RESUMO
OBJETIVOS: descrever o processo de desenvolvimento e validação do conteúdo de uma tecnologia educativo-assistencial para o autocuidado de homens trans grávidos no pré-natal.
MÉTODOS: trata-se de um estudo metodológico de abordagem quantitativa que englobou duas etapas principais, a saber: i) elaboração da tecnologia "Caderneta do Gestante"; e, ii) validação de conteúdo e aparência por um comitê de juízes experts. Na etapa de validação, aplicou-se a técnica Delphi a um grupo de sete juízes, os quais responderam a um questionário com o uso da escala Likert. Para avaliar a adequação do instrumento, utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) e o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC).
RESULTADOS: a tecnologia educativo-assistencial avaliada alcançou um CVC satisfatório (0,90) e um IVC com uma ótima concordância (0,94), e evidenciou uma concordância excelente entre os juízes experts quanto ao seu conteúdo e aparência.
CONCLUSÃO: a tecnologia educativo-assistencial validada traz as potencialidades na assistência pré-natal de gestantes trans no contexto da atenção integral à saúde.
Palavras-chave:
Pessoa transgênero, Gravidez, Atenção pré-natal, Práticas interdisciplinares, Tecnologia em saúde
ABSTRACT
OBJECTIVES: to describe the process of developing and validating the content of an educational-assistance technology for self-care for pregnant trans men during prenatal care.
METHODS: this is a methodological study with a quantitative approach that encompassed two main stages, namely: i) development of the "Pregnancy Handbook" technology; and, ii) validation of content and appearance by a committee of expert judges. In the validation stage, the Delphi technique was applied to a group of seven judges, who responded to a questionnaire using the Likert scale. To evaluate the suitability of the instrument, the Content Validity Index (CVI) and the Content Validity Coefficient (CVC) were used.
RESULTS: the educational-assistance technology evaluated achieved a satisfactory CVC (0.90) and a CVI with excellent agreement (0.94), and showed excellent agreement between the expert judges regarding its content and appearance.
CONCLUSION: the validated educational-assistance technology brings potential in prenatal care for trans pregnant women in the context of comprehensive health care.
Keywords:
Transgender person, Pregnancy, Prenatal care, Interdisciplinary placement, Health technology
IntroduçãoPessoas trans são indivíduos cujas identidades de gênero discordam daquelas designadas com base no seu sexo biológico, comumente antes ou ao nascimento.
1 O termo "pessoa trans" abrange um amplo espectro de identidades, incluindo homens e mulheres trans, travestis, pessoas não-binárias, agênero e de gênero neutro.
2,3No contexto da atenção à saúde, o debate em torno do processo gravídico-puerperal de homens trans ainda implica desafios ao se pensar na garantia do seu acesso aos serviços de saúde e o direito ao atendimento profissional qualificado.
4-6 Homens trans grávidos estão sujeitos a uma maior variedade de sentimentos negativos nessa etapa, em virtude das modificações corporais e o retorno de características sexuais secundárias tidas socialmente como femininas.
7A heterocisnormatividade tem sido uma categoria central para se pensar a saúde reprodutiva de homens trans, na medida em que concebe as relações sociais sob a ótica heterossexual dos corpos e a ideia da cisgeneridade ser suposta e presumida para todas as pessoas.
6-8 Tal perspectiva invisibiliza a gestação em homens trans e concebe uma assistência pré-natal na lógica cishétero.
9A atenção pré-natal compreende uma etapa essencial no suporte obstétrico e multiprofissional em saúde durante a gravidez, o parto e o puerpério.
10 Para homens trans gestantes, o pré-natal deve incluir as orientações específicas, como a via de parto e dissidência de gênero, a amamentação, a utilização de testosterona microdosada na gravidez conforme o caso, o retorno de características secundárias femininas, a impressão social e afins, entre outras particularidades.
6,8No contexto da saúde reprodutiva, as Tecnologias Educativo-Assistenciais (TEAs) favorecem a comunicação ampliada e informativa entre os profissionais e os gestantes, e contribuem nas práticas assistenciais e de educação em saúde sob o prisma da diversidade sexual e de gênero.
