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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Fatores que interferem na percepção de segurança materna no pós-parto

Catarina Sousa Silva1; Sónia Brandão2; Ana Rita Azevedo3; Ana Paula Prata4

DOI: 10.1590/1806-9304202400000130 e20230130

RESUMO

OBJETIVOS: identificar os fatores que interferem na percepção de segurança materna no pós-parto.
MÉTODOS: estudo transversal, realizado em três unidades hospitalares portuguesas, com uma amostra não probabilística de 352 puérperas recrutadas nos serviços de internamento, no dia da alta hospitalar após o parto. As caraterísticas sociodemográficas e obstétricas maternas, assim como os dados relativos aos cuidados pré-natais, ao parto e ao tipo de aleitamento, foram recolhidos através da aplicação de um questionário desenvolvido pelas investigadoras. Para a análise da percepção de segurança materna foi usado o instrumento "Parents' Postnatal Sense of Security" (PPSS). Foi utilizada estatística descritiva e inferencial para a análise de dados.
RESULTADOS: as mulheres que viviam com o companheiro [t (349) = - 2,34, p=0,020], as multíparas (t (349) = - 2,26, p=0,025), as que vigiaram a gravidez [t (349) = -3,25, p=0,001], as que tiveram uma experiência de parto positiva [F (1, 351) = 7,07, p=0,008] e as que amamentaram em exclusivo durante o internamento [F (2, 351) = 11,43, p<0,001], apresentaram maior percepção de segurança no pós-parto.
CONCLUSÕES: os fatores que interferem na percepção de segurança materna no pós-parto são a coabitação com o companheiro, a paridade, a vigilância da gravidez, a experiência de parto e o tipo de aleitamento. Determinar os fatores que interferem com a segurança materna no pós-parto pode contribuir para a construção de programas de intervenção promotores da percepção de segurança materna no momento da alta hospitalar após o parto.

Palavras-chave: Parentalidade, Período pós-parto, Mães, Enfermeiras obstétricas, Percepção de segurança

ABSTRACT

OBJECTIVES: to identify the factors and variables that interfere with the maternal perception of security at postpartum.
METHODS: a cross-sectional study, carried out in three Portuguese hospital units, with a non-probabilistic sample of 352 puerperal women, recruited from the postpartum units on the day of hospital discharge after delivery. Maternal sociodemographic and obstetric characteristics, as well as data on monitored pregnancy, childbirth and infant feeding, were collected through the application of a questionnaire developed by the researchers. For the analysis of maternal perception of security, the instrument "Parents' postnatal sense of security" (PPSS) was used. Descriptive and inferential statistics were used for data analysis.
RESULTS: women who lived with their partner (t (349) = - 2.34, p=0.020), were multiparous (t (349) = - 2.26, p=0.025), had pregnancy monitored (t (349) = -3.25, p=0.001), had a positive childbirth experience (F (1, 351) = 7.07, p=0.008) and those who exclusively breastfed during hospitalization (F (2, 351) = 11,43, p<0.001), presented greater perception of security at postpartum.
CONCLUSIONS: the factors that affect the maternal perception of security at postpartum are cohabitation with a partner, parity, monitored pregnancy, childbirth experience and infant feeding. Defining which factors interfere with maternal security at postpartum may contribute to the construction of intervention programs that promote the maternal perception of security at the time of hospital discharge after delivery.

