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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Comitê de mortalidade materna e a vigilância do óbito em Recife no aprimoramento das informações: avaliação ex-ante e ex-post

Patrícia Ismael de Carvalho1; Suely Arruda Vidal2; Barbara de Queiroz Figueirôa3; Lygia Carmen de Moraes Vanderlei4; Conceição Maria de Oliveira5; Cândida Correia de Barros Pereira6; José Natal de Figueiroa7; Paulo Germano de Frias8

DOI: 10.1590/1806-9304202300000254 e20220254

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar a contribuição do Comitê de Mortalidade Materna e da Vigilância do Óbito de mulheres em idade fértil (MIF) e materno na magnitude da mortalidade materna e na qualificação das causas dos óbitos no Recife, Brasil.
MÉTODOS: avaliação ex ante/ex post, ecológico, dos indicadores anuais de mortalidade de MIF, materna e estudo de caso de óbitos maternos declarados segundo causas de morte antes e após a vigilância. Analisaram-se óbitos de MIF (2010-2017) e calculou-se o percentual de investigação; estimaram-se suas taxas e a razão de mortalidade materna (RMM); descreveram-se: grupos de causa, classificação e momento do óbito, variação proporcional antes e após a vigilância/análise do comitê e a realocação das causas após esse processo.
RESULTADOS: investigou-se 4.327 (97,0%) dos óbitos de MIF (incremento de 40,7% das mortes maternas), e RMM de 62,9/100 mil nascidos vivos; melhoraram as notificações do puerpério imediato/tardio (75,0%) e remoto (300,0%); houve diferença nas causas obstétricas diretas, total de óbitos maternos e morte materna tardia (p<0,001).
CONCLUSÃO: mostrou-se o potencial da vigilância e do Comitê de Mortalidade Materna na identificação da magnitude e qualificação das causas de morte materna para proposição de medidas direcionadas aos cuidados obstétricos.

Palavras-chave: Mortalidade materna, Estatísticas vitais, Registros de mortalidade, Sistemas de informação em saúde, Vigilância em saúde pública

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate the contribution of the Maternal Mortality and Death Surveillance Committee for women of childbearing age (WCA) and maternal mortality in the magnitude of maternal mortality and in the qualification of the causes of death in Recife, Brazil.
METHODS: ex ante/ex post evaluation, ecological, of the annual indicators of mortality of WCA, maternal and case study of declared maternal deaths according to causes of death before and after surveillance. Deaths of WCA (2010 and 2017) were analyzed. The percentage of investigation of deaths of WCA was calculated; their rates and maternal mortality ratio (MMR) were estimated; the groups of causes of death, classification of death, the moment of death, the proportional variation before and after surveillance, and the relocation of the causes after this process were described.
RESULTS: 4.327 (97.0%) of deaths of WCA were investigated (increase of 40.7% of maternal deaths) and MMR of 62.9/100 thousand live births. Improved notifications of immediate/late (75.0%) and remote (300.0%) postpartum; there was a difference in direct obstetric causes, total maternal deaths and late maternal death (p<0.001).
CONCLUSION: the surveillance and the Maternal Mortality Committee showed potential in identifying the magnitude and qualification of causes of maternal death in order to propose the interventions directed to obstetric care.

Keywords: Maternal mortality, Vital statistics, Mortality registries, Health information systems, Public health surveillance

Introdução

A morte materna persiste como problema de saúde pública mundial, apesar do declínio na razão da mortalidade materna (RMM) entre 1990 e 2015 de 385 mortes para 216 por 100 mil nascidos vivos (NV), com diferenciais importantes entre países. 1 No Brasil, para o ano de 2017, a RMM situou-se em 64,5/100 mil NV com profundas diferenças regionais, que variaram de 38,5 a 88,9/100 mil NV nas regiões Sul e Norte, respectivamente. No mesmo ano, Pernambuco exibiu a RMM de 61,3/100 mil NV. 2

