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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Evitabilidade e tendência temporal da mortalidade neonatal em Niterói/RJ, 2012 a 2022

Samuel Stoliar de Vilhena Machado1; Pauline Lorena Kale2; Sandra Costa Fonseca3

DOI: 10.1590/1806-9304202400000273 e20230273

RESUMO

OBJETIVOS: analisar os óbitos neonatais segundo evitabilidade e a tendência temporal da taxa de mortalidade neonatal (TMN) em Niterói/RJ, de 2012-2022.
MÉTODOS: estudo ecológico de série temporal. Dados provenientes do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e Sistema de Informação sobre Mortalidade. As TMN foram calculadas segundo variáveis maternas e neonatais e as tendências estimadas pela regressão joinpoint.
RESULTADOS: o número anual de nascidos vivos (NV) diminuiu, com tendência decrescente entre mães adolescentes e de baixa escolaridade. Dos 324 óbitos, a maioria ocorreu precocemente, por causas evitáveis (68,6%), predominando aquelas reduzíveis por adequada atenção à gestação. A TMN global mostrou estabilidade, entre 4,2 e 6,0/1000NV, mais elevada nos extremos etários maternos (12,7 e 8,6/1.000 NV em 2022, adolescentes e maiores de 35 anos, respectivamente), nas mães com baixa escolaridade (27,6/1.000 NV em 2022), nos neonatos <1.500g e <32 semanas (293,1 e 250/1.000 NV em 2022, respectivamente). A tendência da TMN foi crescente entre mulheres de baixa escolaridade, brancas, adolescentes e ≥35 anos, nas faixas de peso <1.500g e >2.500g, e por causas evitáveis.
CONCLUSÕES: a elevada proporção de causas evitáveis revela o potencial de redução. Houve desigualdade da TMN e sua tendência, demandando ações de saúde mais equânimes.

Palavras-chave: Mortalidade neonatal, Sistemas de informação em saúde, Causas de morte, Estudo de séries temporais, Desigualdades em saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze neonatal deaths according to avoidability and to analyze the temporal trend of neonatal mortality rate (NMR) in Niterói/RJ, 2012-2022.
METHODS: ecological time series study. Data from Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos and Sistema de Informação sobre Mortalidade. NMRs were calculated according to maternal and neonatal variables and trends were estimated using the joinpoint regression.
RESULTS: the annual number of live births (LB) fell, with a decreasing trend among adolescents and those with low education level. Of the 324 deaths, most occurred early (0-6 days), by preventable causes in 68.6%, predominating those reducible by adequate care during pregnancy. The overall NMR remained stable, ranging from 4.2 to 6/1,000 LB, being higher at the extremes of maternal age (12.7 and 8.6/1,000 LB in 2022, adolescents and over 35 years old, respectively), in low education level mothers (27.6/1,000 LB in 2022), in neonates <1,500g and <32 weeks (293.1 and 250/1,000 LB in 2022, respectively). NMR trend was upward in low schooling women, white-colored, adolescents and those ≥35 years, in babies weighing <1,500g and >2,500g, and for avoidable causes.
CONCLUSIONS: the high proportion of preventable causes reveals the reduction potential. There was inequality in NMR and its trend, demanding more equitable health actions.

Keywords: Neonatal mortality, Health information systems, Causes of death, Time series study, Health inequities