Keywords: Parenting, Postpartum period, Mothers, Nurse midwives, Perception security

Introdução
A segurança, considerada uma necessidade humana elementar, é influenciada pelas experiências individuais e pela capacidade de ação, sendo um componente essencial da qualidade de vida.1,2
A enfermagem moderna, para além de lidar com a doença e com a promoção da saúde, tem desenvolvido teorias para enfrentar as exigências humanas. Nesse contexto, surge a Teoria das Transições, que estuda o próprio indivíduo e o meio envolvente, em momentos de instabilidade, muitas vezes, carregados de sentimentos de insegurança, como é característico da transição para a parentalidade, devido às novas responsabilidades.3-5
Tornar-se mãe tem sido descrito como uma das transições mais desafiantes da vida do ser humano, com mudanças a nível pessoal, familiar e social.1 A instabilidade gerada por este novo ciclo de vida pode vir acompanhada de insegurança1,6 e, por este motivo, é relevante garantir o bem-estar da mãe e da criança.7 Ramona Mercer, na Teoria da Consecução do Papel Materno enfatiza a construção da identidade materna, como um processo evolutivo, através do qual, a aquisição de competências garante a mestria e a segurança no desempenho do papel.8
Após o parto, a alta hospitalar precoce tem sido uma prática global, cada vez mais frequente, que gera debates sobre as suas vantagens e desvantagens.9 Esta nova realidade carece de mais investigação que sustente a sua prática e que permita aos profissionais preparar as mulheres para o regresso a casa com maior efetivadade.10,11 Contudo, independentemente do tempo de internamento, que em Portugal é, habitualmente, de 48h para um parto vaginal e 72h para uma cesariana, importa empoderar as mães para que se sintam capazes e seguras no regresso a casa.
Fomentar a aquisição e o desenvolvimento de aptidões que confiram poder e controle na participação dos cuidados ao recém-nascido, aumenta a segurança no papel desempenhado, o que significa que a autonomia está diretamente relacionada com a segurança materna no pós-parto.1,6,12 Este tipo de conhecimento acerca da percepção da segurança permite desenvolver estratégias de cuidados direcionadas às reais necessidades das mães, mas continua ainda, pouco estudado, o que aponta para a necessidade de realização de mais investigação.13 Por este motivo, recorreu-se ao instrumento "Parents' Postnatal Sense of Security" (PPSS) que avalia a percepção de segurança materna na primeira semana pós-parto.7
Os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros obstétricos, precisam compreender os fatores que condicionam a percepção de segurança materna neste período com o propósito de promover uma transição para a parentalidade positiva.14 Assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores que interferem com a percepção de segurança materna no pós-parto.

