RESUMO
OBJETIVOS: determinar os fatores associados ao uso de métodos reversíveis de longa ação (LARC) e às preocupações das usuárias.
MÉTODOS: estudo transversal conduzido em ambiente digital de abril a junho de 2021, por meio de instrumento estruturado disseminado por redes sociais. Foram incluídas mulheres em idade reprodutiva (18 a 49 anos de idade), não grávidas, não histerectomizadas, não esterilizadas e cujos parceiros não eram vasectomizados. Os dados foram analisados por meio de regressão logística e multinominal.
RESULTADOS: a população do estudo foi constituída por 1596 mulheres de 18 a 49 anos de idade residentes em todas as regiões do país, das quais 22% usavam LARC. Os aspectos associados ao uso de LARC foram a idade mais jovem, ter plano de saúde, estar em um relacionamento e não querer engravidar. Metade das usuárias de LARC relatou ter algum tipo de preocupação com o método, sendo a mais frequente o risco de engravidar (36,2%). Os aspectos associados a ter preocupação com o uso de LARC foram o tipo de método, não estar em um relacionamento e não querer engravidar.
CONCLUSÕES: observou-se que as usuárias de LARC não são homogêneas entre si e que a experiência com o uso de LARC está permeada por preocupações, inclusive em relação a sua eficácia.
Palavras-chave:
Saúde sexual e reprodutiva, Contracepção reversível de longo prazo, Dispositivos intrauterinos
ABSTRACT
OBJECTIVES: to assess factors associated with the use of long-acting reversible methods (LARC) and women's concerns about them.
METHODS: this is a cross-sectional study conducted in a digital environment from April to June 2021, with the use of a structured instrument disseminated through social networks. The study included women of reproductive age (18 to 49 years old), who were not pregnant, not hysterectomized, not sterilized and whose partners were not vasectomized. Data were analyzed using logistic and multinomial regression.
RESULTS: the study population consisted of 1596 women aged 18 to 49 living in all regions of the country, 22% of whom were using LARC. Aspects associated with LARC use were younger age, having health insurance, being in a relationship and not wanting to get pregnant. Half of LARC users reported having some kind of concern about the method, the most frequent being the risk of becoming pregnant (36.2%). The aspects associated with having concerns about using LARC were the type of method, not being in a relationship and not wanting to get pregnant.
CONCLUSIONS: LARC users are not a homogeneous group. Current experience of using LARC is lived with concerns, including some about its efficacy.
Keywords:
Sexual and reproductive health, Long-term reversible contraception, Intrauterine devices
IntroduçãoO uso de métodos contraceptivos no Brasil tem se concentrado em dois métodos de curta ação, que são a pílula contraceptiva oral e o preservativo masculino, além da laqueadura tubária.
1 Embora os estudos de abrangência nacional tenham apontado certa dinamicidade no
mix contraceptivo brasileiro, com a diminuição do uso da laqueadura tubária e com o aumento da proporção de mulheres que relatam usar métodos injetáveis,
2,3 é ainda pequena a participação dos métodos contraceptivos de longa ação – os chamados LARC (
long acting reversible methods) no cenário brasileiro.
1Os LARC são uma categoria de métodos contraceptivos que não exigem administração mensal, oferecem proteção por ao menos três anos em uma única intervenção, são altamente eficazes e dependem de profissionais de saúde capacitados para sua inserção e manejo.
4 Fazem parte do grupo dos LARC o implante subdérmico e os dispositivos intrauterinos (DIU) de cobre e hormonal. Embora o DIU de cobre esteja disponível nas unidades básicas de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), o implante e DIU hormonal estão disponíveis no SUS apenas ocasionalmente. O implante, por exemplo, é adquirido por secretarias de saúde de alguns municípios e estados e disponibilizado apenas quando atendidos certos critérios, como estar em vulnerabilidade social ou ser usuária de drogas ilícitas.
5 Essas restrições levam muitas mulheres a comprarem esses métodos e, em consequência, precisarem contar com profissionais do sistema suplementar de saúde ou da rede privada para inseri-los, o que aumenta ainda mais o seu custo, tornando-os pouco acessíveis às mulheres brasileiras em geral.
