RESUMO
OBJETIVOS: avaliar a associação entre aleitamento materno e Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em crianças e adolescentes.
MÉTODOS: trata-se de um estudo caso-controle realizado no norte de Minas Gerais, Brasil, que incluiu 248 crianças e adolescentes com diagnóstico de TEA (grupo caso) e 886 crianças e adolescentes sem diagnóstico de TEA (grupo controle). Foram realizadas entrevistas com as mães das crianças e adolescentes e utilizado um questionário semiestruturado para coleta dos dados. Para análise dos dados foi adotado modelo de regressão logística múltipla. A magnitude das associações foi estimada pela Odds Ratio (OR). Três modelos múltiplos foram ajustados: Modelo 1: presença ou ausência de aleitamento materno; Modelo 2: duração do aleitamento materno; Modelo 3: duração do aleitamento materno exclusivo.
RESULTADOS: o TEA foi associado à ausência de aleitamento materno nos três modelos ajustados: Modelo 1: OR=2,1, IC95%=1,1-4,1; Modelo 2: OR=2,3, IC95%=1,2-4,5; Modelo 3: OR=2,3, IC95%=1,2-4,5.
CONCLUSÕES: os indivíduos com TEA tiveram maiores chances de não terem recebido aleitamento materno, no entanto, devido à natureza dos estudos de caso-controle, não se pode afirmar que o aleitamento materno previna o TEA. A realização de um estudo de coorte poderá esclarecer essa relação.
Palavras-chave:
Aleitamento materno, Transtorno do espectro autista, Estudo observacional, Razão de chances
ABSTRACT
OBJECTIVES: to evaluate the association between breastfeeding and Autism Spectrum Disorder (ASD) in children and adolescents.
METHODS: this is a case-control study carried out in the north of the state of Minas Gerais, Brazil, which included 248 children and adolescents diagnosed with ASD (case group) and 886 children and adolescents without a diagnosis of ASD (control group).Interviews were conducted with the mothers of children and adolescents and a semi-structured questionnaire was used to collect data. For data analysis, a multiple logistic regression model was adopted. The magnitude of associations was estimated by the odds ratio (OR). Three multiple models were fitted: Model 1: presence or absence of breastfeeding; Model 2: duration of breastfeeding; Model 3: duration of exclusive breastfeeding.
RESULTS: ASD was associated with the absence of breastfeeding in the three adjusted models: Model 1: OR=2.1, CI95%=1.1-4.1; Model 2: OR=2.3, CI95%=1.2-4.5; Model 3: OR=2.3, CI95%=1.2-4.5.
CONCLUSIONS: individuals with ASD were more likely to have not received breastfeeding, however, due to the nature of case control studies, it cannot be stated that breastfeeding prevents ASD. Conducting a cohort study may clarify this relationship.
Keywords:
Breast feeding, Autism spectrum disorder, Observational study, Odds ratio
IntroduçãoO Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) está cada vez mais prevalente, ocasionando grande impacto socioeconômico entre as famílias que apresentam algum indivíduo com esse transtorno.
1 Um estudo realizado com dados de 2019 e 2020, revelou que a prevalência do TEA nos Estados Unidos é de um autista a cada 30 crianças entre três a 17 anos naquele país.
2 O fenótipo dos indivíduos com TEA é heterogêneo e fatores genéticos e ambientais estão implicados na sua gênese.
3 O TEA caracteriza-se por padrões comportamentais restritos e repetitivos, além de deficiências persistentes na comunicação e na interação social, o que prejudica sobremaneira o processo de sociabilização.
3O aleitamento materno é uma das primeiras experiências de interação social do ser humano, por isso sua ausência tem sido implicada nos distúrbios do neurodesenvolvimento.
4 Caracteriza-se por ser um processo social único, dinâmico e bidirecional em que ocorre muito mais do que a simples transferência de nutrientes necessários ao desenvolvimento da criança, sendo estabelecido, também, o primeiro vínculo social da criança.