Métodos
Este estudo de cariz transversal é composto por uma amostra de 352 puérperas, internadas no serviço de puerpério no dia da alta hospitalar. Estabeleceram-se como critérios de inclusão, entender e falar português, ter idade superior a 18 anos e ter estado em alojamento conjunto com o recém-nascido durante o internamento após o parto e como critérios de exclusão gravidezes múltiplas, parto prematuro e problemas de saúde que exigissem hospitalização em unidades de cuidados intermédios ou intensivos durante a gravidez, parto ou puerpério.
A amostra não probabilista deste estudo foi alcançada contactando 395 puérperas, mas após verificar os critérios de elegibilidade apenas 365 foram elegíveis e destas 352 mulheres aceitaram participar.
A coleta de dados foi realizada entre janeiro e junho de 2018, em três hospitais do norte de Portugal: Centro Hospitalar Universitário do São João (CHUSJ), Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM). No dia da alta hospitalar após o parto, as participantes que assinaram o consentimento informado, preencheram em privado, sem interferências externas, o questionário entregue pessoalmente pela investigadora, que fez uma breve introdução esclarecedora da investigação e do instrumento de coleta de dados.
O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário, de autorrelato, constituído por duas partes, uma com perguntas sobre as caraterísticas sociodemográficas (i.e. idade, área de residência, coabitação com o companheiro, escolaridade e vínculo laboral), obstétricas (i.e. tipo de conceção e paridade), cuidados pré-natais (i.e. vigilância da gravidez e preparação para a parentalidade), parto (i.e. tipo de parto, contato pele com pele, experiência de parto e dias de internamento) e tipo de aleitamento (i.e. amamentação na 1ª hora de vida e tipo de aleitamento durante o internamento).
A segunda parte, para a análise da percepção de segurança materna no pós-parto foi usado o instrumento Parent´s Postnatal Sense of Security (PPSS). 7 O PPSS permite avaliar a percepção de segurança quer dos pais quer das mães durante a primeira semana após nascimento do filho.9
Esse instrumento é constituído por 18 itens na versão materna avaliados numa escala tipo Likert de quatro pontos. Pode obter um score total que varia entre 18 e 72, e cujos valores mais elevados significam maiores níveis de percepção de segurança materna no pós-parto. É constituído por quatro dimensões importantes para a percepção de segurança materna no pós-parto, que são: Dimensão I – Empoderamento do comportamento parental pelo enfermeiro obstétrico, que inclui os itens 1, 2, 3, 4, 5 e 6; Dimensão II – Sensação de bem-estar geral, composta pelos itens 7, 8, 9, 10 e 11; Dimensão III – Sensação de afinidade na família, com os itens 12, 13, 14 e 15. Finalmente, a Dimensão IV - Amamentação, inclui os itens 16, 17 e 18.
O PPSS foi traduzido e adaptado para a população portuguesa e apresentou resultados muito semelhantes às versões originais, no que se refere à fidelidade e validade.6 No estudo da fidelidade, a análise da consistência interna revelou valores de alfa de Cronbach de 0,79 para a versão materna6 e no presente estudo, o valor obtido foi de 0,801. Metodologicamente, optou-se por um instrumento já usado em diversos contextos internacionais e que estivesse traduzido e adaptado à realidade portuguesa, uma vez que esta abordagem permite comparar resultados entre a comunidade científica. Optou-se por usar apenas o PPSS, uma vez que as quatro dimensões se comportavam de forma geral como a escala total. O estudo foi realizado em três unidades hospitalares portuguesas e, como não houve diferenças entre os grupos relacionadas com o local de coleta de dados, considerou-se por esse motivo um único grupo.
Foi usada análise descritiva para apresentar a informação relativa às variáveis compreendidas em cada um dos grupos em análise (sociodemográfico, obstétrico, cuidados pré-natais, parto e aleitamento).
Primeiramente, foram usados testes t para análise das variáveis dicotómicas, nomeadamente: idade (≤35/˃35), área de residência (urbana/rural), coabitação com companheiro (sim/não), escolaridade (básica: ≤12 anos/superior: ˃12 anos), vínculo laboral (empregada/desempregada), tipo de conceção (espontânea/procriação medicamente assistida), paridade (primípara/multípara), vigilância da gravidez (vigiada/não vigiada), programas de preparação para a parentalidade (frequentou/não frequentou), tipo de parto (vaginal/cesariana), contato pele-a-pele após o nascimento (sim/não), experiência de parto (positiva/negativa), número de dias de internamento após o parto (2/≥3) e amamentação na primeira hora de vida do recém-nascido (sim/não). Para as variáveis não dicotómicas (tipo de aleitamento durante o internamento - amamentação exclusiva/aleitamento materno+leite artificial/leite artificial) foram aplicadas análises de variância (ANOVA).
Uma vez concluída a análise univariada, nos grupos (sociodemográfico, obstétrico, cuidados pré-natais, parto e aleitamento) em que houve mais do que uma variável com significado estatístico, foi utilizado um modelo multivariado ANOVA, para controlar essas variáveis dentro de cada grupo. Desta forma ficará clara a relação entre elas, no que se refere à auto percepção de segurança materna no pós-parto. O teste post-hoc de Bonferroni foi utilizado após a análise de variância.
O nível de significância estatística foi fixado em 0,05. A análise estatística foi realizada utilizando o SPSS para Windows versão 27.
O estudo foi aprovado pelas comissões de ética (Parecer nº 31-18 – CES do CHUSJ; Parecer nº 04/2018 do CES do CHUP e 036-DEFI/036-CES da ULSAM).