Introdução
O monitoramento dos óbitos infantis se mantém como prioridade no mundo.1 Durante a infância, o período neonatal é o mais vulnerável e, mundialmente, a mortalidade neonatal constitui mais da metade dos óbitos infantis.1 No contexto dos Objetivos Sustentáveis, a meta para a Taxa de Mortalidade Neonatal (TMN) é a redução, até 2030, para no máximo 12 a cada 1.000 nascidos vivos (NV). Alguns países europeus (Alemanha, Dinamarca, França, Finlândia, Itália, Noruega, Portugal, Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte e Suécia), e os Estados Unidos e Canadá, na América do Norte, têm TMN menor ou igual a três por mil NV, enquanto na América Latina, o Chile, o Uruguai (4,0/1.000 NV) e Cuba (2/1.000) têm os menores valores.1
A estimativa mais recente do Brasil é de 2021 e registrou a TMN de 8,0/1.000 NV, o que representa um grande avanço, uma vez que, em 2000, o valor era de 19/1.000 NV.1 Ainda assim, as disparidades socioeconômicas entre as regiões brasileiras resultam em cenários diferentes do que é visto em âmbito nacional. Para o ano de 2020, estas taxas foram de 9,9 na Região Norte, 9,4 no Nordeste, 7,9 no Centro-Oeste, 7,6 no Sudeste e 6,8/1.000 NV na Região Sul.2
O estado do Rio de Janeiro apresentou as maiores taxas de mortalidade infantil e neonatal entre os estados componentes da Região Sudeste em 2020: 14,3 e 8,8 por 1.000 NV, respectivamente.2
As causas de morte neonatal são majoritariamente evitáveis por assistência à saúde qualificada durante o pré-natal e parto e ao recém-nascido.3 No Brasil, de 2000 a 2018, as causas de morte neonatal evitáveis mais frequentes foram síndrome da angústia respiratória, asfixia ao nascer e septicemia, e a tendência de redução da mortalidade por essas causas foi observada nas regiões brasileiras de 2000 a 2008, mais acentuadamente no início do período analisado, com poucas exceções.3,4
O uso dos sistemas de informação sobre estatísticas vitais tem se mostrado cada vez mais relevante no estudo da mortalidade infantil.4-9 O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) são sistemas de informação universal do Ministério da Saúde (MS), que vêm apresentando melhora importante da qualidade nos últimos anos, principalmente o Sinasc.5,6
Estudos locais, em nível de áreas menores, como o município, têm sido valorizados, pelo seu potencial em identificar desigualdades na saúde, muitas vezes mascarados por estatísticas médias nacionais ou estaduais. Considerando a gestão municipal, indicadores locais são de grande relevância para definição de políticas públicas.9
O estudo tem como objetivo analisar os óbitos neonatais segundo causas evitáveis e a tendência temporal do município de Niterói (RJ) entre 2012 e 2022. Espera-se, ainda, contribuir para a identificação de desigualdades e subsidiar políticas públicas municipais específicas para as populações vulnerabilizadas.

