Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Intenção materna e uso efetivo da creche: um estudo longitudinal da gestação aos 12 meses em um município brasileiro de médio porte

Nayara Cristina Pereira Henrique Prado1; Luiz Guilherme Dacar Silva Scorzafave2; Elaine Toldo Pazello3; Daniel Domingues dos Santos4; Ellen Cristina Gondim5; Carolina Beltreschi Bardivia6; Débora Falleiros de Mello7

DOI: 10.1590/1806-9304202520240239 e20240239

RESUMO

OBJETIVOS: analisar as escolhas maternas em relação aos cuidados com a criança desde a gestação até o primeiro ano de vida.
MÉTODOS: estudo longitudinal, prospectivo e quantitativo, desenvolvido em três etapas (gestação, primeiro e décimo segundo mês de vida da criança), com 140 mulheres entrevistadas em visita domiciliar, em um município brasileiro de médio porte. Utilizou-se regressão logística para estimar a variável de interesse: tipo de creche escolhida aos 12 meses, categorizada como "creche" ou "não creche". As variáveis explicativas foram: intenção da mãe em matricular a criança na creche, idade materna, escolaridade materna, paridade, trabalho durante a gestação e propriedade de imóvel.
RESULTADOS: durante a gestação, a maioria das participantes desejava a opção da criança frequentar creches; no entanto, apenas uma minoria matriculou seus filhos aos 12 meses. Mesmo assim, as estimativas mostram que mães que afirmaram consistentemente que matriculariam seus filhos em creches têm maior probabilidade de fazê-lo do que aquelas que afirmaram consistentemente que não o fariam [OR=3,699; IC95%=1,18-11,6; p=0,019]. O principal resultado é que a maior escolaridade materna esteve fortemente associada à matrícula efetiva em todos os modelos estimados [OR=19,16; IC95%=1,43-256,88; p=0,026]. Não foram encontrados efeitos significativos para idade materna, emprego ou propriedade imobiliária.
CONCLUSÃO: mesmo controlando as preferências anteriores sobre o desejo de colocar os filhos na creche, foi encontrada associação positiva entre maior escolaridade materna e escolha por colocar a criança na creche. Se as creches têm um impacto positivo sobre o desenvolvimento infantil, trata-se de uma questão a ser considerada em termos de políticas públicas.

Palavras-chave: Criança, Desenvolvimento infantil, Puericultura, Educação infantil

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze maternal choices regarding child care from pregnancy to the child's first year of life.
METHODS: prospective and quantitative longitudinal study developed in three stages (pregnancy, first and twelfth months of the child's life), with 140 women interviewed during home visits, in a medium-sized Brazilian municipality. Logistic regression was used to estimate the variable of interest: type of child care actually chosen at 12 months, categorized as "child care center" or "no child care". Explanatory variables were: the mother's intention to child care, mother's age, mother's education, parity, having worked during pregnancy and home ownership.
RESULTS: during pregnancy, most participants expressed the desire to use child care centers; however, only a minority actually enrolled their children by 12 months. Even so, the estimates show that mothers who consistently intended to enroll their children in daycare were more likely to do so than those who consistently said they would not [OR=3.699; 95%CI= 1.18-11.6; p=0.019]. The main result is that higher maternal education was strongly associated with actual enrollment in all models estimated [OR=19.16; 95%CI=1.43-256.88; p=0.026]. No significant effects were found for maternal age, employment, or home ownership.
CONCLUSION: Even controlling for maternal preferences regarding child care enrollment, a positive association was found between higher education and the choice to enroll children in daycare. If daycare centers positively impact child development, this is a question to be considered in terms of public policy.

Keywords: Child, Child development, Child care, Child rearing

Introdução

A educação infantil é amplamente reconhecida como um espaço essencial para o desenvolvimento da primeira infância, começando na infância e continuando até a entrada na escola, para a maioria das crianças.1 Este ambiente é particularmente benéfico em contextos de vulnerabilidade socioeconômica,2,3 demonstrando resultados positivos no desenvolvimento cognitivo, habilidades motoras, envolvimento recreativo e interação social, desde que o ambiente de cuidado seja seguro e de boa qualidade.4,5,6 Cuidados de alta qualidade têm sido associados a interações estáveis e positivas entre cuidadores e crianças,7,8 com benefícios de longo prazo para o desenvolvimento infantil e apoio à parentalidade.2,9 Por outro lado, arranjos não parentais instáveis podem levar a piores resultados de saúde e desenvolvimento.10 O investimento precoce em condições de desenvolvimento é mais eficaz e de menor custo do que intervenções posteriores na vida.4