11,12No Brasil, embora se identifiquem as iniciativas na produção científica de TEAs sobre a gestação e a atenção pré-natal de homens trans,
13os materiais e os guias educacionais com as orientações obstétricas e os cuidados na gestação disponibilizados pelo Ministério da Saúde, a exemplo da Caderneta da Gestante
10e oManual Técnico,
14 não contemplam o acompanhamento de homens trans. A realização deste estudo se justifica pela importância de discutir e produzir os conhecimentos centrados na gestação de homens trans. Desse modo, traçou-se como o objetivo do estudo: descrever o processo de desenvolvimento e a validação do conteúdo de tecnologia educativo-assistencial para o autocuidado de homens trans grávidos no pré-natal.
MétodosTrata-se de um estudo metodológico de abordagem quantitativa realizado no período entre fevereiro e abril de 2023, por meio de duas etapas: a de elaboração e, posteriormente, a validação do conteúdo e aparência da tecnologia educacional denominada "Caderneta do Gestante", voltada
à atenção pré-natal e ao autocuidado de gestantes trans.
A pesquisa foi realizada no município de Mossoró, localizado na Região Oeste do estado do Rio Grande do Norte. Com uma população estimada em 264.577 habitantes, o município dispõe de uma ampla rede de serviços de saúde, incluindo Unidades Básicas de Saúde (UBS), policlínicas, maternidade e hospitais. Em 2023, a maternidade de referência realizou uma média de 1 640 partos. No que se refere à saúde da população LGBT+, o município conta com um ambulatório e um consultório de planejamento familiar, ambos localizados na maternidade, que prestam atendimento à diversidade sexual.
Adotou-se o modelo de referencial teórico-metodológico de Pasquali
15 na elaboração da tecnologia, que possui como foco os polos teórico e analítico. O polo analítico compreende o processo de teorização do constructo de interesse e a avaliação feita pelos juízes da tecnologia elaborada. Já o polo analítico engloba a etapa do tratamento estatístico para estimar a validade do conteúdo da tecnologia.
11,15A ideia de elaboração da tecnologia educativo-assistencial se deu a partir do protótipo da caderneta pensado na dissertação de mestrado "Cartografias da Produção de Cuidado em Saúde à População LGBTT+ no Município de Mossoró (RN)".
16A versão inicial da Caderneta baseou-se nos tópicos da sexta edição da Caderneta da Gestante
14 do Ministério da Saúde e na realização de uma oficina de colagem com os profissionais de um Hospital Maternidade e os usuários LGBT+ atendidos no serviço.
16 Esta oficina mostrou-se como uma estratégia original e precursora voltada ao cuidado pré-natal de homens trans grávidos.
A etapa de elaboração do conteúdo e aparência contemplou reformulações e complementos no texto da caderneta com adições discutidas em artigos científicos e protocolos internacionais sobre a temática central do estudo, selecionados a partir de revisão bibliográfica nas bases de dados: Sistema On
-line de Busca e Análise de Literatura M
édica (MEDLINE) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).
Na etapa de validação, foram selecionados sete profissionais de saúde de Mossoró/RN com experiência no atendimento a pessoas transexuais, utilizando amostragem por conveniência. Seguiram-se critérios como titulação mínima de especialista, atuação em pré-natal e experiência na área. A identificação dos participantes ocorreu por meio da secretaria municipal de saúde e instituições de ensino, resultando no envio de 12 convites, dos quais cinco não obtiveram resposta ou estavam indisponíveis. Assim, o comitê de juízes foi constituído por sete profissionais.
Encaminhou-se para os endereços eletrônicos dos participantes: o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); o instrumento de avaliação via
Google Forms e a versão inicial da caderneta. A etapa validação de conteúdo e aparência se deu no período de março a abril de 2023 e em uma única rodada, por meio de um instrumento adaptado.