Métodos
Trata-se de um estudo ecológico, de série temporal anual (2012 a 2022). A população é a dos nascidos vivos e óbitos neonatais, filhos de mães residentes na cidade de Niterói.
Os critérios de inclusão dos nascidos vivos (NV) foram feto de gravidez única, idade gestacional (IG) igual ou superior a 22 semanas, peso ao nascer igual ou superior a 500g. Gestações múltiplas e neonatos com peso < 500g e IG < 22 semanas foram excluídos por seus riscos diferenciados e baixa viabilidade, respectivamente.10 Os óbitos foram aqueles ocorridos nos períodos neonatal (precoce de 0 a 6 e tardio de 7 a 27 dias), com os mesmos critérios de inclusão dos nascidos vivos.
A cidade de Niterói tem 480 mil habitantes, dos quais 5000 são menores de um ano. Apresenta o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado do Rio de Janeiro (RJ) e o sétimo no ranking nacional.11 A cidade apresenta uma estrutura de serviços que avança do nível primário ao quaternário, possui três hospitais públicos e três privados com maternidade, servindo como referência para a demanda dos outros municípios que compõem a Região Metropolitana II do estado do Rio de Janeiro.12
A fonte dos dados foi a página sobre informação em saúde da Secretaria de Saúde do estado do Rio de Janeiro, por meio da qual foi possível acessar os dados do Sinasc e do SIM (RJ).
Foram calculadas as taxas de mortalidade neonatal (TMN) anuais, segundo a equação: [nº de óbitos neonatais *1000/ nº de nascidos vivos].
O perfil dos nascidos vivos e as TMN foram analisados segundo variáveis sociodemográficas maternas e assistência pré-natal, e do recém-nascido (RN), a saber:
- Variáveis maternas obtidas do Sinasc: idade (≤19 anos, 20 a 34 anos e ≥35 anos), escolaridade (≤7 anos, 8 a 11 anos e ≥12 anos) e cor/raça (branca, preta e parda), consultas de pré-natal (0 a 3, 4 a 6 e 7 e mais).
- Variáveis do recém-nascido (RN) obtidas do Sinasc: peso ao nascer (< 1.500g – muito baixo peso; <2.500g – baixo peso; e ≥2.500g – não baixo peso, Apgar de 5º minuto (0 a 3 - asfixia grave; 4 a 6 – asfixia moderada; e 7 a 10 – boa vitalidade), idade gestacional (<32 semanas – muito pré-termo, <37 semanas – pré-termo; e ≥37 semanas – não pré-termo).
- Variáveis dos óbitos neonatais obtidas do SIM: idade materna (≤19 anos, 20 a 34 anos e ≥35 anos), escolaridade materna (≤7 anos, 8 a 11 anos e ≥12 anos), cor do RN, peso ao nascer (<1.500g – muito baixo peso; <2.500g – baixo peso; e ≥2.500g – não baixo peso), idade gestacional (<32 semanas – muito pré-termo, <37 semanas – pré-termo; e ≥37 semanas – não pré-termo).
As variáveis "consultas de pré-natal" e "Apgar de 5º minuto" constam apenas do Sinasc.
Para avaliar a completude das informações selecionadas do SIM e Sinasc foi utilizado o escore proposto por Romero e Cunha,13 que corresponde aos seguintes graus de avaliação, segundo percentual de informações ausentes: excelente (menos que 5%), bom (5% a <10%), regular (10% a <20%), ruim (20% a <50%) e muito ruim (50% ou mais).
Para a classificação das causas de óbito utilizou-se a Lista Brasileira de Causas de Mortes Evitáveis (LBE) por intervenção do Sistema Único de Saúde em menores de cinco anos.14 Este documento propõe a organização dos óbitos segundo causas evitáveis, mal definidas e não claramente evitáveis. As classificações dentro do grupo de causas evitáveis abrangem todas as ações do cuidado materno-infantil, como a imunoprevenção, atenção à mulher na gestação e no parto, atenção ao feto e ao recém-nascido e aquelas relacionadas com adequado diagnóstico e tratamento de patologias. Adicionalmente, foram descritas as frequências de causas específicas (três dígitos da CID 10ª Revisão) segundo os grupos da LBE.
As variáveis maternas "idade", "cor" e "escolaridade" foram analisadas para caracterizar desigualdades de magnitude e tendência do risco de morte neonatal. A faixa etária de 20-34 anos, cor branca e escolaridade ≥12 anos representaram a situação de menor vulnerabilidade.
Para análise de tendência das séries temporais, foi usado o modelo de regressão Joinpoint, que ajusta, em uma escala logarítmica, tendências lineares e mudanças dessas tendências (pontos de junção). Para o teste de significância, é usado o Monte Carlo Permutation Method, que ajusta a melhor linha para cada segmento. Uma vez que esses segmentos são estabelecidos, as tendências estimadas são representadas pelos respectivos percentuais anuais de mudança (MPA). A MPA é calculada da seguinte forma: MPA = 100 x (It+1 - It) / I, onde I é o indicador no ano (It) e no ano seguinte (It +1). Considerando-se a regressão em escala logarítmica, log (It) = (b0 + b1t), MPA = 100 x (eb1 – 1), e o intervalo de confiança de 95% é calculado pelo método paramétrico. Os modelos foram avaliados com e sem termo de autocorrelação (AC) sendo mantido o termo de AC nos modelos em que a MPA sofreu mudança superior a 0,2 ponto percentual. Ressalta-se que os pontos de junção ou mudança de tendência, se presentes na série temporal, não necessariamente serão coincidentes entre as variáveis e categorias das variáveis, e, portanto, a segmentação dos períodos das tendências estimadas pode diferir. A modelagem identifica a presença e localização temporal dos pontos de junção. As tendências das taxas anuais de mortalidade neonatal segundo características maternas apresentadas sob forma gráfica, foram mais bem visualizadas na escala logarítmica, permitindo observar a distância percentual entre dois pontos.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (CAE nº71323023.00.0000.5243) pelo parecer 6.592.725, de 19/12/2023.

