Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Associação entre padrões alimentares e fenótipos corporais em adolescentes brasileiros

Ana Elisa Madalena Rinaldi1; Wolney Lisboa Conde2; Carla Cristina Enes3

DOI: 10.1590/1806-9304202400000416 e20220416

RESUMO

OBJETIVOS: investigar associação entre padrão alimentar (PA), atividade física (AF) e fenótipos corporais (FC) em adolescentes.
MÉTODOS: estudo transversal de base escolar com 1.022 adolescentes de dez a 19 anos. Padrão alimentar e fenótipo corporal foram definidos por meio da análise de componentes principais. O fenótipo corporal foi definido usando antropometria, composição corporal, bioquímica e maturação sexual, e padrão alimentar a partir de 19 grupos de alimentos de um questionário de frequência alimentar. A associação entre padrão alimentar e fenótipo corporal foi avaliada por modelo de regressão linear.
RESULTADOS: foram identificados cinco fenótipos corporais (FC1adiposidade, FC2puberdade, FC3bioquímico, FC4muscular, FC5lipídios_bioquímico) e cinco padrões alimentares (PA1alimentos_ultraprocessados, PA2alimentos_frescos, PA3pão_ arroz_feijão, PA4preparações_culinárias, PA5bolos_arroz_feijão). Há maiores escores de FC_adiposidade para adolescentes com obesidade, mas o gasto energético foi semelhante para adolescentes com e sem diagnóstico de obesidade. Atividade física associou-se positivamente com IMC, FC_adiposidade e FC_puberdade. Observamos associação negativa entre PA_ultraprocessados e IMC, e positiva entre PA_alimentos_frescos. PA_alimentos_frescos associou-se positivamente com FC_adiposidade; PA_ultraprocessados e PA_preparações_culinárias se associaram negativamente a este fenótipo. FC_bioquímico associou-se negativamente com PA_alimentos_frescos.
CONCLUSÃO: identificamos associação negativa entre padrão alimentar composto principalmente por alimentos ultraprocessados e alimentos in natura e FC_adiposidade. Essas associações devem ser exploradas com o mesmo público em estudos futuros, principalmente em adolescentes, pois tanto o padrão alimentar quanto o fenótipo foram definidos por meio de análise multivariada.

Palavras-chave: Fenótipo corporal, Padrão alimentar, Adolescente, Obesidade

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate the association between dietary patterns, physical activity, and body phenotypes in adolescents.
METHODS: this school-based cross-sectional study involved 1,022 adolescents aged ten to 19 years. Dietary patterns and body phenotypes were defined using a principal component analysis. Body phenotype was defined using anthropometry, body composition, biochemistry, sexual maturation, and dietary patterns from 19 food groups, using a food frequency questionnaire. The association between the dietary patterns and body phenotypes was assessed using a linear regression model.
RESULTS: five body phenotypes (BP1adiposity, BP2puberty, BP3biochemical, BP4muscular, BP5lipids_biochemical) and five dietary patterns (DP1ultraprocessed_foods, DP2fresh_foods, DP3bread_rice_beans, DP4culinary_preparations, DP5cakes_rice_beans) were identified. There were higher BP_adiposity scores for obese adolescents, but energy expenditure was similar for obese and non-obese adolescents. Physical activity was positively associated with BMI, BP_adiposity, and BP_puberty. We observed a negative association between DP_ultraprocessed_foods and BMI, and a positive association between DP_fresh_food. DP_fresh_foods was positively associated with BP_adiposity; DP_ultraprocessed_foods and DP_culinary_preparations were negatively associated with this phenotype. BP_biochemical was negatively associated with DP_fresh_foods.
CONCLUSION: we identified a negative association between a dietary pattern composed mainly of ultra-processed foods, fresh foods, and BP_adiposity. These associations need to be better explored, especially in adolescents, as both dietary patterns and phenotypes were defined using multivariate analysis.