6Usuárias de LARC são, em geral, as mais satisfeitas dentre as usuárias de métodos contraceptivos.
7,8 Mesmo assim, o fato de estarem satisfeitas não as exime de ter preocupações com o método. Estudos que avaliam as preocupações referentes ao uso do LARC são, em sua maioria, conduzidos com mulheres que não são propriamente usuárias e, ainda, muitos levam em consideração apenas o DIU, o que torna o conhecimento sobre a experiência com o uso do implante ainda incipiente no país. De toda forma, tais estudos apontam o aumento do sangramento, o aumento da dor durante a menstruação, a infertilidade, a dor para remoção do método e os efeitos colaterais como as principais preocupações das mulheres em relação aos LARC.
9-12 Ainda, os efeitos colaterais são amplamente relatados por usuárias de LARC e estão relacionados a sua descontinuidade ainda no primeiro ano de uso.
13,14Como são subutilizados no país, não alcançando 2% das mulheres,
1 sabe-se pouco sobre os fatores associados ao seu uso e, sobretudo, sobre as preocupações que as usuárias têm ao usar tais métodos, principalmente o implante subdérmico. Por essas razões, este estudo teve como objetivo determinar os fatores associados ao uso de métodos reversíveis de longa ação (LARC) e às preocupações das mulheres usuárias.
MétodosTrata-se de um estudo quantitativo do tipo transversal, parte de um estudo mais amplo que teve como objetivo validar uma escala de mensuração da intenção prospectiva de engravidar. Os procedimentos metodológicos do estudo de validação são baseados em estudo com o mesmo objetivo conduzido no Reino Unido, incluindo o cálculo do tamanho amostral.
15 Tanto no Reino Unido quanto no Brasil, almejou-se obter a resposta de 1000 mulheres, de forma a alcançar um mínimo de 20 mulheres por item da escala, e conduzir estatísticas específicas para avaliação das suas propriedades psicométricas.
O estudo mais amplo foi conduzido em ambiente virtual com mulheres de 18 a 49 anos de idade, não grávidas, não histerectomizadas, não esterilizadas e cujos parceiros não eram vasectomizados. A pesquisa foi divulgada entre os meses de abril a junho de 2021 em redes sociais (
WhatsApp, Faceboook, Instagram), em site próprio criado pelas próprias pesquisadoras, em jornal da universidade e por e-mail, considerando a lista de contatos da instituição sede da pesquisa. Na divulgação da pesquisa, além das informações gerais sobre os objetivos e procedimentos do estudo, foi também disponibilizado o link com acesso ao instrumento.
O instrumento estruturado foi construído na plataforma REDCap, tendo sido pré-testado de forma presencial e remota com mulheres com o mesmo perfil das que seriam elegíveis. A primeira parte do instrumento continha questões sobre o perfil sociodemográfico e história reprodutiva; a segunda continha questões sobre intenção reprodutiva e comportamento contraceptivo. O tempo gasto para preenchimento do instrumento foi em torno de 15 minutos. Para evitar múltiplos preenchimentos pela mesma mulher, obtiveram-se também seu nome completo, e-mail e telefone para contato, que foram checados para assegurar a validade interna dos dados. Informações de identificação foram suprimidas do banco de dados para as análises estatísticas.
Os dados foram analisados no Stata 17.0. Primeiramente, foi conduzida uma comparação do perfil sociodemográfico e história reprodutiva entre as mulheres que não usavam nenhum método, as que usavam LARC (implante subdérmico, DIU hormonal e DIU de cobre) e as que usavam outros métodos (pílula, injetáveis, preservativos e métodos comportamentais) por meio do teste de diferença entre proporções pelo qui-quadrado. Em casos de uma categoria ter menos que cinco respostas, utilizou-se o Teste Exato de Fisher.