11O instrumento contemplava três itens principais, a saber: 1) dados sociodemográficos e educacionais dos participantes; 2) questionário avaliativo da aparência da caderneta; 3) questionário avaliativo do conteúdo sobre os itens textuais incluídos na caderneta. Cada enunciado foi respondido por meio de escala
Likert onde cada item avaliado poderia receber pontuação de um a quatro (1- Inadequado: não atende ao que foi proposto; 2- Parcialmente adequado: não atende ao que foi proposto, mas com alterações pode se adequar; 3- Adequado: atende ao que foi proposto, mas pode ser melhorado; 4- Totalmente adequado: atende totalmente ao que foi proposto).
Os dados foram organizados em uma planilha eletrônica utilizando o
software Microsoft Office Excel, versão 2020 e, posteriormente, foram analisados por meio de estatística descritiva. Para determinar a concordância dos juízes em relação aos itens da Caderneta do Gestante,
10 foram aplicados o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) e o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC).
O IVC é utilizado para medir a proporção de juízes que concordam com o instrumento e os seus itens. O escore do índice é calculado a partir da concordância dos especialistas em relação aos itens marcados como "3 ou 4". O índice de concordância entre os juízes deve ser de pelo menos 0,78.
17,18 O CVC é um índice para avaliar a interpretação dos itens e escalas por um grupo de especialistas no construto que o instrumento mede.
17,18O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, registrado com o número CAAE 54407621.6.0000.5294 e aprovado em 29 de março de 202
2, sob o parecer nº 5.319.015.
ResultadosA caderneta do gestante trans foi desenhada com o fito de estampar uma paleta que remete às cores da bandeira representativa da população trans e incluiu as imagens/ilustrações de homens trans de diferentes perfis de cor, etnia, sexualidade e estado civil, em razão da importância de fortalecer a prerrogativa da diversidade e inclusão (Figura 1).
Em termos de estrutura, os espaços reservados para a identificação pessoal buscaram englobar a exposição do nome social em detrimento do nome civil, uma vez que há pessoas que ainda não realizaram o processo de retificação. Além disso, buscou-se destacar
os pronomes e as demais formas de identificação que os gestantes considerem adequadas. Incrementou-se a sessão "Conheça seus direitos" da caderneta, com vistas a adicionar outros direitos da pessoa trans usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) nesse espaço.
O processo de hormonização cruzada é adotado por vários pacientes trans. Logo, incluiu-se um tópico focado na utilização da testosterona exógena por homens trans gestantes. Nessa sessão, abordou-se o potencial teratogênico da terapia hormonal durante a gestação, assim como o momento mais adequado para a suspensão – no caso daqueles que já são adeptos da hormonização cruzada e decidem gestar –, e quando retomar a terapia após o parto.
Outra sessão da caderneta enfocou nos aspectos psicológicos da gestação, a fim de denotar as possíveis complicações mentais relacionadas a um fenômeno que tem origem no desconforto corporal sustentado pela visão da gestação como um processo exclusivo de mulheres cisgênero (Figura 2).
Sob a ótica de reconhecer a importância do acesso a narrativas de homens transexuais que já passaram pela mesma experiência e conseguiram superar os seus obstáculos, incluiu-se um tópico nos moldes de um portfólio, com as imagens de homens trans em várias etapas do ciclo gravídico-puerperal. A inclusão dos modelos de inspiração objetivou proporcionar um maior conforto ao indivíduo gestante. No entanto, o instrumento destaca que, em casos de intensa aflição emocional, recomenda-se a busca por assistência psicológica e médica adequada.
Outrossim, as bibliografias consultadas destacam os outros aspectos que contribuem para a dissidência de gênero, com o enfoque no papel que as mudanças físicas têm nesse processo. Adicionou-se um tópico centrado nas mudanças corporais características da gestação e os seus desafios. No mesmo tópico, abarcou-se as possíveis estratégias capazes de auxiliar o homem trans na maneira como ele quer ser visto pela sociedade, com o objetivo de lembrá-lo que o gestante não está limitado a apenas uma durante todo o processo gestaciona
l, e pode optar por mudar ou combinar a
s diferentes estratégias ao longo do tempo.
