RESUMO
OBJETIVOS: avaliar a associação da episiotomia na função do assoalho pélvico e na ocorrência de incontinência urinária e fecal em adolescentes primíparas.
MÉTODOS: foi realizado um estudo transversal, com adolescentes primíparas de dez a 19 anos, de sete e 48 meses pré coleta de dados. As participantes preencheram um formulário contendo seus dados pessoais e ao Questionário da Consulta Internacional sobre Incontinência Urinária (IU) Short Form, Índice de Gravidade da Incontinência e à Escala de Incontinência de Jorge & Wexner.
RESULTADOS: os valores médios foram estatisticamente significativos para as variáveis analisadas. Valores médios mais baixos foram obtidos para força, resistência e número de contrações sustentadas e rápidas no grupo exposto à episiotomia, comparado ao grupo controle. A episiotomia aumentou as chances de: IU (OR= 15,2; IC95%= 8,1-28,4), alteração na qualidade de vida relacionada à IU (OR= 15,9; IC95%= 8,5-30,0), incontinência fecal (OR= 18,5; IC95%= 6,4 -5,7) e constipação intestinal (OR= 10,8; IC95%= 4,8-24,2) em adolescentes primíparas, comparado ao grupo controle.
CONCLUSÕES: a episiotomia pode influenciar negativamente a função do assoalho pélvico e a contenção urinária e fecal. Os profissionais que atuam na atenção à saúde materna devem estar atentos e refletir sobre as práticas obstétricas no parto de adolescentes.
Palavras-chave:
Adolescente, Paridade, Episiotomia, Incontinência fecal, Incontinência urinária
ABSTRACT
OBJECTIVES: to evaluate the association of episiotomy with pelvic floor function and the occurrence of urinary and fecal incontinence in primiparous adolescents.
METHODS: a cross-sectional study was conducted with primiparous adolescents aged ten to 19 years, seven and 48 months before data collection. Participants completed a form containing their personal data and the International Consultation on Urinary Incontinence (UI) Short Form, Incontinence Severity Index and the Jorge & Wexner Incontinence Scale.
RESULTS: the mean values were statistically significant for the variables analyzed. Lower mean values were obtained for strength, endurance and number of sustained and rapid contractions in the group exposed to episiotomy, compared to the control group. Episiotomy increased the odds of: UI (OR= 15.2; CI95%= 8.1-28.4), UI-related changes in quality of life (OR= 15.9; CI95%= 8.5-30.0), fecal incontinence (OR= 18.5; CI95%= 6.4-5.7) and constipation (OR= 10.8; CI95%= 4.8-24.2) in primiparous adolescents, compared to the control group.
CONCLUSIONS: episiotomy can negatively influence pelvic floor function and urinary and fecal retention. Professionals working in maternal health care should be aware of and reflect on obstetric practices during childbirth in adolescents.
Keywords:
Adolescent, Parity, Episiotomy, Fecal incontinence, Urinary incontinence
IntroduçãoA episiotomia é o procedimento cirúrgico eletivo mais comum na obstetrícia, apesar de a evidência científica atual não apoiar seu uso rotineiro. Ela é considerada um dos principais fatores de risco para o surgimento de alterações funcionais no assoalho pélvico, bem como disfunções do assoalho pélvico (DAP).
1 A função dos músculos do assoalho pélvico (MAP) é fundamental no mecanismo de continência urinária e fecal. Seus componentes essenciais são os seguintes: força, resistência, tônus e controle da contração e relaxamento muscular. Alterações nesses componentes podem favorecer o desenvolvimento de DAP.
2As DAP incluem incontinência urinária (IU) e incontinência fecal (IF). A IU é definida pela
International Continence Society (ICS) como a perda involuntária de qualquer quantidade de urina.
3 A IF abrange a perda involuntária de material fecal ou gases em qualquer momento da vida de um indivíduo que já tenha aprendido a usar o banheiro.⁴
Ambas as condições são consideradas frequentes no ciclo puerperal, com prevalência pós-parto de 6% a 31%
6 para IU e de 4% a 26%,
5,6,7 para IF, de acordo com as características da população investigada, as definições empregadas e o período em questão. As perdas urinárias e fecais influenciam negativamente a qualidade de vida (QV) das mulheres, pois afetam suas atividades profissionais, sexuais e de lazer, além de causarem desconforto, vergonha e medo de episódios de incontinência em público.
