Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação e peso ao nascer do recém-nascido

Vanessa Schrubbe1; Débora Letícia Frizzi Silva2; Claudia Choma Bettega Almeida3; Cesar Augusto Taconeli4; Vanessa Cardozo Mendes Elias5; Mariana de Souza Macedo6; Sylvia do Carmo Castro Franceschini7; Sandra Patricia Crispim8

DOI: 10.1590/1806-9304202400000189 e20230189

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes e o peso de recém-nascidos.
MÉTODOS: estudo prospectivo com gestantes (n=214) selecionadas em Unidades Básicas de Saúde em Pinhais, Paraná. Dados socioeconômicos, demográficos e de saúde foram coletados. Dados de consumo alimentar foram coletados por recordatório de 24-horas físico e entrados no software GloboDiet. O consumo diário relativo de energia proveniente de alimentos ultraprocessados foi estimado e a análise de regressão logística foi utilizada, considerando covariáveis como renda familiar e escolaridade.
RESULTADOS: o consumo de alimentos ultraprocessados pelas gestantes representou 26,9% da energia total. Cerca de 5,7% de recém-nascidos foram classificados como pequenos para idade gestacional (PIG) e 10,7% como grandes para idade gestacional (GIG). Foi observada uma associação estatisticamente significativa limítrofe entre o peso dos recém-nascidos GIG e o consumo materno de alimentos ultraprocessados (OR= 1,027; p=0,048). Além disso, a renda familiar esteve associada com o consumo de alimentos ultraprocessados (OR=0,144; p=0,008). A cada 1% adicional de consumo de alimentos ultraprocessados, a probabilidade de as mães terem recém-nascidos GIG aumentou cerca de 2,7%.
CONCLUSÃO: o estudo revela uma tendência de associação positiva entre o peso de recém-nascidos GIG e o consumo de alimentos ultraprocessados por mulheres grávidas, mas não para crianças PIG.

Palavras-chave: Consumo de alimentos, Alimento processado, Peso ao nascer, Gestantes, Centros de saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to assess the association between pregnant women's consumption of ultra-processed foods and newborn body weight.
METHODS: prospective study with pregnant women (n=214) selected from all Basic Health Units in the city of Pinhais, Paraná. Socioeconomic, demographic, and health data were collected. Food consumption data were assessed using a 24-hour dietary recall and tabulated with GloboDiet software. Daily relative energy intake of ultra-processed food was estimated and logistic regression analysis was utilized. The influence of covariates on the association analysis was also explored (e.g., income and education).
RESULTS: ultra-processed foods contributed to 26.9% of pregnant women's total energy intake. About 5.7% of newborns were classified as small-for-gestational-age and 10.7% as large-for-gestational-age. A borderline statistically significant association was observed between large-for-gestational-age newborn weight and maternal consumption of ultra-processed foods (OR= 1.027; p=0.048). Additionally, family income was associated with the consumption of ultra-processed foods (OR= 0.144; p=0.008). With each additional 1% consumption of ultra-processed foods, mothers' likelihood of having large-for-gestational-age babies increased by about 2.7%.
CONCLUSION: the study reveals a trend of positive association between the weight of large-for-gestational-age newborns and the consumption of ultra-processed foods by pregnant women, but not for small-for-gestational-age children.

