Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma

Licença Creative Commons

ARTIGOS ORIGINAIS


Acesso aberto Revisado por pares
0
Visualização

Presença de acompanhante na sala de parto e aleitamento materno na primeira hora de vida: há associação?

Larissa Ramos Araujo1; Maria Antonieta de Barros Leite Carvalhaes2; Caroline de Barros Gomes3

DOI: 10.1590/1806-9304202300000055 e20220055

RESUMO

OBJETIVOS: identificar variáveis associadas à presença de acompanhante na sala de parto e sua associação com o aleitamento materno (AM) na primeira hora de vida.
MÉTODOS: análise transversal de dados provenientes de um estudo de coorte (n=344). Para investigação dos fatores associados entre a presença de companhia durante o parto e o AM na primeira hora foram realizadas análises de regressão de Poisson, considerando p<0,05 como nível de significância estatística.
RESULTADOS: 93,9% das parturientes tiveram acompanhante na sala de parto, não sendo encontrada associação entre características socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho e esta presença. Em análise univariada, a ausência de acompanhante reduziu a frequência de AM na primeira hora (RP=0,64; IC95%=0,42-0,96), resultado que não se confirmou nas análises ajustadas (RP=0,79; IC95%=0,54-1,15). Secundariamente, identificou-se que o Apgar no quinto minuto associou-se com AM na primeira hora (RP=1,27; IC95%=1,14-1,40) independentemente dos demais fatores.
CONCLUSÕES: a maioria das mulheres da coorte contou com acompanhante na sala de parto, sem diferenças segundo variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais. A frequência de AM na primeira hora também foi alta e menor na ausência de acompanhante, contudo, essa associação não se mostrou independente de outros fatores.

Palavras-chave: Aleitamento materno, Parturiente, Recém-nascido

ABSTRACT

OBJECTIVES: to identify variables associated with the presence of a companion in the delivery room and its association with breastfeeding (BF) in the first hour of life.
METHODS: cross-sectional analysis of data from a cohort study (n=344). To investigate the factors associated with the presence of a companion during childbirth and breastfeeding in the first hour; we performed Poisson regression analyses, considering p<0.05 as the level of statistical significance.
RESULTS: 93.9% of the pregnant women had a companion in the delivery room, and no association was found between socioeconomic, obstetric and neonatal characteristics of the mother-child binomial and the presence of a companion. In a univariate analysis, the absence of a companion reduced the frequency of breastfeeding in the first hour (PR=0.64; CI95%=0.42-0.96), a result that was not confirmed in the adjusted analyses (PR=0.79; CI95%=0.54-1.15). Secondly, it was identified that the five minutes Apgar score was associated with first hour breastfeeding (PR=1.27; CI95%=1.14-1.40) regardless of the other factors.
CONCLUSIONS: most women in the cohort had a companion in the delivery room, with no differences according to socioeconomic, obstetric and neonatal variables. The frequency of first hour breastfeeding was high; however, it was lower in the absence of a companion but this association was not independent of other factors.

Keywords: Breastfeeding, Pregnant women, Infant

Introdução

O parto e o nascimento são experiências humanas que envolvem mudanças físicas, psicológicas e sociais,1 por isso, devem ser considerados momentos cruciais para o apoio à amamentação. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) recomendam que: o aleitamento materno (AM) seja iniciado na primeira hora de vida; a amamentação exclusiva seja praticada até o sexto mês de vida do lactente; e, após esse período a criança continue sendo amamentada, com alimentos complementares, até os dois anos de vida ou mais.2

O indicador de aleitamento materno na primeira hora de vida é classificado pela OMS como ruim (0 - 29%), razoável (30 - 49%), bom (50 - 89%), e muito bom (90 - 100%).3 Segundo os dados divulgados pelo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI),4 a prevalência de aleitamento materno na primeira hora de vida em menores de dois anos foi de 62,4% no Brasil nos anos de 2019 a 2020, sendo a maior prevalência observada na região norte (73,5%), seguida das regiões centro-oeste (64,0%) e nordeste (63,2%). As regiões sul (61,8%) e sudeste (58,5%) apresentaram as menores prevalências.