Como parte da análise considerou apenas mulheres que usavam LARC, foi calculado o poder do teste estatístico
post-hoc,
16 que foi 93,6%. Os aspectos associados a usar LARC foram analisados por regressão logística múltipla em dois modelos: o primeiro comparou usuárias de LARC com usuárias de outros métodos e o segundo comparou usuárias de LARC com mulheres que não usavam métodos contraceptivos. As variáveis independentes foram: idade, raça/cor, macrorregião de residência, grupo econômico,
17 ensino superior completo, religiosidade, trabalho atual, acesso a plano de saúde privado, intenção de engravidar (definida a partir da pergunta “Você gostaria de engravidar no próximo ano?”), relacionamento (definido a partir da pergunta “Neste momento, você está se relacionando [romanticamente] com alguém?”) e gravidez anterior. São apresentados os
odds ratio (OR) ajustados, sendo que as variáveis foram inseridas de forma simultânea nos modelos.
Posteriormente, as mulheres que relataram usar LARC foram comparadas quanto ao seu perfil sociodemográfico e reprodutivo segundo o tipo de método usado (implante subdérmico, DIU hormonal e DIU de cobre) por meio do teste de diferença entre proporções pelo qui-quadrado. Dado o número reduzido de mulheres que reportaram usar LARC, optou-se por não conduzir qualquer análise de regressão múltipla.
A preocupação com o uso do método contraceptivo foi averiguada por meio da pergunta “Você tem alguma preocupação com o método contraceptivo que está usando?”, com opção de resposta “não” e “sim”. Para as mulheres que responderam afirmativamente, perguntou-se “Quais preocupações você tem com relação ao seu método contraceptivo?”. As opções de resposta compuseram 14 itens de múltipla escolha: nenhuma preocupação, risco de engravidar, dor durante a menstruação, se estou usando corretamente, efeitos sobre minha fertilidade futura, lembrar de usá-lo, mudanças na libido, ganho de peso, sangramento irregular/sangramento de escape, efeitos sobre meu humor, sangramento mais abundante, acne, tomar hormônios, interferência no nível de prazer com o sexo e dor de cabeça. O número médio de preocupações e o tipo de preocupação foram descritos segundo o tipo de LARC e comparados por teste de diferença entre duas proporções pelo qui-quadrado. Aspectos associados a ter preocupação com o método contraceptivo utilizado entre usuárias de LARC foram analisados por meio de regressão logística binomial múltipla. A principal variável independente foi o tipo de LARC utilizado. As demais variáveis independentes foram as mesmas consideradas nos modelos anteriores. São apresentados os OR brutos e ajustados; as variáveis foram inseridas de forma simultânea no modelo.
O estudo foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa em 01/09/2020 (número do parecer 4.252.351). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado na página inicial do instrumento e só puderam responder as questões as mulheres que tivessem clicado no ícone “aceito”. Todos os procedimentos para garantir o sigilo dos dados e a confidencialidade das respondentes foram realizados. Também foi disponibilizado e-mail para contato com pesquisadoras caso houvesse dúvidas e um site com todas as informações sobre a pesquisa, além de links para informações sobre contracepção e saúde reprodutiva.
ResultadosAo todo, 2070 mulheres acessaram o instrumento, mas foram considerados os dados de apenas 1596, pois algumas não se encaixavam nos critérios de inclusão, seja por não terem tido relação sexual (n=102), por serem histerectomizadas (n=29), por estarem grávidas (n=41), por estarem fora da faixa etária (n=10) ou terem feito laqueadura/parceiro vasectomizado (n=4). Outras não chegaram a finalizar o preenchimento do instrumento (n=288) e, por isso, não foram consideradas neste estudo.
Dentre as 1596 mulheres que participaram do estudo, a maior parte já havia concluído o ensino superior (65,5%), relatou ser de cor branca (64,7%), pertencer ao grupo socioeconômico B (58,1%), ter plano de saúde (68,1%) e não querer engravidar no futuro (72,8%). Houve respondentes de todas as macrorregiões do país (Tabela 1).