4Devido às diferenças no diâmetro pélvico e na tensão dos MAP, bem como ao medo da dor e da dificuldade emocional envolvida no parto, adolescentes apresentam maior risco de episiotomia em comparação às mulheres adultas.
5Após buscar em várias bases de dados (
Medline/PubMed, Lilacs/Bireme, Cinahl/Ebsco, Scopus/Elsevier), não conseguimos identificar estudos com adolescentes primíparas que visassem abordar a possível influência da episiotomia no mecanismo de continência urinária e fecal. O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da episiotomia na função do assoalho pélvico e no surgimento de IU e IF em adolescentes primíparas.
MétodosFoi realizado um estudo transversal no Laboratório de Fisioterapia em Saúde da Mulher e Assoalho Pélvico (LAFISMA), associado à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A amostra utilizada foi retirada do banco de dados do estudo “Fatores Associados à Incontinência Urinária em Gestantes Adolescentes: Um Estudo de Caso-Controle”.⁶ Este estudo incluiu adolescentes primíparas, com idades entre dez e 19 anos, e que tiveram parto vaginal prévio entre 7 e 48 meses antes da coleta de dados. Os critérios de exclusão foram: cesariana, multiparidade, doenças neurológicas ou renais, malformações uroginecológicas, câncer pélvico atual ou passado, infecção urinária ativa, cirurgia uroginecológica anterior, não lembrar ou não ter registros dos dados exigidos da gestação e do parto.
O programa
Open-epi 3.01 foi utilizado para estimar o tamanho da amostra do estudo. O cálculo considerou a maior proporção de episiotomia em adolescentes encontrada em estudos brasileiros anteriores, igual a 40,8%.⁷ As taxas de episiotomia diferem entre os estudos, dependendo da região geográfica, tipo de serviço de saúde e caracterização da amostra. Além disso, vale ressaltar que não foram encontrados estudos cuja amostra fosse composta apenas por adolescentes primíparas que tivessem realizado parto vaginal. Como parâmetros da amostra, o nível de significância foi definido em 5% e 658 como a população.⁷ O tamanho da amostra obtido foi composto por 241 voluntárias.
O contato inicial foi feito por telefone para identificar adolescentes elegíveis e agendar suas visitas de coleta de dados no LAFISMA. Durante os encontros presenciais, as adolescentes receberam informações sobre o estudo e assinaram um termo de consentimento, concordando em participar voluntariamente da pesquisa. Adolescentes menores de 18 anos também tiveram seus responsáveis legais assinando um termo autorizando sua participação.
Posteriormente, as voluntárias preencheram um formulário contendo dados sociodemográficos, de estilo de vida, ginecológico-obstétricos, antropométricos e morbidades associadas. O Índice de Massa Corporal (IMC) gestacional e atual, ambos expressos em kg/m
2 e convertidos em categorias qualitativas, juntamente com o peso do recém-nascido e a idade gestacional ao nascimento, foram obtidos por autorrelato da adolescente. O exercício físico foi considerado como a prática de atividades físicas regulares, com uma frequência mínima de duas vezes por semana e um total de 150 minutos por semana. Além disso, os seguintes questionários foram aplicados pelo avaliador:
International Consultation on Incontinence Questionnaire on Incontinence–Urinary Short Form (ICIQ-UISF);
8 Índice de Gravidade da Incontinência (ISI);
9 e a Escala de Jorge e Wexner.
10O ICIQ-UI-SF foi utilizado para determinar a presença e o tipo de IU, confirmados pela análise da questão número 6 do questionário, e para avaliar a QV relacionada à disfunção. Este é um instrumento autoadministrado que recebeu recomendação de grau-A da ICS com relação à sua capacidade de avaliar a QV de pacientes com IU. As pontuações possíveis variam de 0 a 21 pontos; quanto maior a pontuação, maior o impacto da IU na QV.