4 A transferência de ocitocina pelo leite materno interfere positivamente em algumas áreas que, normalmente, estão comprometidas nos indivíduos com TEA, contribuindo para o reconhecimento social e o estabelecimento de um vínculo social, além de colaborar, também, para o processo de neurodesenvolvimento.
5,6A relação entre aleitamento materno e TEA tem sido explorada por outros estudos, entretanto os resultados ainda são inconsistentes.
4-8 De maneira geral o que tem sido observado é que as crianças com TEA apresentam maior índice de ausência de aleitamento materno, ou quando o mesmo está presente o período é menor, quando comparado às crianças consideradas neurotípicas.
7-10 Uma revisão sistemática com metanálise, realizada em 2019 que incluiu estudos da Austrália, Canadá, Indonésia, Índia, Japão, Omã, Turquia e Estados Unidos, avaliou a associação da duração e do tipo de aleitamento materno com o TEA, identificou redução de 58% no risco do TEA entre as crianças que foram amamentadas e de 76% naquelas que receberam amamentação exclusiva.
8 Outra metanálise, publicada em 2023, analisou estudos realizados nos Estados Unidos, Egito Iraque, Itália e Turquia, para avaliar a associação da não amamentação e o risco de TEA, estimou que razão de chances de TEA associado à não amamentação foi de 1,81 (IC95%= 1,35–2,27).
11Dada a importância do aleitamento materno para o processo de crescimento e desenvolvimento humano e a inconsistência entre os estudos prévios quanto a sua relação com o TEA, objetivou-se avaliar a associação entre aleitamento materno e o TEA em crianças/adolescentes do norte de Minas Gerais, Brasil.
MétodosEste estudo é um recorte da pesquisa "Transtorno do Espectro do Autismo em Montes Claros: um estudo de casocontrole", realizada em Montes Claros, cidade localizada no estado de Minas Gerais, Brasil. O estudo original teve como objetivo encontrar possíveis associações de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais com o TEA, entre os quais se destaca a relação do aleitamento materno e o TEA. Detalhamento metodológico desse estudo está disponível em publicação prévia.
12Para o cálculo do tamanho amostral foram consideradas
Odds Ratio (OR) estimada de 1,9 e probabilidade de exposição de 0,18 entre os indivíduos do grupo controle.
13,14 Adotou-se também poder do estudo em 0,80, nível de significância de 0,05 e quatro indivíduos do grupo controle para cada um do grupo caso. Foi realizada correção para o efeito do desenho com
deff=1,5 e acréscimo de 10% para reduzir os impactos de possíveis perdas. Dessa forma, o tamanho amostral estimado foi de 213 indivíduos para o grupo caso e 852 para o grupo controle.
Os indivíduos do grupo caso foram recrutados em oito clínicas (seis com atendimento particular e/ou por convênio médico e duas públicas) especializadas no atendimento a pessoas com o TEA e na Associação Norte-mineira de Apoio ao Autista (ANDA). As clínicas e a ANDA foram visitadas e sensibilizadas sobre a importância do estudo. Todas concordaram em participar e forneceram o contato das mães das crianças/adolescentes, totalizando 398 mães. Foram incluídos no grupo caso, os indivíduos que dispunham de laudo médico confirmando o diagnóstico do TEA e cujas mães aceitaram participar do estudo. Ao todo, o grupo caso correspondeu a 248 indivíduos com idades entre dois e quinze anos.