O acesso a cuidados infantis inclusivos e acessíveis também pode ajudar a reduzir as disparidades socioeconômicas.11 Estudos mostram que crianças de origens desfavorecidas se beneficiam particularmente no desenvolvimento da linguagem quando matriculadas em programas de qualidade. No Brasil, a frequência contínua e precoce em creches tem sido associada a melhores desfechos cognitivos.5 No entanto, a cobertura nesses ambientes continua baixa, ressaltando a necessidade de expandir o acesso a ambientes qualificados durante a primeira infância.5

O cuidado infantil não parental abrange uma variedade de arranjos, como creches, cuidados familiares, ajudantes domiciliares ou cuidados prestados por parentes.12,13 As decisões maternas sobre esses arranjos são influenciadas pelo contexto, custo, qualidade do atendimento e recursos disponíveis, incluindo espaço físico, atividades educacionais e qualidade da interação.5,14 O emprego fora de casa é um fator significativo que influencia a preferência materna por cuidados não parentais, principalmente quando os avós estão envolvidos.15,16 As mães com primeiro filho(a) podem apresentar superproteção e buscar menos informações,17 o que pode atrasar o início da educação infantil. Além disso, a educação materna é um determinante fundamental do desenvolvimento infantil e a procura de cuidados informada e proativa é essencial,18 especialmente em ambientes de baixa renda, onde o fortalecimento da tomada de decisões maternas pode melhorar os desfechos de saúde.19

Este estudo pressupõe que as expectativas maternas sobre os cuidados com os filhos começam durante a gravidez e podem mudar durante o primeiro ano de vida da criança. Assim, o objetivo foi analisar as escolhas maternas quanto aos cuidados com a criança desde a gestação até os 12 meses de idade.

Métodos

Estudo longitudinal, prospectivo e quantitativo, em três etapas (gestação, primeiro e décimo segundo mês de vida da criança), com mulheres entrevistadas em visitas domiciliares. Foi realizado em um município da região Sudeste do Brasil, com população de 700 mil habitantes, e 44 unidades básicas de saúde, sendo 17 com Estratégia Saúde da Família.

As participantes foram selecionadas com base em informações de um sistema informatizado, no segundo semestre de 2018. Os critérios de inclusão foram mulheres no terceiro trimestre gestacional, maiores de 18 anos, com fatores de risco habituais, acompanhadas em unidade de saúde da família do distrito de saúde selecionado. Os critérios de exclusão foram mães hospitalizadas, que tiveram partos prematuros e filhos com necessidades especiais de saúde, e aquelas ausentes após três tentativas de visitas domiciliares.

Das 528 gestantes, 109 não atenderam aos critérios de inclusão, 26 recusaram-se a participar e 174 atenderam aos critérios de exclusão. Dessa forma, 219 gestantes foram elegíveis para participação, porém 79 foram perdidas no seguimento por abandono (recusas, mudança de município, não participação em alguma etapa ou não localização após três tentativas de visita domiciliar). Assim, 140 mulheres e 140 crianças participaram das três etapas do estudo.

A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2018 e março de 2020. Os momentos de coleta de dados foram selecionados para ilustrar as escolhas maternas em relação aos cuidados com a criança (fase final da gestação, adaptação após o nascimento e ao final do primeiro ano de vida da criança), possibilitando uma análise longitudinal. Nas três etapas, a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas domiciliares presenciais previamente agendadas.

Na primeira entrevista, um questionário coletou dados sociodemográficos, ocupacionais e o tipo de cuidado que a mãe pretendia para a criança após o nascimento. Na segunda entrevista, foram acrescentados dados da criança e na terceira foram incluídas perguntas adicionais sobre os tipos de cuidados. Os questionários foram desenvolvidos pelos autores, mas não foram validados em termos de conteúdo, aparência ou semântica com especialistas e/ou público-alvo. As opções de resposta para os tipos de cuidado eram: creche particular; creche particular gratuita; creche pública; parentes em casa; outra pessoa em casa; pessoa que cuida de outras crianças na vizinhança; não trabalhar fora para ficar com a criança; e outros. Os questionários foram aplicados por enfermeiros pós-graduados, com treinamento prévio da equipe de coleta. Cada entrevista durou em média 30 minutos. As informações foram inseridas em tablets e armazenadas na plataforma Fulcrum - Mobile Form Builder & Data Collection App®.