Keywords: Eating, Processed food, Birth weight, Pregnant women, Health centers

Introdução
O consumo de alimentos ultraprocessados (UPF) tem sido desencorajado para todas as populações devido ao seu alto teor de energia, açúcar livre, sal/sódio, gordura saturada, gordura trans e outras substâncias que podem ser consideradas prejudiciais à saúde.1 No geral, o consumo regular de UPF na dieta pode prejudicar o estado nutricional e está associado a doenças crônicas não transmissíveis (DNTs), como câncer e condições relacionadas.2
Portanto, é importante limitar o consumo de produtos ultraprocessados durante a gravidez e priorizar uma dieta saudável para melhorar a saúde materna e neonatal.3 Durante a gravidez, é recomendado consumir uma variedade de alimentos que forneçam suprimentos adequados de energia, proteínas, vitaminas e minerais.4 A ingestão alimentar insuficiente ou excessiva pode influenciar o desenvolvimento fetal intrauterino e potencialmente resultar em peso insuficiente ao nascer entre os recém-nascidos.5
O peso ao nascer, medido dentro da primeira hora após o nascimento do recém-nascido, é um indicador das condições de saúde que refletem o estado nutricional da gestante e do recém-nascido. Também, este indicador tem implicações de longo prazo para o crescimento, desenvolvimento infantil e condições de saúde na idade adulta.6
Poucos estudos avaliaram o consumo de alimentos durante a gravidez com base no grau de processamento dos alimentos. O estudo de Alves-Santos et al.7 examinou uma coorte de mulheres brasileiras e observou um aumento no consumo de alimentos in natura/minimamente processados durante a gravidez, acompanhado por uma redução no consumo de UPF. Outro estudo envolvendo mães e recém-nascidos nos Estados Unidos mostrou que o consumo de UPF estava associado ao aumento no ganho de peso gestacional e a maior porcentagem de gordura corporal nos recém-nascidos.3 Similarmente, Gomes et al.8 observaram associação positiva entre o consumo de UPF no terceiro trimestre da gestação por mulheres brasileiras e o ganho de peso gestacional médio semanal.
Até o momento, apenas um estudo foi conduzido com o intuito de avaliar a associação entre o consumo de UPF e o peso corporal do recém-nascido.9 Nesse estudo, o alto consumo de alimentos in natura/minimamente processados e ingredientes culinários foi considerado fator protetor para o nascimento de recém-nascidos grandes para a idade gestacional (GIG). Ainda, o consumo médio ou alto de UPF aumentou as chances do nascimento de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG).
Dada a importância do peso corporal como preditor da saúde perinatal, a influência do consumo alimentar pré-gestacional durante a gestação na saúde materna e do recém-nascido, e as informações limitadas sobre esse tema, o objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre o consumo de UPF durante o período gestacional e o peso corporal do recém-nascido.