3Para avaliar a gravidade da IU, foi aplicado o ISI, que consiste em duas perguntas sobre a frequência e a quantidade de perda urinária. A pontuação final do instrumento é obtida multiplicando-se a frequência e a quantidade de perda urinária. Assim, a IU pode ser classificada como leve (1–2), moderada (3–6), grave (8–9) ou muito grave (12).
11A Escala de Jorge e Wexner
12 foi usada para avaliar o grau de IF em adolescentes que relataram perda involuntária de fezes e/ou flatos. O instrumento consiste em uma escala simples composta por cinco perguntas cujas respostas podem ser: 0 – nunca, 1 – raramente, 2 – às vezes, 3 – geralmente, 4 – sempre. A pontuação final varia de 0 a 20, e a IF pode ser classificada como leve (0–7), moderada (8–13) ou grave (14–20).¹
2A constipação foi avaliada com base nos critérios de Roma IV; o tipo de IF apresentado, categorizado como: incontinência de flatos, incontinência fecal líquida, incontinência fecal sólida, incontinência fecal passiva e incontinência fecal durante a relação sexual, conforme recomendações da ICS;³ sintomas urinários irritativos, classificados como: frequência urinária (número de micções espontâneas maior ou igual a 8 enquanto a voluntária está acordada), urgência urinária (uma forte necessidade de urinar difícil de controlar) e noctúria (necessidade de acordar uma ou mais vezes para urinar durante o sono), segundo recomendações da ICS.
3A avaliação do assoalho pélvico foi realizada por: mensuração da abertura vulvovaginal (distância entre os grandes lábios na região vulvar), classificada como: totalmente fechada (0 centímetro), abertura discreta (0,1–0,5 cm) e abertura acentuada (acima de 0,5 cm);¹³ palpação do corpo perineal e do esfíncter anal externo, avaliados por pressão digital e classificados como: normal, hipotonia ou hipertonia; avaliação da presença de contração voluntária dos músculos do assoalho pélvico e uso de músculos acessórios, avaliados por palpação bidigital; e avaliação da função muscular perineal utilizando o esquema PERFECT.
O esquema PERFECT foi empregado para avaliar a função muscular perineal, incluindo: quantificação da força muscular – determinada pela intensidade da contração voluntária do assoalho pélvico, de acordo com a Escala de
Oxford Modificada; resistência – tempo em que as contrações musculares são mantidas e sustentadas; número de contrações sustentadas – número de contrações mantidas por pelo menos cinco segundos; e número de contrações rápidas – número de contrações que duram um segundo.¹⁴ A avaliação da abertura vulvovaginal, palpação do corpo perineal, esfíncter anal externo e PERFECT foram realizadas por palpação com a voluntária em posição ginecológica. A voluntária foi solicitada a contrair os músculos do assoalho pélvico como se estivesse “segurando o xixi”. Os procedimentos foram realizados por membros do grupo de pesquisa, que receberam treinamento e instrução prévia.
A análise estatística foi realizada utilizando o
software SigmaPlot 12.0 (
Systat Software, Inc., Alemanha) e IBM SPSS Statistics v. 25.0 (SPSS, Inc. IBM Company, Nova York, EUA). Variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão. Variáveis categóricas foram expressas como número de casos e frequência. A razão de chances (
odds ratio – OR) para todas as variáveis categóricas entre os grupos foi calculada, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para comparar variáveis contínuas entre os grupos, utilizou-se o teste
t de
Student independente ou o teste de Mann–Whitney U. Para comparar variáveis categóricas entre os grupos, utilizamos o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. A significância foi considerada quando
p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (CAAE: 66720517.3.0000.5208; parecer nº 2.081.488; aprovado em 25/05/2017).
ResultadosEntre 658 adolescentes, 244 atenderam aos critérios de elegibilidade e foram selecionadas para participar do estudo. O grupo exposto à episiotomia foi composto por 112 adolescentes (45,9%), enquanto o grupo não exposto consistiu em 132 adolescentes (54,1%) (Figura 1).
A Tabela 1 apresenta dados sobre a caracterização da amostra de adolescentes primíparas de acordo com a exposição ou não à episiotomia, considerando suas variáveis sociodemográficas, hábitos de vida, dados ginecológicos-obstétricos e antropométricos, e morbidades associadas.