Keywords: Body phenotype, Dietary pattern, Adolescent, Obesity

Introdução
As práticas alimentares saudáveis durante a adolescência podem ter efeitos profundos na saúde imediata e a longo prazo dos adolescentes e podem limitar comportamentos prejudiciais que contribuem para a epidemia de doenças não transmissíveis (DNT) na idade adulta.1,2 Em 2016, considerando que a nutrição é um desafio central para saúde, economia e desenvolvimento sustentável de um país, as Nações Unidas implementaram a Década de Ação sobre Nutrição (2016-2025), com objetivo principal de mobilizar todos os governos na aceleração de ações para erradicar todas as formas de desnutrição (subnutrição, deficiências de micronutrientes e excesso de peso/ obesidade).3
As práticas alimentares atuais dos adolescentes têm sido caracterizadas pelo aumento da ingestão de alimentos com alto teor de gorduras totais e saturadas, açúcares e sal, e baixa ingestão de frutas e vegetais.4 Assim, a adoção de práticas alimentares inadequadas parece ser um determinante da saúde e do estado nutricional. No Brasil, como em diversos países do mundo, a obesidade na adolescência é uma preocupação crescente na saúde pública e estudos representativos nacionalmente indicam que a obesidade atinge aproximadamente 8% dos adolescentes.5,6 A inatividade física, que também contribui para o aumento do peso corporal, também apresenta alta prevalência nos jovens brasileiros. Entre adolescentes de 11 e 17 anos, 84% não praticam uma hora de atividade física por dia, conforme recomendação de organismos internacionais.7
A utilização de análises tradicionais que investigam o efeito isolado do consumo alimentar,8 da atividade física e da composição corporal em detrimento de uma avaliação conjunta e dinâmica dos perfis comportamentais, dos padrões alimentares (PAs) e dos principais influenciadores dos adolescentes em contextos sociais e psicossociais pode dificultar uma compreensão mais ampla da saúde do adolescente.
A análise do padrão alimentar surgiu como uma forma prática de fornecer informações ao público e de implementar políticas, em contraste com as investigações de fatores de risco dietéticos focadas em grupos de alimentos ou nutrientes.9 Na verdade, esta abordagem permite avaliar as implicações dietéticas com diferentes grupos de alimentos e correlaciona-se com as condições clínicas de forma mais completa do que a análise de nutrientes isolados ou tipos específicos de alimentos.
O estado nutricional dos adolescentes também tem impacto importante na sua saúde e geralmente é avaliado por meio de indicadores isolados (antropometria, composição corporal ou marcadores bioquímicos) que são analisados separadamente com preditores sociais e psicossociais, dificultando uma compreensão mais ampla da situação de saúde dos adolescentes.10 Estes indicadores são incapazes de abordar a complexidade das alterações da composição corporal durante a puberdade. Uma alternativa a esta limitação é a utilização da análise multivariada para a definição de fenótipos corporais (FCs) que são a soma das especificidades que caracterizam um indivíduo.11
A utilização dos FC na avaliação do estado nutricional em adolescentes é uma abordagem inovadora, demonstrada pela análise simultânea de dimensões antropométricas, composição corporal e parâmetros bioquímicos em modelo multivariado. Estudos anteriores12,13 propuseram e descreveram FC usando variáveis antropométricas, maturação sexual, composição corporal e bioquímicas em análises multivariadas.
Em nosso estudo, aplicamos esses FCs como desfechos para compreender sua associação com padrões alimentares, atividade física e características sociodemográficas. Portanto, o objetivo do nosso estudo foi investigar a associação entre FC, atividade física e PA em adolescentes.