A prática do aleitamento materno na primeira hora de vida é um fator de proteção contra mortes neonatais,5 além de aumentar a probabilidade de amamentação exclusiva até os seis meses, bem como duradoura até os dois anos de vida ou mais.6 Contudo, o cuidado que a mulher recebe durante o parto, assim como a qualidade da experiência para com ela, podem ter influências sob o aleitamento materno no início da vida.1

A companhia de parto é recomendada pelas diretrizes da OMS dos anos de 2012, 2014, 2015 e 2018 que visam informar as "Recomendações para cuidados intraparto para uma experiência positiva de parto".7 A favor disso, no Brasil, a lei do Acompanhante determina que os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. A lei determina que este acompanhante será indicado pela gestante, podendo ser o pai do bebê, a parceria atual, a mãe, um(a) amigo(a), ou outra pessoa de sua escolha.8

As mulheres são menos propensas a sofrer maus tratos e abusos quando apoiadas por um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto.9 Uma revisão sistemática evidenciou que o companheirismo ajuda mulheres a terem uma experiência de parto positiva, ao contrário das mulheres sem companhia que referiram a falta de apoio como uma forma de sofrimento, estresse e medo, dificultando a experiência do parto.10 Um estudo nacional de base populacional verificou que 77% das mulheres que amamentaram na primeira hora de vida tiveram suporte social, definido como a presença de acompanhante, contra 23% sem suporte social.11

Outro estudo proveniente da pesquisa nacional Nascer no Brasil revelou que a companhia de parto pode ser considerada um indicador de segurança, de qualidade do atendimento e de respeito pelos direitos das mulheres na assistência, auxiliando a parturiente a ter experiências de parto positivas e possibilitando também repercussões favoráveis sobre o início e a duração do aleitamento materno.12 Privar a mulher do seu direito ao acompanhante é um dos modos de se cometer violência obstétrica. As mulheres devem ser informadas com antecedência e clareza acerca de tal direito, possibilitando a escolha e participação do acompanhante.13

Em decorrência da pandemia de COVID-19, iniciada em março de 2020, onde diversas restrições foram impostas, a limitação do acompanhante em sala de parto ocorreu em vários hospitais com desfechos desfavoráveis. Em um estudo descritivo, transversal e multicêntrico, observou-se a proibição do acompanhante na sala de parto em 83,3% dos centros. Essa medida foi questionada, pois tal restrição aumenta a ansiedade materna, podendo gerar prejuízos no desenvolvimento do parto e nascimento.14

Já em um estudo retrospectivo realizado em um hospital público de Hong Kong, foi observado que bebês nascidos de mulheres sem o apoio contínuo de acompanhante durante o trabalho de parto no período da COVID-19 tiveram uma taxa de amamentação na primeira hora reduzida quando comparada a dos recém-nascidos de mulheres acompanhadas no mesmo intervalo do ano anterior.15

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi identificar as variáveis associadas à presença de acompanhante na sala de parto e também estudar a associação entre este e o aleitamento materno na primeira hora de vida em coorte de gestantes e lactentes.


Métodos

Trata-se de uma análise transversal de dados provenientes de um estudo de coorte de gestantes assistidas nas 20 unidades de saúde da rede de atenção primária à saúde de Botucatu, município de médio porte do interior paulista. Essas foram acompanhadas de meados da gestação até o parto e a primeira consulta de puericultura do recém-nascido, durante o período de maio de 2018 a junho de 2019.

O projeto matriz formou uma coorte de 466 gestantes. O critério de inclusão foi ser alfabetizada, residir na área urbana do município e apresentar condições físicas e cognitivas para responder a entrevistas presenciais e telefônicas, ou seja, compreender e responder com clareza as perguntas realizadas. Para o presente estudo, foram excluídas as gestantes/mães de lactentes gemelares e portadoras, ou seus filhos, de condições que dificultam ou impedem o aleitamento materno, como sorologia positiva para HIV, fissura lábio palatina, malformações cardíacas, entre outras. Contudo, houve uma limitação no número de puérperas em função da ausência de registros nos prontuários utilizados. Assim, os dados disponíveis de acompanhante na sala de parto formaram a amostra do presente estudo, totalizada em 344 mães.

