Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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ARTIGOS ORIGINAIS


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Fatores associados ao risco de atraso no desenvolvimento de crianças menores de cinco anos internadas por condições sensíveis à atenção primária

José Santana Carvalho1; Weslla Karla Albuquerque de Paula2; Ana Paula Esmeraldo Lima3; Luciana Pedrosa Leal4; Maria Wanderleya de Lavor Coriolano Marinus5

DOI: 10.1590/1806-9304202500000013

RESUMO

OBJETIVOS: analisar os fatores associados ao risco de atraso no desenvolvimento infantil de crianças menores de cinco anos internadas por condições sensíveis à atenção primária.
MÉTODOS: estudo quantitativo, transversal, realizado com 90 crianças menores de cinco anos e seus cuidadores familiares. O risco de atraso no desenvolvimento infantil foi avaliado por meio do Survey of Well-Being of Young Children (SWYC). A associação entre as variáveis foi analisada por regressão de Poisson com variância robusta, utilizando o software SPSS, versão 21.0.
RESULTADOS: o risco de atraso no desenvolvimento infantil foi identificado em 22,2% das crianças e apresentou associação com baixo peso ao nascer (RP = 1,17), alterações de comportamento infantil (RP = 1,14), mãe com dois filhos (RP = 1,18) e residência em local sem saneamento básico (RP = 1,19).
CONCLUSÃO: o risco de atraso no desenvolvimento infantil esteve positivamente associado a variáveis relacionadas à criança (baixo peso ao nascer), ao cuidador (mãe com dois filhos) e ao ambiente (ausência de saneamento básico). A vigilância do desenvolvimento infantil deve ser incorporada a todos os níveis de atenção à saúde da criança e da família, com foco no desenvolvimento pleno, especialmente em contextos de vulnerabilidade. Ações e políticas públicas devem considerar os determinantes sociais da saúde que impactam o cuidado na atenção primária e nos serviços hospitalares.

Palavras-chave: Desenvolvimento infantil, Condições sensíveis à atenção primária, Criança hospitalizada, Saúde da criança, Comportamento infantil

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the factors associated with the risk of developmental delay in children under five years of age hospitalized for primary care-sensitive conditions.
METHODS: a quantitative, cross-sectional study conducted with 90 children under five years old and their family caregivers. The risk of developmental delay was assessed using the Survey of Well-Being of Young Children (SWYC). Associations between variables were analyzed using Poisson regression with robust variance, supported by SPSS software, version 21.0.
RESULTS: the risk of developmental delay was identified in 22.2% of the children and was associated with low birth weight (PR = 1.17), behavioral problems (PR = 1.14), mothers with two children (PR = 1.18), and living in areas without basic sanitation (PR = 1.19).
CONCLUSION: the risk of developmental delay was positively associated with child-related factors (low birth weight), caregiver characteristics (mother with two children), and environmental conditions (lack of basic sanitation). Monitoring of child development should be integrated into all levels of child and family healthcare, aiming at comprehensive development, especially in vulnerable contexts. Public policies and actions must address the social determinants of health that influence care in both primary healthcare and hospital services.

Keywords: Child development, Ambulatory care sensitive conditions, Hospitalized child, Child health, Child behavior

