar essas limitações foi definida na seleção dos dados a faixa etária correspondente ao período reprodutivo da mulher, conforme disponível no Sinan.
A faixa etária de 20 a 39 anos foi predominante entre as gestantes, semelhante a outros estudos nacionais18 e internacionais.19 Nessa fase as mulheres estão no ápice da atividade sexual, consequentemente mais susceptíveis a sexo sem proteção. Fato que interfere no contágio da hepatite B, já que em adultos a forma de transmissão frequentemente é horizontal e detectável tardiamente. Portanto, ações educativas que visem a diminuição do número de casos devem ser focadas a esse público.7
Em relação à raça, a parda foi mais constante, assim como no estudo realizado por Lobo et al.,20 na cidade de Manaus. As pessoas que se autodeclaram pretos ou pardos são responsáveis pela maior parte dos atendimentos nos serviços de saúde pública, sendo denominados como SUS-dependentes. Contudo, constituem um grupo populacional de alta vulnerabilidade social, pela desigualdade nas condições de vida e no acesso aos cuidados e atenção à saúde de qualidade.21
Quanto ao mecanismo/fonte de infecção houve mais frequência da via sexual, em acordo com o resultado de estudo realizado no Acre.7 Esse fato se justifica pela confiança e intimidade adquirida nas relações estáveis e desconhecimento sobre os modos de transmissão do HBV. Com isso, os casais tendem a limitar ou extinguir o uso de preservativos, o que pode expor esse grupo a contrair diferentes infecções sexualmente transmissíveis.22
A idade gestacional no momento do diagnóstico é fator determinante para implementação do tratamento, com intuito de diminuir a carga viral e consequentemente prevenir a transmissão vertical.12 Por isso, deve ser feito o mais precoce possível para melhor acompanhamento da gestante,7 mas no presente estudo a maioria dos diagnósticos foram realizados no segundo e terceiro trimestre. Pressupõe-se que o difícil acesso das usuárias aos serviços, distância das unidades de saúde, inicio tardio do pré-natal, atraso na marcação dos exames essenciais solicitados pelos profissionais e a não realização do teste rápido nas consultas do pré-natal são fatores desfavoráveis no diagnóstico precoce da infecção nas gestantes.22
A classificação como portadoras crônicas foram preponderantes no estudo, semelhante a pesquisas realizadas no Maranhão23 e em Santa Catarina.24 A forma crônica da hepatite B aumenta o risco de transmissão vertical, e caso a imunoprofilaxia não seja realizada a chance de cronificação do recém-nascido é cerca de 90%, por isso diante da presença do HBsAg a gestante precisa ser monitorada quanto à carga viral, e o tratamento deve ser implementado a fim de impedir a replicação do vírus e realizar controle da resposta inflamatória.10
Por meio da análise da distribuição espacial observou-se aumento no número de municípios com taxas de detecção ≥5,0 casos por 1000 nascidos vivos até o biênio de 2013 e 2014, com queda após esses anos, semelhante ao encontrado na literatura.25 Esse dado liga-se diretamente a melhoria do acesso aos exames, ocasionada pela implantação dos testes rápidos na rotina de pré-natal, conforme preconizado pela Rede Cegonha. Consequentemente, houve aumento no número de notificações, possibilitando o acompanhamento dos casos positivos após parto com melhor elucidação da transmissão vertical da hepatite B no país.24
O biênio de 2017 e 2018 apresentou menor número de municípios com taxas ≥5,0 casos por 1.000 nascidos vivos, isso pode ser associado à diminuição dos casos de hepatites virais no país entre os anos de 2014 e 2015, chegando a níveis mais baixos desde 2010, com tendência de queda até o ano de 2018, demonstrando a efetividade das políticas públicas quanto a implantação dos testes rápidos e ampliação do público-alvo da vacina contra hepatite B.26 Isso reflete na diminuição da taxa de detecção em gestantes.
Os municípios que apresentaram maiores taxas de detecção em cada biênio analisado foram São Miguel da Boa Vista (Santa Catarina), Araguaiana (Mato Grosso), Reserva do Cabaçal (Mato Grosso), São Geraldo da Piedade (Minas Gerais) e Porto Mauá (Rio Grande do Sul). No cluster alto-alto, concentraram-se a maioria dos municípios da região Sul e não houve município da região Nordeste pertencentes ao cluster. Quanto os inseridos no cluster baixo-baixo, foram maioria de municípios que estão localizados na região Sudeste, e não havendo nenhum da Centro-Oeste. Esse achado demonstra a forma heterogênea de distribuição dos casos de hepatite B em gestantes.
Os municípios da região Sul que se evidenciaram nas taxas de detecção legitimam a maioria de municípios pertencentes ao cluster alto-alto. Dado que, a região apresenta altas incidências de infecção pelo HBV, superior a taxa nacional, ocasionada pela imigração de italianos, espanhóis e portugueses, principalmente da região do Mediterrâneo Europeu,27 o que pode explicar o comportamento da hepatite B em gestantes na região Sul.