Um pouco mais de um quinto das mulheres usava LARC (22,0%), ao passo que 27,9% não usavam qualquer método e o restante (50,1%) usava outros métodos (26,8% usavam pílula, 18,5% o preservativo masculino, 1,6% injetáveis e 4,8% restantes métodos comportamentais). Houve diferença estatisticamente significativa entre as usuárias de LARC, outros métodos e nenhum método no que concerne à idade (
p<0,001), religiosidade (
p=0,023), ter plano de saúde (
p=0,002), região de residência (
p=0,013), estar em um relacionamento (
p<0,001), gravidez anterior (
p<0,001), número de filhos (
p=0,020) e intenção futura de engravidar (
p<0,001) (Tabela 1).
Comparadas às mulheres que usavam outros métodos contraceptivos, as usuárias de LARC tinham mais propensão a ter plano de saúde, a estar em um relacionamento e a ter engravidado anteriormente; e menor propensão a ter 35-49 anos de idade e a querer ter filhos ou não ter certeza sobre isso. Comparadas às mulheres que não usavam métodos contraceptivos, as usuárias de LARC eram mais propensas a ter plano de saúde e a estar em um relacionamento. Por sua vez, tinham menos propensão a estar na faixa entre 35-49 anos de idade e a querer ter filhos ou não ter certeza sobre isso (Tabela 2).
Considerando apenas as usuárias de LARC (n=351), observou-se diferença estatisticamente significativa no seu perfil sociodemográfico e reprodutivo em relação a ter ensino superior completo (
p=0,024), ao grupo socioeconômico (
p=0,001), a ter plano de saúde (
p<0,001) e à macrorregião de residência (Tabela 3).
Quase metade das usuárias de LARC relatou algum tipo de preocupação com o método (48,7%; n=171). Usuárias do DIU hormonal foram as que mais relataram algum tipo de preocupação (54,0%), ao passo que as usuárias de implante foram as que menos relataram preocupação (23,1%). Dentre as usuárias de DIU de cobre, quase metade relatou ter alguma preocupação ao usar o método (47,0%). Dentre as dez categorias que compunham a pergunta sobre preocupação, as usuárias de implante relataram, em média, 0,7 preocupação (DP=1,7); usuárias de DIU hormonal relataram 1,7 (DP =2,2) e de DIU de cobre 1,1 (DP =1,5) (dados não mostrados em Tabela). Dentre as usuárias de implante, a preocupação mais frequente foi em relação ao ganho de peso. Dentre as usuárias do DIU hormonal e DIU de cobre, a preocupação mais frequente foi em relação ao risco de engravidar; entretanto, entre as usuárias de DIU hormonal, o sangramento irregular e a acne foram as preocupações subsequentes mais citadas, ao passo que o fluxo menstrual abundante e a cólica menstrual foram as preocupações subsequentes mais citadas entre usuárias do DIU de cobre (Tabela 4).
Os aspectos associados a ter preocupação com o uso do método entre usuárias de LARC foram o tipo de método, estar em um relacionamento e querer engravidar (Tabela 5).
DiscussãoEste estudo foi totalmente conduzido em ambiente digital com mulheres em idade reprodutiva residentes em todas as macrorregiões do país. Observou-se que um quinto delas usava LARC. A idade, acesso a plano de saúde privado, relacionamento e intenção de engravidar foram determinantes para que as mulheres usassem tais métodos. A preocupação com o uso desses métodos foi amplamente relatada, mas menos frequentemente por usuárias do implante subdérmico. O tipo de método foi o elemento decisivo para o relato de preocupações com seu uso, em conjunto com o relacionamento e a intenção de engravidar.
No Brasil, as usuárias de LARC continuam acessando o implante e o DIU hormonal quase que apenas a partir de consultórios médicos privados ou pelo sistema suplementar de saúde. Essa condição certamente guarda relação com o perfil de usuárias descrito pelo estudo: são mulheres mais escolarizadas, brancas, moradoras sobretudo da região sul e sudeste do país, majoritariamente pertencentes aos grupos socioeconômicos A e B, e detentoras de plano de saúde. No entanto, uma outra parte das usuárias de LARC é composta por mulheres que acessaram o método por estarem em extrema vulnerabilidade social, provavelmente, sub-representadas na nossa população de estudo.
