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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Distribuição geográfica dos serviços de saúde da linha de cuidado do câncer de mama em Pernambuco, Nordeste do Brasil

Geographic distribution of health services in the breast cancer care pathways in Pernambuco, Northeast of Brazil

Rosalva Raimundo da Silva 1; Iris Edná Pereira da Silva 2; Geyssyka Morganna Soares Guilhermino 3; Wisley Donizetti Velasco 4; Isabel Cristina Areia Lopes Pereira 5; Tereza Maciel Lyra 6

DOI: 10.1590/1806-9304202400000092 e202400092

RESUMO

OBJETIVOS: analisar a distribuição geográfica dos serviços de saúde da linha de cuidado do câncer de mama em Pernambuco, Nordeste do Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo transversal com análise da distribuição geográfica dos serviços da linha de cuidado do câncer de mama, que utilizou o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, Plano Estadual de Oncologia e Sistemas de Informações Ambulatoriais e Hospitalares, no ano de 2022. As ferramentas empregadas na análise foram o Excel 2021, o TabWin DataSUS e o Geoclip versão Dubded.
RESULTADOS: a distribuição geográfica e os fluxos assistenciais revelaram disparidades regionais, especialmente nas Macrorregiões II, III e IV. A Macrorregião I é a mais equipada, concentrando a maioria dos mamógrafos (64,4%), além de possuir a maioria dos equipamentos de ultrassonografia (64,5%) e serviços de tratamento de câncer (65,1%). Observou-se a ausência de serviços para biópsia de mama no SUS no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Das sete unidades indicadas no plano de oncologia, três não realizaram biópsias nos últimos cinco anos, e duas iniciaram em 2022.
CONCLUSÃO: os resultados evidenciaram a necessidade de (re)organizar a rede de atenção ao câncer de mama e a distribuição dos serviços de saúde, considerando necessidades locais, através da implementação da linha de cuidado com fluxos adequados, proporcionando atendimento oportuno e equitativo.

Palavras-chave: Oncologia, Câncer de mama, Acesso aos serviços de saúde, Equidade, Integralidade

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the geographic distribution of breast cancer care services in Pernambuco, northeastern Brazil.
METHODS: a descriptive cross-sectional study analyzing the geographic distribution of breast cancer care services, which used the National Registry of Health Facilities, State Oncology Plan, and Outpatient and Hospital Information Systems, in 2022. The tools used in the analysis were Excel 2021, TabWinDataSUS, and Geo-clip Dubbed version.
RESULTS: the geographic distribution and care flows revealed regional disparities, especially in macro-regions II, III, and IV. Macro-region I is the best equipped, concentrating the majority of mammograms (64.4%), in addition to having the majority of ultrasound equipment (64.5%) and cancer treatment services (65.1%). The absence of breast biopsy services in the SUS was observed in the National Registry of Health Facilities. Of the seven units indicated in the oncology plan, three did not perform biopsies in the last five years, and two started in 2022.
CONCLUSION: the results highlighted the need for (re)organization of the breast cancer care network and the distribution of health services, considering local needs, through the implementation of the care line with adequate flows, providing timely and equitable care.

Keywords: Oncology, Breast neoplasms, Access to health services, Equity, Integrality

Introdução

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres, representando um importante problema de saúde pública devido à sua alta incidência e mortalidade. No Brasil, é o tumor mais incidente, responsável por 15% dos novos casos de câncer.1,2 Em 2022, houve 19.103 óbitos de mulheres pela doença no país, sendo a região Nordeste a segunda em número de mortes, com 4.195 casos, dos quais 832 ocorreram em Pernambuco.3 A alta mortalidade está associada, principalmente, ao diagnóstico tardio.2,4

Dada a magnitude do câncer de mama, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve estruturar a Rede de Atenção à Saúde (RAS) para garantir a promoção, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado. A promoção da saúde inclui campanhas de conscientização, enquanto a prevenção exige acesso ao rastreamento mamográfico regular e ao diagnóstico rápido.4,5,6

No SUS, o tratamento do câncer é realizado por hospitais especializados: as Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), que tratam os cânceres mais comuns; e os Centros de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon), que atendem todos os tipos de câncer. Além disso, há serviços isolados de radioterapia. Em Pernambuco, existem serviços de referência em oncologia em todas as macrorregiões de saúde.4,7,8,9,10

O acesso oportuno aos serviços de saúde desempenha um papel crucial no prognóstico e na sobrevida das usuárias, e nos custos para o SUS.4,6,7,8,9,10 As linhas de cuidado surgem como instrumentos estratégicos de gestão, visando superar a fragmentação entre os diferentes níveis de atenção à saúde, integrando a atenção primária, secundária e terciária da Rede de Atenção à Saúde (RAS).