O processo de validação da caderneta foi realizado por um grupo de sete juízes, a maioria do sexo feminino (quatro), residentes no município de Mossoró (RN) (sete), com a graduação em Medicina (sete) e o tempo de formação e a experiência profissional de até 19 anos (seis). No que se refere à titulação, predominou a categoria de especialização (cinco), seguida de mestrado (um) e doutorado (um), está nas áreas de Medicina de Família e Comunidade (quatro), Ginecologia e Obstetrícia (dois) e Endocrinologia (um).
A partir das respostas dos juízes
experts, tornou-se possível o cálculo do IVC por meio do número de respostas três e quatro assinaladas pelos participantes da pesquisa. Obteve-se um IVC total de 0,94, o que indicou uma ótima concordância dos juízes em relação ao protótipo da Caderneta do Gestante. Entretanto, verificou-se que o item 09 (Inclusão do tópico "Como se vestir durante a gestação", que versa sobre as opções de roupas que se adequem à estratégia de comportamento na gestação optada pelo homem trans) teve um IVC de 0,57, que é inferior ao recomendado pela literatura (Tabela 1).
Contudo, não foram encontrados os estudos que comprovaram cientificamente a importância de se abordar as vestimentas utilizadas pelo gestante transgênero no acompanhamento pré-natal. Desse modo, justifica-se a exclusão do tópico referido pelo item 09 da caderneta final e a dispensabilidade de uma nova rodada, uma vez que todos os outros itens atingiram um IVC acima de 0,80.
Nas orientações de preenchimento do questionário,os juízes poderiam justificar o motivo de atribuírem notas "parcialmente adequado (2)" e/ou "inadequado (1)" aos itens, caso o fizessem. Além disso, também poderiam fazer as críticas e/ou as sugestões sobre a estrutura geral da caderneta no espaço dedicado a esse propósito, que estava ao final do questionário.
Mediante a avaliação crítica dos juízes em relação
à Caderneta do Gestante, foi elaborado um quadro síntese que detalhou os itens e as respectivas mudanças executadas para a adequação às sugestões. Em sua maioria, as retificações abordaram os aspectos concernentes ao
design, à estrutura e ao conteúdo do documento, com o objetivo de aprimorar a formulação da versão final da caderneta (Tabela 2).
O instrumento utilizado para validar a Caderneta do Gestante apresentou um CVC de 0,90, considerado satisfatório, e um IVC de 0,94, que evidenciou uma concordância excelente entre os juízes
experts quanto ao seu conteúdo e aparência.
DiscussãoA partir das contribuições dos profissionais durante a validação, chegou-se à versão final da Caderneta do Gestante contemplando
os aspectos fundamentais da atenção pré-natal do homem trans, que incluem: as informações sobre o direito da pessoa trans no SUS, os documentos que adotem a identidade social do gestante, as orientações sobre a hormonização cruzada na gestação/puerpério, assim como sobre os aspectos físicos e psicológicos específicos do homem trans gestante, e as informações sobre a amamentação por parte dos pais trans.
A produção e a divulgação de tecnologias educativo-assistenciais impressas do tipo caderneta traz as potencialidades no contexto da promoção da saúde, seja pelo fortalecimento da comunicação entre o serviço e o público-alvo; pelo estímulo ao autocuidado, ou com uma contribuição para a qualidade do atendimento clínico.
11,16 Nesse sentido, este estudo construiu e validou o conteúdo/aparência da Caderneta do Gestante, que foi considerada adequada pelos juízes especialistas quanto ao cumprimento do objetivo proposto.
Na seleção dos juízes envolvidos no processo de validação, almejou-se os profissionais de saúde que apresentassem uma maior
expertise prática e técnica no contexto do cuidado e da atenção pré-natal à pessoa trans, com vistas a aferir uma maior qualidade ao conteúdo da tecnologia.
15 No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda se identifica um número limitado de especialistas entre as diversas categorias e áreas de atuação com a experiência e/ou a qualificação no atendimento a esse grupo, em especial no cuidado pré-natal.
19Embora o perfil dos participantes tenha contemplado o mínimo de especialistas recomendado pela literatura e pertencessem a uma única categoria profissional (Medicina), todos apresentavam uma vasta experiência no atendimento em saúde junto ao público-alvo, além de formação e atuação em áreas estratégicas, a saber: a Medicina de Família e Comunidade, a Ginecologia e Obstetrícia e a Endocrinologia.