Resultados
Na Tabela 1, observa-se que a idade das participantes variou entre os 18 e os 46 anos, com uma média de 31,22 anos (DP=5.26). A maioria das mulheres tinha idade inferior ou igual a 35 anos (78,0%, n=273), escolaridade de nível básico (60,2%, n=212), vivia numa área urbana (65,6%, n=231), com o companheiro (88,9%, n=313), estava empregada (86,9% n=299), engravidou espontaneamente (93,7%, n=329), era primípara (50,9%, n=179), vigiou a gravidez (84,7%, n=298), fez preparação para a parentalidade (68,9%, n=241), teve um parto vaginal (71,6%, n=252), uma experiência de parto positiva (86,4%, n=304), fez contacto pele-a-pele com recém-nascido imediatamente após o nascimento (77,0%, n=271), esteve 3 ou mais dias internada após o parto (55,4%, n=195), amamentou na primeira hora de vida do recém-nascido (73,30%, n=258) e amamentou em exclusivo durante o internamento (79,8%, n=281).

 



O escore médio do PPSS nesta amostra foi 58,45 (DP = 6,90), variando de 36 a 72.
Os escores médios das quatro Dimensões do PPSS, nesta amostra foram: I – 21,63 (DP=3,11); II - 11.95 (DP=3,20); III – 15,05 (DP=2,02) e IV – 9,82 (DP=10,44). Os valores de alfa de Cronbach foram 0,860; 0,587; 0,879; 0,730, respetivamente para cada uma das dimensões.
Relativamente à percepção de segurança materna no pós-parto, existiram diferenças significativas entre as mulheres que viviam e aquelas que não viviam com o companheiro [t(349) = - 2,34, p=0,020], sendo que as viviam com o companheiro apresentaram escores mais elevados de percepção de segurança no pós-parto. Neste grupo de variáveis sociodemográficas, mais nenhuma apresentou significância estatística.
No que diz respeito ao grupo das variáveis obstétricas, existiram diferenças significativas de acordo com a paridade [t(349) = - 2,26, p=0,025], sendo que as mulheres multíparas apresentaram escores mais elevados de percepção de segurança no pós-parto. As demais variáveis não apresentaram significância estatística.
Relativamente ao grupo das variáveis dos cuidados pré-natais, existiram diferenças significativas entre as mulheres que vigiaram e as que não vigiaram a gravidez [t(349) = -3,25, p=0,001], sendo que as que vigiaram apresentaram escores mais elevados de percepção de segurança no pós-parto. As demais variáveis não apresentaram significância estatística.
No grupo das variáveis relacionadas com o parto existiram diferenças significativas na percepção de segurança materna entre as mulheres que tiveram um parto vaginal e as que tiveram cesariana [t(349) = 2,68, p=0,008], entre as que fizeram contato pele com pele com o recém-nascido e as que não fizeram [t(349) = 3,35, p<0,001], entre as que relataram uma experiência positiva de parto e as que relataram uma experiência negativa [t(349) = 4,39, p<0,001], entre as que estiveram internadas apenas dois dias e as que estiveram internadas três ou mais dias [t(349) = 1,98, p=0,048]. No grupo das variáveis do aleitamento, existem diferenças significativas na percepção de segurança materna no pós-parto entre as mulheres que amamentaram na primeira hora de vida do recém-nascido e as que não amamentaram [t(349) = 2,51, p=0,013]; durante o internamento, existem diferenças significativas entre as mulheres que amamentaram em exclusivo e as que tiveram que suplementar as mamadas com leite artificial [F (2, 348) = 11,87, p<0,001]. As mulheres que amamentaram o recém-nascido na primeira hora de vida e as que amamentaram em exclusivo durante o internamento apresentaram escores mais elevados de percepção de segurança no pós-parto.

 



Posteriormente, foi aplicado um modelo multivariado ANOVA, nas situações onde foi encontrada mais do que uma variável significativa dentro de cada grupo: grupo do parto, onde apenas a experiência de parto [F (1, 351) = 7,07, p=0,008] permaneceu estatisticamente significativa e no grupo do aleitamento, onde apenas o tipo de aleitamento durante o internamento [F (2, 351) = 11,43, p<0,001] permaneceu com significado estatístico.