A incorporação do princípio da integralidade é essencial para a efetivação da linha de cuidado destinada ao câncer de mama no âmbito do SUS. Nesse contexto, é imprescindível estabelecer uma oferta regionalizada de serviços, que contemple desde o rastreamento até o tratamento, com o intuito de assegurar uma abordagem abrangente e eficaz para as usuárias impactadas por essa condição.11

A integralidade abrange diversas concepções e dimensões, envolvendo ações e atitudes que ampliam a visão para as necessidades individuais. O estudo focou na dimensão da integração, organização dos serviços de saúde e regionalização das unidades para formar um sistema de saúde.12

O processo de regionalização conta com um importante recurso que é o mapa da saúde, este, permite, o mapeamento e uma análise geográfica da distribuição serviços de saúde oferecidos tanto pelo SUS quanto pela iniciativa privada.13 As desigualdades de acesso, infraestrutura e capacidade operacional dos serviços de saúde, carência de profissionais especializados, barreiras geográficas, e falta de integração entre os diferentes níveis de atenção à saúde dentro da macrorregião, são desafios postos ao SUS.

A identificação das redes constitui uma ferramenta essencial no planejamento e aprimoramento da distribuição dos serviços de saúde, pois o acesso geográfico influencia diretamente os desfechos do tratamento. Ao estruturar a rede de serviços, é essencial considerar tanto o acesso quanto a acessibilidade.14 A acessibilidade geográfica, definida neste estudo como a distância física entre o local de prestação do serviço e a residência do usuário, é um componente crucial do acesso.14,15

A análise da distribuição geográfica dos serviços de saúde e dos fluxos assistenciais pode revelar disparidades regionais. Essas informações subsidiam o planejamento estratégico para o cuidado à mulher com câncer de mama, promovendo respostas mais eficientes e equitativas nas Macrorregiões de Saúde. O estudo teve como objetivo descrever a distribuição geográfica dos serviços de saúde da linha de cuidado do câncer de mama em Pernambuco, Nordeste do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo transversal, que utilizou dados secundários disponíveis no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), no Plano Estadual de Oncologia de Pernambuco16 e nos Sistemas de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) e os Sistemas de Informações Hospitalares (SIH/SUS), no mês de setembro de 2022.

As variáveis analisadas incluem o número de equipamentos de mamografia, ultrassonografia, serviços que realizam biópsias de mama, e tratamento do câncer de mama, além do número de procedimentos realizados em 2022, para identificação dos fluxos assistenciais.

O estudo foi realizado no estado de Pernambuco, uma das 27 unidades federativas do Brasil, composto por 184 municípios e uma área adicional (Ilha de Fernando de Noronha), tendo Recife como sua capital. É o sétimo estado mais populoso do país, com cerca de 9.058.931 habitantes, representando aproximadamente 4,6% da população nacional, com densidade demográfica de 89,5 hab./km2. No campo da saúde, Pernambuco está dividido em quatro Macrorregiões e 12 regiões de saúde: Metropolitana (com regiões I, II, III e XII), Agreste (IV e V), Sertão (VI, X e XI) e Vale do São Francisco e Araripe (VII, VIII e IX).16

O estudo utilizou dados dos serviços utilizados para rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Para fins de rastreabilidade do câncer de mama, utilizou-se a distribuição dos mamógrafos de comando simples (analógicos), de mamógrafos computadorizados (digitais), e mamógrafos com estereotaxia. E equipamento de “ultrassonografia convencional” e “ultrassonografia com doppler”.

Para o diagnóstico, não foi possível localizar no CNES os serviços que realizam biópsias para câncer de mama, as Unidades de Pronto Atendimentos Especializado (UPAE) foram identificadas pela produção ambulatorial dos últimos cinco anos, que estavam como referências para o procedimento no Plano Estadual de Oncologia.16

No tratamento foi utilizada a variável “Estabelecimentos que possuem serviço de oncologia”, caracterizando-os em “SUS”, “SUS e Particular” e “Particular”. Como atendimento particular, entende-se o atendimento financiado de forma privada (desembolso direto ao prestador, pelo usuário) e por meio de Planos de Saúde.