Métodos
Foi realizado um estudo transversal utilizando dados de um estudo de base escolar intitulado "Determinantes do risco de obesidade em adolescentes a partir de uma pesquisa com escolares com amostra mista: transversal e longitudinal" (IAP-SP). O IAP-SP corresponde a uma terceira fase de pesquisas realizadas com adolescentes escolares da cidade de Piracicaba, estado de São Paulo, Brasil. Trata-se de uma amostra probabilística de escolas, utilizando dois critérios de estratificação: geográfico (distritos centrais e periféricos) e tipo de administração escolar (pública e privada). Posteriormente, a amostra foi estratificada por série escolar e os conglomerados foram analisados em duas etapas. No primeiro estágio, as unidades primárias de amostragem foram todas as escolas públicas e privadas; e no segundo estágio, as unidades amostrais secundárias foram todas as séries de cada escola. O estudo envolveu 1.022 adolescentes com idades entre dez e 19 anos.
Os FC foram definidos por meio de variáveis antropométricas (peso, altura, dobras cutâneas, circunferência da cintura), composição corporal (ângulo de fase), bioquímicas (colesterol total, triacilglicerol, glicose e hemoglobina), variáveis de maturação sexual (pelos pubianos, genitais e mamas) e idade (em anos). As mesmas variáveis foram usadas em estudos anteriores.12,13 O índice de massa corporal (IMC) foi definido como a razão entre o peso (quilogramas) e o quadrado da altura (metros). Com base no IMC, classificamos o estado nutricional dos adolescentes segundo idade e sexo (escore Z), considerando o ponto de corte: baixo peso (escore Z < -2), eutrófico (escore Z de -2 e <+1), sobrepeso (escore Z ≥+1 e <+2) e obesidade (escore Z ≥2).
Todas as medidas antropométricas foram realizadas em duplicata por pesquisadores treinados utilizando técnicas padronizadas, considerando a média entre os valores. O ângulo de fase foi calculado como a tangente do arco da razão entre reatância e resistência. A resistência e a reatância foram medidas com um analisador de bioimpedância (BIA) (modelo 0358T, RJL Systems, Clinton Township, EUA). Todos os procedimentos foram realizados de acordo com as recomendações do manual do fabricante. Todas as variáveis eram contínuas.
A avaliação da maturação sexual foi baseada no desenvolvimento das mamas e no crescimento dos pelos pubianos nas meninas, e no desenvolvimento genital e no crescimento dos pelos pubianos nos meninos. Todos os adolescentes se classificaram em um dos cinco estágios de maturação, conforme desenhos que representam os cinco diferentes estágios de Tanner em ordem crescente de desenvolvimento. Adolescentes com idade ≥15 anos não completaram a avaliação da maturação sexual. Além disso, quando questionamos as meninas sobre a idade da menarca, entendemos que elas haviam completado o processo de maturação sexual. Portanto, classificamos todas as meninas com 15 anos no estágio 5 de Tanner. Para os meninos, 16% tinham 16 anos ou mais e também foram considerados no estágio 5 de Tanner.
Amostras de sangue foram coletadas pela manhã, após jejum de 12 horas. Os valores de triglicerídeos, glicose (glicemia de jejum), hemoglobina, colesterol total e frações lipoprotéicas foram determinados no plasma. Foi utilizada a relação colesterol total/colesterol LDL.
A avaliação do consumo alimentar habitual foi realizada por meio da aplicação do Questionário Semiquantitativo de Frequência Alimentar (QFAA) validado para adolescentes.14 Essa ferramenta fornece sete opções de consumo para 58 itens alimentares nos últimos três meses. Pesquisadores de campo treinados realizaram entrevistas estruturadas presenciais e preencheram os questionários nas escolas. Classificamos os 58 alimentos originais em 19 grupos com base na semelhança dos perfis nutricionais ou no uso culinário entre os alimentos, e alguns alimentos individuais foram classificados individualmente se sua composição diferisse substancialmente de outros alimentos. Desta forma, a classificação final foi: frutas; vegetais; carne/aves/peixe/ovos; carne/salsicha processada; lanches; comidas rápidas; pães; tubérculos fritos; comida diária; comidas gordurosas; bebidas açucaradas; açúcar/pastelaria; sorvete; biscoitos; alimentos de panificação; bolos; acompanhamentos; arroz/feijão; e batata/milho (Tabela 1).