Além da entrevista nas unidades básicas de saúde, parte dos dados sobre a gestação, parto e nascimento foram coletados na maternidade do Hospital das Clínicas de Botucatu, a única pública do município e, portanto, a responsável por todos os nascimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde no município. Tais dados foram complementados por entrevista realizada na unidade de atenção neonatal pública, chamada Clínica do Bebê, onde se realiza a primeira consulta de puericultura e os exames de triagem neonatal dos recém-nascidos do município, sendo a cobertura populacional da unidade em questão alta, atingindo cerca de 85% dos nascimentos no município.16

O recrutamento das gestantes para o estudo de coorte ocorreu de maio a setembro de 2018 e a coleta de dados ocorreu em quatro etapas: 1) Recrutamento da gestante e a sua inclusão na coorte, pela própria equipe da Unidade de Saúde; 2) Entrevista telefônica em até 15 dias após o recrutamento, para coleta de dados sobre condições socioeconômicas e demográficas, apoio social e planejamento ou desejo da gestação, entre outros; 3) Obtenção de dados da história obstétrica materna, da evolução da gestação e relativos aos recém-nascidos nos prontuários físicos nas unidades de saúde onde a gestante realizou o pré-natal e, em prontuário eletrônico, na maternidade onde ocorreram os partos; 4) Coleta de dados relativa às práticas de aleitamento materno em prontuário da Clínica do Bebê.

A variável de exposição principal foi a presença de acompanhante na sala de parto e o desfecho investigado foi o aleitamento materno na primeira hora de vida. Além disso, foram investigadas as variáveis associadas à presença/ausência do acompanhante na sala de parto, variáveis essas que podem também influenciar no desfecho de interesse (aleitamento materno na primeira hora de vida) e assim exercer algum efeito de confusão sobre a associação em investigação. Foram essas: fatores socioeconômicos (idade e escolaridade materna, cor da pele, viver com o companheiro, trabalhar fora de casa, receber bolsa família); obstétricos (paridade, fazer parte de algum grupo de gestante, uso de cigarro durante a gravidez, ingestão de bebida alcoólica durante a gravidez, número de consultas de pré-natal, apoio social durante a gravidez - aferido pela escala Medical Outcome Scale-Social Support (MOS-SSS), a qual é composta por 19 itens respondidos em uma escala tipo Likert de cinco pontos e visa avaliar em que medida a pessoa conta com o apoio de outras para enfrentar diferentes situações em sua vida,17 tipo de parto, trabalho de parto prematuro, Apgar no quinto minuto, idade gestacional e peso ao nascer dos lactentes); neonatais do binômio mãe-filho (contato pele a pele e tempo de pele a pele).

A presença do acompanhante na sala de parto foi categorizada em modo dicotômico (sim ou não). Quando houve um acompanhante, quem foi esse acompanhante também foi considerado. Nesse caso, as categorias foram: marido/companheiro; mãe/sogra/avó; outro parente; amiga/vizinha ou outra pessoa sem vínculo de parentesco.

Foram realizadas análises descritivas da presença de acompanhante na sala de parto, quem foi esse acompanhante, assim como das variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho para caracterização da amostra.

A investigação da associação entre as variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho e a presença de acompanhante na sala de parto foi realizada por regressão de Poisson. Aquelas que na análise univariada apresentaram p<0,20 foram incluídas em modelo multivariado para investigação do seu efeito independente das demais, considerando então p<0,05 como nível de significância estatística.

A investigação da associação entre acompanhante na sala de parto e aleitamento materno na primeira hora de vida também foi realizada por modelos de regressão de Poisson. Nas análises multivariadas foram incluídos os confundidores verdadeiros, ou seja, aqueles que se associaram (p<0,05) ou apresentaram (p<0,20) com a variável de exposição de interesse (acompanhante na sala de parto) e também com o desfecho em questão, por eventualmente poderem atuar como fatores de confusão da associação de interesse. Os resultados finais foram apresentados como razões de prevalência (RP) com intervalos de confiança de 95% (IC95%) e valores de p, considerando p<0,05 como nível de significância estatística. O software Statistical Package of Social Science for Windows (SPSS), versão 20.0, foi usado para realizar as análises estatísticas.

O estudo teve aprovação no Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu (CAAE: 88314318.3.0000.5411).


Resultados

A Tabela 1 apresenta os resultados das análises descritivas da presença de acompanhante na sala de parto, assim como das variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho para caracterização da amostra.