Para identificar a estrutura organizacional do mapa de saúde de cada região, para o câncer de mama, os dados foram sistematizados por região e Macrorregião de Saúde, considerando o Plano Diretor de Regionalização do Estado de Pernambuco17, observando a distribuição geográfica e oferta dos equipamentos e serviços prioritários nesta linha de cuidado, levando em consideração o número absoluto de equipamentos no estado, que estavam “em uso” e “em uso no SUS”.

Com as informações extraídas do CNES e Plano Estadual de Oncologia, referentes ao número de mamógrafos, equipamentos de ultrassonografia, serviços de biópsias para câncer de mama e serviços que realizam tratamento de câncer de mama foi criado um banco de dados com auxílio do Software Excel 2021, incluindo as informações coletadas dos 185 municípios pernambucanos, em seguida, foram agrupados por suas respectivas regiões de saúde e macrorregiões de saúde. O processo de análise foi feito através do software Excel, onde os dados foram expressos em quadros considerando estatística descritiva e variáveis descritas em frequências absoluta e relativa. Os dados foram sistematizados por macrorregião de saúde.

Para a representação visual dos fluxos assistenciais, as informações foram extraídas do SIA/SUS e SIH/SUS utilizou-se a plataforma TabWin do DataSUS do Ministério da Saúde, considerando exames mamográficos, ultrassonografia de mama, biópsias e tratamento do câncer de mama realizados no ano de 2022. O TabWin foi escolhido devido à sua capacidade de identificar fluxos dominantes, i.e., representando aqueles com a maior frequência de eventos registrados. Essa abordagem foi adotada para evitar a poluição visual nos mapas, garantindo que apenas os fluxos mais relevantes fossem destacados.

Os resultados foram visualizados por meio de duas ferramentas de criação de mapas: o TabWin, que possui funcionalidades de geoprocessamento desenvolvido pelo DataSUS, e o Software Geoclip versão dubded, uma ferramenta interativa de representação de informações geográficas. Para os mapas com a disponibilidade de equipamentos, estes foram representados por meio de símbolos proporcionais sobrepostos no polígono do município que os abrigava, i.e., que os tinha instalados. O seu diâmetro representou a quantidade de unidades disponíveis para determinado tipo de equipamento, bem como seu status: se vinculados ao SUS ou não.

A produção ambulatorial e hospitalar foi utilizada para criar mapas de fluxo assistencial identificando a origem das usuárias e o local dos exames/procedimentos, indicando se as usuárias estão utilizando serviços em suas próprias macrorregiões.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisas do Instituto de Pesquisas Aggeu Magalhães, Certificado de Apresentação de Apreciação ética 67124722.2.0000.5190.

Resultados

Em setembro de 2022, Pernambuco possuía um total de 205 mamógrafos em operação, sendo que 59% destes estavam em uso no SUS (próprios e contratualizados). Quanto à tipologia e quantidade de mamógrafos em funcionamento no estado, observa-se que 66,3% são de comando simples, 20,5% são computadorizados e 13,2% são com estereotaxia, conforme apresentado na Tabela 1.
 


Os resultados da Tabela 1 revelam que a Macrorregião I detém a maioria dos mamógrafos do estado (64,4%), sendo que 53% estão em uso no SUS. A região I também concentra a maioria dos mamógrafos com estereotaxia (74,1%), com destaque para o Recife, que possui 44,4% dos mamógrafos com essa tecnologia em uso no estado. As macrorregiões II, III e IV contribuem com 35,6% dos mamógrafos em uso, sendo que as duas últimas têm menor quantidade e variedade de equipamentos.

No que diz respeito à ultrassonografia, dos 1.280 equipamentos em uso no estado, 47,5% são do tipo com doppler. Também nesse quesito, a Macrorregião I concentra os equipamentos, com 64,5% do total, dos quais 71,2% possuem doppler. Seguem-se as macrorregiões II, III e IV, com 35,5% dos equipamentos. Chama atenção a escassez nas macrorregiões III e IV, conforme indicado na Tabela 1.

Analisando a distribuição por municípios, 77,3% não possuem mamógrafos em uso no SUS, enquanto apenas 2,2% têm mais de quatro equipamentos. No caso da ultrassonografia, 18,9% dos municípios não têm nenhum equipamento, e a maioria não dispõe de equipamentos com doppler (76,8%) ou convencionais (23,2%), conforme a Tabela 2 e a Figura 1, na qual observamos a distribuição espacial dos mamógrafos e equipamentos de ultrassonografia em uso no SUS, segundo a região de saúde, Macrorregião e fluxos assistenciais.
 

 



O Plano Estadual de Oncologia traz sete UPAE, na média complexidade, para o diagnóstico do câncer de mama. Na Macrorregião I, UPAE Limoeiro, Grande Recife e Goiana; na Macrorregião II, UPAE Caruaru e Garanhuns; na Macrorregião III, a UPAE Arcoverde; e na Macrorregião IV, a UPAE Petrolina.

Não foram encontrados registros de biópsias nas UPAEs de Limoeiro, Grande Recife e Goiana nos últimos cinco anos. A UPAE Caruaru não realizou biópsias em 2019, fez 16 em 2020, 98 em 2021 e 107 em 2022. A UPAE Garanhuns, durante o mesmo período, teve dez registros de biópsias, todos em 2022. A UPAE Arcoverde não realizou biópsias em 2019, realizou 32 em 2020, 32 em 2021 e 113 em 2022. E a UPAE Petrolina fez 32 biópsias em 2022, sem registros nos anos anteriores.

Pernambuco possui 43 serviços que realizam tratamento do câncer de mama, sendo 30,2% exclusivamente pelo SUS, 16,3% de forma mista (SUS e particular) e 53,5% apenas particular. A Macrorregião I concentra 65,1% desses serviços, com 25% atendendo exclusivamente pelo SUS, 10,7% de forma mista e 64,3% apenas particular (Tabela 3).
 


A Macrorregião I lidera também em hospitais habilitados em oncologia, com 55,5% do total no estado, incluindo quatro Unacon e um Cacon, além de dois serviços de radioterapia no Recife. A Macrorregião II representa 20,9%, com nove estabelecimentos de oncologia, sendo 33,3% exclusivamente pelo SUS, 22,2% de forma mista e 44,5% apenas particular (Tabela 3).

A Macrorregião III contribui com 4,7% dos estabelecimentos de oncologia, sendo um exclusivamente pelo SUS e um misto (SUS e particular) na cidade de Arcoverde. A Macrorregião IV possui 9,3%, com dois exclusivamente pelo SUS, um misto e um apenas particular. Um dos quatro serviços da Macrorregião IV é a Unacon em Petrolina, na região de saúde VIII (Tabela 3).

A Figura 2 apresenta a distribuição espacial dos serviços que realizaram biópsias e tratamento para câncer de mama, destacando os fluxos assistenciais nas Macrorregiões I, II, III e IV. Os dados revelam uma concentração significativa na Macrorregião I, com poucos fluxos nas demais macrorregiões e a migração de usuárias para realizar biópsias e tratamento na Macrorregião I, certamente em função da concentração de serviços nessa macrorregião.
 


Em relação aos fluxos assistenciais para quimioterapia e cirurgia oncológica, houve uma expressiva concentração na Macrorregião I, com poucos registros nas demais macrorregiões e deslocamento de usuárias para a Macrorregião I (Figura 2).

Discussão

A análise geográfica destacou disparidades regionais na disponibilização e uso dos serviços de rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer de mama no âmbito das macrorregiões. A forma como os serviços estão organizados pode afetar o acesso das mulheres dentro de suas próprias macrorregiões. Destaca-se a importância de considerar o papel das referências regionais e a interação entre municípios nas regiões de saúde. Os fluxos assistenciais revelam possíveis fragilidades na pactuação entre as regiões, com a migração de usuárias das macrorregiões II, III e IV para a macrorregião I em todos os serviços analisados.

O acesso oportuno aos serviços de oncologia se configura como um desafio para a gestão em todas as regiões de saúde, principalmente quando se trata de acesso aos serviços de diagnóstico patológico, insuficiente na rede SUS do estado de Pernambuco, e não há uma base de dados que norteie os profissionais e usuárias para esse tipo de serviço. Mulheres que dependem exclusivamente do sistema público de saúde encontram maiores barreiras para fazer o rastreio mamográfico.4,18,19

A concentração dos serviços na região de saúde I da Macrorregião I pode ser um dos principais fatores que têm dificultado a ampliação do acesso aos serviços da Linha de Cuidado no estado de Pernambuco, uma vez que a distribuição dos equipamentos em uso no SUS é desigual nas regiões das Macrorregiões de saúde II, III e IV.18 A escassez de equipamentos pode significar que existem mulheres que nunca realizaram exames de rastreamento.18,20

Destaca-se, portanto, a necessidade de (re)organização dos serviços e as referências entre os municípios e regiões de saúde, uma vez que, os fluxos analisados mostraram que há municípios excedendo os limites das regiões e macrorregiões às quais pertencem.

A migração de mulheres para outros municípios, mesmo quando há mamógrafos e equipamentos de ultrassom disponíveis localmente, evidencia problemas na lógica territorial e na eficácia da regionalização. Embora a macrorregião I concentre mais equipamentos de ultrassonografia devido à sua população, a desigualdade na oferta desses serviços nas macrorregiões II, III e IV leva à migração para áreas mais assistidas, mostrando lacunas no planejamento e gestão regional da saúde, que exigem ações concretas para melhorar a regionalização e a comunicação.12,18,21

A fragmentação da linha de cuidado é expressiva com a escassez dos serviços de referência para câncer de mama nas macrorregiões II, III e IV em todos os serviços analisados, no que diz respeito aos serviços de biópsia, é percebida nas quatro macrorregiões analisadas. A produção das UPAE ao longo dos cinco anos mostra a necessidade de fortalecimento da estrutura e organização da oferta de exames de diagnóstico na rede estadual. Um estudo sobre triagem do câncer de mama no Brasil revelou preocupações com o acesso ao diagnóstico, destacando uma baixa proporção de procedimentos de diagnóstico em comparação com as estimativas. Além disso, foram identificadas desigualdades na oferta e uso desses procedimentos entre as diferentes regiões brasileiras.22

O tempo de diagnóstico e o acesso oportuno ao tratamento ficam comprometidos, uma vez que o SUS não tem serviço suficiente em todas as macrorregiões de saúde para dar conta da demanda local ou estes não estão bem distribuídos, com desenhos dos fluxos e protocolos de acesso no plano estadual de oncologia, considerando as características geográficas do território, a localização da usuária, o serviço mais próximo, tempo de espera e perfil socioeconômico, de forma a garantir o cumprimento das leis dos 30 e 60 dias.23,24

No que diz respeito ao diagnóstico, os resultados mostram a necessidade da Atenção Especializada do Ministério da Saúde, junto os estados, para ampliação da oferta de diagnóstico numa perspectiva global, estruturando os serviços já existentes e implantando novos. Infere-se que uma das possíveis dificuldades no aumento de convênios com laboratórios de patologia seja devido aos custos estabelecidos na tabela de procedimentos do SUS, que não cobrem o custo operacional dos exames.25

Apesar das macrorregiões I, II, III e IV possuírem Unacon, o acesso ao tratamento requer diagnóstico confirmado de câncer em sete deles, e/ou exame de imagem com BI-RADS (Breast Image Reporting and Data System) 4 ou 5, em dois serviços.26

O fluxo assistencial das biópsias de câncer de mama não corrobora com os serviços apresentados no Plano Estadual de Oncologia. Além da barreira geográfica para a realização, as usuárias têm lidado com a barreira organizacional na distribuição dos serviços, e como consequência, há situações em que a mulher custeia o diagnóstico em serviços privados, para dar celeridade ao tratamento.26 Mulheres acompanhadas nos serviços públicos comparadas às dos serviços privados com plano de saúde têm pior prognóstico e morrem precocemente em comparação com mulheres com a doença que possuem tal plano.4,27

A dificuldade de acesso aos serviços de tratamento oncológico pode levar as seguintes consequências: tratamentos inadequados, prognósticos desfavoráveis e redução da qualidade de vida dos usuários.15 Os resultados do estudo apontaram que os municípios que fazem parte da macrorregião I, em especial da região de saúde I, também concentram a maior parte dos serviços para tratamento do câncer de mama, e são responsáveis pela realização da maior demanda de serviços dos municípios das quatro macrorregiões de saúde do estado. Um estudo, em Pernambuco, identificou a evasão de usuárias do interior para realizar o tratamento na capital.26As diferenças estruturais, disponibilização de profissionais e protocolos de acessos têm resultado na evasão de mulheres do interior para a capital do estado, incluindo dos municípios que possuem Unacon.26

O tratamento do câncer de mama não é regulado no estado de Pernambuco.26 E isso acarreta problemas prejudiciais à qualidade e eficácia do cuidado, incluindo desigualdade no acesso aos serviços existentes nas macrorregiões, falta de padronização de protocolos, dificuldade na coordenação de cuidados e fragmentação do atendimento. A regulação desempenha um papel crucial ao estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação do desempenho dos serviços, navegação da mulher com câncer de mama, fundamentais para garantir o acesso oportuno aos serviços.14 Estudos prévios destacaram as extensas distâncias percorridas pelos usuários até hospitais que ofereciam serviços oncológicos no Brasil.14,15,26,28,29

Há evidências que tratamentos tardios estão correlacionados às disparidades regionais.15,26,30 O incremento na demanda por deslocamentos de usuárias com câncer tem sido vinculado a estágios mais avançados da doença no momento do diagnóstico, tratamentos inadequados, prognósticos desfavoráveis e uma qualidade de vida inferior.30 Portanto, no interior do estado ainda há o desafio de implantar novos serviços e reestruturar os já existentes, no sentido de garantir não apenas a presença do serviço, mas sua funcionalidade.26

Ao analisar a desassistência em algumas regiões e os longos deslocamentos de usuárias para outras áreas, destaca-se a urgência de investimentos e atenção nas regiões mais carentes de serviços e equipamentos. Embora haja 43 serviços para tratamento do câncer em Pernambuco, a maioria está na saúde suplementar, concentrando-se principalmente na Macrorregião I. A telessaúde pode ser uma ferramenta essencial para ampliar o acesso,16 reduzir custos com Tratamento Fora do Domicílio e melhorar a qualidade do atendimento, especialmente em áreas com barreiras de distância, como a Macrorregião IV do estado de Pernambuco, onde mulheres enfrentam longas viagens para atendimentos na Macrorregião I.15,16,26

É importante considerar as limitações deste estudo. A principal limitação é o banco de dados CNES, que não possui informações suficientes sobre a localização dos serviços conveniados ao SUS para diagnóstico patológico. Isso dificultou a avaliação da quantidade de serviços ofertados. Além disso, o Plano Estadual de Oncologia menciona apenas as UPAE, o que também limita a análise.

O estudo revela disparidades significativas na disponibilidade e uso dos serviços de rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer de mama nas diferentes macrorregiões de Pernambuco. A concentração dos serviços na macrorregião I limita a disponibilidade de atendimento nas outras macrorregiões, acentuando as desigualdades de acesso para as mulheres.

Conclui-se que é essencial alinhar os serviços de saúde às demandas específicas de cada macrorregião para garantir acesso universal e integral. Recomenda-se a implementação da linha de cuidado, educação permanente dos profissionais, desenvolvimento de abordagens personalizadas e revisão do mapa de saúde atual. Além disso, é necessário aprimorar a gestão e atualização do CNES e fomentar novas pesquisas sobre acesso e qualidade dos serviços.

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24. Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Brasília (DF): DOU de 31 de outubro de 2019. [Internet]. [acesso em 2023 Abr 12]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13896.htm

25. Brasil. Portaria Nº 2.730/GM/MS, de 19 de outubro de 2017 - Altera valor e atributos de procedimentos diagnósticos de câncer de mama na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): DOU de 19 de outubro de 2017. [Internet]. [acesso em 2023 Abr 12]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2730_20_10_2017.html

26. Silva RR, Freese de Carvalho EM, Lyra TM, Machado AS. Análise da regulação assistencial na atenção oncológica de alta complexidade em um estado da região Nordeste do Brasil: o câncer de mama como condição traçadora. In: Zarili TF, org. Da prevenção à intervenção: abordagens na saúde coletiva. 2ª ed. Ponta Grossa (PR): Atena Editora; 2024. p. 18-35.

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Contribuição dos autores

Silva RR: planejamento da pesquisa, levantamento e análise dos dados, discussão dos resultados, redação e avaliação final do manuscrito. Silva IEP: contribuiu para o levantamento dos dados, apresentação dos resultados, discussão dos resultados e avaliação final do manuscrito. Guilhermino GMS: contribuiu para o levantamento dos dados e revisão e avaliação final do manuscrito. Velasco WD: contribuiu para o levantamento dos dados, metodologia, apresentação dos resultados e avaliação final do manuscrito. Pereira ICAL: contribuiu para análise crítica dos resultados e avaliação final do manuscrito. Lyra TM: orientação do projeto de tese, revisão do plano de trabalho, análise crítica da redação e revisão final do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 11 de Abril de 2024
Versão final apresentada em 10 de Setembro de 2024
Aprovado em 12 de Setembro de 2024

Editora Associada: Sheyla Costa

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