Discussão
Neste estudo, os resultados sugerem um conjunto de fatores relacionados com o sentimento de segurança materna e descartam outros, sem qualquer relação estatisticamente significativa.
Relativamente às caraterísticas sociodemográficas, a coabitação com o companheiro foi uma variável com significado na percepção materna de segurança no pós-parto. A relação com o pai da criança é identificada como um fator relevante para as mulheres e é reconhecida por estas como essencial. A importância da presença e suporte do companheiro, não só durante a gravidez, como durante o trabalho de parto e parto, mas também após o parto, é inegável,1,2,15,16 o que corrobora os resultados encontrados no presente estudo. A atitude e participação do companheiro ao longo da gravidez, incluindo as aulas pré-natais, poderá contribuir para uma melhor gestão da dor de trabalho de parto e para tornar esta experiência num evento de vida positivo, com repercussões na percepção de segurança no pós-parto.1,2,14 Aliado a isto, a partilha de responsabilidades, sobretudo no pós-parto e direcionada aos cuidados à criança, apoiando a aquisição de competências relaciona-se com a promoção da segurança materna.17
Remetendo os dados para as variáveis obstétricas, as grandes constatações são relativas à paridade, com as mulheres multíparas a apresentarem maior percepção de segurança no pós-parto. Esta relação já foi encontrada na avaliação do PPSS pelos próprios autores do instrumento, que reforçam que as primíparas experienciam níveis mais baixos de segurança do que as mães mais experientes.2 Tornar-se mãe é um evento desencadeante de amplas mudanças, sendo presumível o quão mais desafiador e gerador de insegurança poderá ser vivenciar a maternidade pela primeira vez.
As mulheres que vigiaram a gravidez apresentaram maior percepção de segurança no pós-parto. Alguns autores afirmam que a vigilância da gravidez pode ser traduzida em sentimentos de tranquilidade quando a mãe e o bebê apresentam bem-estar físico, o que despoleta sentimentos de segurança nesta fase e nas subsequentes, como o parto e o pós-parto.1,18 Por outro lado, e contrariamente a outros estudos, não foi identificada uma relação com significado estatístico entre ter feito preparação para a parentalidade e a percepção de segurança no pós-parto. A preparação para a parentalidade tem vindo a ser parte integrante do acompanhamento da gravidez nos cuidados de saúde em Portugal.19 Implementados quer nos cuidados de saúde primários, quer em ambiente privado, estes programas visam melhorar os cuidados aos pais e crianças com base nas respetivas necessidades individuais, objetivando uma parentalidade autónoma e positiva, onde o empoderamento precoce dos progenitores contribua para uma transição saudável e adaptada ao novo papel.8
As primíparas, pela novidade e inexperiência da situação, são aquelas que procuram mais estes programas, porém, esta intervenção poderá ser insuficiente já que, ainda não se sentem capazes de saber colocar questões na gravidez daquilo que lhes possa vir a surgir no pós-nascimento.20 Fatores como a assiduidade, conteúdos, motivação, disponibilidade e acessibilidade das grávidas, poderão ainda ser ponderados como condicionantes do usufruto integral dos benefícios que estas intervenções oferecem.19 Em futuros estudos urge a exploração desta variável e da sua influência na segurança materna no pós-parto, para melhor entender o seu impacto e assim se proceder a um conveniente ajustamento das práticas profissionais.
No que concerne aos dados do parto, inicialmente, todas as variáveis apresentaram significado estatístico face à segurança materna no pós-parto, no entanto, após aplicado o modelo multivariado, apenas a experiência de parto permaneceu estatisticamente significativa. As mulheres que classificaram a experiência de parto como positiva apresentaram escores mais elevados de percepção de segurança no pós-parto.