A etapa de adição e ajustes do conteúdo da tecnologia educativo-assistencial teve como base o protótipo inicialmente pensado
16 e a Caderneta da Gestante.
14 Considerou-se a estruturação de suas sessões e seus principais tópicos, por reconhecer a importância das orientações e recomendações levantadas pelos instrumentos. A análise de validade e confiabilidade demonstrou os resultados satisfatórios com o número de itens formulados a partir das diretrizes internacionais mais atualizadas sobre a temática, e apresentou os valores psicométricos aceitáveis.
18A exclusão do item nove do
checklist se deu mediante a leitura de estudos científicos que abordavam o impacto de diferentes tipos de roupas durante a gestação de homens trans.
20,21 Não se identificou as evidências científicas relevantes que apontassem uma relação entre o uso de roupas justas com a Restrição de Crescimento Intrauterino (RCIU); contudo, essa prática pode propiciar o desenvolvimento de vaginite e brotoejas nas regiões genitais e varicosidades.
Entende-se que a produção da caderneta aponta para o protagonismo de homens trans no fenômeno natural da reprodução humana que
é, frequentemente, o alvo de penalizações, represálias e microagressões.
22 A configuração social da gravidez como algo restrito às mulheres cisgênero estabelece os gatilhos psicológicos e emocionais para os homens trans grávidos ligados à alienação do corpo grávido e
às mudanças corporais perinatais.
5 Soma-se a isso, também, a interrupção temporária da terapia de hormonização cruzada, que pode induzir as oscilações do humor do gestante.
23Menciona-se ainda que a retomada da terapia hormonal após o parto com testosterona pode interferir no processo de amamentação, dada a existência de interferência na produção dos hormônios necessários para a lactação, como a prolactina e insulina.
24 Em razão das diversas configurações familiares existentes, pode-se considerar a possibilidade do gestante ter um relacionamento com uma mulher trans. É importante que as pessoas tenham o conhecimento sobre essa opção e discutam com a equipe multiprofissional a possibilidade de induzir a lactação na parceira trans.
7Outro aspecto abordado diz respeito
à via de escolha do parto em homens transexuais gestantes que não deve ser baseada em uma indicação formal, mas sim em uma análise individualizada, que leve em conta as percepções pessoais do gestante em relação ao próprio corpo e o seu conforto, além de outros aspectos clínicos.
25Embora inicialmente a caderneta tenha sido pensada para ser utilizada por trabalhadores da atenção primária, evidenciou-se a empregabilidade da tecnologia nos diversos cenários da atenção à saúde. O referido material apresenta um potencial promissor para subsidiar o processo de educação continuada dos profissionais de saúde no que tange a orientação de adequações necessárias para o acompanhamento pré-natal de homens trans.
19Como limitação do estudo, aponta-se a amostra mínima do grupo de juízes participantes da validação ser composto apenas de profissionais médicos, sem contemplar os outros profissionais de saúde, bem como o público-alvo da caderneta.
Conclui-se que a Caderneta do Gestante, na condição de tecnologia educativo-assistencial avaliada, constitui uma ferramenta inovadora e exequível na atenção pré-natal de homens trans grávidos, pois avança na prerrogativa da mudança do modelo assistencial, com vistas ao autocuidado e acolhimento em saúde desse grupo nos serviços de saúde. Ademais, identifica-se uma necessidade da retomada do estudo pela ótica de pessoas gestantes, que utilize a validação externa com os homens grávidos.
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Contribuição dos autores: Henrique MEC: concepção, análise e interpretação dos dados, redação. ClementinoFC: interpretação dos dados e redação. Avelino MML: concepção, análise e revisão da versão final. Cavalcante ES, NascimentoEGC: interpretação dos dados, redação e revisão da versão final. Pessoa Júnior JM
:concepção, análise e interpretação dos dados, redação e revisão da versão final. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Disponibilidade de Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Recebido em 29 de Maio de 2024
Versão final apresentada em 3 de Abril de 2025
Aprovado em 12 de Abril de 2025
Editor Associado: Leila Katz