Métodos
Trata-se de um estudo prospectivo conduzido como parte do Estudo Multicêntrico de Deficiência de Iodo (EMDI-Brasil) realizado em 11 municípios brasileiros. O objetivo do EMDI-Brasil foi avaliar o estado nutricional de iodo, sódio e potássio de gestantes, nutrizes e lactentes.10
O presente estudo foi realizado no município de Pinhais, localizado na região metropolitana de Curitiba, no estado do Paraná. Este município possuía população estimada de 133.490 habitantes em 2020, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) de 0,751 e Índice de Gini de 0,509.11 Os dados foram coletados em todas as 11 Unidades de Saúde (UBS) do município, garantindo representatividade das gestantes que receberam assistência pré-natal do Sistema Único de Saúde (SUS).
O estudo incluiu gestantes com idades entre 18 e 49 anos que eram usuárias das UBS/SUS e que forneceram consentimento informado. Gestantes com doença da tireoide (hipotireoidismo, hipertireoidismo, doença de Hashimoto e neoplasias) ou aquelas que tinham histórico de cirurgia na glândula tireoide foram excluídas. Esses critérios foram estabelecidos pelo estudo multicêntrico principal.
Inicialmente, 305 gestantes foram abordadas e 282 foram consideradas elegíveis. Dessas, 272 tinham dados socioeconômicos, demográficos, de saúde e estilo de vida e de consumo alimentar completos e plausíveis. No final, um total de 214 gestantes foram incluídas na análise, pois possuíam dados do recém-nascido, incluindo peso corporal ao nascer, sexo e idade gestacional do nascimento.
Embora uma estratégia de amostragem inicial tenha sido definida para o estudo multicêntrico, o tamanho da amostra para o presente estudo foi posteriormente calculado. O objetivo era testar se a razão de chances entre o peso corporal do recém-nascido ajustado para a idade gestacional do nascimento e o consumo de UPF maternos na gestação era diferente de 1. A ferramenta online PSS Health12 foi utilizada para esse cálculo, sendo considerado nível de significância de 5%, poder de 80% e uma razão de chances esperada de 1,5. O tamanho da amostra estimado de 191 sujeitos foi considerado suficiente.
A coleta de dados ocorreu de março de 2019 a março de 2020. As gestantes foram abordadas na sala de espera da UBS enquanto aguardavam atendimento. Em alguns casos, entrevistas foram conduzidas durante visitas domiciliares. A equipe de coleta de dados recebeu dois dias de treinamento da coordenação nacional do estudo, que incluiu treinamento específico sobre o recordatório alimentar de 24 horas (R24h).
Dados socioeconômicos, demográficos e de saúde e estilo de vida foram coletados por meio de um questionário estruturado incorporado ao aplicativo REDCap. Já os dados sobre consumo alimentar foram coletados com R24h em formulário físico desenvolvido especificamente para uso na pesquisa, com a entrevista sendo conduzida pelo Multiple Pass Method (MPM).13 Este R24h foi modificado para permitir uma classificação mais abrangente dos alimentos com base no seu grau de processamento (ou seja, incluindo detalhes como tipo de processamento dos alimentos: caseiro ou industrializado). Além disso, incluiu um espaço no qual os participantes poderiam fornecer informações detalhadas sobre receitas, incluindo os ingredientes utilizados e suas respectivas quantidades, se conhecidas. Adicionalmente, foi utilizado o Manual Fotográfico de Quantificação Alimentar14 para quantificação dos alimentos consumidos pelas gestantes.
Um R24h foi administrado para toda a amostra e um segundo R24h foi reaplicado em uma subamostra (18%) com um intervalo mínimo de uma semana. Esses recordatórios foram obtidos em diversos dias da semana, sendo que 81,7% deles representavam o consumo alimentar de segunda a quinta-feira. Além disso, foram coletados durante diferentes estações do ano, com 24,3% na primavera, 25,3% no verão, 28,0% no outono e 22,4% no inverno.
Dados sobre o peso ao nascer, o sexo do bebê e a idade gestacional do nascimento foram adquiridas junto ao Departamento de Saúde da cidade de Pinhais. Nos casos em que tais dados não estavam disponíveis (n=56), foi realizado contato telefônico com as mães para obter as informações após o nascimento dos bebês.
Os dados de consumo alimentar foram inseridos no software GloboDiet, versão adaptada para o contexto latino-americano, no modo Data Entry.15 Este software foi desenvolvido como parte de uma iniciativa global para adaptar uma versão computadorizada do R24h. Notas de inconsistências ou de informações ausentes foram geradas pelo software durante a entrada dos dados. Essas foram tratadas durante o controle de qualidade dos dados de forma padronizada segundo as orientações do "Manual de Padronização do Tratamento de Notas no GloboDiet" desenvolvido pelo grupo de pesquisa.13