 



Do total das 344 puérperas avaliadas, 93,9% tiveram acompanhante na sala de parto. Marido ou companheiro foi o acompanhante mais frequente (63,5%), seguido da mãe ou sogra (21,3%). Cerca de 13% das mulheres tiveram outro parente como companhia no parto e 2,2% uma amiga ou vizinha (dados não apresentados em tabelas).

Do total de puérperas da coorte, 4,2% eram menores de 18 anos, 85,9% tinham de 18 a 35 anos e 9,9% tinham 35 anos ou mais. A maioria (82,7%) possuía menos de oito anos de estudo, 51,4% relataram cor da pele branca, 16,4% participavam de programa de transferência de renda (bolsa família) e 81,9% viviam com o companheiro. O percentual que trabalhava fora de casa foi de 46,5%. Grande parte estava na primeira gestação (45,9%). O percentual de mulheres que relataram não ter fumado ou ingerido álcool durante a gravidez foi de 81,8% e 94%, respectivamente (Tabela 1).

Do total de puérperas estudadas, 58,4% tiveram parto vaginal e para 94,6% o parto ocorreu com 37 semanas ou mais de idade gestacional. O percentual de lactentes na faixa de 2500 a 4000 gramas de peso ao nascer foi de 86,9%. Cerca de 98,5% dos bebês tiveram Apgar no quinto minuto > 7 pontos, 79,9% foram amamentados na primeira hora e 57,9% foram colocados em contato pele a pele com a mãe logo após o nascimento (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta os resultados das análises de associação das variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho com acompanhante na sala de parto. Em relação às variáveis socioeconômicas/demográficas, apenas a idade materna foi estatisticamente associada à presença de acompanhante na sala de parto na análise univariada. Viver com o companheiro e trabalhar fora de casa foram selecionadas para a análise multivariada (p<0,20) como variáveis de ajuste. Já em relação às variáveis obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho, paridade, fumo durante a gravidez, tipo de parto e aleitamento materno na primeira hora de vida estiveram estatisticamente associadas ao desfecho de interesse, sendo o peso ao nascer (PN) dos lactentes também incluído na análise multivariada, por ter apresentado p<0,20 na análise univariada. Na análise multivariada nenhuma variável apresentou-se independentemente associada com acompanhante na sala de parto.

 



A Tabela 3 apresenta os resultados das análises univariadas e multivariada que investigaram a associação entre acompanhante na sala de parto e AM na primeira hora de vida. Considerando as análises univariadas, aquelas parturientes sem acompanhante na sala de parto apresentaram menor prevalência de AM na primeira hora de vida quando comparado àquelas que o tinham (RP=0,64; IC95%=0,42-0,96; p<0,0,34). Trabalhar fora de casa, apoio social durante a gravidez, tipo de parto, Apgar no quinto minuto e contato pele a pele estiveram associados (p<0,05) ao AM na primeira hora de vida, enquanto idade gestacional (IG) e PN dos lactentes, alcançaram o critério estatístico definido para variável potencialmente capaz de exercer efeito de confusão (p<0,20) sobre a associação de interesse. Na análise multivariada, acompanhante na sala de parto deixou de ter associação estatisticamente significativa com aleitamento na primeira hora (RP=0,79; IC95%=0,54-1,15). Já entre as variáveis inseridas como fatores de ajuste, Apgar no quinto minuto mostrou-se independentemente associado com AM na primeira hora de vida (RP=1,27; IC95%=1,14-1,40; p<0,01), ou seja, cada ponto a mais no Apgar de quinto minuto aumentou em 27% a prevalência desse desfecho estar presente.

 



Discussão

No atual estudo foi possível identificar que a ausência de acompanhante reduziu a prevalência de AM na primeira hora de vida, mas este resultado foi significativo na análise univariada, ou seja, seu efeito não se mostrou independente das demais variáveis inseridas nos modelos múltiplos como potenciais confundidoras. Assim, a hipótese prevista não se confirmou na população de estudo. Secundariamente, foi observado que uma maior pontuação do escore de Apgar no quinto minuto aumentou a prevalência de AM na primeira hora de vida. Vale notar que não foi encontrada associação entre características socioeconômicas, obstétricas e neonatais do binômio mãe-filho associados à presença de acompanhante na sala de parto. É possível que a ausência do acompanhante decorra de fatores que não foram analisados.

