Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Fatores associados à procura tardia do pré-natal no distrito de Lugela-Zambézia, Moçambique

Nique Mutequeta1; Maria Isabel Cambe2; Elídio Muamine3; Germano Pires4

DOI: 10.1590/1806-9304202520230342 e20230342

RESUMO

OBJETIVOS: analisar os fatores associados à procura tardia por atendimento pré-natal por gestantes no centro de saúde de Lugela, no primeiro trimestre de 2023.
MÉTODOS: pesquisa transversal realizada com 205 gestantes. Os dados foram coletados por meio de questionário estruturado, complementado com informações da ficha pré-natal da gestante. Utilizou-se o software R versão 4.2.0 para realização de análises de estatísticas inferenciais, com cálculo do odds ratio (OR) e construção de modelo de regressão logística. Variáveis categóricas foram analisadas descritivamente e testadas quanto à associação com a procura tardia do pré-natal. A regressão logística multivariada considerou nível de significância de 5%, tendo como variável dependente a adesão precoce à consulta pré-natal.
RESULTADOS: o início do pré-natal foi considerado tardio para 69,3% (n=142) das gestantes entrevistadas. A procura tardia esteve significativamente associada à escolaridade (p=0,034, OR=0,228, IC95%=-2.915 a -0.046), à idade (p=0,040, OR=0,506, IC95%= -1.369 a 0.006) e ao planejamento da gravidez (p=0,009, OR=0,451, IC95%= -1.485 a -0.106).
CONCLUSÃO: os fatores associados a procura tardia da assistência pré-natal foram essencialmente de âmbito obstétrico, socioeconómico e sociodemográfico, evidenciando a necessidade de estratégias direcionadas para grupos mais vulneráveis.

Palavras-chave: Assistência pré-natal, Fatores associados, Moçambique

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the factors associated with late prenatal care attendance by pregnant women at the Lugela health center in the first quarter of 2023.
METHODS: cross-sectional survey conducted with 205 pregnant women. Data were collected using a structured questionnaire, supplemented with information from the pregnant woman's prenatal records. R software version 4.2.0 was used to perform inferential statistical analyses, calculating odds ratios (ORs) and constructing a logistic regression model. Categorical variables were analyzed descriptively and tested for associations with late prenatal care attendance. Multivariate logistic regression considered a significance level of 5%, with early prenatal care attendance as the dependent variable.
RESULTS: 69.3% (n=142) of the pregnant women interviewed considered prenatal care initiation late. Late prenatal care seeking was significantly associated with education (p=0.034, OR=0.228, 95%CI= -2.915 to -0.046), age (p=0.040, OR=0.506, 95%CI= -1.369 to 0.006), and pregnancy planning (p=0.009, OR=0.451, 95%CI= -1.485 to -0.106).
CONCLUSION: the factors associated with late prenatal care seeking were essentially obstetric, socioeconomic, and sociodemographic, highlighting the need for strategies targeted at more vulnerable groups.

Keywords: Prenatal care, Associated factors, Mozambique

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) idealiza um mundo em que todas as mulheres e recém-nascidos recebam cuidados de qualidade durante toda a gravidez, parto e período pós-natal. Os cuidados pré-natais (CPN) constituem uma plataforma para importantes funções dos cuidados de saúde, incluindo a promoção da saúde, o rastreio, o diagnóstico e a prevenção das doenças.1,2

Estudos têm evidenciado que a junção da atenção pré-natal com a prevenção de risco na gestação proporciona uma vida saudável à gestante. O pré-natal bem-sucedido, depende do período em que é iniciado e do número de consultas realizadas.3,4

Desse modo, o início precoce das consultas é um dos fatores associados à assistência pré-natal adequada, que tem como finalidade diminuir a mortalidade materna e neonatal, garantindo no fim da gestação o nascimento de uma criança saudável e uma satisfação materna.5,6

Em África, mais de dois terços das mulheres grávidas realizam pelo menos uma consulta médica de assistência pré-natal. Para atingir este potencial de salvar vidas que a CPN promete às mulheres e aos bebês, são necessárias quatro ou mais consultas médicas, pacote este muita das vezes designado como Controle Pré-Natal Focalizado.7,8