Os alimentos consumidos foram classificados de acordo com a classificação NOVA: in natura/minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.16 A classificação dos alimentos relatados foi realizada seguindo as especificações do documento base desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Exposição Alimentar (GUPEA) do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UPPR).13 Assim, a classificação segundo a NOVA foi realizada com a adição de uma quinta categoria denominada de "incerteza" para evitar a classificação errônea de um item alimentar devido à falta de informações detalhadas no R24h. Para a classificação final, os alimentos ainda classificados como incertos devido à falta de clareza sobre os hábitos de consumo no município (por exemplo, bolo não especificado) foram classificados segundo o menor nível de processamento possível, considerando o cenário menos conservador, conforme proposto pela European Food Safety Authority (EFSA) para lidar com cenários de incerteza na avaliação da exposição dietética.17
A classificação dos alimentos permitiu a quantificação da ingestão de energia proveniente de UPF e a estimativa da sua proporção em relação a ingestão energético total. A Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA)18 foi utilizada para estimar a composição energética dos alimentos. Tanto a vinculação dos dados à composição dos alimentos quanto a classificação dos alimentos de acordo com a NOVA foram realizadas por dois pesquisadores no nível de desagregação dos alimentos e análise dos ingredientes das receitas. Ao final, a contribuição dos UPF para a ingestão energética das gestantes foi calculada. Nos casos em que as mulheres grávidas tinham dois recordatórios, foi utilizada a média dos dois dias. Além disso, aplicou-se o método da proporção de médias para avaliar a contribuição dos alimentos à ingestão energética derivada de alimentos ultraprocessados, identificando os dez itens mais consumidos.
R24h com ingestão calórica inferior a 500 Kcal/dia e superior a 4.000 Kcal/dia ou com menos de cinco alimentos relatados foram revisados.19 Um critério de plausibilidade biológica foi aplicado para determinar sua inclusão, sendo aceitos os R24h com registro de relatos de náuseas, vômitos, apetite excessivo ou aumento do consumo alimentar devido a um dia atípico. No total, quatro R24h foram considerados implausíveis.
A classificação da adequação do peso do recém-nascido, com base na idade gestacional e no sexo, foi realizada usando as curvas Intergrowth-21st. 20 Os recém-nascidos foram categorizados como pequenos para a idade gestacional (PIG) se o peso deles estivesse abaixo do percentil 10, como adequados para a idade gestacional (AIG) se o peso estivesse entre o percentil 10 e 90, e como grandes para a idade gestacional (GIG) se o peso excedesse o percentil 90.20,21
As médias e os desvios-padrão ou intervalos de confiança foram calculados para variáveis contínuas, enquanto as frequências absolutas e relativas foram estimadas para variáveis categóricas. O efeito do consumo de UPF no peso ao nascer em relação à idade gestacional foi avaliado por regressão logística. Além do consumo de UPF, as seguintes covariáveis também foram consideradas nas análises: idade materna (em anos), raça/cor materna (branca ou amarela e parda ou preta), renda familiar (<R$ 1.000,00, R$ 1.000,00 a R$ 3.000,00 e ≥R$ 3.000,00), escolaridade materna (ensino fundamental incompleto/completo, ensino médio incompleto/completo, ensino superior incompleto/completo), hábito de fumar (sim ou não), hábito de consumir álcool durante a gravidez (sim ou não), convivência com cônjuge (sim ou não), paridade (=1 ou >1 filho), Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional (peso corporal não excessivo (< 25 kg/m2) e peso corporal excessivo (≥25 kg/m2), trimestre gestacional (primeiro, segundo e terceiro). Os valores de IMC foram categorizados de acordo com os critérios do Center forDisease Control and Prevention,22 incluindo adolescentes grávidas (≤ 19 anos) na amostra (n=11). Casos de sobrepeso e obesidade foram combinados na categoria de peso corporal excessivo. Essa abordagem foi adotada, pois os resultados permaneceram consistentes quando comparados a uma classificação mais específica para esse grupo etário.
As chances de PIG e GIG para a idade gestacional foram estimadas. Os resultados são apresentados como razões de chances (Odds Ratios - OR) estimadas, em relação ao AIG, juntamente com seus intervalos de confiança de 95% (IC95%) correspondentes. Foram calculados erros-padrão robustos para considerar possíveis erros de especificação do modelo. A significância estatística foi avaliada pelo teste de Wald e os pesos amostrais foram incluídos para garantir estimativas precisas dos parâmetros de interesse.
ORs não ajustadas foram calculadas para PIG e GIG, enquanto OR ajustadas foram obtidas apenas para GIG, pois as covariáveis não mostraram um efeito significativo quando ajustadas para as outras para o grupo PIG. As OR ajustadas foram derivadas usando regressão logística múltipla. As covariáveis incluídas na análise foram determinadas usando o seguinte procedimento: primeiro, as covariáveis com p<0,20 na análise não ajustada foram consideradas para o modelo de regressão múltipla. Em seguida, foi realizada uma seleção retroativa para eliminar as covariáveis com p<0,10 na análise ajustada.
Todas as análises foram realizadas no software R, versão 4.0.2. O pacote "survey" foi utilizado para o ajuste do modelo, com o objetivo de introduzir os pesos amostrais e obter estimativas robustas.
O estudo EMDI-Brasil foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (coordenador; nº 2.496.986) e da Universidade Federal do Paraná (coparticipante; nº 2.802.098).