Introdução
O desenvolvimento infantil (DI) é um processo dinâmico, progressivo e contínuo, que abrange aspectos físicos, cognitivos, socioemocionais, linguísticos e comportamentais.1 O sucesso para alcançá-lo depende da interação com o meio em que a criança está inserida e das relações sociais que ela constrói.2,3 O DI é especialmente sensível durante a primeira infância, quando o cérebro está em seu auge de atividade e mais vulnerável a influências externas. Nesse estágio, ocorre a formação da base emocional e afetiva do indivíduo, além do desenvolvimento de áreas cerebrais essenciais para a personalidade, o caráter, a capacidade de aprendizado e a memória.1
Estima-se que cerca de 250 milhões de crianças na faixa etária de até cinco anos de idade, vivendo em países de baixa e média renda, não consigam desenvolver seu potencial, apresentando um risco de atraso no desenvolvimento quatro vezes maior em comparação com os países ricos, e um percentual geral de 22,5% de crianças com suspeita de atraso.3
No Brasil, a estimativa de suspeita de atraso do DI é de 12%,4 estando associada a fatores como pouca estimulação infantil, ambientes inseguros (como nos casos de violência doméstica), baixo nível de escolaridade materna e paterna, depressão materna, prematuridade, falta de saneamento básico e água potável, baixo peso ao nascer e anemia na infância.4-7 Devido à influência crucial do ambiente no desenvolvimento da criança,1 surge a preocupação com o potencial risco para o DI quando ela é hospitalizada, especialmente por causas evitáveis, como no caso das internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP).
Condições sensíveis à atenção primária (CSAP) correspondem a um grupo de doenças e agravos que não devem resultar em hospitalização, caso as ações desenvolvidas na Atenção Primária à Saúde (APS) sejam executadas de forma efetiva. A Lista Brasileira de ICSAP apresenta grupos de causas de internações e diagnósticos, como doenças imunopreveníveis, respiratórias, infecciosas, parasitárias, cardiovasculares, endócrinas e neurológicas. A presença das ICSAP funciona como uma das formas de dimensionar a resolutividade e a efetividade assistencial prestada pela APS.8 Internações hospitalares na primeira infância podem representar mais um entrave para o desenvolvimento pleno das crianças. O confinamento em um quarto de hospital pode limitar as habilidades motoras da criança, bem como suprimir a expressão de criatividade e autonomia nas relações com seus pares e com sua família.8-10
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) como as condições em que as pessoas vivem e trabalham.11 Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os DSS implicam no processo saúde-doença da população nas esferas sociais, econômicas, culturais, étnicas ou raciais, psicológicas e comportamentais.11 Para que uma criança alcance seu pleno desenvolvimento, é preciso considerar a relação direta com o ambiente em que vive e sua interação contínua ao longo do tempo.12 Exposição a condições socioeconômicas precárias, instabilidade econômica e falta de conscientização pública geram ambientes insalubres para a criança.13
Por se tratarem de causas de internações evitáveis pela APS, os profissionais que atuam neste nível de atenção podem contribuir na sua prevenção. Na atenção hospitalar, as práticas educativas podem ser direcionadas para orientar os cuidadores quanto às medidas que podem ser adotadas na promoção do DI, assim como na prevenção de ICSAP recorrentes.12,14,15
Para a elaboração de práticas educativas na área da saúde, com o objetivo de minimizar as futuras internações e contribuir para o DI de crianças internadas por CSAP, é necessário, primeiramente, identificar os fatores associados a esses eventos. O objetivo do estudo foi analisar os fatores associados ao risco de atraso no desenvolvimento infantil de crianças menores de cinco anos internadas por CSAP.