A regressão logística foi realizada utilizando-se a variável de interesse (tipo de cuidado aos 12 meses), categorizada de maneira binária em ‘com creche' ou ‘sem creche'. O modelo logit foi selecionado devido à natureza binária da variável dependente, que representa a probabilidade de um desfecho específico — se as mães escolheram matricular seus filhos na creche ao completarem 12 meses de idade. O modelo logit (assim como o modelo probit) produz valores previstos restritos entre 0 e 1, garantindo assim a consistência com a estrutura teórica dos modelos de probabilidade. Uma distinção fundamental foi o uso da intenção da mãe em relação aos cuidados com a criança como uma variável explicativa, medindo tanto antes do nascimento quanto quando a criança tinha um mês de idade. A pergunta utilizada foi: "Se você estivesse em uma posição que lhe permitisse escolher qualquer opção de cuidado para seu filho a partir dos 6 meses de idade, qual você escolheria?". A aplicação desta pergunta duas vezes (antes e depois do nascimento da criança) permitiu verificar se a mudança na escolha estava associada ao tipo de cuidado efetivamente prestado quando a criança tinha 12 meses de idade.

As outras variáveis explicativas neste modelo foram idade materna, educação materna, primeiro filho, trabalho durante a gravidez e posse individual de casa. Essas variáveis foram escolhidas com base na literatura relacionada principalmente à oferta de mão de obra feminina.20 A decisão de matricular uma criança em uma creche aos 12 meses de idade está associada à inserção da mãe no mercado de trabalho. Dessa forma, foram selecionadas variáveis que capturavam as preferências de participação na força de trabalho (primeiro filho e trabalho durante a gravidez), medidas de capital humano (idade materna e educação materna) e um indicador de renda não proveniente de trabalho (posse individual de casa), que é um fator relevante nas decisões de oferta de trabalho. Para avaliar a potencial multicolinearidade entre as variáveis independentes, foi calculado o Fator de Inflação da Variância (VIF). O valor geral do VIF foi de 1,5 quando todas as variáveis foram incluídas, indicando multicolinearidade aceitável e fornecendo justificativa suficiente para prosseguir com a análise.

É importante ressaltar que o objetivo principal deste estudo é examinar a associação entre expectativas anteriores quanto ao tipo de arranjo de assistência à infância e o uso efetivo de assistência formal à infância durante o primeiro ano de vida da criança. Essas expectativas estão plausivelmente ligadas às preferências de oferta de trabalho das mulheres, o que pode ser capturado no termo de erro do modelo de regressão que estima o tipo de cuidado escolhido quando a criança tem 12 meses de idade. Consequentemente, a inclusão dessas variáveis teve como objetivo principal mitigar o potencial viés de variáveis omitidas.

A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 70838817.2.0000.5393).

Resultados

Um total de 140 mães participou do estudo. Quase metade (48%) tinha entre 18 e 25 anos, 41,5% tinham entre 26 e 35 anos e 10,5% mais de 36 anos. Em relação à paridade, 42% eram primíparas, 28,3% tinham um filho anterior e 29,7% tinham dois ou mais. O nível educacional variou: 43,8% concluíram o ensino fundamental, 48,4% o ensino médio e apenas 6,8% concluíram o ensino superior. Durante a gravidez, 56,6% relataram trabalhar fora de casa. A maioria dos domicílios (36,5%) tinha renda inferior a três salários mínimos, indicando nível socioeconômico baixo a médio.

As opções de cuidados desejadas (gravidez e primeiro mês da criança) e o tipo de cuidado utilizado (12º mês da criança) são apresentados na Tabela 1. O número de mães que realmente matriculou seus filhos em uma creche diminuiu em comparação ao desejo inicial de matriculá-los. Os números apresentados na Tabela 1 derivaram de um painel balanceado, o que significa que incluem apenas mães que responderam às três entrevistas.
 