Resultados
As características maternas e neonatais, baseadas na adequação do peso ao nascer para idade gestacional, são apresentadas na Tabela 1. A idade materna média foi de 26,4 anos, o IMC pré-gestacional médio foi de 28,2 kg/m2 e a idade gestacional média no nascimento foi de 38,6 semanas. Quando comparadas às mães de recém-nascidos AIG, as mães de recém-nascidos PIG e GIG mostraram idade materna ligeiramente maior e menores IMC pré-gestacional e idade gestacional no nascimento. 52,7% das gestantes foram classificadas como tendo peso corporal excessivo, 50,4% eram pardas ou negras, 61,6% relataram nível escolar médio, 83,1% viviam com cônjuge, 56,9% tinham uma renda entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00, 39,3% estavam no primeiro trimestre gestacional, 4,9% fumavam, 1,5% tinham o hábito de consumir álcool e 62,6% tinham dado à luz a mais de um filho. A proporção de mães com níveis educacionais mais altos e mais baixos foi ligeiramente diferente entre os grupos de crianças PIG, GIG e AIG. Da mesma forma, uma proporção maior de mães de crianças GIG apresentou uma renda mensal menor ou maior em comparação com aquelas de crianças PIG e AIG.

 



O peso médio ao nascer foi de 3.242 kg (3.206-3.274), com recém-nascidos PIG tendo um peso médio de 2.273 kg (2.130-2.417), e recém-nascidos GIG tendo um peso médio de 3.771 kg (3.621-3.823). O consumo de UPF pelas mulheres representou 26,9% (25,7-28,0) do total de energia consumida. Gestantes que deram à luz a recém-nascidos GIG apresentaram maior consumo de UPF (35,8%; 31,6-40,1) em comparação com aquelas com recém-nascidos PIG (27,1%; 23,2-31,0) e AIG (25,7%; 24,4-27,0). Os dez UFPs mais consumidos incluíram refrigerante tipo cola, pão de queijo, margarina, biscoitos, refrigerante não especificado, linguiça não especificada, biscoitos tipo cream cracker não especificados, suco de frutas industrializado, cachorro-quente e pão industrializado (dados não tabulados). Juntos, esses itens alimentares contribuíram com 36,1% da ingestão energética total.
Ao analisar o peso ao nascer ajustado para a idade gestacional e o consumo de UPF, não foi observada associação significativa com recém-nascidos PIG nas análises não ajustadas (Tabela 2). Nenhuma das covariáveis consideradas mostrou associação significativa com pequeno peso para a idade gestacional. No entanto, nas análises não ajustadas de recém-nascidos GIG (Tabela 3), foi observado uma associação potencialmente significativa, no limite da significância estatística, entre o peso ao nascer ajustado para a idade gestacional e o consumo de UPF (OR= 1,028; IC95%= 1,000-1,058; p=0,05), escolaridade materna (OR= 4,394; IC95%= 1,147-16,835; p=0,07) e renda familiar (OR= 0,181; IC95%= 0,050-0,659; p=0,013). Isso possivelmente indica que a chance de um recém-nascido GIG aumenta em 2,8% a cada 1% adicional de UPF consumidos pela mulher durante o período gestacional. Além disso, a chance de um recém-nascido GIG foi estimada em 4,44 vezes maior para mães com ensino superior incompleto/completo em comparação com aquelas com ensino fundamental incompleto/completo, e 0,181 vezes para aquelas com renda entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00 em comparação com aquelas com renda de até R$ 1.000,00.

 




 



Quando os dados foram analisados para o grupo de crianças GIG em análises de efeitos ajustados (Tabela 4), foi encontrada uma tendência de associação entre o consumo de UPF pelas gestantes e o peso ao nascer dos recém-nascidos (OR= 1.027; CI95%= 1.000-1.054; p=0.048). Além disso, a renda familiar (OR= 0,144; CI95%= 0.042-0.492; p=0.008) mostrou-se associada ao consumo de UPF. A chance de mulheres terem bebês GIG aumentou aproximadamente 2,7% para cada 1% adicional de consumo de UPF durante o período gestacional. Ainda, a chance de um recém-nascido GIG foi 0,14 vezes menor para gestantes com renda familiar entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00 em comparação com aquelas com renda de até R$ 1.000,00. Por outro lado, a chance de um recém-nascido GIG foi estimada em 6,1 vezes maior para mães com ensino superior incompleto/completo em comparação com aquelas com ensino fundamental incompleto/completo. Contudo, essa associação não foi estatisticamente significativa.