 



As variáveis sociodemográficas incluíram idade, sexo, cor da pele, administração escolar (pública ou privada) e nível socioeconômico. A pontuação dos bens das famílias é aplicada como proxy da riqueza. Pontuações para cada componente também foram calculadas. A lista de bens domiciliares e escolaridade do chefe da família foi compilada utilizando os Critérios de Classificação Econômica Brasileira.15 Essas variáveis foram modeladas por meio de análise de componentes principais (ACP), e apenas o primeiro componente foi selecionado para resumir os dados, que foram particionados em tercis. Também avaliamos a atividade física habitual (durante os últimos 12 meses) a partir de um questionário validado para adolescentes.16 A intensidade da atividade física foi expressa em equivalentes metabólicos (METs) utilizando dados do tipo de atividade física, sua duração (horas) e do peso corporal (em quilogramas). Classificamos os METs de acordo com a Organização Mundial da Saúde em três categorias de intensidade, sendo elas: baixa intensidade (1 a 1,9 METs), intensidade moderada (3 a 5,9 METs) e intensidade vigorosa (mais de 6 METs).17 Os METs também foram utilizados como variável contínua na escala logarítmica (log).
Os FCs foram definidos pela ACP com base na antropometria, composição corporal, variáveis bioquímicas e maturação sexual. Componentes com autovalor ≥ 1,0 foram retidos e cargas fatoriais > 0,2 foram utilizadas para descrever os fenótipos. O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi utilizado para avaliar a adequação da amostragem em relação ao grau de correlação entre as variáveis. Mais detalhes sobre a construção de FCs foram apresentados em outras publicações.12,13
Os padrões alimentares (PA) foram definidos a partir de 19 grupos de alimentos por meio da ACP. Componentes com autovalores superiores a 1,0 foram retidos e autovetores (cargas fatoriais) superiores a 0,2 foram utilizados para descrever o DP. Em seguida, foi utilizado o teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) para analisar a conformidade das variáveis com a ACP. Cada adolescente recebeu uma pontuação padronizada para cada PA identificado. O valor do escore representa a proximidade do adolescente com cada PA.
Realizamos um gráfico de dispersão para descrever a relação entre o gasto energético de acordo com os escores de MET e FC. A associação entre PA e FC, ajustada por sexo, idade, nível socioeconômico e atividade física foi avaliada por meio de modelo de regressão linear. Foi considerado o intervalo de confiança de 95% para avaliar o nível de significância do modelo. Todas as análises foram realizadas no software Stata SE 13.0.
O estudo envolveu 1.022 adolescentes com idades entre dez e 19 anos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de São Paulo (protocolo número 02546612.5.0000.5421).

Resultados
Um total de 1.022 adolescentes foram incluídos neste estudo. As principais diferenças entre adolescentes de escolas públicas e privadas estão na cor da pele e na riqueza. O percentual de meninas foi superior ao de meninos (55,9% vs. 44,1%), e a maioria dos adolescentes tinha menos de 15 anos de idade, provenientes de escolas públicas (65,2%) e privadas (66,1%). O percentual de adolescentes classificados como brancos foi maior nas escolas privadas (83,3%), pardos (28,9%) e negros (17,6%) nas públicas. A maioria dos adolescentes das escolas públicas estava classificada nos tercis mais baixos de riqueza (44,8%), e das escolas privadas estavam nos tercis mais altos (80,4%). O percentual de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e baixa atividade física (MET) foi de 37,9% (37,2% público versus 40,8% privado) e 50,0% (53,9% público versus 54,85 privado), respectivamente (dados não apresentados em tabelas).
Foram definidos cinco FCs: FC1adiposidade, caracterizado por cargas positivas para as variáveis dobra cutânea, massa corporal e circunferência da cintura; FC2puberdade, caracterizado por cargas positivas para estágios de pêlos pubianos e mamas em meninas, ou pêlos pubianos e genitais em meninos, altura e idade; FC3bioquímico, caracterizado por cargas positivas para triglicerídeos e glicose; FC4músculo, caracterizado por cargas positivas para ângulo de fase e hemoglobina; e FC5lipídios_bioquímico com cargas negativas para ângulo de fase e positivas para triglicerídeos e relação colesterol total/colesterol LDL. O valor de KMO foi elevado (0,8096) (Tabela 2).