Resultados
O número absoluto de NV foi 5.751 em 2012 e 5.016 em 2022, apresentando, portanto, uma queda de 15,6% no período. As informações sociodemográficas maternas e da assistência pré-natal, e do RN obtidas do Sinasc tiveram completude excelente, com menos de 5% de ignorados.
A proporção de mães adolescentes é a menor entre as faixas etárias e vem apresentando redução, mais intensa no período entre 2017 e 2022. Por outro lado, houve aumento constante das gestações daquelas com 35 anos ou mais. O perfil de escolaridade mostra menor proporção de mulheres com baixa escolaridade, com tendência constante de diminuição. Já as proporções de mães com média e alta escolaridade têm aumentado desde 2014. A proporção de mães brancas é a maior do município, mas vem apresentando tendência de diminuição desde 2012. A proporção de mães pretas, a menor nesta variável, mostrou tendência de aumento. Até 2019, o registro de mães pardas vinha aumentando e se manteve estável de 2019 a 2022 (Tabela 1).

 



Cerca de 80% das mulheres realizaram sete ou mais consultas em todo o período, mas, desde 2016, registrou-se tendência decrescente deste percentual. A proporção de mulheres com quatro a seis consultas aumentou desde 2015 (Tabela 1).
Os nascidos vivos se concentraram nas faixas de peso ≥2.500g e idade gestacional ≥37 semanas. A partir de 2017 foi observado aumento da prevalência de neonatos com baixo peso ao nascer (sem aumento da faixa extrema, de <1.500g), atingindo 8,1% do total. Por outro lado, diminuiu a prevalência de prematuridade, de 11 para 9,3% (sem alteração da faixa extrema, de <32 semanas). A grande maioria dos bebês nasce em boas condições de vitalidade, com apenas 1% de registro de asfixia. A asfixia grave manteve estabilidade e a moderada teve redução (Tabela 1).
Foram registrados 324 óbitos neonatais dos quais cerca de 70% ocorreram no período neonatal precoce (0-6 dias). A maioria dos óbitos está contida nos grupos de recém-nascidos com peso <2.500g (75,2%) e idade gestacional <37 semanas (72,0%). A completude anual das informações obtidas do SIM para peso ao nascer foi classificada como excelente e da idade gestacional variou de excelente a bom. Para as variáveis sociodemográficas maternas, a completude do SIM variou ao longo do período: idade esteve entre bom (5 a 10% de informações ignoradas) e excelente e cor e escolaridade, entre regular (10 a 20%) e excelente.
De acordo com a LBE, 68,5% dos óbitos eram claramente evitáveis, enquanto 30,9% foram considerados não claramente evitáveis (Tabela 2). Dentre as causas evitáveis, a maior proporção foi a do subgrupo "reduzíveis por atenção à mulher na gestação". Em segundo lugar, ficou o subgrupo de "reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido. Não houve óbitos no subgrupo 1.1 (reduzíveis por ações de imunoprevenção). Apenas para dois óbitos neonatais, a causa de morte certificada foi mal definida (Tabela 2).

 



A série temporal da TMN segundo causas evitáveis mostrou tendência crescente, 3% ao ano, com comportamentos diferentes: estabilidade das causas relacionadas à gestação, aumento daquelas reduzíveis por adequada atenção ao parto e por atenção ao neonato, seguida de redução desta última (Tabela 3). Não foram analisadas as causas relativas aos códigos 1.3 e 1.4, devido à baixa frequência de óbitos.

 



Na Tabela 4, descrevem-se as taxas de mortalidade neonatal, totais e de acordo com as variáveis maternas e do RN. O número de óbitos neonatais foi 24 em 2012 e atingiu 29 casos em 2022. A TMN global em Niterói, com oscilações, se manteve estável no período.