A indisponibilidade de forma ampla e universal destes dispositivos no SUS é um dos elementos a produzir o perfil diferenciado de mulheres com acesso a esta tecnologia de controle da reprodução. Esse fenômeno vem sendo descrito por algumas autoras como forma de “coerção contraceptiva”,
18 na medida em que produz uma “oferta seletiva” de LARC a determinadas mulheres e rompe com o paradigma da universalidade e integralidade, princípios que pautaram por décadas as políticas públicas de saúde para as mulheres no país.
6 A estratégia metodológica adotada nos possibilitou atingir, majoritariamente, mulheres usuárias de LARC que compõem a parte superior da pirâmide social, o que reforça que nossos resultados não podem ser generalizados.
Importante mencionar que o DIU de cobre consta do
mix contraceptivo ofertado pelo SUS deste antes da promulgação da Lei de Planejamento Familiar, em 1996.
19 Contudo, a prevalência de seu uso sempre apareceu de forma tímida nas pesquisas: na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006, por exemplo, 4,5% das mulheres entrevistadas já havia usado alguma vez o DIU de cobre, percentual muito abaixo em relação à pílula ou à laqueadura tubária.
20 Nesse mesmo estudo, os implantes aparecem com 0,4%. Já a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 não apresenta o DIU de cobre de forma discriminada em relação ao DIU hormonal.
1 Essa ausência de dados não nos permite afirmar sobre mudanças nas prevalências de uso deste método, apesar de ele constar há décadas no
mix contraceptivo disponível no SUS. Interessante notar, contudo, que há sutis diferenças de perfil em relação às usuárias dos implantes e do DIU hormonal, sobretudo no que concerne à condição de “ter plano de saúde”, tendo em vista as restrições quanto à sua disponibilização nos serviços públicos de saúde.
Documentos, protocolos e diretrizes clínicas enfatizam com grande entusiasmo a alta eficácia e segurança dos LARC como elementos que os colocam como métodos de primeira escolha.
21 Entretanto, há um conjunto de questões/situações vivenciadas pelas mulheres que usam LARC que têm tido pouca visibilidade nos estudos sobre as práticas contraceptivas. Este estudo evidencia que a experiência real de muitas usuárias está, na verdade, permeada por preocupações, inclusive no que concerne à eficácia e segurança do método, mas também em relação aos seus inúmeros efeitos colaterais. Assim, não nos parece ocasional a proporção de mulheres que descontinuam o uso do método ainda no primeiro ano, sobretudo em função de incômodos e efeitos colaterais que eles podem causar.
13,14,22O presente estudo não perguntou explicitamente sobre possíveis efeitos colaterais causados pelo método em uso; diferentemente, optou-se por interrogar sobre as principais preocupações das usuárias em relação ao método que estavam usando, o que fornece indícios sobre as razões que podem eventualmente contribuir para sua descontinuidade. Os resultados mostram, por exemplo, que preocupações com o sangramento irregular são mais frequentes entre as usuárias de DIU hormonal, ao passo que o fluxo menstrual abundante preocupa as usuárias do DIU de cobre. Indubitavelmente, as mudanças no padrão menstrual que as usuárias dos LARC experimentam são fontes frequentes de preocupações e precisam ser consideradas nas ações de aconselhamento e monitoramento contraceptivo.
23 Estas são dimensões que têm sido apontadas como importantes aspectos na descontinuidade do uso de métodos, sobretudo os hormonais, seja de curta ou de longa ação.
23,24 É possível concluir que as usuárias do implante relataram menos preocupações com o método e parecem estar mais seguras quanto à sua eficácia e segurança.
Ademais, nossos resultados confirmam que as usuárias de LARC diferem entre si em relação às preocupações que têm com o método, a depender do tipo de método usado, o que significa que não devem ser vistas na atenção em contracepção nem nos estudos sobre práticas contraceptivas como homogêneas.
25 Tampouco os LARC devem ser divulgados como se fossem similares – embora o sejam nas taxas de eficácia – tendo em vista terem diferentes mecanismos de ação, diferentes efeitos colaterais e diferentes formas de inserção.