A região Sudeste, mesmo retendo a maior parte da população brasileira, concentrou a maioria dos municípios inseridos no clusters baixo-baixo, havendo apenas um município entre os que se evidenciaram no período analisado. Pode-se associar esse achado a redução expressiva na prevalência da transmissão da doença em adultos desde a implementação da vacina universal para HBV e a eficácia do tratamento, melhor qualidade do sistema de vigilância epidemiológica, maior acesso aos serviços de saúde, melhores condições de vida e os maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).28
A ausência de municípios da região Nordeste no cluster alto-alto e entre os municípios que se evidenciaram no período analisado, pode ser justificada pelo fato da região obter menor número de casos de Hepatite B, tanto na população em geral quanto em gestantes.17 Contudo, isso pode ser explicado pela classe social mais baixa da maioria da população infectada dificultando o acesso aos serviços de saúde, tanto para diagnóstico quanto para tratamento, enfatizando a urgência de campanhas de educação em saúde. Também, pode-se suspeitar que ocorra subnotificação dos casos, justificando a menor taxa de incidência.26
Mesmo não apresentando nenhum município no cluster baixo-baixo, a região Centro-Oeste obteve municípios com taxas de detecção em destaque no período observado, justificando a sua endemicidade intermediária.17 Devido ao processo migratório que ocorreu na década de 1970 e 1980 da região amazônica, após isso foi identificado um surto de infecção pelo HBV devido às más condições de higiene e o contato íntimo entre os imigrantes. Além disso, a população de garimpeiros também influenciou no aumento dessas taxas, porque possuíam vários fatores de risco, como múltiplos parceiros, atividade sexual sem proteção, frequentes visitas a unidades de saúde por traumatismo ou malária e uso de seringas e objetos perfurantes reutilizados.27 Fatores estes, associados a contaminação em idade reprodutiva e consequente aumento do risco de transmissão vertical.
Quanto ao aumento da tendência da taxa de detecção no Maranhão e em Pernambuco, o Maranhão ocupou em 2020 o quarto lugar em números de casos de hepatite B no Nordeste,17 mas há municípios que apresentam prevalência do HBsAg superior à média estadual, como a de 2,3% encontrada no estudo realizado em cinco municípios maranhenses em 2016.29 Em relação às gestantes, um estudo realizado em 2007 na capital maranhense, observou que 0,9% eram portadoras crônicas.23 O estado de Pernambuco, no ranking do Nordeste, está a frente do Maranhão, no terceiro lugar.17 O boletim epidemiológico do estado apontou tendência crescente no número de casos e no coeficiente de incidência de hepatite B no período de 2000 a 2018, possivelmente pela expressiva redução da cobertura vacinal, chegando a 50,5% em 2020,30 ecoando nas taxas de detecção em gestantes.
No Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina a diminuição presente na tendência diverge dos valores encontrados na análise espacial, já que houve municípios nesses estados com elevadas taxas. Contudo, essa diminuição na tendência dos casos, na população geral e em gestantes, é comprovada pelos boletins epidemiológicos dessas localidades.17
A estabilidade na tendência dos demais estados pode demonstrar um resultado insatisfatório no que tange ao controle hepatite B, por falhas no rastreamento, diagnóstico precoce, tratamento eficaz e nas medidas de prevenção, que são amplamente difundidas pelos órgãos oficiais de saúde pública.12
Os resultados deste estudo indicam a existência de desigualdades geográficas relativas à infecção do HBV em gestantes, uma vez que a região Sul ainda apresenta muitos casos, mas com tendência de queda, principalmente nos estados do Paraná e Santa Catarina, além do estado de Mato Grosso. Enquanto, a região Nordeste não é considerada um nicho da infecção, porém houve dois estados, Maranhão e Pernambuco, que apresentaram aumento na tendência no período analisado.
O perfil epidemiológico das gestantes, também identificado no presente estudo, expõe o alto risco de transmissão vertical do vírus da hepatite B e por conseguinte, as complicações neonatais que podem advir. Desse modo, as práticas de detecção durante o pré-natal contribuem para identificar pacientes infectadas e reduzir o impacto e a disseminação do vírus nos municípios brasileiros. Por fim, esse estudo, por ser o pioneiro em analisar a distribuição espacial e tendência temporal dos casos de hepatites em gestante possibilitou vislumbrar a evolução das taxas de detecção, além de permitir a avaliação de um grande número de gestantes.

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Contribuição dos autores: Albuquerque IC: coleta e análise de dados e redação; Soeiro VMS: análise de dados e redação; Lima RA: redação e revisão; Ferreira ASP: redação e revisão final.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declararam não haver conflitos de interesse.

Recebido em 18 de Março de 2023
Versão final apresentada em 27 de Julho de 2023
Aprovado em 7 de Agosto de 2023

Editor Associado: Melânia Amorim

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