Métodos
Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, realizado em um hospital filantrópico em Recife, Pernambuco, referência no Norte e Nordeste na atenção à saúde infantil. O setor de clínica pediátrica foi escolhido devido à prevalência de (CSAP) nesta especialidade.
A amostra foi composta por crianças hospitalizadas por CSAP e seus respectivos cuidadores. Foram excluídos da amostra os cuidadores familiares (e suas respectivas crianças) que exerciam as funções de cuidado por menos de 20 horas semanais. A amostragem foi do tipo não probabilística, por conveniência.
O cálculo do tamanho amostral foi realizado para uma população finita, considerando um intervalo de confiança de 95%, margem de erro de 5%, tamanho da população de 128 (refletindo as ICSAP no primeiro quadrimestre de 2020) e uma frequência de risco para atraso no desenvolvimento infantil (DI) de 27,5%.16 A partir desse cálculo, foi definida uma amostra mínima de 90 participantes.
A coleta de dados ocorreu de abril a agosto de 2022, utilizando um formulário semiestruturado para registrar variáveis socioeconômicas e demográficas. O risco para atraso no DI foi avaliado por meio do Survey of Well-being of Young Children – Versão Brasileira (SWYC-BR), um instrumento de triagem de alterações no desenvolvimento e no comportamento de crianças de dois a 65 meses de idade, de acesso livre.17
O SWYC-BR foi traduzido e adaptado para o português brasileiro e a validação revelou propriedades de medida satisfatórias para uso no Brasil (Variância Média Extraída = 0,73 e Alpha de Cronbach = 0,97).18 O instrumento é composto por 12 formulários, um para cada faixa etária, contendo dez itens que devem ser preenchidos pelo pesquisador a partir das respostas dos pais ou cuidadores da criança.19
Esse instrumento avalia múltiplos domínios do bem-estar infantil: (1) Marcos do Desenvolvimento (MD), que avalia o desenvolvimento cognitivo, motor e de linguagem; (2) Preocupações dos pais com o comportamento, aprendizado ou desenvolvimento da criança; (3) Perguntas sobre a família, que avaliam o estresse no ambiente familiar; (4) A Lista de Sintomas do Bebê (Baby Pediatric Symptom Checklist – BPSC) e a Lista de Sintomas Pediátricos (Pediatric Symptom Checklist – PPSC), que avaliam sintomas comportamentais e emocionais em crianças menores de 18 meses e entre 18 e 65 meses, respectivamente; e (5) Observações dos pais sobre a interação social, que não foi utilizada neste estudo, pois se destina a crianças entre 18 e 34 meses.18
A variável dependente do estudo foi o risco de atraso no DI, classificado como presente ou ausente de acordo com o ponto de corte definido no SWYC-BR para cada faixa etária. As variáveis independentes foram categorizadas em dois grupos: relacionadas à criança (sexo, etnia, idade, peso ao nascer, tempo de amamentação, tempo de internação, condição sensível e alterações comportamentais) e ao cuidador/ambiente (sexo, etnia, idade, escolaridade, situação conjugal, número de filhos, religião, renda, insegurança alimentar, moradia, saneamento e prática parental de leitura). Considerou-se alteração de comportamento quando o BPSC ou o PPSC apresentaram pontuação ≥ 3 em uma de suas subescalas ou ≥9, respectivamente.18,19
As alterações de comportamento foram avaliadas como uma variável quantitativa, nominal, descrita em "sim" ou "não". As variáveis presentes no SWYC, relacionadas às preocupações dos pais com o comportamento, aprendizado ou desenvolvimento da criança, foram analisadas por meio da "Lista de Sintomas do Bebê" (Baby Pediatric Symptom Checklist-BPSC), dividida em três subescalas (inflexibilidade, irritabilidade e dificuldades com mudanças na rotina). Existe risco de alteração comportamental quando a soma dos pontos de uma subescala é ≥3. A "Lista de Sintomas Pediátricos" (Pediatric Symptom Checklist - PPSC) avalia comportamentos internalizantes, externalizantes, problemas de atenção e dificuldades com a rotina, com risco de alteração comportamental presente quando a soma dos pontos é ≥ 9.18,19
Os dados foram tabulados por dupla entrada utilizando o programa Epi Info™ versão 3.5.1, para validação do banco de dados, e posteriormente exportados para o SPSS versão 21.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) para análise estatística. As variáveis foram descritas em termos de frequência absoluta e relativa.
Para identificar as variáveis associadas ao risco de atraso no DI, foi realizada uma análise bivariada utilizando o teste do Qui-quadrado ou o teste Exato de Fisher. As variáveis com significância estatística menor ou igual a 20% (p<0,20) foram selecionadas para a análise multivariada, por meio da regressão de Poisson com estimador robusto e o método de eliminação backward, a fim de obter as estimativas da razão de prevalência ajustadas. A significância estatística foi determinada pelo teste de Wald, com intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (CAAE: 52665821.2.0000.9430, Parecer: 5.314.508).

Resultados
Participaram do estudo 90 crianças, com diagnóstico de CSAP e seus respectivos cuidadores. Entre as crianças, a maioria era do sexo masculino (53,3%), preta ou parda (70%), tinha até 36 meses de idade (86,7%) e apresentava peso adequado ao nascer (75,6%). As CSAP mais frequentes foram outras condições sensíveis, como anemia, asma, doenças imunopreveníveis (34,5%) e pneumonia (33,3%). O risco de atraso no desenvolvimento foi identificado em 22,2% das crianças, e 30% apresentavam alterações no comportamento (Tabela 1).

 



Todas as cuidadoras eram mães das crianças. A maioria delas se declarou preta ou parda (72,2%), tinha entre 25 e 44 anos de idade (56,7%) e havia completado 12 anos ou mais de escolaridade (80%). A maioria era casada ou vivia em união estável (77,8%). Em relação à renda, 63,4% das mulheres apresentavam uma renda familiar de um salário-mínimo e 52,2% não recebiam benefício social. A maioria vivia em áreas com coleta de lixo (90%) e com acesso a saneamento básico (80%) (Tabela 2).

 



A Tabela 3 apresenta os resultados da análise bivariada para as variáveis relacionadas à criança. Observou-se uma associação entre o risco de atraso no desenvolvimento infantil e o peso ao nascer <2.500g (RP= 2,53; IC95%= 1,21-5,30; p=0,036) e a presença de alterações comportamentais (RP=3,5; IC95%=1,62-7,59; p=0,001).

 


 




A Tabela 4 mostra os resultados da análise bivariada para as variáveis relacionadas ao cuidador. Houve associação entre o risco de atraso no desenvolvimento infantil e o fato de o cuidador ter três ou mais filhos (RP=2,11; IC95%=1,45-3,91; p=0,025); residir em local sem saneamento básico (RP=3,27; IC95%=1,60-6,68; p=0,030), morar com cinco ou mais pessoas (RP=3,62; IC95%=1,51-8,70; p=0,038), e receber algum benefício social do governo (RP=2,55; IC95%=1,07-6,04; p=0,024).
 



A Tabela 5 apresenta os resultados da análise bivariada, que foi realizada inicialmente para as variáveis relacionadas à criança. Foi identificada uma associação entre o risco de atraso no desenvolvimento infantil e o peso ao nascer <2.500g (RP=2,53; IC95%=1,21-5,30; p=0,036) e a presença de alterações no comportamento (RP=3,5; IC95%=1,62-7,59; p=0,001).
Para as variáveis relacionadas ao cuidador/ambiente, a análise revelou associações entre o risco de atraso no desenvolvimento infantil e fatores como residir em local sem saneamento básico (RP=3,27; IC95%=1,60-6,68; p=0,030), viver em moradia com cinco ou mais pessoas (RP=3,62; IC95%=1,51-8,70; p=0,038), ter três ou mais filhos (RP=2,11; IC95%=1,45-3,91; p=0,025) e receber benefício social (RP=2,55; IC95%=1,07-6,04; p=0,024).
As variáveis incluídas no modelo de regressão de Poisson foram: peso ao nascer, amamentação exclusiva, alterações no comportamento, situação conjugal, número de filhos, religião, zona de moradia, destino do lixo, saneamento básico, número de habitantes e recebimento de benefício social.
Após o ajuste do modelo, o risco de atraso no desenvolvimento infantil foi associado a fatores como o fato de o cuidador ter dois filhos (RP=1,18; IC95%=1,04-1,26; p=0,032), residir em ambiente sem saneamento básico (RP=1,19; IC95%=1,03-1,37; p=0,008), a criança ter peso ao nascer <2.500g (RP= 1,17; IC95%=1,02-1,33; p=0,026) e apresentar alterações comportamentais (RP=1,14; IC95%=1,02-1,30; p=0,037) (Tabela 5).
 






Discussão
Os fatores associados ao risco de atraso no desenvolvimento infantil, identificados por meio do instrumento de triagem SWYC-BR, em crianças hospitalizadas por condições sensíveis à atenção primária foram: baixo peso ao nascer, presença de alterações no comportamento, mães com dois filhos e residência em local sem saneamento básico.
Entre as principais condições sensíveis à atenção primária (CSAP) encontradas, destacam-se a pneumonia (33,3%) e a gastroenterite (14,4%), que estão em consonância com dados nacionais que evidenciam a vulnerabilidade de crianças menores de cinco anos a agravos como gastroenterites, pneumonias e asma.16
Embora não tenhamos coletado dados sobre atributos específicos da atenção primária, a frequência de crianças hospitalizadas por CSAP indica uma possível associação com a acessibilidade à saúde infantil, conforme observado em outro estudo realizado em Minas Gerais. Nesse estudo, foi evidenciada a relação entre esses eventos e um possível comprometimento da atenção à saúde infantil no âmbito da APS.20
O perfil das crianças do presente estudo mostrou um alto percentual de menores de três anos, negras ou pardas e com desmame precoce antes dos dois meses de vida. Os dados do nosso estudo indicam a influência de determinantes sociais que impactam questões ligadas à saúde, doença, cuidado e aos riscos associados à morbi-mortalidade e ao desenvolvimento infantil.
Observou-se, também, um elevado percentual de crianças com baixo peso ao nascer. Além do risco de atraso no desenvolvimento infantil, o baixo peso ao nascer está associado à prematuridade, à mortalidade no início da vida e a complicações ao longo da infância.21 Crianças nascidas com peso inferior a 2.500g apresentam maior risco de internação neonatal e podem apresentar piores resultados no desenvolvimento cognitivo e motor.22
Além disso, existe uma relação entre o aumento das internações de crianças com baixo peso ao nascer e a situação socioeconômica desfavorável de suas mães.21 A condição econômica dos cuidadores é um fator importante, uma vez que viver em locais sem saneamento básico está frequentemente associado a uma situação socioeconômica precária. Ambientes insalubres representam um risco adicional para o atraso no desenvolvimento cognitivo e motor.4
O ambiente em que a criança vive tem um impacto significativo em seu desenvolvimento integral. Crianças em contextos de pobreza estão mais expostas a efeitos negativos no desenvolvimento cerebral e cognitivo a longo prazo.23,24 Para o cuidador, essa condição econômica resulta no aumento do estresse parental e da insegurança alimentar.3
O estresse parental é amplificado pela pobreza25 e o sofrimento psíquico dos pais pode reduzir suas respostas adequadas às adversidades e à interação com as crianças, prejudicando o crescimento e o desenvolvimento infantil.26 A insegurança alimentar, gerada por fatores econômicos, contribui para a má alimentação na infância, com consequências para o crescimento, a capacidade cognitiva e o desempenho escolar e profissional.27 Torna-se fundamental investir em ações de apoio parental para cuidadores que enfrentam altos níveis de estresse, com o objetivo de estimular cuidados responsivos e melhorar a interação cuidador-criança, mesmo em cenários adversos.
Na análise multivariada, o risco para o atraso no desenvolvimento infantil foi positivamente associado a variáveis como: peso ao nascer <2.500g, ter dois filhos, viver em local sem saneamento básico e a presença de alterações no comportamento da criança. A associação entre o número de filhos e o risco de atraso no desenvolvimento foi observada em um estudo que identificou escores de desenvolvimento mais baixos em famílias com dois ou mais filhos menores de sete anos.9 Esse achado pode ser explicado pela divisão da atenção e do cuidado, que é mais dificultada quando a família tem mais de uma criança pequena.28
As alterações comportamentais associadas ao risco de atraso no desenvolvimento infantil incluem inflexibilidade, irritabilidade e dificuldades com mudanças de rotina, além de problemas de atenção e comportamentos internalizantes e externalizantes, especialmente em crianças hospitalizadas, que enfrentam vulnerabilidades emocionais intensificadas pelo ambiente hospitalar.29
Intervenções baseadas em práticas parentais positivas e cuidado responsivo podem trazer benefícios significativos, e profissionais de saúde têm papel fundamental na orientação dos cuidadores e na articulação entre o hospital e a atenção primária.30
O estudo apresenta limitações importantes, como o delineamento transversal, que impede estabelecer relações causais, o pequeno tamanho amostral e a ausência de grupo comparativo com crianças não internadas por CSAP. Apesar de não ter sido identificada uma associação direta entre hospitalizações por CSAP e atraso no desenvolvimento infantil, os resultados evidenciam a influência dos determinantes sociais de saúde no cuidado integral à criança. Esses achados reforçam a importância de políticas públicas que promovam o desenvolvimento infantil na primeira infância e fortaleçam a Rede de Atenção à Saúde, com foco na prevenção de hospitalizações evitáveis.

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Contribuição dos autores Carvalho JS: conceitualização, curadoria dos dados, coleta de dados, análise de dados, redação, revisão e edição do manuscrito; de Paula WKA, Coriolano-Marinus MWL: conceitualização, curadoria dos dados, coleta de dados, análise de dados, supervisão, redação, revisão e edição do manuscrito; Lima APE, Leal LP: análise de dados, redação, revisão e edição do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Disponibilidade de Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.


Recebido em 6 de Junho de 2024
Versão final apresentada em 24 de Março de 2025
Aprovado em 6 de Maio de 2025

Editor Associado: Karla Bomfim

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