As variáveis relacionadas à avaliação das estruturas do assoalho pélvico são apresentadas na Tabela 2. Em relação à função dos músculos perineais, os valores médios de força muscular, resistência, número de contrações sustentadas e menores contrações rápidas foram registrados no grupo exposto à episiotomia em comparação com o grupo não exposto.
A Tabela 3 apresenta uma análise das variáveis relacionadas à presença de IU, tipo, gravidade, impacto na qualidade de vida relacionada à disfunção e sintomas urinários irritativos.
A Tabela 4 apresenta dados sobre tipo e gravidade de FI, bem como a presença de constipação intestinal nos grupos expostos e não expostos.
DiscussãoNossos resultados mostraram um aumento na chance de alterações funcionais e desenvolvimento de IU e FI após o parto vaginal para adolescentes primíparas que foram submetidas à episiotomia, em comparação com aquelas que não foram submetidas à incisão. Existem poucos estudos que abordam a população adolescente no contexto da episiotomia, especialmente em relação à sua influência no desenvolvimento de disfunção do assoalho pélvico e redução da função muscular perineal.
A gravidez na adolescência está associada a complicações como prematuridade, restrição de crescimento intrauterino, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, sofrimento fetal, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia e aumento das cesáreas.
15Fatores físicos e psicológicos do crescimento na adolescência, como desenvolvimento pélvico mais lento, maior tensão nos músculos do assoalho pélvico e repercussões emocionais, aumentam a prevalência de episiotomia nessa população.
16O IMC gestacional médio no terceiro trimestre é maior em adolescentes submetidas à episiotomia, sugerindo competição por nutrientes entre mãe e bebê, favorecendo o aumento do IMC e o risco de baixo peso ao nascer. O ganho excessivo de peso materno aumenta as complicações durante o parto, especialmente nos casos de obesidade.
17 Embora o ganho de peso durante a gravidez aumente o risco de intervenções obstétricas, poucos estudos relacionam o IMC gestacional elevado e a episiotomia, e nenhum focou em adolescentes.
Adolescentes com maior IMC gestacional e recém-nascidos mais pesados apresentam maior risco de disfunção do assoalho pélvico.
17 O IMC pós-parto também é maior em adolescentes que fizeram episiotomia, com excesso de peso persistindo anos após o parto. Um aumento de cinco unidades no IMC aumenta o risco de incontinência urinária, afetando mais de 10% das adolescentes obesas. A segunda fase do trabalho de parto foi mais longa em adolescentes submetidas à episiotomia.
18A duração da segunda fase do trabalho de parto foi superior a 60 minutos em 22% das adolescentes que realizaram episiotomia, enquanto foi igual ou inferior a 60 minutos em 99% das que não fizeram o procedimento. No passado, a episiotomia era rotineiramente recomendada para reduzir o período expulsivo e prevenir danos perineais e traumas no nascimento.
18A posição de litotomia foi mais comum entre adolescentes que realizaram episiotomia (97%), enquanto as posições verticais foram mais frequentes entre aquelas que não fizeram (77%). Estudos mostram que as posições verticais resultam em menor percentual de episiotomia.
2,19Partos instrumentais e intervenções obstétricas, como o uso de fórceps, extração a vácuo, analgesia epidural e ocitocina, aumentam o risco de episiotomia. Estudos indicam que os partos instrumentais estão associados a complicações maternas e à realização de episiotomia.
20O peso médio ao nascer dos recém-nascidos de adolescentes submetidas à episiotomia foi maior, com uma associação significativa entre episiotomia e peso neonatal acima de 3.000 gramas. Pesquisas mostram que o peso do recém-nascido influencia a integridade perineal, e o risco de lacerações perineais graves aumenta com o peso neonatal acima de 4.000 gramas. A episiotomia é justificada na prática clínica devido à macrossomia fetal.
21A abertura vulvovaginal acentuada foi mais frequente na presença de episiotomia, pois resulta no enfraquecimento dos músculos que compõem o assoalho pélvico (especialmente os músculos bulboesponjoso e isquiocavernoso).