 



Discussão
Este estudo examinou a relação entre o consumo de UPF em gestantes e o peso ao nascer dos recém-nascidos ajustado para a idade gestacional. Os resultados revelaram uma tendência de associação positiva entre o consumo de UPF pelas gestantes e o peso ao nascer dos recém-nascidos GIG, bem como a renda familiar. Ao contrário do único estudo que examinou a associação entre o consumo de UPF e o peso ao nascer dos recém-nascidos,9 o presente estudo não encontrou evidências de que o consumo moderado a alto de UPF durante a gravidez aumentaria a probabilidade de recém-nascidos PIG.
Um estudo longitudinal conduzido no Rio de Janeiro examinou os hábitos alimentares de gestantes e categorizou seu consumo alimentar em quatro padrões.24 Embora diferente de nossa pesquisa, um dos padrões identificados foi intitulado como padrão ocidental, representando 6,9% do consumo total (incluindo itens como batata/aipim/mandioca, massa, farinha/farofa/polenta, pizza/hambúrguer/pastel, refrigerante/soft drink e porco/cachorro-quente/linguiça/ovo). Outro padrão foi chamado de padrão de lanche, que explicou 5,7% da variação no consumo (consistindo em biscoitos recheados, biscoitos salgados e chocolate). Em relação ao padrão de lanche, o estudo identificou que uma maior adesão a esse padrão durante a gestação por mães adolescentes foi associada ao maior peso ao nascer dos seus recém-nascidos.
Miranda et al.25 conduziram uma revisão sistemática sobre a influência das exposições alimentares, um tanto relacionadas ao consumo de UPF durante a gravidez, nos parâmetros antropométricos de crianças com até um ano de idade. A revisão examinou resultados como peso ao nascer e suas classificações, adequação do peso ao nascer à idade gestacional, e entre outros aspectos. Em resumo, foram identificadas associações não significativas entre as exposições alimentares (principalmente padrão de alimentos "ultraprocessados"; refrigerantes, bebidas adoçadas artificialmente e bebidas adoçadas com açúcar; "fast food"; "junk food"; doces; e lanches) e as medidas antropométricas, incluindo peso ao nascer (n=9), PIG (n=5) e GIG (n=4). As autoras também identificaram um número limitado de associações diretas e inversas entre as exposições e os resultados. Segundo elas, as divergências observadas nos resultados podem ser atribuídas à diversidade metodológica dos estudos tais como tamanhos amostrais, tipos e momentos das avaliações dietéticas e a presença de comorbidades entre as avaliadas. No entanto, é digno de nota que esta revisão destacou os resultados de dois estudos que indicavam que um padrão dietético inadequado (especificamente baseado em "fast food" e doces) poderia aumentar a probabilidade de GIG, alinhando-se com as observações do presente estudo.
A contribuição do consumo de UPF para a ingestão energética das gestantes deste estudo foi menor (26,9%) do que o observado em estudos realizados no país e que identificaram valores de 32% e 41,3% para este grupo fisiológico.7,26 Por outro lado, a contribuição deste estudo é maior que a identificada por Mariano et al.27 (20,9%) para gestantes incluídas na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017/2018). No entanto, os dados da POF não representam estatisticamente a população de gestantes brasileiras. Em adição, ao examinar os outros centros participantes (n=10) do EMDI-Brasil, Pinhais foi o centro com a maior contribuição energética proveniente do consumo de UPF.28
O consumo de UPF pela população brasileira avaliado na POF foi estimado em 19,7% das calorias totais.29 Os dez UPFs mais consumidos pela população brasileira foram margarina (2,8%), biscoito salgado e salgadinho "de pacote" (2,5%), pão (2,1%), biscoitos doces (1,7%), embutidos e salsichas (1,6%), sorvete/geleia/pudim/sobremesa industrializada (1,4%), refrigerantes (1,3%), cachorros-quentes/hambúrgueres/outros sanduíches (1,1%), bebidas lácteas (1,1%) e pizza (0,9%), contribuindo para um total de 16,5%. Em contraste, no presente estudo, os dez UPFs mais consumidos pelas gestantes representaram aproximadamente 36% das calorias totais, sendo o refrigerante do tipo cola (5,1%) o principal contribuinte para a ingestão de energia dentro da categoria de UPF.