Modelos de regressão logística foram estimados para avaliar fatores associados à matrícula em creches aos 12 meses (Tabela 2). No modelo 1, quando os desejos maternos em ambos os momentos foram incluídos simultaneamente, nenhuma variável foi estatisticamente significativa. Isso provavelmente se deve à colinearidade entre as variáveis (correlação igual a 0,33) e, mais significativamente, ao pequeno tamanho da amostra.
 



Entretanto, quando incluídos separadamente (modelos 2 e 3), ambos mostraram associações positivas significativas. Mães que desejavam cuidados infantis, seja durante a gravidez ou após o nascimento da criança, tinham aproximadamente 2,5 vezes mais chances de matricular seus filhos do que aquelas que não desejavam.

A educação materna foi o preditor mais consistente em todos os modelos. Em comparação com as mães com escolaridade incompleta, aquelas com diploma universitário eram consistentemente mais propensas a utilizar creches. A primiparidade (modelo 5) também surgiu como um preditor negativo em alguns modelos, embora o efeito não tenha sido robusto. Outras variáveis – idade materna, emprego durante a gravidez e posse de casa – não foram estatisticamente significativas.

O desempenho do modelo foi avaliado usando três medidas de ajuste: (i) teste de significância conjunta para todas as covariáveis, (ii) teste de Hosmer-Lemeshow, e (iii) dois diagnósticos de probabilidade previstos — especificidade (que captura a proporção de verdadeiros positivos — ou seja, mães que inscreveram seus filhos em creches e foram classificadas corretamente pelo modelo) e precisão geral da classificação (a proporção de todos os casos na amostra que foram previstos corretamente, independentemente da decisão sobre a creche). Em geral, os modelos apresentam ajuste razoável: todas as especificações passam nos dois testes. Em média, os modelos classificam corretamente aproximadamente 63% dos desfechos individuais. Notavelmente, modelos que omitem um controle para determinar se a gravidez é a primeira da mulher tendem a produzir melhores taxas gerais de classificação, mas ao custo de especificidade reduzida.

A análise longitudinal das preferências maternas revelou que dois terços das mães mantiveram sua preferência inicial entre a gravidez e um mês após o nascimento da criança. Cerca de 20% deixaram de preferir a creche e passaram a preferir opções não formais, enquanto 11,4% mudaram na direção oposta. Entre as mães que consistentemente preferiram cuidar dos filhos (Tipo 1), 33,3% realmente matricularam seus filhos, em comparação com apenas 16% daquelas que consistentemente não pretendiam fazê-lo (Tipo 2). As taxas de matrícula foram semelhantes para aquelas que mudaram suas preferências (Tipos 3 e 4), variando de 18,8% a 20,7% (Tabela 3).
 



Para explorar o papel da estabilidade da preferência, uma variável categórica representando quatro tipos de trajetórias de desejo materno (Tipos 1–4) foi incluída em regressões adicionais (Tabela 4). Em comparação com as mães que pretendiam consistentemente matricular os filhos em creches (Tipo 1), todos os outros grupos apresentaram menor probabilidade de matrícula. Essa diferença foi estatisticamente significativa (pelo menos 90% de confiança) somente quando comparada aos Tipos 2 e 4. O maior efeito negativo (72% menos probabilidade de matricular em creches) foi observado entre mães que consistentemente pretendiam não inscrever (Tipo 2). Quando o Tipo 2 foi usado como referência, não foram encontradas diferenças significativas entre ele e os Tipos 3 e 4. Isso sugere que manter uma intenção positiva ao longo do tempo estava mais fortemente associada à matrícula efetiva do que simplesmente mudar de ideia.
 



Por fim, as respostas indicaram que o motivo mais comum para não usar creches foi "escolher não trabalhar fora de casa para cuidar de uma criança", seguido por "ser cuidado por familiares". Notavelmente, 37% das mães que não matricularam seus filhos declararam que gostariam de fazê-lo. Entre elas, 68% relataram esperar por uma vaga disponível — um número que subiu para 80% entre as mães do Tipo 3, que inicialmente não queriam cuidados formais, mas depois mudaram suas preferências.