Um estudo transversal realizado em hospitais do estado de Santa Catarina observou que puérperas sem acompanhante apresentaram prevalência 2,13 vezes maior de serem amarradas durante o parto. Entre as mulheres que realizaram parto vaginal, as prevalências de receber manobras não farmacológicas, receber analgesia e poder escolher a posição para o parto foram, respectivamente, 96%, 189% e 63% maiores entre as puérperas que estavam com acompanhante.18

Assegurar às mulheres um acompanhante de livre escolha para oferecer apoio físico e/ou emocional durante o trabalho de parto, o parto e o puerpério imediato está entre as práticas do critério global Cuidado Amigo da Mulher, o qual se insere no conjunto de metas estabelecidas pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança.19 A prevalência de acompanhante na sala de parto encontrada no atual estudo (93,9%) foi maior que a revelada pelo estudo Nascer no Brasil realizado em 2011 (46,4%) e pela Avaliação da Rede Cegonha realizada em 2017 (84,7%).20

Diante disso, deve-se apontar o bom desempenho do município onde o presente estudo foi realizado na garantia do direito da parturiente a contar com um acompanhante de sua escolha durante o parto. O marido ou companheiro da mulher foi identificado como o acompanhante mais frequente, como ocorre em outros estudos.21,22 A satisfação com a experiência do parto é significativamente maior em mulheres que tiveram a presença de uma ou mais pessoas de apoio.23 Wilson et al.24 destacaram melhora no processo do trabalho de parto das mulheres que estavam acompanhadas.

O contato pele a pele e o aleitamento materno na primeira hora de vida são práticas que impactam no processo de adaptação neonatal, fortalecendo o vínculo entre mãe e bebê e evitando complicações neonatais precoces, como a hipotermia e hipoglicemia neonatal.25 A prevalência de aleitamento materno na primeira hora de vida no presente estudo foi mais elevada quando comparada aos achados do ENANI-2019 referentes ao Brasil (62,4%) e à região sudeste (58,5%).4

Dentre as possíveis explicações para compreender o porquê da ausência do acompanhante não ter efeito adverso independentemente sobre a ocorrência de aleitamento na primeira hora, pode-se apontar o tamanho da amostra, pequeno para avaliar uma condição com baixa prevalência, assim, o estudo em questão pode não ter tido poder estatístico para encontrar tal associação. O mesmo resultado e hipótese explicativa foram apresentados na pesquisa de Martins et al.26

No presente estudo, Apgar no quinto minuto foi a única variável significativamente associada ao AM na primeira hora de vida. Resultados de outros estudos também encontraram associação do Apgar de quinto minuto com fatores relativos ao início do aleitamento materno, contudo, também observaram a influência de outros fatores.

Bryanton et al.27 encontraram o peso materno na admissão hospitalar, a idade gestacional no parto e o escore Apgar no quinto minuto como fatores associados significativamente à iniciação efetiva do aleitamento materno até aproximadamente 36 horas após o nascimento. Já Boakye-Yiadom et al.28 verificaram que o avanço da idade materna, neonatos primogênitos, alojamento conjunto do recém-nascido com a mãe, administração de fórmulas infantis e pontuações mais altas de Apgar no quinto minuto foram determinantes do tempo para o início da amamentação.

Ainda neste sentido da associação com AM na primeira hora de vida, em outras diferentes localidades, são diversos os fatores que têm sido identificados, mas não foi encontrado nenhum que tenha investigado a influência da presença do acompanhante. Um estudo transversal, composto por 727 gestantes, as quais realizaram o parto em um Hospital Amigo da Criança, encontrou associação entre AM na primeira hora com nascimento a termo, peso ao nascer ≥ 2500g, Apgar > 7 no primeiro minuto, parto vaginal, realização de seis ou mais consultas de pré-natal, início do pré-natal no primeiro trimestre, contato pele a pele e multiparidade.25

Por outro lado, estudo realizado em Bangladesh observou que o início precoce da amamentação foi maior entre os grupos de renda familiar e de escolaridade mais baixas.29 Já um estudo que analisou pesquisas de saúde de 58 países de baixa e média renda revelou o parto vaginal em unidade de saúde associado a um risco aumentado de atraso no início da amamentação em 26 países, sendo as mulheres que realizaram o parto em domicílio menos propensas a atrasar o início da amamentação. Contudo, o parto cesárea demonstrou maior risco de início tardio da amamentação em todos os países estudados.30