 



A TMN foi maior nos extremos de idade – mães adolescentes e com 35 anos ou mais, com tendência crescente em ambas. Foi também sempre mais elevada na faixa de baixa escolaridade, a única a sofrer aumento no período. Por outro lado, desde 2014, a TMN em mães com escolaridade intermediária diminuiu. Houve mudança no perfil da TMN por cor/raça da mãe, que concentrava o maior valor nos neonatos de mulheres pretas que, no final do período, detinham a TMN mais baixa. A tendência da TMN foi crescente entre neonatos de mulheres brancas (Figura 1).
 



A TMN foi tanto maior quanto menores as faixas de peso ao nascer e de idade gestacional. A tendência se mostrou ascendente na faixa de <1.500g (muito baixo peso ao nascer - MBPN), entre 2012 e 2017, e na faixa de >2.500g, em todo o período.
Em 2020, houve aumento do número absoluto de óbitos, sem grandes mudanças no total de nascidos vivos; já em 2021 e 2022, o número absoluto voltou ao patamar pré-pandêmico, mas a natalidade caiu na cidade (dados não mostrados na tabela). O perfil de evitabilidade se manteve na faixa > 2.500g, com predomínio de malformações congênitas como causa de óbito.

Discussão
Mulheres niteroienses que tiveram NV são predominantemente da faixa de 20 a 34 anos, de escolaridade média/alta, cor branca, e com utilização elevada do pré-natal. No período estudado houve redução da gravidez na adolescência e aumento da escolaridade. As taxas de mortalidade neonatal totais se mantiveram estáveis, sendo cerca de 70% evitáveis, principalmente por atenção adequada durante a gestação. Para mulheres adolescentes e as que apresentam 35 anos ou mais, brancas e aquelas de baixa escolaridade, houve aumento da TMN.
A redução da proporção de adolescentes e o aumento da proporção de gestantes com 35 anos ou mais já havia sido relatado na cidade, na série temporal de 2000 a 2009.15 O relatório Saúde Brasil 2022 também expõe, em nível nacional, a redução na taxa de fecundidade entre mulheres de 10-19 e aumento na faixa de 40-49.2 Segundo o documento, são reflexos da tendência de adiamento da gestação, compatíveis, principalmente, com a transição demográfica pela qual o Brasil vem passando desde a década de 1990.2
A queda de gestação adolescente é benéfica, pois a gravidez neste período da vida está geralmente associada a desfechos maternos, perinatais e infantis mais graves.16 Já o aumento de gestantes com 35 anos e mais, considerada uma mudança etária que acompanha o desenvolvimento e o nível educacional, pode acarretar maior risco de desfechos maternos e perinatais desfavoráveis.17,18
Analisando a assistência pré-natal, observou-se que, apesar do alto percentual de gestantes com sete ou mais consultas, esta categoria apresentou queda, o que é preocupante. Vale lembrar que a inadequação e/ou a ausência de pré-natal são fatores de risco para mortalidade neonatal.19
Comparada à prevalência de BPN do período de 2000-2009, a do período atual foi menor.15 Em 2017, a prevalência de BPN no Brasil foi de 8,5%, sendo que a região Sudeste teve os valores mais elevados do país, e o estado do RJ apresentou 9,0%.20 Já a proporção de RN pré-termos, mesmo sofrendo queda no período de 2012 a 2016, foi maior que a observada na série temporal de 2000-2009, quando era inferior a 8%.15 No Brasil, a estimativa para o período de 2011 a 2018 foi de 9,4%.20 Deve ser lembrado que a variável idade gestacional sofreu modificação na declaração de nascido vivo, priorizando a data da última menstruação, mas ainda tem problemas de validade.21
A TMN em Niterói ao longo do período analisado foi estável e inferior ao nível nacional, crescente em alguns grupos específicos. Em nível nacional, houve a redução da TMN de 13,6 no ano de 2000 para 8,5 por mil NV em 2018.3,4 No município do Rio de Janeiro, de 2000 a 2018, a TMN foi decrescente, atingindo 7,8/1.000 NV no último ano observado.22 Se considerada a mortalidade neonatal por causas evitáveis, em nível nacional, de 2000 a 2018, a redução foi de 10,9 para 6,8 por mil NV.3 Em Niterói, houve aumento da taxa de causas evitáveis de 3,0 para 3,9/1.000 NV, mas deve ser considerado que já é um nível muito baixo. O estado com a menor TMN por causas evitáveis foi Santa Catarina, ainda assim com valor (4,8) maior que o da cidade de Niterói.3 A disrupção dos serviços de saúde, em vigência da pandemia de COVID-19, pode ter afetado também os diferentes momentos da assistência pré e perinatal no município, mas nosso estudo não contemplou a análise aprofundada da qualidade da assistência.
Corroborando a literatura, quanto menor o peso e/ou a idade gestacional, maior foi a TMN.19,23 Em um estudo de 15 países de alta/média renda, entre 2000 e 2020, a TMN para a faixa de MBPN foi de 207/1.000 NV e para a faixa de IG ≤32 semanas, 141/1.000 NV.23 Em Niterói os valores ficaram, respectivamente, em torno de 275 e 215/1.000 NV, com tendência ascendente para os MBPN. Deve ser ressaltado que a maioria dos países estudados tinha TMN total muito baixa, menor ou igual a 3/1.000 NV, refletindo excelentes condições socioeconômicas e de assistência perinatal.
Além das variáveis biológicas, já corroboradas na literatura, condições sociodemográficas se mostraram associadas à mortalidade, revelando desigualdade no desfecho "óbito neonatal" na cidade. Há de se levar em conta que, ao longo do período analisado, duas grandes epidemias afetaram a natalidade nacional, a do Zika vírus em 2015 e a de COVID-19 em 2020.2,24 Desta forma o aumento da taxa no período analisado pode ser explicado, em parte, pela diminuição do denominador e não apenas pelo aumento absoluto do número de óbitos.2
Observaram-se resultados similares àqueles encontrados por estudos de abrangência nacional, como os altos valores de TMN nos extremos de idade e na população com baixa escolaridade.25 Chamou a atenção o aumento da TMN em recém-nascidos não baixo peso, porém sem alterações no perfil de evitabilidade. Deve-se interpretar esse fato como um evento sentinela, pois essas mortes podem ser evitadas com intervenções simples e de baixo custo no trabalho de parto e parto. Em 2018, entre os óbitos neonatais do país, predominaram baixo peso ao nascer e prematuridade, sendo que para o componente precoce (0-6 dias), prevaleceu o extremo baixo peso.2
A TMN foi mais elevada entre adolescentes e mulheres com idade ≥35 anos, ambas com tendência crescente. No Brasil, entre 2006 e 2016, os valores mais altos de TMN se concentraram de forma similar nos grupos de mães com 10-14 e 45-49 anos (10,4 e 10,5 óbitos/1.000 NV), com valores duas vezes maiores do que os encontrados entre mães com 25-29 e 30-24 anos (4,7 e 4,9 óbitos/1000NV).25 No estado do Rio de Janeiro, no período de 2004 a 2010, filhos de mães adolescentes e com idade ≥35 anos também apresentaram maior chance de morte quando comparados às mães na faixa etária de 20 a 34 anos.26 Veloso et al.19 identificam a faixa etária materna igual ou superior a 35 anos como um importante fator de risco para mortalidade neonatal.
Entre as mães adolescentes, o risco de mortalidade neonatal é aumentado, mas não pode ser analisado de forma independente ou mesmo como uma característica puramente biológica, uma vez que a gravidez na adolescência ocorre em um contexto de vulnerabilidade multifatorial e está intimamente associada às condições socioeconômicas da população.22 Houve decréscimo do percentual de mães adolescentes entre os nascidos vivos de Niterói, mas este grupo parece manter um risco elevado. Apesar de 80% das mulheres na cidade terem realizado sete ou mais consultas de pré-natal, um estudo do período de 2000 a 2009 mostrou que as adolescentes de Niterói não atingiam este valor.27
As maiores TMN pertencem aos RN de mães com baixa escolaridade e ainda houve tendência de aumento, em oposição à faixa de oito anos ou mais de estudo, que demonstrou tendência decrescente. No Brasil, entre 2006 e 2016, a TMN foi maior entre os RN de mães sem nenhuma escolaridade (6,7 óbitos/1.000 NV) e teve o menor valor entre as mães com 12 ou mais anos de escolaridade (4,3 óbitos/1.000 NV).25 No período de 2000 a 2018, no município do Rio de Janeiro, a análise da TMN referente à escolaridade materna demonstrou concentração e aumento no nicho de mulheres com baixa escolaridade, o que reforça a desigualdade no cuidado oferecido a este grupo populacional.22