Discussão

Este estudo examinou as preferências maternas e as escolhas efetivas em relação aos cuidados infantis durante o primeiro ano de vida da criança. Os resultados mostraram que a probabilidade de inscrição em creches aos 12 meses estava significativamente associada a dois fatores principais: maior escolaridade materna e desejo consistente de cuidados formais expressos tanto durante a gravidez quanto um mês após o nascimento da criança. Em contrapartida, a primiparidade foi negativamente associada à matrícula. Apesar da intenção inicial pela creche, a maioria das mães acabou não matriculando seus filhos, indicando que o cuidado informal ou familiar continuou predominante nessa população.

Os familiares ou outros indivíduos prestaram cuidados às crianças, o que é consistente com os achados de outros estudos10,13 e com o contexto no Brasil.5,21 Observou-se que crianças sob cuidados não parentais têm maior probabilidade de sofrer interrupções nos cuidados e adversidades sociais, como negligência, abuso e pobreza.10,22

A educação materna surgiu como um fator determinante na decisão de matricular a criança em uma creche. É provável que, para mulheres com maior escolaridade, o custo de oportunidade de interromper ou abandonar atividades profissionais seja maior, o que contribui para uma maior propensão à busca por serviços formais de cuidados infantis. Estudos anteriores têm consistentemente destacado a educação materna como um fator essencial no desenvolvimento infantil.5 Além disso, o baixo nível educacional dos pais foi identificado como um fator de risco independente para a mortalidade infantil, mesmo quando se controlam outras variáveis socioeconômicas.23 Esses achados reforçam o papel da educação materna como determinante estrutural da sobrevivência, crescimento e desenvolvimento infantil.

Os resultados sobre idade materna e emprego não alcançaram significância estatística, mas ainda assim mostraram influência nas decisões sobre os cuidados infantis. Evidências de estudos anteriores sugerem que crianças nascidas de mães mais velhas receberam maior estímulo e desenvolveram habilidades socioemocionais mais fortes do que aquelas nascidas de mães mais jovens.24 Além disso, um estudo identificou que a disponibilidade de cuidados infantis estava associada à satisfação materna, especialmente para mães com maiores vínculos com o mercado de trabalho. Em contrapartida, essa associação não foi observada entre os pais.25 Outro estudo relatou que o aumento na disponibilidade de jardins de infância levou a um aumento na taxa de emprego de mães de crianças em idade pré-escolar e, por outro lado, a queda nas vagas resultou em uma perda líquida para as finanças públicas anuais.26 Tradicionalmente, o cuidado infantil tem sido visto como tendo dois propósitos: proporcionar ambientes enriquecedores que promovam o desenvolvimento infantil e permitir que os progenitores trabalhem.27 Uma pequena proporção de mães efetivamente matriculou seus filhos em creches no primeiro ano de vida. Já foi constatado que os pais acreditavam que as creches eram mais adequadas para idades mais avançadas.16 No contexto brasileiro, estudo identificou que o início da creche entre 13 e 29 meses foi mais frequente e, quando a idade avançada foi analisada separadamente, foi associada a um maior escore de desenvolvimento aos 36 meses, apontando que esses resultados precisam ser mais explorados.21

A adaptação de crianças às creches, especialmente no primeiro ano de vida, é uma questão importante, que abrange as necessidades específicas de desenvolvimento infantil, as relações mãe-filho e educador-criança, e a dinâmica ambiental. Estudos relatam situações de insegurança materna,28 e uma tendência das mães primíparas de serem superprotetoras com seus filhos.18

A atenção às crianças pequenas é essencial, especialmente em situações vulneráveis. Programas bem estruturados de educação e cuidados na primeira infância demonstraram desfechos equitativos em saúde e educação.8 Além disso, ações intersetoriais entre saúde, educação e proteção social são importantes para consolidar o cuidado integrado.29 Isso evita a fragmentação e a duplicação de serviços, facilitando conexões efetivas na rede de proteção ao longo do tempo.

A decisão de colocar uma criança em uma creche é complexa e muitas vezes carregada de incertezas para as mães e famílias. Envolve não apenas considerações logísticas e financeiras, mas também preocupações emocionais relacionadas à confiança, à prontidão da criança e às responsabilidades maternas percebidas. Essas preocupações ressaltam a necessidade de uma melhor compreensão das experiências parentais e dos processos de tomada de decisão, principalmente entre as mães, nos primeiros anos de prestação de cuidados.14,16,17

Embora as creches sejam vistas principalmente como ambientes que promovem o desenvolvimento infantil, elas também podem influenciar o ambiente doméstico e o bem-estar materno. Ambientes de cuidados iniciais de alta qualidade podem oferecer estimulação cognitiva adequada à idade e servir como modelos para interações emocionalmente responsivas que podem se estender à dinâmica familiar.30 No entanto, pesquisas sobre como a qualidade e a consistência dos cuidados infantis afetam domínios mais amplos, como saúde mental materna, estresse parental ou rotinas domésticas, ainda são limitadas e merecem mais investigação.27,30

Este estudo apresenta algumas limitações. Ele concentrou-se exclusivamente nas mães e no primeiro ano de vida da criança, com um tamanho de amostra modesto, o que pode limitar a generalização. Além disso, os questionários utilizados não foram validados e os dados foram coletados antes da pandemia da COVID-19, um período que provavelmente alterou a tomada de decisão materna em relação aos cuidados com as crianças devido às medidas de distanciamento social e interrupções nos serviços. Estudos futuros devem considerar faixas etárias mais amplas e acompanhamento de longo prazo para entender melhor a dinâmica multifatorial das decisões sobre cuidados infantis ao longo do tempo.

Entre os pontos fortes do estudo está a novidade de utilizar a intenção materna para o cuidado da criança como uma variável explicativa, medida tanto durante a gravidez quanto após o nascimento da criança. Essa abordagem possibilitou a identificação de mudanças na preferência e sua associação com a matrícula efetiva aos 12 meses. Também possibilitou análises de interação com variáveis de controle, como educação materna. O estudo mostrou, por exemplo, que mães com preferências semelhantes, mas diferentes níveis educacionais, fizeram escolhas distintas, provavelmente devido a disparidades no acesso e nas oportunidades. A exploração de trajetórias de preferência ao longo do tempo ofereceu insights sobre tomada de decisão, intenções não atendidas e arranjos alternativos de cuidados entre mães que abandonaram ou revisaram seus planos originais.

Este estudo destaca a lacuna entre intenção materna e uso real de cuidados infantis formais durante o primeiro ano de vida da criança. Embora muitas mães tenham inicialmente expressado o desejo de matricular seus filhos em creches, essa preferência muitas vezes diminuiu após o nascimento, e apenas uma minoria de crianças foi matriculada aos 12 meses de idade. Maior escolaridade materna surgiu como fator-chave associado à concretização desta intenção.

Esses achados ressaltam a necessidade de apoiar as famílias, especialmente aquelas com menor nível educacional, na tomada de decisões sobre cuidados na primeira infância. Profissionais de saúde envolvidos no pré-natal, puericultura e visitas domiciliares desempenham um papel estratégico na identificação de expectativas, medos e incertezas dos cuidadores parentais. O diálogo oportuno e respeitoso sobre as opções de cuidados infantis pode ajudar a alinhar as intenções maternas com os recursos disponíveis, contribuindo para o acesso equitativo e promovendo o desenvolvimento infantil desde tenra idade.

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Contribuição do autores
Prado NCPH: Conceitualização, Validação, Investigação, Recursos, Redação de Manuscritos – Rascunho Original, Redação de Manuscritos – Revisão & Edição, Visualização. Scorzafave LGDS: Metodologia, Análise formal, Redação de manuscritos – Revisão & Edição. Pazello ET: Metodologia, Análise formal, Redação de manuscritos – Revisão & Edição. Santos DD: Metodologia, Análise formal, Redação de manuscritos – Revisão & Edição. Gondim EC: Investigação, Redação de Manuscritos – Revisão & Edição. Bardívia CB: Investigação, Redação – Revisão & Edição. Mello DF: Conceitualização, Metodologia, Validação, Investigação, Recursos, Redação de Manuscrito – Rascunho Original, Redação de Manuscrito – Revisão & Edição, Visualização, Aquisição de financiamento. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declararam não haver conflitos de interesses.

Disponibilidade de dados
Todos os conjuntos de dados que sustentam os resultados deste estudo estão incluídos no artigo.

Recebido em 9 de Setembro de 2024
Versão final apresentada em 31 de Julho de 2025
Aprovado em 19 de Setembro de 2025

Editor Associado: Kelly Abud

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