Informações fidedignas sobre os óbitos de mulheres por causas maternas subsidiam a implementação de ações direcionadas aos problemas identificados, melhoria do acesso e assistência à saúde e garantia de direitos sexuais e reprodutivos, pactuados internacionalmente nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 3 Entretanto, a subnotificação e a reduzida qualidade dos dados sobre as mortes maternas nos sistemas de informações vitais restringem sua utilidade no acompanhamento dos cuidados obstétricos e na evolução destas mortes evitáveis, inviabilizando o conhecimento preciso da magnitude, das causas e as circunstâncias de sua ocorrência para o planejamento e monitoramento das ações de saúde. 1

Para as estatísticas oficiais, o registro dos óbitos maternos é condicionado à notificação das causas de morte no período gravídico-puerperal. 4 No Brasil, a declaração de óbito (DO) além de informar as ocorrências e causas da morte, dispõe de campo específico para determinar se a morte da mulher em idade fértil (MIF), dez a 49 anos, aconteceu ou não na gravidez, aborto, parto ou puerpério. 4

Falhas no preenchimento, na codificação e digitação da DO no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) interferem na precisão dos indicadores de mortalidade materna,5 requerendo estratégias locais e nacionais para ampliar a notificação e qualificar a informação sobre estas mortes. Entre elas se destacam: capacitação de médicos no preenchimento das DO, especialmente as causas da morte; formação de codificadores de causa básica de óbito; parceria com os Serviços de Verificação de Óbito e Institutos de Medicina Legal; implantação e fortalecimento dos Comitês de Mortalidade Materna e da Vigilância do Óbito de Mulher em Idade Fértil e Materno. 4-7

No Brasil, as bases para identificação da magnitude do problema vêm sendo construídas desde a década de 1980, quando surgiram os primeiros Comitês; a Comissão Nacional (1994); as definições de notificação compulsória do óbito materno (2003) e de vigilância epidemiológica como atribuição dos estados e municípios (2004). 8 As experiências dos Comitês se multiplicaram no país sendo decisivas para a institucionalização das ações de vigilância do óbito materno. 4,8

Diante do protagonismo dos movimentos de mulheres, ampliou-se a visibilidade do problema e o debate sobre os direitos reprodutivos, saúde sexual e reprodutiva como questão de saúde pública em emblemáticas conferências internacionais. 9

Com a obrigatoriedade da investigação dos óbitos maternos e de MIF, em 2008, e posterior edição do Guia de Vigilância Epidemiológica do Óbito Materno, as ações dos Comitês foram potencializadas. 4 A vigilância do óbito integrou o conjunto das ações de notificação, investigação epidemiológica e análise em grupos técnicos de discussão e/ou comitês de prevenção da mortalidade. Os Comitês são estratégias de controle social que congregam órgãos governamentais, sociedade civil e universidades, de atuação crítico-reflexiva, educativa e não punitiva. 4 A atuação integrada e interdependente da Vigilância do Óbito Materno e do Comitê possibilita a atualização e correção dos dados nos sistemas de informações vitais, além de permitir conhecer os problemas e as circunstâncias da morte, ao identificar o acesso e a qualidade da assistência prestada à mulher, aprimorando as causas dos óbitos e indicando sua evitabilidade. 10

Em Pernambuco, desde 1995 a Secretaria Estadual de Saúde (SES) definiu em portaria, que todas as mortes de MIF deveriam ser investigadas pelos municípios, para implantar o sistema de vigilância do óbito materno, independentemente da causa declarada, transcendendo as recomendações nacionais vigentes (investigação de óbitos maternos e MIF com causa presumível). 11 Desde então, Recife desenvolve essas atividades sistematicamente e concentra o maior contingente populacional de MIF e de óbitos maternos.

Esta pesquisa objetivou avaliar a contribuição do Comitê de Mortalidade Materna e da Vigilância dos Óbitos de MIF e maternos na magnitude das mortes maternas e na qualificação das causas desses óbitos no Recife de 2010-2017.


Métodos

Trata-se de um estudo avaliativo do tipo ex-ante e ex-post, ecológico, descritivo, dos indicadores anuais de mortalidade de MIF e maternos e um estudo de caso de óbitos maternos declarados segundo causas de morte antes e após o processo de vigilância.

As informações foram obtidas dos registros dos óbitos de MIF, notificados e investigados no SIM; dos dados sobre as causas da morte e do momento do óbito materno descritos nas DO originais antes do processo de vigilância e após, no SIM. As DO são preenchidas por médicos das unidades de saúde de ocorrência do óbito ou nos serviços de necropsia; os registros são codificados e digitados no SIM pelas secretarias de saúde dos municípios de ocorrência e enviados para as regionais de saúde, SES e Ministério da Saúde. 4

A pesquisa foi realizada no Recife, localizado na região Nordeste do Brasil, que detinha o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 0,772; índice de abastecimento de água de 87% e coleta de lixo de 98%. Em 2017, a população estimada era 1.629.796 habitantes, sendo 526.389 (32,3%) MIF, residentes em 94 bairros distribuídos em oito distritos sanitários, exclusivamente urbanos. A rede de atenção primária tinha 60% de cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e contava com 16 maternidades (sete públicas e nove privadas), que realizaram em torno de 50 mil partos nesse mesmo ano, sendo 22.817 nascidos vivos de mulheres residentes na cidade, conforme o Datasus.

A Vigilância do Óbito Materno do Recife envolve a notificação das mortes, declaradas no SIM ou identificadas na investigação do universo dos óbitos de MIF, independentemente das causas descritas na DO; investigação epidemiológica em domicílio, ambulatórios, hospitais que prestaram assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal e nos serviços de necropsia, por meio de consultas aos prontuários; discussão/análise no Comitê de Mortalidade Materna e encaminhamento aos gestores, das recomendações de medidas de proteção, atenção à saúde e correção das estatísticas vitais. 12

O Comitê Municipal é composto por representantes dos Conselhos Regionais de Medicina e Enfermagem; do Movimento de Mulheres; de Universidades e Conselhos de Saúde e da Mulher. Durante as reuniões para análise e discussão dos óbitos, incluem-se representantes da ESF e de Agentes Comunitários da área de residência da mulher; dos hospitais que prestaram assistência; gestores e técnicos da vigilância, da atenção primária, da média e alta complexidade e saúde da mulher. Essas reuniões ocorrem após finalizada a investigação dos óbitos para reclassificar as causas, quando necessário, identificar a evitabilidade e recomendar medidas de intervenção adequadas.

Incluiu-se o universo dos óbitos de MIF e maternos de residentes em Recife, ocorridos entre a gravidez e menos de um ano após o parto, no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2017, investigados pelas vigilâncias epidemiológicas hospitalares e municipal, analisados pelo Comitê de Mortalidade Materna. A inclusão de óbitos ocorridos até menos de um ano após o parto, segue recomendação do Comitê de Mortalidade Materna de Pernambuco (portaria estadual de 2017),12 que ampliou o período de identificação das mortes maternas devido ao seu prolongamento mediante o avanço das tecnologias de saúde. Excluíram-se as mortes por sequelas de causas obstétricas diretas e as por causas externas.

O estudo utilizou as variáveis: Óbito de MIF investigados; Momento do óbito (gravidez, aborto, parto, puerpério, não ocorreu nestes períodos, ignorado e/ou não informado); Causas da morte (sequência de causas da doença ou estado mórbido que ocasionou diretamente a morte - parte I; outras condições significativas que contribuíram para a morte, mas sem relação direta com a cadeia de causas que levaram ao óbito - parte II) descritas pelo médico atestante da DO original, e Causa básica de morte (doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte, ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal).

Os registros referentes às investigações, aos óbitos e à população total de MIF foram captados, respectivamente, do SIM, na base de dados do Sistema Federal, e da página eletrônica do Datasus. Os registros de NV foram extraídos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) estadual pelo Tabwin32. Todos os registros foram exportados para o Excel® 2007.

Todos os dados dos óbitos maternos investigados e discutidos ocorridos no mesmo período foram coletados da DO original, arquivadas pela Secretaria de Saúde do Recife, e do SIM da SES/PE. Os registros da DO original, foram digitados em planilhas eletrônicas do Excel® 2007 e os do SIM foram extraídos utilizando-se a ferramenta Tabwin32, constituindo-se dois bancos de dados distintos.

As causas de óbito informadas em todas as linhas das partes I e II da DO original antes da vigilância, foram codificadas com a inclusão das causas básicas por codificadores da SES/PE, utilizando a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª revisão (CID-10); e recomendações nacionais sobre codificações especiais. 13 As causas básicas de morte após a conclusão da vigilância do óbito e análise do Comitê foram selecionadas do banco de dados extraído do SIM. Para a análise, os códigos selecionados como causa básica foram agrupados mantendo a coerência clínica dentro de um mesmo grupo.

Os grupos de causa foram agregados de acordo com a classificação da morte materna: obstétrica direta, resultante de complicações obstétricas durante gravidez, parto ou puerpério; obstétrica indireta, devida às doenças existentes antes da gravidez ou que se desenvolveram nesse período, agravadas pelos seus efeitos fisiológicos; obstétrica de causa não especificada, morte obstétrica cuja causa não foi determinada; tardia, causas obstétricas diretas ou indiretas, ocorridas após 42 dias e menos de um ano do término do parto. 4

Calculou-se o percentual de investigação dos óbitos de MIF pela razão entre os investigados e o total ocorrido; identificaram-se as frequências absolutas de mortes maternas com e sem inclusão das tardias, antes e após a vigilância do óbito e análise do Comitê; verificou-se a contribuição da vigilância do óbito e análise do Comitê pela variação percentual de aumento dividindo-se a diferença dos valores obtidos depois e antes da vigilância e análise do Comitê pelo valor registrado antes, multiplicado por 100, por ano e para o período do estudo.

Calculou-se a RMM antes da vigilância e análise do Comitê (número absoluto de óbitos maternos notificados antes do processo de vigilância e análise do Comitê dividido pelo total de NV, multiplicados por 100 mil NV); a RMM após a vigilância e análise do Comitê (soma da frequência absoluta de óbitos maternos identificados antes e após a vigilância e análise do Comitê, dividida pelo total de NV, multiplicados por 100 mil NV); a RMM tardia (soma da frequência absoluta de mortes maternas tardias obtida antes e após a vigilância e análise do Comitê, dividida pelo total de NV, multiplicado por 100 mil NV) e RMM acrescidas às tardias (soma da frequência absoluta das mortes maternas às tardias obtidas antes e após a vigilância e análise do Comitê, dividida pelo total de NV, multiplicados por 100 mil NV). Calculou-se também a taxa de mortalidade de MIF, dividindo-se o número de óbitos femininos em idade fértil pelo total de MIF, multiplicados por 100 mil MIF.

Calcularam-se os percentuais das mortes maternas por grupos de causa e classificação do óbito mediante a razão entre os seus respectivos números absolutos e o total de óbitos maternos, antes e após a vigilância e análise do Comitê. Descreveram-se as frequências absolutas, segundo o momento e classificação do óbito. Analisou-se a realocação das mortes maternas por grupos de causa pela frequência absoluta pré e pós-processo de vigilância e análise do Comitê.

O suporte metodológico para a realização da análise estatística referente a construção de intervalos de confiança e realização de testes de hipóteses para diferença de proporções encontra-se em Derrick et al. 14 Os cálculos estatísticos foram realizados usando a biblioteca de programas Partially Overlapping Sample Tests, versão 2.0 (12/12/2018) do software R.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira pelo parecer no 2.277.245 de 15/9/2017, com certificado de apresentação para apreciação ética n°: 72815317.4.0000.5201.


Resultados

No período de 2010 a 2017, foram notificados 4.459 óbitos de MIF, entre os quais, 4.327 (97,0%) foram investigados, sendo 93,8% em 2012 e 99,1% em 2015. As mortes maternas passaram de 75 para 94 após-vigilância do óbito e análise do Comitê, com diferença de percentual estatisticamente significante de 0,5 (IC95%= 0,3-0,7) p<0,001. Quando inclusas as mortes maternas tardias, o número de óbitos notificados passou de 81 para 114 após a vigilância do óbito e análise do Comitê, mostrando significância estatística (p<0,001) na diferença percentual 0,8 (IC95%= 0,6-1,1). Houve significância estatística para todos os anos isolados, com exceção de 2011 e 2013. (Tabela 1).

 



A taxa de mortalidade de MIF no período do estudo foi 105,4/100 mil MIF, sendo a menor de 101,1 (2013) e a maior de 114,2/100 mil (2011). A RMM passou de 41,4 para 51,9/ 100 mil NV entre 2010 e 2017, incremento de 25,3% após vigilância do óbito e análise do Comitê; e para 45,9 (2010); 65,5 (2016) e 43,8 (2017). Quando incluídas as mortes maternas tardias, a RMM pós-vigilância e análise do Comitê passou de 51,9 para 62,9/100 mil NV, aumento de 21,3%, e para 93,0 (2015) e 65,8 (2017). A RMM tardia foi de 11/100 mil NV no período, com taxas de 16,9 (2015) e 21,9 (2017) pós-vigilância e análise do Comitê (Tabela 2).

 



As causas obstétricas diretas elevaram-se de 45 mortes para 48 após a vigilância e análise do Comitê, mostrando diferença estatisticamente significante (p<0,001); as indiretas não apresentaram significância estatística, diferentemente das mortes maternas tardias, (p<0,001). Entre os 114 óbitos maternos identificados após vigilância e análise do Comitê, 33 eram subnotificados ao SIM, por ausência de informação sobre o período gravídico-puerperal nas DO originais antes do processo de vigilância e análise do óbito (Tabela 3). O ranking das causas de óbito antes e após a vigilância está contido nesta Tabela.

 



Ocorreram 70 óbitos maternos no puerpério imediato/tardio, incremento de 75,0% (82,4% entre causas obstétricas indiretas); 20 no remoto, aumento de 300,0%; 20 na gravidez, incremento de 66,7% (175,0% entre as indiretas); três no aborto e um no parto após a vigilância do óbito. Recuperou-se a informação sobre o momento do óbito no ciclo gravídico-puerperal para 54 óbitos, seis notificados como "não ocorreu nestes períodos" e 48 sem informação do período gravídico-puerperal (Tabela 4).

 



Entre as 43 causas obstétricas indiretas, 11 estavam classificadas como diretas (distúrbios hipertensivos, embolias, infecção puerperal, hemorragias obstétricas, aborto e outras); dez não declaradas como óbito materno; duas obstétricas de causa não especificada e uma materna tardia, antes da vigilância do óbito. Entre as tardias, 12 não declaradas como óbito materno e três obstétricas indiretas. Das 48 obstétricas diretas, 28 permaneceram com as mesmas causas pós-vigilância; cinco estavam classificadas como obstétricas indiretas e oito não declaradas como óbito materno. Especificou-se a causa de dois óbitos por inércia uterina que estavam classificados como hemorragias obstétricas (Tabela 5).

 




Discussão

O estudo mostrou que o processo de vigilância, incluindo abrangente investigação dos óbitos de MIF, análise e reclassificação das causas pelo Comitê de Mortalidade Materna, ampliou a notificação dessas mortes, com ênfase às tardias e obstétricas indiretas. Isso repercutiu no incremento das suas taxas, com magnitude mais acentuada em 2015/2016 e flutuações no período do estudo.

A diferença observada na ampliação da notificação das mortes maternas até 42 dias após o parto e destas incluindo as tardias entre 2010 e 2017, ratifica recomendações internacionais sobre o uso de Sistemas de Vigilância e Resposta às Mortes Obstétricas e sua indicação para explicitar as causas e fatores associados, reduzir o subregistro e impulsionar medidas de intervenção. 15 Não obstante, ainda que a aplicação de inquéritos confidenciais possibilite análises robustas e completas sobre óbitos maternos, o mau funcionamento dos registros vitais e o pouco envolvimento dos profissionais de saúde com a notificação, dificultam sua aplicabilidade em regiões menos desenvolvidas e com elevada mortalidade. 16

Contudo, a investigação de quase todas as mortes de MIF e revisão de todas as mortes obstétricas observadas no estudo oportunizaram-se pela articulação descentralizada entre a vigilância epidemiológica hospitalar, municípios e Comitês de Mortalidade Materna, compondo ações integradas de vigilância do óbito. 10 A base normativa e legal, os investimentos na formação de profissionais da vigilância e comitês construídos ao longo de anos, favoreceram a consolidação da estratégia no Brasil. 4,8

Saliente-se que mais de um quarto do total de óbitos maternos foram identificados após investigação de quase todas as mortes de MIF (97%), análise e revisão das causas. A má classificação dessas mortes reduziu a notificação aos sistemas oficiais no México (28,0%) e Taiwan (65,0%). 17,18 Entretanto, em Pernambuco, o subregistro ao SIM estadual situou-se em 48,0% em 2003,11 enquanto que entre 2009 e 2011 quase 70% dos óbitos de MIF foram investigados6 com aumento progressivo nos anos subsequentes.

A redução da subnotificação das mortes avaliadas neste estudo e suas implicações na RMM mostram a relevância da abordagem integrada entre a vigilância do óbito e Comitês. A normatização da SES-PE da década de 199011 favoreceu o desenvolvimento de ações integradas de notificação/investigação pelos municípios; análise e qualificação da informação pelos Comitês; e legitimou o controle social na busca por intervenções intersetoriais, exercendo importante papel para redução de óbitos maternos. 12 Dessa forma, estratégias locais fortalecem os sistemas de informações vitais e contribuem na tomada de decisão influenciando mudanças. 15

Quase metade das mortes por causas obstétricas indiretas foram erroneamente notificadas como diretas e não declaradas, revelando a dificuldade médica em reconhecer e/ou registrar os efeitos patológicos desencadeados ou agravados pela gravidez com exatidão,7,10 como ocorre nos países com desenvolvimento socioeconômico restrito e sistemas de registro oficiais incompletos ou inexistentes. 2 Nos países desenvolvidos, a subnotificação se revela em menor escala e se relaciona às imprecisões na classificação das causas de óbito, contribuindo para vieses sistemáticos nos registros vitais. 1,19,20 A indefinição da causa é relevante diante do aumento das mortes obstétricas indiretas em alguns países, pois dificulta a compreensão dos fatores contributivos, sendo a observação por grupos de causa uma alternativa esclarecedora. Saliente-se que, ainda não havendo consenso, surgem argumentos que sinalizam que a divisão das mortes maternas obstétricas entre direta e indireta tornou-se menos importante, ou até enganosa em alguns casos. 19

O predomínio das doenças e afecções maternas especificadas complicando a gravidez, o parto e o puerpério observado neste estudo, mostra a influência da condição de saúde da mulher no desfecho para o óbito materno. Ressaltem-se os distúrbios hipertensivos, embolias, hemorragias obstétricas e doenças do aparelho respiratório, que contribuíram com quase um terço das mortes. Melhores desfechos no período gravídico-puerperal podem ser obtidos com oferta adequada de consultas de pré-natal,21 enquanto sua má qualidade associada à falta de vinculação da gestante à maternidade potencializa a morbidade materna grave. 22-24 Adicionalmente, cesarianas desnecessárias e baixa qualidade de atenção ao parto, contribuem para manutenção de elevada mortalidade materna. 23 A concentração da rede de atenção materno-infantil nos centros mais desenvolvidos gera a peregrinação das gestantes por assistência ao parto, reflete o déficit na distribuição de leitos obstétricos e UTI e a fragilidade na sua regulação, aspectos recorrentes e emergentes nas análises dos Comitês. 23

No Reino Unido, a trombose e tromboembolismo foram as principais causas de morte materna direta, os distúrbios hipertensivos permaneceram reduzidos e as doenças cardiovasculares predominaram como causa indireta,25 enquanto na África do Sul, as infecções por HIV, hemorragias obstétricas e distúrbios hipertensivos se sobressaíram. 26 Em países de baixa e média renda como Guatemala, Congo, Quênia, Zâmbia, Índia, e Paquistão, a hemorragia obstétrica, infecção relacionada à gravidez e pré-eclâmpsia/eclâmpsia destacaram-se e corresponderam a 83% da mortalidade. 27 Disparidades entre as causas das mortes maternas nas diferentes regiões são explicadas pelo nível de desenvolvimento socioeconômico, acesso e qualidade dos serviços de saúde. 18-20,25-27

O aumento das mortes maternas tardias nos países ricos sinaliza ampliação da sobrevida pelo avanço das tecnologias de saúde,28 nas Américas, a elevação pode ser decorrente da qualificação das causas pela atividade dos Comitês, busca ativa e sistemas de informações robustos em países como Estados Unidos, México e Brasil. 29 O aumento das mortes tardias pós-vigilância encontrado legitima esse pressuposto e corrobora com a hipótese de aumento da sobrevida pela ampliação temporal da taxa.

Neste estudo mais da metade das mortes maternas tardias foram declaradas sem qualquer menção de relação com o período gravídico-puerperal, ainda que sua notificação seja obrigatória mediante codificação específica. A reduzida acurácia médica sobre estas mortes e a não contabilização no cálculo das taxas contribuem para sua invisibilidade. 28

As mortes maternas tardias representaram quase um quinto dos óbitos e ampliaram a RMM no período do estudo. A sua inclusão no cálculo da razão influencia o indicador, com possibilidade de mudanças no perfil epidemiológico da mortalidade materna. 29 Diante da relevância, informações adicionais sobre a causa originária, obstétrica direta ou indireta, precisam ser identificadas para que a análise desses óbitos contribua com o dimensionamento dos riscos obstétricos e adequação dos cuidados. 28 Nesse sentido, a recomendação do Comitê Pernambucano12 fomenta a visibilidade do problema e induz estratégias para a redução de óbitos evitáveis, questionando as normatizações e práticas nacionais e internacionais vigentes.

Neste estudo o puerpério concentrou três quartos dos óbitos por causas obstétricas diretas e indiretas, de acordo com o esperado, como ocorre mundialmente. 30 A especificação do momento do óbito no ciclo gravídico-puerperal contribui para aprimorar a rede de serviços de saúde obstétrica,30 apesar de essa informação ter estado ausente em quase metade das DO, corroborando com resultados de estudo realizado com óbitos de MIF. 5

O Comitê classificou mais de três quartos dos óbitos como evitável ou provavelmente evitável, após a análise das informações e problemas de acesso e/ou assistência à saúde. Assim, mais de 80% das mortes maternas poderiam ser evitadas por medidas eficazes e acessíveis, similar ao encontrado em países pobres, com condições de vida semelhantes às de muitas mulheres recifenses. 16 Entre as medidas de intervenção propostas pelo Comitê, após análises singulares das mortes maternas, destacaram-se recomendações no âmbito do pré-natal, da assistência hospitalar, parto e pós-parto, da organização do sistema de saúde entre outras.

Entre as limitações destacam-se as dificuldades de operacionalização, por envolver ações interinstitucionais; não utilização de métodos para validação da causa de óbito nem de técnicas estatísticas de concordância e do cálculo do fator de correção para aplicar aos óbitos não investigados. Entretanto, a articulação entre a vigilância municipal, hospitalar e Comitês se mostrou uma alternativa para superar tais restrições e conferiu maior validade ao estudo por proporcionar ampla investigação de 97% dos óbitos de MIF e 100% dos maternos.

O estudo mostrou o potencial da vigilância do óbito e do Comitê em reduzir a subnotificação, revelar a magnitude e qualificar as causas de mortes maternas, enaltecendo as indiretas e tardias. Os achados reforçam a importância de iniciativas que fortaleçam essa abordagem e promovam avanço no seu processo, mantendo parcerias intersetoriais perenes e fortalecimento do controle social.


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Recebido em 30 de Junho de 2022
Versão final apresentada em 11 de Abril de 2023
Aprovado em 17 de Abril de 2023

Editor Associado: Ana Albuquerque

Contribuição dos autores: Carvalho PI, Vidal AS, Figueirôa BQ e Frias PG: concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, revisão crítica do conteúdo do manuscrito.

Oliveira CM, Vanderlei LCM, Pereira CCB e Figueiroa JN: análise e revisão crítica do conteúdo do manuscrito.

Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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