É importante se considerar que este estudo foi realizado com uma amostra de mães e bebês assistidos em uma mesma maternidade do sistema único de saúde, na qual as práticas e os manejos ofertados foram, possivelmente, os mesmos, refletindo uma realidade específica. Assim, estudos em outras localidades, e considerando amostras maiores, devem ainda investigar o papel da ausência do acompanhante sobre a ocorrência de AM na primeira hora de vida. Esse conhecimento é necessário para que se possa inserir (ou descartar) o efeito positivo sobre as chances de início adequado do aleitamento materno no rol de benefícios da presença de um acompanhante de livre escolha materna durante seu trabalho de parto e parto. Além disso, como apresentado anteriormente, houve também a limitação no tamanho amostral decorrente da ausência de registros nos prontuários utilizados.

Em síntese, a maioria das mulheres da coorte contou com acompanhante de sua escolha na sala de parto, sem diferenças segundo variáveis socioeconômicas, obstétricas e neonatais. A frequência de aleitamento materno na primeira hora também foi alta, porém menor na ausência de acompanhante. Contudo, essa associação não se mostrou independente de outros fatores, perdendo a significância estatística quando foram considerados outros fatores associados com o aleitamento na primeira hora de vida.


Referências

1. Diniz CSG, D'Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, Lansky S, Teixeira NZF, Rance S, Sandall J. Implementation of the presence of companions during hospital admission for childbirth: data from the Birth in Brazil national survey. Cad Saúde Pública. 2014; 30: 140-53.

2. World Health Organization (WHO). Department of Nutrition for Health and Development. Guideline: protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva: WHO; 2017. [acesso em 2022 mar 3]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550086

3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar. 2ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015. [acesso em 2022 jan 31]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_aleitamento_materno_cab23.pdf

4. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. [acesso em 2022 jan 31]. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/.

5. Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Pérez-Escamilla R. A amamentação na primeira hora de vida e mortalidade neonatal. J Pediatr (Rio J. ). 2013; 89: 131-6.

6. UNICEF, WHO. Capture the Moment - Early initiation of breastfeeding: The best start for every newborn. New York: UNICEF; 2018.

7. World Health Organization (WHO). WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018. [acesso em 2022 jan 31]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/260178/9789241550215-eng.pdf

8. Brasil. Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Brasília (DF): DOU de 7 abr. 2005. [acesso em 31 jan 2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11108.htm.

9. Diamond-Smith N, Sudhinaraset M, Melo J, Murthy N. The relationship between women's experiences of mistreatment at facilities during childbirth, types of support received and person providing the support in Lucknow, India. Midwifery. 2016; 40: 114-23.

10. Bohren MA, Berger BO, Munthe-kaas H, Tunçalp O. Perceptions and experiences of labour companionship: a qualitative evidence synthesis. Cochrane Database Syst Rev. 2019 Mar; 3 (3): CD012449.

11. Seehausen MP, Pérez-Escamilla R, Oliveira MIC, Leal MC, Boccolini CS. Social support modifies the association between pre-pregnancy body mass index and breastfeeding initiation in Brazil. Plos One. 2020 May; 15 (5): e0233452.

12. Diniz CSG, D'orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, Lansky S, Teixeira NZF, Rance S, Sandall J. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública. 2014; 30: 140-53.

13. Almeida NMO, Ramos, EMB. O direito da parturiente ao acompanhante como instrumento de prevenção à violência obstétrica. Cad Ibero-amer. 2020; 9: 12-27.

14. Gonçalves-Ferri WA, Pereira-Cellini FM, Coca K, Aragon DC, Nader PJH, Lyra JC, et al. The impact of coronavirus outbreak on breastfeeding guidelines among Brazilian hospitals and maternity services: a cross-sectional study. Int Breastfeed J. 2021; 16: 2-11.

15. Mok YK, Cheung KW, Wang W, Li RHW, Shek NWM, Ng EHY. The effects of not having continuous companion support during labour on pregnancy and neonatal outcomes during the COVID-19 pandemic. Midwifery. 2022 May; 108: 1-5.