A escolaridade está intimamente associada à idade das puérperas e demonstra risco isolado para a chance de óbito neonatal, mas também associado aos extremos de idade.26 A interação entre baixa escolaridade e idade avançada é significativa, considerando que este é um grupo caracterizado pela exposição a múltiplos fatores de risco ao longo da vida.26 No Brasil, para as faixas etárias de 10-19 e 20-34 anos, o aumento da escolaridade correspondeu diretamente à redução da TMN, enquanto entre as mães de idade ≥35 anos, a TMN foi maior naquelas com 1-11 anos de escolaridade, seguido daquelas sem escolaridade e, por fim, das mães com 12 ou mais anos de formação.25
Em Niterói, a TMN entre brancas mostrou tendência crescente e se manteve estável entre pardas. Não foi possível avaliar a tendência da TMN entre pretas, pelo baixo número absoluto de óbitos. Pôde-se perceber que a TMN, antes maior em NV de mães pretas, se aproximou em valores da população branca e parda. Ou seja, a desigualdade entre os grupos raciais diminuiu nos últimos anos, em parte, por diferenças na autodeclaração.28 Entre 2012 e 2018, a mortalidade neonatal no Brasil foi 37% maior (IC95%= 1,34-1,40) em filhos de mães negras quando comparada àqueles de mães brancas.8
Vulnerabilidade socioeconômica, representada pela baixa escolaridade e cor da pele parda ou preta, também foi relatada como um importante determinante do óbito neonatal em outros estudos nacionais.29,30
A ocorrência de apenas dois óbitos por causa mal definida acena positivamente para a qualidade da certificação da causa básica dos óbitos neonatais. Por outro lado, uma limitação do estudo diz respeito à completude dos campos da declaração de óbito referentes principalmente a cor e escolaridade maternas, que ainda precisam ser melhoradas. Outra limitação é inerente às fontes de dados. Apesar de os sistemas de informação utilizados conterem muitas informações, não se pode analisar a qualidade dos serviços de saúde e identificar mudanças, por exemplo, ocorridas na assistência hospitalar, no período estudado. Também não foi possível avaliar o subgrupo de prematuros tardios, pois as categorias de idade gestacional do Sinasc são 22-27, 28-31, 32-36, 37-41 e ≥42 semanas. Por último, as autocorrelações se mostraram negativas, sendo opcional incluir os respectivos termos de AC no modelo. Optamos por incluir para ressaltar tendências que, no modelo sem autocorrelação, foram identificadas, porém sem alcançar significância em algumas categorias.
Na cidade de Niterói, apesar de bons indicadores perinatais, observou-se estagnação da taxa de mortalidade neonatal (TMN), desigualdade e aumento das causas evitáveis. Embora a magnitude da taxa de mortalidade neonatal (entre 4,2 e 6,0/ 1.000 NV) não seja elevada, a proporção de causas evitáveis revela o potencial de redução. Ainda é possível atingir valores mais baixos, mesmo para as faixas de peso e IG extremas. Nesses onze anos, a TMN foi desigual entre os grupos populacionais e aumentou entre adolescentes e mulheres mais velhas, aquelas de baixa escolaridade, e brancas. Apenas a desigualdade racial foi diminuída, persistindo nichos de maior vulnerabilidade, relacionados à idade e escolaridade maternas. As ações de saúde devem focar grupos populacionais de maior risco, na busca de equidade.

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Contribuição dos autores: Machado SSV e Fonseca SC: conceituação, coleta dos dados, análise formal, investigação, método, administração do projeto e escrita do manuscrito. Kale PL: colaboração na análise formal, escrita e revisão do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 24 de Outubro de 2023
Versão final apresentada em 22 de Abril de 2024
Aprovado em 23 de Abril de 2024

Editor Associado: Karla Bomfim

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