Um estudo realizado sobre oportunidades para os recém-nascidos em África, mostrou uma cobertura de CPN de 71% das mulheres em África e nos países industrializados mais de 95% das mulheres grávidas tinham acesso a CPN. Na África Subsaariana, 69% das mulheres grávidas têm pelo menos uma consulta pré-natal. Por tanto, o maior desafio centra-se para a cobertura do início precoce que é inferior a 44% em África.9

O relatório do setor da saúde de Moçambique em 2021, espelhou que 95% das mulheres grávidas previstas para o ano de 2021, realizaram pelo menos uma CPN e dessas 11% apresentaram-se na unidade hospitalar com gestação igual ou abaixo de doze semanas. Por outro lado, o relatório do anuário estatístico de saúde da província da Zambézia 2021, mostrou uma cobertura de 100% de mulheres grávidas, que se beneficiaram das CPN e destas, somente 11% apresentaram-se a CPN com idade gestacional igual ou menor de doze semanas.10,11

De acordo os dados do último inquérito demográfico de saúde (IDS 2022-2023) realizado em Moçambique, 87% das mulheres, que frequentaram a maternidade nos dois anos anteriores ao inquérito, recebeu cuidados pré-natais de um profissional de saúde qualificado. Porém, em relação as províncias, Zambézia é a que apresenta a cobertura mais baixa (66%). O inquérito mostrou que, a cobertura de quatro ou mais consultas pré-natais nas mulheres que tiveram recém-nascidos vivos nos dois anos anteriores ao inquérito, variou entre as províncias, sendo a província de Maputo a que tem a maior percentagem (83%) e Zambézia tendo a mais baixa (26%).11

Para o local de estudo, a cobertura foi de 90,2% de grávidas que se apresentaram as CPN e dessas, 4% com menos de doze semanas, ocupando a segunda posição do alcance da meta ao nível da Província da Zambézia, sendo o distrito de Namarrói ocupando a primeira posição com 3% de alcance da meta no período em análise.12,13

O pré-natal tardio, segundo a OMS (2016), refere-se ao início do acompanhamento pré-natal após a 12ª semana de gestação.9 O início tárdio do pré-natal, prejudica o acompanhamento com qualidade da gestação, refletindo-se na falta de realização dos exames complementares no período adequado, resultando em efeitos materno-fetais negativos.13

Portanto, a presente pesquisa teve como objetivo, analisar os fatores associados à procura tardia dos cuidados pré-natais no centro de saúde de Lugela.


Métodos

A pesquisa foi conduzida no distrito de Lugela, o distrito situa-se na região centro da província da Zambézia, a 210 km da capital (cidade de Quelimane) e tem uma superfície de 6178 km2 e está entre os paralelos 15º 18' Sul e 15º 20' Sul e nos meridianos de 36º 08' e 36º 14', representando cerca de 5,9%da superfície total da província (105008 km2).O distrito possui os seguintes limites: a sul com o distrito de Mocuba através do rio Lugela; a norte com o distrito de Namarrói pelo rio Lú, a este com os distritos de Ile e Mocuba, pelo rio Licungo e a oeste com o distrito de Milange. O processo de coleta de dados foi realizado no centro de saúde da vila sede. A escolha do centro de saúde de Lugela, prende-se pelo fato de ser uma das duas unidades sanitárias do nível I do distrito, com baixas cobertura de CPN até 12 semanas de gestação.

As unidades sanitárias no meio rural são do tipo I e II. As do tipo II são as menores que dispensam cuidados de saúde primários e sem internamento em meio rural. As do tipo I, são as mais diferenciadas e de maior dimensão e com serviços de internamento.14 A esperança média de vida da população do distrito é de 46 anos, a taxa de analfabetismo é de 70,9% sendo: 49,5% para homens e 87,4% para mulheres. E a taxa de fecundidade é de 7,9%.15 Tratou-se de um estudo transversal com uma abordagem quantitativa.

A pesquisa decorreu nos meses de janeiro a março, que compõem o primeiro trimestre de 2023, período este que culminou com a coleta dos dados no local do estudo.

A população de estudo foi de ≥18 anos de idade, o tamanho da amostra foi de 205 mulheres gestantes, que se fizeram presente no centro de saúde no horário normal de expediente, a procura da assistência pré-natal e foi aplicada, a técnica de amostragem não probabilística por conveniência.

Para o cálculo do tamanho da amostra, considerou-se uma projeção dos valores médios mensais da utilização dos serviços de assistência pré-natal no local de estudo. A partir destas médias, fez se o cálculo da amostra considerando se o nível de confiança de 95% e erro estimado em 5%.16

Foram usados como critérios de inclusão; mulheres grávidas que se fizeram presente nas consultas pré-natais no centro de saúde durante o período de estudo e com idade ≥18 anos de idade e aceitar participar no estudo. Os critérios de exclusão corresponderam a qualquer condição aguda ou crônica que limitasse a capacidade da gestante em participar do estudo, gestantes que não se apresentassem em seu pleno estado de saúde mental e gestantes com idade menor de 18 anos. A não inclusão das gestantes adolescentes no estudo foi devido a dificuldade de obteção do assentimento e consentimento informado.

A variável dependente foi beneficiar-se ou ter aderido a consulta pré-natal. E as variáveis independentes referentes as características sociodemográficas foram: faixa etária em anos (18 - 24 anos e >25 anos); nível de escolaridade (Não ter estudado, primário, secundário, universitário; local de residência (ao redor da vila Sim/Não); situação marital (com companheiro ou sem companheiro); distância percorrida de casa ao hospital (<10 km ou >10 km); Planejamento da gravidez (Sim ou Não); Tempo em meses do início da procura dos serviços pré-natais (1-3 meses, 4 ou mais); número de filhos; ocupação (camponesa, conta própria, Organização Não Governamental - ONG, setor público); variável econômica: rendimento médio mensal em salário mínimo, correspondente a R$ 676,97 (1-3, 4-5, não sabe).

Para o estudo, a técnica usada para a coleta de dados foi a entrevista presencial, com entrevistadores treinados para este fim usando um guia de entrevista estruturado para as mulheres elegíveis ao estudo. E foi completada usando-se a ficha pré-natal "Mod-SIS-B01-B" da gestante (ficha destinada às mulheres gestantes no primeiro contato e contatos subsequentes com a unidade sanitária, de modo a registar as variáveis demográficas e obstétricas, com o objetivo de fazer acompanhamento da gestação). A seleção das participantes, era feita pela equipe treinada na coleta de dados, que identificava as potenciais participantes logo a saída das consultas de assistência pré-natal. Em seguida, as participantes eram conduzidas para uma sala específica para garantir maior privacidade, onde lá eram esclarecidas sobre o objetivo da pesquisa e informadas também sobre o consentimento informado do estudo. Caso as gestantes consentissem em participar do estudo, as inquiridoras procediam com a coleta de dados, guiados pelo questionário estruturado.

Para a análise dos dados foi utilizado a combinação de Microsoft Excel versão 2016 e pacote estatístico R versão 4.2.0. O Microsoft Excel foi utilizado para criação da base de dados, análise de estatística descritiva, criação e formatação de tabelas. O pacote estatístico R foi usado para análise inferencial como: teste de associação entre as variáveis, modelo de regressão logística univariada e teste exato de Fisher para valores menores de cinco. Para a análise de regressão logística múltipla foi usado um nível de significância de 5% considerado estatisticamente significativo.

A análise de regressão logística final identificou que o pré-natal fora do período recomendado estava associado de forma significativa às variáveis idade da gestante, escolaridade e planejamento da gravidez.

Com base nessa variável, foi elaborado um modelo reduzido e, posteriormente, realizou-se uma comparação entre os dois modelos utilizando os critérios de Informação de Akaike (AIC) e Critério de Informação Bayesiano (BIC) para avaliar a qualidade do ajuste.17,18

Os critérios AIC e BIC serviram como ferramentas auxiliares para escolha do modelo final, fornecendo uma métrica objetiva para a comparação dos modelos. A abordagem de escolher o modelo com o menor AIC alinha-se com o objetivo de encontrar um equilíbrio entre a complexidade e a capacidade de ajuste dos modelos.18

A escolha do AIC e BIC para escolher o modelo, deveu-se porque permitem comparar diferentes modelos e escolher o que melhor se ajusta aos dados, ambos os critérios penalizam modelos complexos, o que ajuda a evitar o overfitting (ajuste excessivo aos dados de treinamento), avaliam a bondade do ajuste do modelo aos dados, o que ajuda a garantir que o modelo escolhido seja capaz de explicar os padrões nos dados.17

Para a pesquisa aplicou-se o teste de Wald para avaliar o modelo logístico no seu todo. O teste de Wald é usado para determinar a significância dos coeficientes do modelo estimado, ele testa se cada coeficiente é significativamente diferente de zero.17,18

O estudo teve aprovação do comité de ética em pesquisa, pelo Instituto Superior de Ciências de Saúde de Maputo sob o código TFCMEPS15/22 e a coleta dos dados, teve autorização das entidades administrativas que tutelam o centro de saúde de Lugela.


Resultados

No que tange ao início da consulta pré-natal, em relação ao critério da atenção pré-natal, foi considerado não recomendado para 69,3% (n=142) das gestantes e recomendado para 30,7% (n=63), segundo as diretrizes da OMS. Para a variável faixa etária, 49,2% (n=101) que aderiram as consultas pré-natais tinham idade superior a 25 anos de idade, destas 75,2% aderiram tardiamente as consultas pré-natais. Em relação à situação conjugal, as que afirmaram não ter companheiro, 66,7% tiveram início tardio. No que concerne à escolaridade, as que afirmaram não ter estudado ou ter o nível primário, 63,3% tiveram início do pré-natal tardio. Quanto a residência, as gestantes que afirmaram morar fora da vila 65,5% iniciaram o pré-natal no período não recomendado.

Em relação a análise descritiva das variáveis gestacionais, 60% das inquiridas que iniciaram tardiamente o pré-natal eram multíparas. Quanto ao planejamento da gravidez, as que referiram não ter planejado 77,9% iniciaram o pré-natal tardiamente. E quanto o apoio do parceiro a gestante recebe em relação à gravidez, constatou-se que, entre aquelas que declararam não ter recebido apoio, 72,3% iniciaram o pré-natal tardiamente (Tabela 1).
 



Para a variável socioeconômica, de acordo com as mulheres inqueridas, as que relataram ter um salário entre um a três salários mínimos, 70,6% iniciaram o pré-natal no período não recomendado.

Para análise das variáveis no modelo final de regressão logística (Tabela 2), após as seleções das variáveis, mostrou o p-value significativo para o pré-natal fora do período recomendado nas variáveis idade da gestante, escolaridade e planejamento da gravidez.
 



Para a variável escolaridade, as mulheres que relataram ter ensino primário ou nunca ter estudado, tiveram 22,8% de chance reduzida de procurar os cuidados pré-natais nos primeiros meses após a concepção, em relação as que relataram ter nivel médio (OR=0,228 e IC95%= -2.915 a -0.046). Em relação a variável idade da gestante, as mulheres com idade superior ou igual a 25 anos, tiveram 50,6% de chance reduzida da procura dos cuidados pré-natais nas primeiras doze semanas da gestação, em detrimento as que possuíam uma idade inferior (OR=0,506 e IC95%= -1.369 a 0.006). E quanto a variável planejamento da gravidez, as mulheres que alegaram não ter planejado a gravidez durante a pesquisa, tinham cerca de 45,1% de chances reduzidas para cumprirem o período recomendado de assistência pré-natal em relação aos que planejaram a gravidez (OR= 0,451 e IC95%= -1.485 a -0.106) (Tabela 3).
 




Discussão

Em relação aos fatores associados a procura tardia ao início do pré-natal, na presente pesquisa, verificou-se diversos fatores socioeconómicos, sociodemográficos e obstétrico.

A variável nível de escolaridade, mostrou uma associação positiva com não ter estudado e o início tardio da assistência pré-natal, o que leva a inferir que as mulheres que relataram ter ensino primário, têm chances reduzidas de cumprirem com o período recomendado de assistência pré-natal em relação as que tinham nível médio. Analisando o contexto do local de estudo, de acordo com o percentual de analfabetismo que está a 70%, pode se concluir que, o nível de escolaridade influência negativamente no acesso aos serviços de saúde, tanto quanto na recusa de algumas mulheres em participar do estudo alegando falta de tempo. Esses resultados foram semelhantes em estudos realizados em Ghana em 2018,19 onde observou-se que as mulheres com ensino médio e superior tinham menos probabilidade de adiar a primeira marcação da consulta pré-natal do que as mulheres sem educação formal. Isso pode ser devido aos níveis e formas de compreensão, sobre o efeito negativo do atraso na marcação do pré-natal, entre mulheres com diferentes níveis de educação. Ou seja, as mulheres instruídas, provavelmente apreciariam ou conheceriam mais os problemas relacionados no atraso para a primeira consulta pré-natal, do que aquelas que não tiveram educação formal.20 Portanto, a educação possibilita que as mulheres desenvolvam confiança necessária para tomar decisões sobre sua saúde e compreendam mais facilmente a importância dos serviços de pré-natal, para além de que o maior nível de escolaridade geralmente está relacionado com maior autonomia na decisão de procurar assistência pré-natal.

Tal pensamento é corroborado no estudo de Goudard,20 que também identificou que as gestantes com menor grau de escolaridade, apresentam maiores chances de iniciar o pré-natal tardiamente. Estes achados, foram também encontrados em outros estudos,21,22 que apontaram mulheres com maior escolaridade, como as mais capacitadas a identificarem sinais de complicações na gestação e que tendem a praticar hábitos alimentares saudáveis, tendo em vista, evitar riscos para si e para o bebê. Nesse sentido, a escolaridade influência tanto à utilização dos serviços de saúde, quanto à realização do pré-natal no centro de saúde de Lugela.

Quanto ao planejamento, a pesquisa mostrou que as mulheres que alegaram não ter planejado a gravidez durante a pesquisa, tinham cerca de 55,9% de chances reduzidas para cumprirem o período recomendado de assistência pré-natal em relação aos que planejaram a gravidez. Provavelmente este cenário pode ser pelo fato das mulheres terem descoberto tardiamente a gestação aliada a falta de cultura de planificação conjunta ou mesmo pelo medo de avisarem os seus parceiros, sobre o futuro agregado na família, visto que, de acordo algumas fontes orais no local de estudo, o número de filhos que um casal deve ter, quem planifica é o homem e a mulher somente obedece. Estes achados podem ser encontrados em alguns estudos, como é o caso da pesquisa realizada por Cruz-Bendezú,21 nos EUA, com 870 gestantes. Este autor e colaboradores encontraram que, mulheres com gravidez não planejada, tinham a chance de detectar a gravidez mais tarde, também pode ser pelo fato da gestante, dar menos atenção e amor a esta gravidez. Além disso, uma mulher com gravidez indesejada, pode não procurar atendimento apropriado para sua gravidez e pode não estar disposta a obter qualquer informação relacionada ao pré-natal de profissionais de saúde.23,24,25

A violência por parceiro íntimo durante a gestação é um fator importante que pode influênciar a saúde materna e infantil, incluindo o acesso tardio ao pré-natal, como destacado em uma revisão sistemática recente. Essa relação ressalta a necessidade de abordar a violência de gênero como parte integrante dos cuidados de saúde materno-infantil.26 Para o local de estudo, há políticas e programas de proteção às mulheres e crianças, incluindo a lei contra a violência doméstica, o programa de prevenção e resposta à violência contra as mulheres e as crianças, e iniciativas de empoderamento econômico que visam fortalecer economicamente as mulheres.

Quando analisado a variável situação marital, das inquiridas que afirmaram não ter um companheiro no momento da pesquisa, 66,7% iniciaram o pré-natal tardiamente, provavelmente porque gestantes solteiras, demoram mais em aceitar a gestação por falta de apoio do companheiro ou por outra as mulheres solteiras sentem-se receadas em ir as CPN sem companheiros no primeiro contacto, em detrimento das casadas ou que possuem companheiro, que tem o privilégio dos seus parceiros em acompanhá-las no primeiro contacto com a unidade hospitalar. Estes achados são semelhantes encontrado no estudo realizado por Rurangirwa,23 onde relata que gestantes que não viviam com o parceiro apresentaram maior frequência de uso inadequado do pré-natal.19,24 Alguns estudos afirmam que, as mulheres solteiras apresentaram risco três vezes maior para não realização do pré-natal, quando comparadas às casadas. Uma hipótese para esse achado poderia estar relacionada ao apoio do parceiro durante a gestação.27

Na análise de variáveis socioeconômicas, observou-se que 33,2% das inquiridas recebiam menos que três salários-mínimos e destas 70,6% iniciaram o pré-natal no período não recomendado. Olhando para o contexto do local de estudo, onde para o alcance de uma unidade hospitalar a população deve percorrer no mínimo 11 km e estas distâncias aliadas a falta de transporte público e vias de acesso difíceis, as mulheres grávidas não terem dinheiro suficiente para pagarem transporte (moto-táxi: transporte usado para deslocação de pessoas e bens no local de estudo, por causa de falta de transporte público) para lhes levar a unidade hospitalar, acabam influênciando as mulheres a procurarem tardiamente os cuidados pré-natais. Estes achados são semelhantes ao de estudos realizado por outros autores, que mostraram que a qualidade da atenção ao pré-natal é afetada pela renda, pois as gestantes com baixa renda iniciam o pré-natal tardiamente e consequentemente, realizam menor número de consultas.28,29 Dessa forma, a chance de realização de um pré-natal no período recomendado foi maior entre mulheres de renda mais elevada do que entre mulheres de renda baixa.

Apesar da existência de políticas e inciativas destinadas a reduzir a desigualidade de genêro, é importante notar que a maiora delas se concentra em emponderar as mulheres. Embora haja esforços para promover a igualidade de gênero, os homens e meninos também benefiaciam-se das politícas especificas, especialmentes no contexto patriacalismo. O plano de ação para igualidade de gênero, o programa de educação e iniciativas de sociedade cívil são políticas e iniciativas fundamentais que visam melhorar normas culturais e sociais que perpectuam o patriacalismo.30

A pesquisa teve limitações; dificuldades de comunicação com o grupo elegível ao estudo por falta de domínio da língua local, recusa por parte de algumas mulheres em participar do estudo, alegando falta de tempo, fichas pré-natais malconservadas que não permitiam visualizar da melhor forma variáveis.

Os achados desta pesquisa permitiram concluir que os fatores associados à procura tardia da assistência pré-natal, são de âmbito sociodemográficos, obstétricos e socioeconômicos. Ter nível primário/não ter estudado, ter idade superior ou igual a 25 anos, ter uma gestação não planejada, estiveram associadas a procura tardia dos cuidados da assistência pré-natal nos primeiros meses da gestação. Portanto, dar atenção especial a este grupo pode diminuir o atraso na primeira marcação de consultas pré-natais. O nivel médio/superior, a presença de parceiro/acompanhante nas consultas pré-natais, a planificação da gestação, aumentam as chances de cumprimento da realização da primeira consulta pre-natal dentro do período recomendado.

Os fatores de não utilização assídua das CPN identificados, implicam que o engajamento dos outros setores do governo, para além do Ministério da Saúde, é pertinente e indispensável para a melhoria dos indicadores de saúde.


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Contribuição dos autores

Mutequeta N e Germano Pires: concepção da pesquisa e desenho do protocolo, supervisão na coleta de dados, análise dos dados, redação do manuscrito. Cambe MI e Muamine E: desenho do protocolo, supervisão na coleta de dados, análise dos dados, redação do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.


Disponibilidade de Dados:

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

 




Recebido em 3 de Novembro de 2024
Versão final apresentada em 19 de Agosto de 2025
Aprovado em 21 de Agosto de 2025

Editor Associado: Karla Bomfim

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