16. Prefeitura Municipal de Botucatu. Secretaria Municipal de Saúde. Manual de procedimento Operacional Padrão: Clínica do Bebê. Botucatu; 2012.

17. Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991; 32: 705-14.

18. Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AC, Delziovo CR, Wagner KJP, Boing AF. Do pré-natal ao parto: um estudo transversal sobre a influência do acompanhante nas boas práticas obstétricasno Sistema Único de Saúde em Santa Catarina, 2019. Epidemiol Serv Saúde. 2021; 30 (1): 1-12.

19. Lamounier JA, Chaves RG, Rego MAS, Bouzada MCF. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: 25 anos de experiência no Brasil. Rev Paul Pediatr. 2019; 37: 486-93.

20. Brasil. Fiocruz. Atenção ao Parto e Nascimento em Maternidades da Rede Cegonha. Sumário Executivo. 2021. [acesso em 2022 jan 31]. Disponível em: https://nascernobrasil.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2021/05/Avaliacaoredecegonha_Sumario.pdf

21. Anjos AM, Gouveia HG. Presença do acompanhante durante o processo de parturição e nascimento: análise da prática. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: 1-8.

22. Morhason-Bello IO, Adedokun BO, Ojengbede OA, Olayemi O, Oladokun A, Fabamwo AO. Assessment of the effect of psychosocial support during childbirth in Ibadan, south-west Nigeria: A randomised controlled trial. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2009; 49 (2): 145-50.

23. Preis H, Mahaffey B, Heiselman C, Lobel M. The impacts of the COVID-19 pandemic on birth satisfaction in a prospective cohort of 2.341 U.S. women. Women Birth. 2022; 35: 458-65.

24. Wilson AN, Melepia P, Suruka R, Hezeri P, Kabiu D, Babona D, et al. Partnership-defined quality approach to companionship during labour and birth in East New Britain, Papua New Guinea: A mixed-methods study. PLOS Glob Public Health. 2022; 2:1-17.

25. Araújo KEAS, Santos CC, Caminha MFC, Silva SL, Pereira JCN, Filho MB. Skin to skin contact and the early initiation of breastfeeding: a cross-sectional study. Texto Contexto Enferm. 2021; 30: 1-14.

26. Martins ACM, Giugliani ERJ, Nunes LN, Bizon AMBL, Senna AFK, Paiz JC, et al. Factors associated with a positive childbirth experience in Brazilian women: A cross-sectional study. Women Birth. 2020. [acesso em 2022 jan 31]. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.wombi.2020.06.003

27. Bryanton J, Montelpare W, Drake P, Drake R, Walsh D, Larter K. Relationships Among Factors Related to Childbirth and Breastfeeding Outcomes in p primiparous Women. JOGNN. 2020; 49: 437-51.

28. Boakye-Yiadom AP, Nguah SB, Ameyam E, Enimil A, Wobil PNL, Plange-Rhule G. Timing of initiation of breastfeeding and its determinants at a tertiary hospital in Ghana: a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2021; 21: 1-9.

29. Ekholuenetale M, Mistry SK, Chimoriya R, Nash S, Doyizode AM, Arora A. Socioeconomic inequalities in early initiation and exclusive breastfeeding practices in Bangladesh: findings from the 2018 demographic and health survey. Int Breastfeed J. 2021; 16: 2-18.

30. Raihana S, Alam A, Chad N, Huda TM, Dibley MJ. Delayed Initiation of Breastfeeding and Role of Mode and Place of Childbirth: Evidence from Health Surveys in 58 Low- and Middle- Income Countries (2012-2017). Int J Environ Res Public Health. 2021; 18: 2-19.

Recebido em 2 de Junho de 2022
Versão final apresentada em 8 de Janeiro de 2023
Aprovado em 7 de Fevereiro de 2023

Editor Associado: Sheyla Costa

Contribuição dos autores: Araujo LR, Carvalhaes MABL e Gomes CB contribuíram na concepção do artigo. Araujo LR realizou a coleta dos dados. A análise estatística foi feita por Araujo LR e Gomes CB. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Agradecimentos: A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão de bolsa de iniciação científica a ARAUJO LR (2020/13276-8).

Copyright © 2024 Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por: