RESUMO
OBJETIVOS: determinar a incidência de hemorragia peri-intraventricular (HPIV) e os fatores de risco em recém-nascidos com peso <1.500 g e/ou idade gestacional <33 semanas.
MÉTODOS: estudo do tipo Coorte prospectiva de recém-nascidos pré-termo admitidos em unidade de terapia intensiva neonatal tipo II do Sistema Único de Saúde no período de janeiro/19 a dezembro/2022. A variável dependente foi HPIV, com determinação de sua incidência e fatores de risco associados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS: participaram 503 neonatos e a incidência de HPIV foi 32,4%. Os fatores de risco identificados foram: clampeamento imediato do cordão umbilical (p=0,017; RR= 1,089; IC95%= 1,015-1,167), parto vaginal (p=0,001, RR= 1,110; IC95%= 1,041-1,183) e uso de surfactante (p<0,001; RR= 1,163; IC95%= 1,092-1,239).
CONCLUSÃO: a incidência de HPIV foi elevada e esteve associada a clampeamento imediato do cordão umbilical, parto vaginal e uso de surfactante, fatores de risco que podem ser modificados por boas práticas de assistência perinatal.
Palavras-chave:
Hemorragia cerebral intraventricular, Recém-nascido prematuro, Clampeamento imediato do cordão umbilical, Proteínas associadas a surfactantes pulmonares
ABSTRACT
OBJECTIVES: to determine the incidence of peri-intraventricular hemorrhage (PIVH) and the risk factors in newborns weighing <1,500 g and/or gestational age <33 weeks.
METHODS: a prospective cohort type study on premature newborns admitted to the type II neonatal intensive care unit at the Sistema Único de Saúde (SUS) (Public Health System) from January/2019 to December/2022. The dependent variable was PIVH, with determination of its incidence and associated risk factors. The project was approved by the Research Ethics Committee.
RESULTS: a total of 503 neonates participated and the incidence of PIVH was 32.4%. The risk factors were: immediate clamping of the umbilical cord (p=0.017; RR= 1.089; 95%CI=1.015-1.167), vaginal delivery (p=0.001, RR= 1.110; 95%CI= 1.041-1.183) and surfactant use (p<0.001; RR= 1.163; 95%CI= 1.092-1.239).
CONCLUSION: the incidence of PIVH was high and was associated with immediate clamping of the umbilical cord, vaginal delivery and surfactant use, risk factors that can be modified by good perinatal care practices.
Keywords:
Cerebral intraventricular hemorrhage, Infant premature, Umbilical cord clamping, Pulmonary surfactant-associated proteins
IntroduçãoO sistema nervoso central (SNC) possui uma região chamada de matriz germinativa, que é ricamente vascularizada, com grande quantidade de células neuronais e da glia. Os pequenos vasos sanguíneos da matriz germinativa formam uma rede vascular imatura. As flutuações do fluxo sanguíneo cerebral causadas por condições como anemia, hipoglicemia, asfixia e elevações abruptas da pressão arterial sistêmica deixam o SNC propenso a congestão e estase, aumentando a pressão venosa cerebral, causando hemorragia peri-intraventricular (HPIV). Essa condição ocorre geralmente em prematuros e é multifatorial: presença de vasos vulneráveis, alteração hemodinâmica, mediadores inflamatórios, predisposição genética, entre outros.
1A incidência de HPIV aumenta com a diminuição da idade gestacional (IG), sendo mais frequente em pacientes menores que 32 semanas e peso ao nascer menor que 1.500g. Estudos mostram que o clampeamento imediato nesses prematuros (< 30 segundos), o uso de surfactante e o parto vaginal aumentam o risco de HPIV.
2-5 Assim como a hipertensão gestacional e o uso de sulfato de magnésio pré-natal diminuem esse risco.
6,7A primeira classificação da HPIV foi escrita por Papile
8 em 1978, onde era dividida entre grau I, II, III e IV. A mais utilizada atualmente é a publicada por Volpe
9 em 1989, na qual houve uma alteração no que se refere ao grau IV. Os graus I e II são considerados quadros mais leves, e o grau III e a hemorragia ventricular com infarto hemorrágico associado (antigo grau IV) são mais graves, com maior risco de óbito e desfechos negativos no neurodesenvolvimento.
9Sobre a apresentação clínica, a maioria dos pacientes são assintomáticos. Por isso, para diagnóstico, é necessário realizar a ultrassonografia transfontanelar (USTF) precocemente, na primeira semana de vida. Em uma pesquisa sobre os casos de HPIV graves (grau III e IV),
10 no Brasil e no mundo, entre 2007 e 2013, a frequência de casos é semelhante. No Brasil cerca de 10% dos recém-nascidos prematuros (RNPT) possuem HPIV grau III e IV,
11 assim como na Espanha e Canadá. Em Israel, 12% dos casos de hemorragia foram classificados como de maior gravidade.
12 Em estudos mais recentes no Brasil, entre 2013 e 2018, os casos de gravidade da HPIV foram em torno de 32,2%.
13Devido a importância dessa morbidade e os desfechos neurológicos negativos associados à sua ocorrência,
14 o objetivo desse estudo foi determinar a incidência da HPIV em RNPT em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) tipo II do Sistema Único de Saúde (SUS) do Nordeste Brasileiro, além de identificar fatores de risco associados à sua ocorrência. A realização desta pesquisa permitirá ajudar no melhor rastreio de casos e reforçar os cuidados com a prevenção e o manejo adequado dessas crianças, para tentar evitar complicações e promover a melhor qualidade de vida, sem comprometer o neurodesenvolvimento.
MétodosEstudo do tipo Coorte prospectivo de recém-nascidos (RN) admitidos na UTIN de uma maternidade de alto risco da cidade de Natal – RN, no Nordeste Brasileiro, no período de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022. Possui 20 leitos, é classificada como tipo II e atende exclusivamente pacientes do SUS. Os pacientes foram acompanhados desde o momento do nascimento até o desfecho final (alta, transferência para outra unidade hospitalar ou óbito).
Os critérios de inclusão foram os RNPT com IG menor que 33 semanas e/ou com peso de nascimento abaixo de 1500g. O ponto de corte adotado na idade gestacional e peso de nascimento foi baseado na maior morbimortalidade verificada nesses grupos na instituição onde a pesquisa foi realizada.
Os critérios de exclusão foram: portadores de infecções congênitas (STORCH: sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes, além de arboviroses, HIV e infecção por Sars-Cov 2), malformações congênitas maiores e/ou cromossomopatias, síndromes genéticas, erros inatos do metabolismo, não realização de USTF durante internamento e provenientes de outros serviços com mais de 24 horas de vida. As malformações congênitas maiores são aquelas que tem implicações médicas e/ou sociais e geralmente precisam de tratamentos cirúrgicos ou apresentam risco de morte aumentado devido à gravidade e complexidade da malformação.
15A variável dependente foi HPIV segundo classificação de Volpe
9 em 1989, conforme a Tabela 1.
O diagnóstico foi feito por meio de USTF realizada com o equipamento de ultrassonografia Philips Affiniti 50, com transdutor Linear L12-4 (4 - 12 MHz). Os exames foram realizados no leito do paciente na UTIN por dois médicos, ultrassonografistas da instituição com formação específica para realização de tal exame e larga experiência na área, sendo a primeira USTF realizada na primeira semana de vida e as seguintes com intervalo definido de acordo com o resultado da primeira, ou diante da suspeita clínica de sangramento intracraniano.
As variáveis independentes maternas analisadas foram: idade materna; realização de pré-natal e número de consultas realizadas; tipo de gravidez (única ou múltipla); presença de síndromes hipertensivas e diabetes na gestação; uso de corticoide antenatal, com número de doses administradas; uso de sulfato de magnésio para neuroproteção.
As variáveis neonatais analisadas foram: via de parto (cesária ou vaginal); tempo de bolsa rota; tempo de clampeamento do cordão umbilical, sendo considerado imediato quando realizado em < 30 segundos, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria;
16 sexo do RN; IG e peso ao nascimento; classificação do peso em relação a IG através das curvas do Projeto
Intergrowth-21st.
17 Os participantes foram classificados como pequenos para IG quando peso menor que percentil 10 para IG; reanimação neonatal e Apgar no 1º e 5º minuto de vida; temperatura axilar na primeira hora de vida; uso de surfactante intra-traqueal por desconforto respiratório logo após o nascimento e fração inspirada de oxigênio maior que 30%; análise da ocorrência de infecções, segundo critérios definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sendo consideradas precoces quando se manifestam nas primeiras 48 horas de vida e tardias quando ocorrem após esse período;
18 hemorragia pulmonar (HP): presença de sangue no tubo orotraqueal associado a necessidade de aumento de parâmetros ventilatórios e/ou suporte hemodinâmico;
19 persistência do canal arterial: canal arterial patente com fluxo ao ecocardiograma após 72h de vida, diagnóstico realizado por cardiologistas pediátricos da instituição com aparelho de Ecocardiograma Vivid I da GE (todos os RNs com sintomas como presença de sopro cardíaco, hemorragia pulmonar, taquicardia, pulsos amplos, sinais de insuficiência cardíaca congestiva, hipotensão e necessidade de uso de drogas vasoativas foram avaliados para pesquisa dessa morbidade); uso de drogas vasoativas na primeira semana de vida.
A análise descritiva foi realizada pela média, desvio-padrão (Média ± DP), frequências absolutas e relativas. Foi realizada estimativa pontual com intervalos de confiança a 95% para cálculo da incidência de HPIV. O teste
t de
Student para amostras independentes foi aplicado para as variáveis contínuas com distribuição normal. A homogeneidade das variâncias foi verificada por meio do teste de Levene. Na presença de heterogeneidade de variâncias, o teste
t de Welch foi aplicado. O teste qui-quadrado foi utilizado para analisar a associação entre as variáveis categóricas.
Para os resultados que apresentaram significância no teste t, o tamanho de efeito
d de Cohen foi calculado pela divisão entre a diferença média e o desvio-padrão da diferença. Os valores foram avaliados conforme escala de Cohen: até 0,19 = irrisório; entre 0,20 e 0,39=pequeno; entre 0,40 e 0,79=moderado e ≥0,80=grande. O tamanho do efeito para associações significativas foi avaliado pelo cálculo dos Riscos Relativos (RR) e respectivos Intervalos de Confiança a 95% (IC95%) utilizando a regressão de Poisson robusta. Na análise multivariada, o modelo de Regressão Poisson Robusta também foi utilizado. O modelo inicial foi ajustado para as variáveis independentes que apresentaram nível de significância ≤0,20 na análise bivariada.
Em uma segunda etapa do ajuste, foram selecionadas variáveis com valor de
p<0,10. Para o modelo final, foram verificados pressupostos de equidispersão e a qualidade do ajuste foi avaliada pelo teste qui-quadrado de Wald, análise de Deviance e pela curva ROC. As variáveis selecionadas foram aquelas que apresentaram associações significativas (
p<0,05). O nível de significância de 5% foi adotado para todas as análises. O software utilizado para as análises foi o
SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, Chicago, EUA), versão 28.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital, com CAAE: 11177019.7.0000.5292, e pela Gerência de Ensino e Pesquisa.
ResultadosNo período estudado foram admitidos 647 RN com IG menor que 33 semanas e/ou peso de nascimento menor que 1500g. Foram excluídos: 21 porque foram admitidos no serviço com mais de 24 horas de vida; 12 devido ao diagnóstico de síndromes genéticas (trissomias 13, 18 e 21, síndrome Cri Du Chat e Jarcho Levin); 27 com diagnóstico de malformações congênitas graves
; seis com infecções congênitas do tipo STORCH; um com doença de depósito lisossômica e três responsáveis se recusaram a participar. Um total de 74 bebês não realizaram USTF e não puderam ser incluídos na pesquisa. Portanto, a amostra final foi constituída de 503 participantes.
A incidência de HPIV encontrada foi de 32,4%, correspondendo a 163 pacientes (IC95%= 28,3%-36,5%). A hemorragia foi classificada como grau leve (I ou II) e grave (III ou HPIV com enfarte venoso associado) em 74,2% (121) e 25,8% (42), respectivamente. As médias de IG e peso ao nascimento foram, respectivamente: 29,5 semanas ±2,5 e 1251 gramas ±385. O tempo médio de acompanhamento dos pacientes até o desfecho final foi 56,05 ± 32,27 dias (Tabela 2).
Comparando o grupo dos RN com e sem hemorragia, verificou-se que as mães que tiveram diagnóstico de síndromes hipertensivas na gravidez, e receberam duas doses de corticoide antenatal e sulfato de magnésio para neuroproteção apresentaram menor incidência de HPIV. A quantidade de consultas pré-natal foi inferior para o grupo de pacientes que tiveram o diagnóstico de HPIV (4,4 ± 2,1) em relação ao grupo de neonatos sem o diagnóstico de HPIV (4,9 ± 2,4), diferença estatisticamente significativa (Tabela 3).
A HPIV também esteve associada ao parto por via vaginal, tempo de clampeamento imediato do cordão umbilical, reanimação neonatal, Apgar menor que 7 no primeiro e quinto minuto de vida, uso de ventilação mecânica, uso de surfactante e drogas vasoativas na primeira semana de vida, hemorragia pulmonar e Persistência do Canal Arterial (PCA). Por outro lado, o uso de CPAP nasal (
Continuous Positive Airway Pressure – pressão positiva contínua nas vias aéreas) na sala de parto mostrou-se como fator de proteção para a ocorrência dessa morbidade. A IG ao nascer foi inferior para o grupo de pacientes que tiveram o diagnóstico de HPIV (28,8 ± 2,8) em relação ao grupo de neonatos sem este diagnóstico (29,9 ± 2,4),
p<0,01. O peso ao nascer também foi inferior para o grupo de pacientes que tiveram o diagnóstico de HPIV (1.194 ± 408) em relação ao grupo de neonatos sem o diagnóstico (1.279 ± 371), uma diferença estatisticamente significativa,
p=0,020 (Tabela 4).
O modelo de regressão multivariado não foi estatisticamente significante pelo teste Omnibus (
p=0,089), entretanto pela análise da Deviance e Curva ROC, o modelo apresentou um ajuste aceitável (Deviance/Graus de liberdade = 0,145; Área sob a curva = 67,2%). Os resultados indicaram um aumento no risco de ocorrência de HPIV em neonatos com tempo de clampeamento do cordão umbilical < 30 segundos (RR = 1,09; IC95%= 1,02–1,17), que utilizaram surfactante (RR = 1,16; IC95%= 1,09–1,24) e que nasceram por parto vaginal (RR = 1,11; IC95%= 1,04–1,18), todos com
p<0,05 (Tabela 5).
DiscussãoNo presente estudo, a incidência de HPIV em prematuros foi elevada, em comparação à média nacional. No entanto, a frequência de hemorragias mais graves foi menor e a morbidade foi mais comum em pacientes com menor idade gestacional e peso ao nascer.
Um estudo nacional que utilizou dados da Rede Brasileira de Pesquisa Neonatal, realizado entre 2013 e 2018
13 mostrou que 30,4% dos pacientes apresentaram HPIV, variando de leve a grave. A forma grave foi diagnosticada em 32,2%, uma incidência alta e com tendência crescente ao longo dos anos em uma população com idade gestacional média de 29 semanas e peso médio de 1.085 gramas. A ocorrência do sangramento também foi maior nos pacientes com menores idades gestacionais e peso de nascimento (28 semanas e 815 gramas).
Os fatores de risco que permaneceram associados a HPIV na análise multivariada foram: clampeamento imediato do cordão umbilical (< 30 segundos), o uso de surfactante e a via de parto vaginal, comparada a cesárea.
Na literatura vimos que o clampeamento oportuno do cordão umbilical (>30 segundos em RN prematuros abaixo de 34 semanas de idade gestacional, segundo recomendações do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria)
16 traz benefícios para o paciente, pois aumenta a transferência de sangue do cordão para o RN, aumentando os níveis de hematócrito e evitando anemia precoce. Além disso, o clampeamento imediato diminui o volume intravascular, favorecendo a hipoperfusão cerebral.
2 Por isso, é recomendado que, nos prematuros abaixo de 34 semanas, o clampeamento seja realizado entre 30 segundos e um minuto de vida. Porém, para que isso ocorra, é necessário que o RN esteja com boa vitalidade ao nascimento, caracterizada pela presença de respiração regular e bom tônus muscular, o que às vezes não ocorre em prematuros abaixo de 34 semanas, principalmente aqueles que não receberam corticóide pré-natal.
20,21 Na instituição estudada, os pediatras da sala de parto são capacitados com os cursos de reanimação neonatal periodicamente, apontando para que a assistência aos recém-nascidos esteja sendo adequada. No entanto, muitos recém-nascidos prematuros não nascem com boa vitalidade e nessas situações há necessidade do clampeamento imediato do cordão umbilical segundo diretrizes nacionais.
16Muitos prematuros extremos apresentam síndrome do desconforto respiratório (SDR), e o principal tratamento preconizado é o uso de surfactante para recrutar os alvéolos pulmonares, associado ao suporte ventilatório (invasivo ou não). Porém, apesar dos seus benefícios, um dos efeitos colaterais é a hemorragia, como HPIV e hemorragia pulmonar.
3 Muitos dos RNPT <33 semanas da unidade estudada receberam pelo menos uma dose de surfactante. É importante destacar que, na instituição onde foi realizada a pesquisa, o surfactante é administrado prioritariamente através de intubação orotraqueal (técnica
InSurE-Intubate Surfactant Extubate), não sendo realizadas de rotina as técnicas minimamente invasivas, como a técnica MIST (
Minimally Invasive Surfactant Therapy). Com a técnica InSurE, o paciente é intubado para a administração da medicação, e após deve ser extubado, porém o risco de manter o paciente intubado é maior, trazendo malefícios devido ao tempo de ventilação invasiva.
22Estudos recentes mostram que o uso de técnica menos invasiva para administração de surfactante, como a MIST por exemplo, reduz a necessidade do uso de ventilação invasiva, diminui o tempo de internação hospitalar, e têm menor probabilidade de desenvolver broncodisplasia pulmonar e HPIV grave. A técnica MIST consiste em utilizar um cateter endotraqueal fino, introduzido na traquéia sob visualização direta através do laringoscópio. Esse cateter é retirado em seguida após administração da medicação. Durante todo o procedimento, o paciente fica com a pronga nasal com pressão positiva na ventilação não invasiva e mantendo respiração espontânea.
22Foi evidenciado também que a via de parto contribui para a ocorrência de HPIV. Há resultados controversos na literatura científica, alguns autores também encontraram o mesmo resultado com aumento do risco de HPIV em RNPT nascidos de parto vaginal, porém sem associação com quadros mais graves de hemorragia. O parto vaginal favorece o rompimento dos vasos do RN, e em um parto por cesárea eletiva esse risco seria menor. No entanto, a indicação da melhor via de parto deve sempre considerar o risco de complicações maternas, além dos riscos para o feto.
4,5,23Protocolos de manuseio mínimo ou essencial, principalmente nas primeiras 72 horas de vida, vem sendo indicados como estratégia neuroprotetora e para diminuir o risco de ocorrência de HPIV.
24,25 Esses protocolos, chamados de
bundles, em geral incluem: manter decúbito dorsal e cabeça em posição neutra, evitar procedimentos dolorosos e estressantes, aspiração da cânula traqueal somente se excesso de secreção/obstrução, cateterismo arterial, além do venoso, naqueles com peso ao nascer <1.000g (para administração de medicamentos e para evitar repetidas punções para coleta de exames), não coletar liquor, manipulação essencial e agrupamento de cuidados.
Bundles são um conjunto de boas práticas, como as listadas acima, e são utilizados nos cuidados com o RN. É uma solução de baixo custo que contribui para a melhoria na qualidade da assistência.
26 Os estudos mostraram que o uso dessas medidas de cuidados foi eficaz na redução dos casos de HPIV, mas que ainda é necessário haver educação continuada da equipe que cuida do RN, enfatizando a importância desses cuidados e que se tratam de ações simples que podem ser adotadas e mantidas.
Para o manejo de crianças com diagnóstico de HPIV é recomendado: manter uma perfusão arterial média adequada; oxigenação e ventilação conforme o quadro; suporte hídrico, metabólico e nutricional adequado; tratar as convulsões em tempo hábil para evitar hipóxia ou hipotensão; vigilância contínua com USTF para detecção precoce de dilatação ventricular pós-hemorrágica para avaliar a necessidade de derivação ventricular.
27A HPIV grave é considerada danosa para o desenvolvimento neurológico da criança, podendo retardar o alcance dos marcos de desenvolvimento, e comprometer a fala, audição e visão, entre outros. Por esse motivo, o seguimento com a equipe multidisciplinar após alta hospitalar é muito importante.
28Avaliando os resultados deste estudo longitudinal podemos contribuir para mudanças no cuidado com os pacientes prematuros, a fim de fornecer assistência de melhor qualidade, reduzindo os fatores de riscos pré-natal, ampliando o uso de corticoide por exemplo, e controle dos fatores de risco pós-natal como o uso de suporte ventilatório com estratégias protetoras, a administração de surfactante de forma menos invasiva e com controle de stress e dor e o clampeamento oportuno do cordão umbilical.
29Sobre as limitações, o estudo foi unicêntrico, porém com tamanho amostral grande e construído de forma prospectiva. Algumas abordagens não puderam ser bem analisadas, como o uso de droga vasoativa por exemplo, que na literatura e na nossa análise estatística está associado ao aumento do risco de HPIV,
30 porém as indicações de seu uso não foram bem documentadas, comprometendo a avaliação dos dados para intervenções futuras, com a finalidade de melhorar os cuidados.
Como conclusão, destacamos que a incidência de HPIV encontrada foi elevada. Os fatores de risco identificados para sua ocorrência são semelhantes aos descritos na literatura e podem ser minimizados através de
bundles de cuidados ao prematuro incluindo clampeamento oportuno do cordão umbilical, prevenção de hipotermia, aplicação de boas práticas no parto vaginal ou indicação de parto cesária em casos de prematuridade extrema, considerando os riscos maternos associados e protocolo de indicação e administração de surfactante traqueal, de preferência através de técnicas minimamente invasivas e com manejo adequado do stress e dor durante o procedimento.
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Agradecimentos: Agradecemos especialmente aos pais dos recém-nascidos por assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, permitindo realizar o estudo.
Contribuição dos autores: Sousa DAS e Barreto ACNG: concepção e delineamento do estudo, coleta dos dados, preenchimento das planilhas, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Ferreira PLM: análise estatística dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Camargo JDAS: delineamento da metodologia da pesquisa, na análise estatística dos dados, na análise e interpretação dos resultados, na redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Silveira SLA: delineamento da pesquisa, na redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.
Recebido em 13 de Maio de 2024
Versão final apresentada em 29 de Novembro de 2024
Aprovado em 3 de Dezembro de 2024
Editor Associado: Lygia Vanderlei