26Há inúmeras vantagens na realização de
surveys pela internet, tais como velocidade de realização, abrangência e baixo custo, aspectos que foram amplamente debatidos em função da pandemia de COVID-19.
27 Entretanto, esse recurso metodológico traz, igualmente, diversas limitações em relação aos dados produzidos. Por exemplo, não é possível saber o alcance em termos de amplitude e perfil do público atingido pelo convite que circulou nas redes sociais. Sabe-se que a cobertura de internet no Brasil é bastante diversa, ou seja, a cobertura, a disponibilidade e a qualidade são inversamente proporcionais à condição de classe social.
28 Há tanto um viés de seleção quanto impossibilidade de calcular a recusa em participar do estudo: as participantes do estudo podem ter se interessado em responder o questionário justamente porque têm alguma relação com o tema da pesquisa, aspecto que pode influenciar sobremaneira nas medidas de associação e de distribuição do fenômeno. Mais ainda, questões como representatividade ou generalização dos dados não podem ser calculadas a partir de
websurveys.
O presente estudo contribui para o avanço na área de conhecimento sobre saúde sexual e reprodutiva ao incorporar as usuárias de implante subdérmico, que têm sido pouco contempladas nos estudos sobre planejamento reprodutivo no país. Adicionalmente, destaca as diferenças entre as mulheres que usam LARC segundo seu perfil sociodemográfico e analisa suas inúmeras preocupações com o uso desses métodos. Os altos índices de satisfação com os LARC não podem escamotear que algumas mulheres se preocupam por estar usando-os, inclusive no que concerne à sua eficácia e segurança.
Apesar de não haver pesquisas populacionais recentes sobre prevalência de uso de métodos no Brasil, não há dúvida de que tem havido uma expansão em relação à oferta de LARC, seja pelo mercado privado ou suplementar de saúde, ou de modo seletivo pelo Estado, dirigindo-a a determinados perfis de usuárias. Há uma exacerbação da eficácia dos LARC, reiterada em propagandas da indústria farmacêutica e no discurso de muitas associações médicas, com expressões do tipo “use-o e esqueça-o” ou “contraceptivo sem complicações”.
29 Todavia, tal euforia não pode se sobrepor, durante o processo de aconselhamento por profissionais de saúde e de escolha do método, ao destaque que deve ser conferido aos possíveis efeitos colaterais que tais métodos podem causar nas mulheres e como manejá-los, a fim de evitar, principalmente, sua descontinuidade; caso contrário, pode ser mais vantajoso o uso de outro método.
Concluiu-se que as mulheres que usavam LARC eram diversas entre si tanto nas suas características sociodemográficas e reprodutivas quanto nas preocupações que tinham em relação ao método. Apesar de tais métodos serem de alta eficácia, muitas usuárias relataram preocupação com o risco de uma gravidez. Mudanças no padrão do sangramento menstrual induzidas pelo uso do método também se destacaram entre as principais preocupações.
Reitera-se que esforços precisam ser envidados para que mulheres e homens possam, de fato, ter direito à autonomia e autodeterminação reprodutiva, ampliando a capacidade e a liberdade de decidir se, quando e quantas vezes quer engravidar/reproduzir. O direito à informação adequada e de qualidade, bem como o acesso a métodos eficazes e seguros são dimensões angulares para efetivação dos direitos reprodutivos, os quais devem ser ofertados a todas e todos cidadãos e cidadãs em idade reprodutiva. Essa é uma postura que defende a ampliação do
mix contraceptivo, bem como a garantia de seu acesso universal e gratuito pelo Estado.
AgradecimentosAgradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 pelo apoio financeiro.
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Contribuição dos autoresBorges ALV: concepção da proposta do artigo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito. Chofakian CBN: análise e interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito. Ale CCS e Cabral CS: redação e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 28 de Fevereiro de 2023
Versão final apresentada em 28 de Junho de 2024
Aprovado em 3 de Julho de 2024
Editora Associada: Sheyla Costa