 



A relação entre a intensidade de atividade física (METs) e o FC segundo sexo e diagnóstico de obesidade está descrita na Figura 1. Para todos os FCs foi possível definir principalmente dois grupos de adolescentes – fisicamente inativos (gasto energético < 1,0) e fisicamente ativos (gasto energético ≥ 3,0). Escores mais elevados de FC_adiposidade são apresentados para adolescentes obesos, mas o gasto energético (log) foi semelhante tanto para adolescentes obesos quanto para não obesos.

 



Foram definidos cinco PAs para grupos de alimentos e cada PA foi nomeado levando-se em consideração os alimentos que mais contribuíram para a formação de cada componente principal, pois valores maiores indicam maior importância. O primeiro PA (alimentos ultraprocessados) era composto principalmente por alimentos ultraprocessados; o segundo (alimentos frescos) com alimentos frescos e preparações culinárias; o terceiro (pão_arroz_feijão) era composto majoritariamente por arroz e feijão (prato típico brasileiro) e pão com manteiga ou margarina (alimentos típicos do café da manhã); o quarto (preparação_culinária) era composto por preparações culinárias como bolos, arroz, feijão e batata e milho; e o quinto (bolos_arroz_feijão) incluiu arroz e feijão e bolos (Tabela 3).

 



Verificamos a associação entre variáveis sociodemográficas, atividade física e PA, e escores de IMC e FC (Tabela 4). A atividade física se associou positivamente ao IMC, FC_adiposidade e FC_puberdade. O sexo feminino foi positivamente associado à FC_adiposidade e FC_lipídios_bioquímico, enquanto o sexo masculino foi positivamente associado ao FC_puberdade, FC_lipídios_bioquímico e FC_músculo. Observamos associação negativa entre PA_ultraprocessados e IMC, e positiva para PA_alimentos_frescos. Três PAs foram associados ao FC_adiposidade; PA_alimentos_frescos associou-se positivamente com FC_adiposidade; PA_ultraprocessado e PA_preparação_culinária associaram-se negativamente com FC_adiposidade; e FC_bioquímico foi negativamente associado com PA_alimentos_frescos.

 