Diante do exposto, é crucial reconhecer que o consumo de UPF condiciona a um aumento na ingestão de calorias. Consequentemente, essa ingestão pode resultar em desfechos desfavoráveis para a saúde da gestante e do recém-nascido, como adiposidade excessiva, diabetes tipo II, doenças cardiovasculares, problemas de saúde mental e câncer. Rohatgi et al.3 observaram que uma maior ingestão de energia proveniente do consumo de UPF estava significativamente associada ao aumento do ganho de peso gestacional semanal e aos parâmetros antropométricos neonatais (espessuras de pregas cutâneas subescapular e da coxa, bem como a porcentagem de gordura corporal), independente do estado nutricional pré-gestacional da mãe. Para os recém-nascidos, o aumento da gordura corporal pode ser um preditor de obesidade na idade adulta. Portanto, o consumo de UPF deve ser limitado durante a gravidez, e o foco do cuidado pré-natal deve ser na melhoria da saúde materna e do recém-nascido, enfatizando uma dieta rica em alimentos in natura ou minimamente processados e promovendo refeições caseiras.
Neste estudo, foi observado que a renda familiar esteve associada com o consumo de alimentos ultraprocessados. A associação entre renda e maior consumo de UPF foi apoiada por pesquisas anteriores. Reconhece-se que o padrão alimentar centrado em UPF continua sendo mais caro em comparação com o padrão que enfatiza alimentos frescos ou minimamente processados no Brasil.28 No entanto, nesse estudo, não houve associação entre o consumo de UPF e renda superior a R$ 3.000,00 ao avaliar crianças com PIG e GIG. Além disso, não está claro por que essa associação foi observada apenas para crianças GIG, e não para grupos de PIG. Essa falta de associação permanece para ser explorada.
O presente estudo tem algumas limitações. Primeiramente, as informações coletadas sobre o consumo alimentar usando o método R24h dependem da memória e cooperação dos entrevistados, o que pode levar à subestimação dos dados. Em segundo lugar, a falta de correção para variabilidade intra-individual pode ter influenciado a detecção de associações. Embora dois R24h tenham sido coletados de um subconjunto de gestantes (18% da amostra), a correção para variabilidade intra-individual não foi realizada, pois isso não permitiria o cálculo da contribuição dos UPF para a ingestão de energia avaliada neste estudo. Por último, por se tratar de um estudo transversal, no qual os dados de exposição e desfecho são coletados ao mesmo tempo, esta pesquisa não permite o estabelecimento de relação causal.
No entanto, esta pesquisa também possui pontos fortes. O estudo faz parte de uma investigação multicêntrica envolvendo uma população representativa de Pinhais, no estado do Paraná. Além disso, é importante considerar a alta qualidade dos dados de consumo alimentar utilizados, coletados pelo R24h, com uso da abordagem MPM para condução da entrevista e auxílio de um álbum fotográfico para quantificação alimentar, e que foram posteriormente entrados no software GloboDiet.
Como conclusão, os resultados deste estudo demonstram uma tendência de associação positiva entre o peso de recém-nascidos grandes para a idade gestacional e o consumo de ultraprocessados durante a gravidez, sendo que um maior consumo de UPF está associado a uma renda familiar que varia entre 1.000 e 3.000 reais brasileiros.

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Contribuição dos autores: Crispim SP, Almeida CCB, Macedo MS e Franceschini SCC foram responsáveis pelo design e financiamento do estudo. Schrubbe V, Silva DLF, Elias VCM e Taconeli CA estiveram envolvidos na tabulação e análise estatística das informações. Crispim SP e Schrubbe V redigiram a primeira versão do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 14 de Junho de 2023
Versão final apresentada em 3 de Abril de 2024
Aprovado em 11 de Abril de 2024

Editor Associado: Sheila Costa

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