Contudo, importaria saber o que significa uma experiência positiva de parto. A investigação nesta área tem reconhecido algumas associações. Um dos estudos aponta as mulheres com partos vaginais como sendo aquelas com maior percepção de segurança no pós-parto.18 A cesariana é um procedimento cirúrgico que, inevitavelmente traz mais riscos maternos e perinatais, quando comparada ao parto vaginal e, como tal, é passível de ser associada a níveis superiores de ansiedade e insegurança materna.21
Outros autores, acrescentam ainda o primeiro contacto pele-a-pele entre mãe e filho como fator contribuinte para uma experiência positiva de parto.22 Com base na literatura, é razoável supor que as mulheres estudadas nesta investigação, que tiveram parto vaginal e fizeram contacto pele-a-pele, possam ter traduzido essas vivências numa experiência positiva de parto.
No presente estudo, verificou-se que para a percepção de segurança materna no pós-parto foi irrelevante o tempo de internamento, o que levanta questões acerca do suporte e preparação da alta, uma vez que em internamentos mais prolongados, à partida, haveria mais tempo de cuidados antecipatórios para o regresso a casa.
Dados dicotómicos têm resultado da análise das vantagens e desvantagens da alta precoce. Se, por um lado, aumenta a morbilidade materno-infantil e a falta de conhecimentos dos pais, por outro, cria oportunidades para a prestação de cuidados centrados na família no seu ambiente, constituindo uma intervenção pós-natal mais custo-efetiva.12,20 Estas dissonâncias prendem-se com a variável qualidade da preparação para alta, o que destaca a necessidade de aprofundar as avaliações e intervenções, para melhor identificar as mulheres com necessidade de apoio adicional.23
No que concerne ao tipo de aleitamento, o resultado da investigação nesta área confirma haver uma relação recíproca entre a percepção de segurança materna e a amamentação, influenciando-se mutuamente e positivamente, relativamente à adesão e manutenção desta prática.1,24 Estes dados são corroborados pelo nosso estudo, no qual, as mulheres que amamentaram em exclusivo apresentaram, em média, níveis mais elevados de segurança.
O incentivo, suporte e apoio dos profissionais envolvidos, fomenta sentimentos de competência e autoeficácia que por si, também são promotores de confiança e segurança, imprescindíveis para o estabelecimento e manutenção da amamentação.20,24,25
Foram encontradas limitações no presente estudo. Após análise das variáveis e da sua significância, sugere-se a realização de estudos de uma maior escala, para perceber se estes se traduziriam em resultados diferentes, tal como sucede noutros estudos semelhantes. Adicionalmente, deve ser dada especial atenção na extrapolação dos resultados para outros contextos e ponderar a inclusão das figuras paternas para enriquecimento futuro dos presentes resultados.
Para a prática clínica, o PPSS poderá ser uma ferramenta útil para ajudar os profissionais de saúde durante os primeiros cuidados que prestam no pós-parto, rastreando as mulheres com necessidade de intervenções e apoio diferenciado, de modo a promover um regresso seguro ao domicílio e uma transição parental positiva.
Numa visão geral, percebe-se que a percepção de segurança materna é passível de ser influenciada por diversos fatores, nomeadamente, a coabitação com o companheiro, a vigilância da gravidez, a paridade, a experiência de parto e o tipo de aleitamento. Os resultados aqui obtidos devem ser considerados para construir novas intervenções de promoção de segurança materna, nos contextos explorados, sobretudo no período pós-natal, mas também no período pré-natal.
Considerando a segurança como uma necessidade básica ao longo da gravidez, parto e pós-parto, a busca permanente deste sentimento torna-se uma constante, que caracteriza todo o processo.

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Contribuição dos autores: Todos os autores contribuíram para o desenvolvimento das ideias, conceção, desenho, análise e interpretação dos dados, bem como para a redação e revisão final da versão submetida.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 20 de Abril de 2023
Versão final apresentada em 6 de Fevereiro de 2024
Aprovado em 8 de Fevereiro de 2024

Editora Associada: Gabriela Sette

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