Discussão
Neste estudo, aplicamos uma análise multivariada para estimar os desfechos (FCs) e os principais preditores (PAs). Identificamos cinco perfis de FC, denominados FC1adiposidade, FC2puberdade, FC3bioquímico, FC4músculo e FC5lipídios_bioquímico. Destacamos os dois primeiros FCqs que explicam a grande variabilidade dos dados, que expressam a adiposidade e o volume corporal e explicam o crescimento linear (eixo cronológico da adolescência). Foram identificados cinco PAs. O primeiro era composto principalmente por alimentos ultraprocessados, sendo que em três deles foram identificados arroz e feijão. PA_ultraprocessados e PA_alimentos_frescos foram negativamente associados à FC_adiposidade, e PA_preparação_culinária foi positivamente associado ao FC_adiposidade em meninas e adolescentes de 15 a 19 anos. PA_alimentos_frescos foi negativamente associado com FC_bioquímico para meninas e pontuação de riqueza.
A análise multivariada aplicada em nosso estudo pode ser considerada uma abordagem inovadora para avaliar o estado nutricional. Esta proposta baseada na multidimensionalidade dos parâmetros do estado nutricional (FC) permitiu explorar múltiplas interações entre variáveis antropométricas, de composição corporal e bioquímicas.12,13 Além disso, um aspecto positivo da análise multivariada é a ausência de ponto de corte para medidas antropométricas, composição corporal e dados bioquímicos. Essas medidas biológicas foram utilizadas em nossa análise sem suposições, e a análise do FC é reprodutível em outras populações de adolescentes.18
A perspectiva de análise para investigar a relação entre PAs e indicadores do estado nutricional apresentada em nosso estudo ainda é recente e inédita no tipo de proposta aqui apresentada. O uso de PA para examinar a associação entre alimentação e desfechos de saúde é inovador. Estudos que relacionam PA específicos a doenças crônicas, incluindo obesidade e fenótipos relacionados, como composição corporal e marcadores cardiometabólicos19,20 estão crescendo. No entanto, a maioria dos estudos ainda prioriza o uso do IMC ou dos fenótipos de obesidade (peso, cintura e níveis lipídicos) de forma isolada para avaliar o estado nutricional.
Um estudo realizado na China em 2009, incluindo 5.267 crianças e adolescentes (seis a 13 anos), encontrou associação positiva entre o padrão alimentar ocidental e níveis mais elevados de triglicerídeos e glicose. No entanto, os valores médios de triglicerídeos e glicose são semelhantes entre os padrões alimentares saudáveis e ocidentais. Não houve associação entre PAs e presença de hipertrigliceridemia ou glicemia elevada.21 Em outro estudo, realizado na Inglaterra em 2014, utilizando dados do Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), pontuações mais altas para padrões alimentares saudáveis foram associadas a níveis mais baixos de glicose.22
Vários estudos já investigaram a relação entre comportamentos alimentares e indicadores do estado nutricional tanto em jovens23,24 e adultos.25,26 Os resultados desses estudos mostraram, de maneira geral, que práticas alimentares pouco saudáveis, caracterizadas pela presença de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar livre, gordura saturada e trans, pobres em proteínas, fibras e na maioria dos micronutrientes; aumentam o risco de peso corporal elevado. Em contraste, a presença de frutas, vegetais, grãos integrais e nozes protege contra o aumento de gordura corporal. É importante ressaltar que a relação entre os PA e os indicadores do estado nutricional é bem estabelecida entre os adultos. Em crianças e adolescentes, algumas avaliações27,28 destacaram que os resultados são inconsistentes em estudos transversais.
Contrariando o esperado, nosso estudo identificou associação negativa entre PA marcado pela presença de alimentos ultraprocessados e preparações culinárias, e associação positiva entre PA marcado por alimentos in natura e o fenótipo de adiposidade. O PA_ultraprocessado foi o primeiro componente principal do nosso estudo. Observamos elevado percentual de adolescentes que consumiam alimentos ultraprocessados identificados neste PA, como carnes processadas, fast food e bebidas açucaradas. Em estudo realizado em 2010 com adolescentes na cidade de São Paulo, Brasil, o PA ‘saudável' também esteve associado ao perfil de obesidade.29 Num estudo realizado nos Estados Unidos da América em 2012 utilizando dados do Projeto EAT – Eating Among Teens foi observada associação positiva entre o "padrão de lanches doces e salgados" e o risco de sobrepeso/obesidade em meninos, e escores mais elevados para o "padrão fruta" estiveram positivamente associados ao risco de sobrepeso/obesidade em meninos mais jovens (idade média = 12,9 anos); para as meninas, essas associações eram opostas. Os autores levantaram a hipótese de que o questionário de frequência alimentar pode não refletir todos os alimentos consumidos pelos adolescentes incluídos no estudo; portanto, os PAs não mostraram uma associação clara com o peso. Talvez a utilização de múltiplos recordatórios de 24 horas, considerado instrumento padrão para avaliação do consumo alimentar, pudesse refletir melhor os hábitos alimentares dos adolescentes em estudo. Outra hipótese levantada foi o consumo alimentar não ser o principal determinante do peso em adolescentes.30
Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise, os autores relataram escores mais elevados para PA não saudáveis e valores mais elevados para fatores de risco cardiometabólicos (peso corporal, circunferência da cintura, perfil lipídico e glicemia). Contudo, padrões saudáveis também foram associados a valores mais elevados de IMC e circunferência da cintura. Os autores chamaram atenção para o viés de publicação em seu estudo e, devido a uma associação inesperada ou implausível entre padrões saudáveis e maior risco cardiometabólico, e padrões não saudáveis e menor risco cardiometabólico, os estudos podem não ser publicados.30 Além disso, o efeito protetor dos PA saudáveis em adolescentes pode não ser claro e mais estudos são necessários para compreender a relação entre a dieta e os resultados do estado nutricional.
A principal força do nosso estudo foi a sua originalidade. Até onde sabemos, este é possivelmente o primeiro estudo a abordar tanto o domínio do consumo alimentar quanto o estado nutricional de maneira multidimensional e o primeiro a analisar a associação entre a FC como variáveis latentes no modelo. Além disso, o questionário de frequência alimentar utilizado para avaliar o consumo alimentar foi validado para a população do estudo. Destacamos também a análise de regressão ajustada por sexo, idade e atividade física.
Dentre as limitações do presente estudo, destacamos um desenho transversal que impede a atribuição de causalidade entre variáveis e apresenta a possibilidade de ocorrência de causalidade reversa, como pode ser observado neste estudo e; b) ausência de alguns alimentos na lista do questionário de frequência alimentar e presença de alimentos ultraprocessados e processados nos mesmos grupos de alimentos (ou seja, macarrão e macarrão instantâneo, e bolo caseiro e bolo industrializado). É importante ressaltar que quando o questionário foi desenvolvido não existia uma classificação baseada na extensão e finalidade do processamento industrial de alimentos, esta é uma proposta recente de classificação de alimentos; e c) a superestimação da atividade física pelos adolescentes. Nosso questionário incluía uma lista de todos os tipos de atividade física, levando a superestimação por parte dos adolescentes. Diferentemente do nosso estudo, a prevalência de adolescentes brasileiros fisicamente ativos (com 300 minutos ou mais de exercício por semana) em 2012 e 2015 foi baixa (21% e 20,7%, respectivamente). Além disso, adolescentes com sobrepeso e obesidade poderiam praticar atividade física para perder peso corporal. Por fim, destacamos possíveis efeitos de confusão residuais, mesmo após ajuste para os principais fatores (idade, sexo, riqueza e gasto energético).
Identificamos associação negativa entre padrões alimentares compostos principalmente por alimentos ultraprocessados, alimentos in natura e FC_adiposidade. Essas associações precisam ser melhor exploradas, especialmente em adolescentes, uma vez que tanto os padrões alimentares quanto os fenótipos foram definidos por meio de análise multivariada. Pouco se sabe sobre a associação dos PA com relação à obesidade, risco metabólico ou ambos entre jovens de economias emergentes como o Brasil. Assim, a análise multidimensional dos parâmetros do estado nutricional e sua relação com as PA deve ser mais explorada para uma melhor compreensão desta associação, por se tratar de uma abordagem inovadora.

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Contribuição dos autores: Rinaldi AEM contribuiu na concepção do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do artigo. Enes CC contribuiu na interpretação dos dados, redação e revisão crítica do artigo. Conde WL contribuiu na redação e revisão crítica do artigo. Todos os autores aprovaram a versão final e declaram não haver conflito de interesses.


Recebido em 24 de Janeiro de 2023
Versão final apresentada em 27 Novembro de 2023
Aprovado em 11 de Dezembro de 2023

Editor Associado: Pricila Mullachery

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