13 A episiotomia secciona músculos do diafragma pélvico e urogenital, além da mucosa vaginal, epitélio da fossa navicular, pele sobre a fossa isquioanal e os feixes fascial e neurovascular, contribuindo para o aumento da abertura vulvovaginal e redução da capacidade de contração dos MAP, como observado em nosso estudo.
2 Um estudo anterior com 4.764 mulheres chinesas primíparas mostrou que a força dos músculos do assoalho pélvico foi menor entre aquelas que realizaram episiotomia em comparação com aquelas que tiveram laceração espontânea ou mantiveram o períneo intacto.
22A hipotonia do corpo perineal e do esfíncter anal externo foi mais comum entre as participantes que realizaram episiotomia em comparação com aquelas que não fizeram o procedimento. O corpo perineal é uma massa fibromuscular com alto risco de ruptura no parto, especialmente nos casos de episiotomia e parto instrumental.1 Em relação ao esfíncter anal externo, as lesões são mais frequentes como resultado da episiotomia mediana.
2,3Também encontramos valores médios menores para todas as variáveis do esquema PERFECT no grupo exposto à episiotomia em comparação com o grupo não exposto. A episiotomia aumenta o risco de lesão no músculo levantador do ânus, composto principalmente por fibras musculares tônicas (70%), que são fundamentais para a manutenção do tônus e desempenham um papel no suporte dos órgãos pélvicos. Os 30% restantes correspondem a fibras musculares fásicas que apresentam contrações musculares intensas e reflexas em resposta ao aumento da pressão intra-abdominal, resultando em um fechamento eficiente da uretra, o que é importante para o mecanismo de continência urinária.
23A episiotomia aumentou em quinze vezes a chance de IU em adolescentes primíparas em comparação com aquelas que não fizeram o procedimento. Acreditamos que a episiotomia contribua para a redução do suporte do assoalho pélvico e a capacidade de manter a pressão uretral, devido à laceração do tecido conjuntivo e ao estiramento nervoso.
23O tipo de IU mais frequente no grupo exposto foi a IUM (incontinência urinária mista), com maior prevalência de IU grave. Enquanto isso, no grupo não exposto, o tipo de incontinência mais frequente foi a IUE (incontinência urinária de esforço), com maior prevalência de IU moderada. A IUE é a forma mais prevalente de IU no pós-parto, e está intimamente associada à função dos músculos do assoalho pélvico. Seis meses após o parto, as mulheres que realizaram episiotomia apresentam uma diminuição mais acentuada na função muscular perineal em comparação com aquelas com períneo intacto ou lacerações espontâneas de primeiro grau.
24 Em uma revisão da literatura, Zivkovic
et al.
25 concluíram que a episiotomia está associada à IU no pós-parto – especialmente do tipo IUE, mas também IUM, uma vez que o componente de esforço está incluído no mecanismo fisiopatológico desta última.
O grupo exposto à episiotomia apresentou um aumento superior a dez vezes na chance de frequência urinária, urgência e noctúria, em comparação com o grupo não exposto. A presença de urgência urinária associada ou não à frequência, noctúria e IUU (incontinência urinária de urgência) caracteriza a síndrome da bexiga hiperativa (BH).
3 Suspeita-se que a alta prevalência de sintomas de BH em adolescentes submetidas à episiotomia possa ter sido influenciada por alterações no ciclo miccional devido à lesão do nervo pudendo causada pela incisão.
23 No entanto, essa hipótese precisa ser mais investigada por meio de estudos longitudinais com exames complementares.
O escore médio do ICIQ-UI-SF foi maior entre as adolescentes no grupo exposto à episiotomia em comparação com o grupo não exposto, o que significa que a episiotomia influenciou negativamente a percepção da qualidade de vida (QV) das adolescentes. As repercussões da incontinência urinária (IU) no estilo de vida das mulheres são inúmeras, com implicações físicas, econômicas e psicossociais, uma vez que a IU interfere na vida social, profissional, sexual e familiar.
26 O estudo anterior, do qual nossa amostra foi retirada, relatou impacto moderado da IU na QV de adolescentes grávidas.
27 No entanto, é importante destacar que as alterações negativas na percepção da QV relacionada à IU podem começar na gravidez, persistindo e até piorando após o parto, de acordo com nossos resultados.
Registramos um aumento na chance de estratégias de manejo da IU no pós-parto entre adolescentes expostas à episiotomia em comparação com adolescentes no grupo não exposto. A experiência de viver com IU leva as mulheres a adotarem os mais diversos mecanismos de modificação comportamental para se ajustarem aos inconvenientes da perda urinária. Exemplos incluem o uso frequente de perfumes ou desodorantes para minimizar o odor de urina; vestir roupas escuras; reduzir a ingestão de água; suspensão espontânea de medicamentos que estimulam a eliminação urinária; uso de absorventes ou outros tipos de proteção para controlar a perda urinária; procurar o banheiro imediatamente após entrar em locais públicos pela primeira vez e evitar o convívio social.
28A episiotomia aumentou em mais de dezoito vezes a chance de IU em adolescentes primíparas, em comparação com aquelas que não foram submetidas à episiotomia. A IU pode impactar negativamente a vida das mulheres, causando isolamento social, constrangimento, afastamento do trabalho e problemas psicoemocionais.
29 A perda de flatos foi mais comum em ambos os grupos, com maior prevalência no grupo que passou por episiotomia.
Houve um aumento na chance de uso de proteção contra perda de fezes entre as adolescentes expostas à episiotomia em comparação com o grupo não exposto. O risco de perda involuntária de flatos e/ou fezes em ambientes sociais traz insegurança, medo e angústia às pessoas afetadas, especialmente devido ao desconforto causado pelo odor e pelo ruído que acompanham o evento.
7 É uma situação constrangedora que exige planejamento da vida para garantir acesso rápido e fácil ao banheiro, além do uso de proteção íntima e de modificações no uso de medicamentos e na alimentação.
A prevalência de constipação foi maior no grupo de adolescentes que passou por episiotomia em comparação com o grupo que não foi submetido à incisão. Entre os fatores que podem explicar a maior prevalência de constipação em mulheres estão os danos causados aos músculos do assoalho pélvico e suas inervações, resultantes do parto e de cirurgias ginecológicas, além dos prolapsos genitais.
12 Especificamente em relação ao parto, o trabalho de parto prolongado, episiotomia, cesariana e o uso de enema e analgésicos no parto são fatores que aumentam o risco de constipação.
Uma limitação deste estudo foi a falta de acompanhamento das adolescentes, de modo que os desfechos de interesse pudessem ser investigados ao longo do tempo. Atualmente, estamos realizando um estudo longitudinal para estabelecer o tempo de cessação da IU nas adolescentes da amostra que relataram perda involuntária de urina após o parto.
Suspeitamos que uma inclusão importante teria sido a avaliação de aspectos psicoemocionais como ansiedade, estresse e depressão, usando instrumentos validados para analisar sua influência no surgimento da IU, considerando a questão da imaturidade dos centros neurológicos que controlam a micção. No entanto, como essa necessidade se tornou evidente apenas durante a fase de análise de dados do presente estudo, sugerimos novos estudos para abordar esse objetivo.
A episiotomia pode influenciar negativamente a função do assoalho pélvico e a manutenção da continência urinária e fecal em adolescentes primíparas. Em relação às recomendações para a prática clínica, este estudo demonstrou a importância de avaliar a função do assoalho pélvico e a presença de disfunções – assim como sintomas associados – nessa população, juntamente com o encaminhamento precoce para o tratamento fisioterapêutico e uma reconsideração das práticas obstétricas atuais em relação ao parto de adolescentes, especialmente no que diz respeito ao uso rotineiro da episiotomia.
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Contribuição dos autoresBabini D, Quirino ML e Delgado A: desenvolvimento do projeto, coleta de dados, análise de dados e redação do manuscrito. Lemos A: desenvolvimento do projeto, análise de dados e redação do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 3 de Fevereiro de 2024
Versão final apresentada em 26 de Agosto de 2024
Aprovado em 27 de Agosto de 2024
Editor Associado: Melania Amorim