O grupo controle incluiu crianças e adolescentes neurotípicos, sem sinais de TEA, matriculados em 63 escolas regulares da rede pública e privada do município, que se encontravam na mesma faixa etária dos casos, na razão de quatro controles por um caso. As escolas onde os controles foram recrutados foram as mesmas dos casos. Foram realizadas visitas aos diretores dessas escolas para sensibilizá-los quanto à importância da pesquisa. As mães foram convidadas a participarem por meio de carta-convite informando o propósito e importância do estudo. As mães que devolveram a carta-convite assinada foram contatadas pelos pesquisadores, via telefone, para agendamento de uma visita e esclarecimento sobre o estudo. As crianças/ adolescentes desse grupo que apresentaram sinais do TEA, após rastreio com
Modified Checklist for Autism in Toddlers,
15 e/ou que tinham suspeita de outro transtorno psiquiátrico associado, bem como alguma malformação ou síndrome foram excluídas do estudo. O grupo controle incluiu 886 indivíduos com idades entre dois e quinze anos.
Para a coleta de dados foram agendados encontros em horário e local predefinidos de maneira presencial e individual conforme a disponibilidade das mães. Os agendamentos e as entrevistas foram realizados por uma equipe de estudantes do curso de Medicina, participantes de um programa de Iniciação Científica, previamente treinada. Para as mães do grupo caso, as entrevistas ocorreram no período de agosto de 2015 a janeiro de 2016, e para as mães do grupo controle, de fevereiro a setembro de 2016. Foi utilizado um questionário semiestruturado, elaborado após revisão da literatura e revisado por uma equipe multiprofissional. O questionário foi constituído por 213 questões subdivididas em oito blocos: caracterização do sujeito, características demográficas e socioeconômicas dos pais, fatores pré-natais, eventos ocorridos no parto, fatores neonatais, fatores pós-natais e fatores familiares.
Nesse estudo, as variáveis de exposição analisadas foram presença ou ausência de aleitamento materno, tempo de aleitamento materno (seja exclusivo ou não) e tempo de aleitamento materno exclusivo. Essas duas últimas variáveis foram categorizadas em aleitamento até os seis meses de vida, mais de seis meses, menos de seis meses e não amamentou. Visando controlar possíveis fatores de confusão, foram também analisadas as seguintes variáveis: sexo da criança (masculino ou feminino), idade da mãe no parto (<25 anos, entre 25 e 34 anos, ≥35 anos), cor da pele da mãe (autodeclarada e categorizada em branca e não branca), classe socioeconômica segundo
Critério de Classificação Econômica Brasil (classes A/B, C ou D/E), gestação gemelar (presença ou ausência), TEA na família (presença ou ausência), prematuridade (idade gestacional ≥37 semanas ou <37 semanas), choro ao nascer (presença ou ausência), mecônio no líquido amniótico (presença ou ausência) e admissão em unidade de terapia intensiva neonatal (sim ou não).
Foram realizadas análises descritivas por meio da distribuição de frequências e, com o objetivo de verificar a associação do TEA com as variáveis analisadas, foi utilizado o teste qui-quadrado (χ
2). As variáveis que apresentaram nível descritivo ≤0,20 foram selecionadas para análise múltipla, no qual foi adotado o modelo de regressão logística, com procedimento passo a passo (
stepwise backward). A magnitude da associação entre o TEA e as variáveis de exposição foi estimada pela
odds ratio (OR), com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Nessa etapa foi adotado nível de significância de α = 0,05. Foram ajustados três
modelos múltiplos: Modelo 1 incluiu a variável presença ou ausência de aleitamento materno; Modelo 2 incluiu a variável duração do aleitamento materno; Modelo 3 incluiu duração do aleitamento materno exclusivo. Todos os três modelos foram ajustados pelas possíveis variáveis de confusão investigadas.
O teste de
Hosmer & Lemeshow e a estatística pseudo R
2 Nagelkerke foram utilizados para verificar a qualidade de ajuste dos modelos múltiplos. Foi verificada ausência de multicolinearidade entre as variáveis dependentes a partir da realização de uma matriz de correlação. O
software estatístico
Statistical Package for the Social Sciences - SPSS versão 23.0 (IBM - Chicago, EUA) foi utilizado para conduzir as análises dos dados.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Montes Claros sob o parecer número 534.000/14.
ResultadosA amostra total foi constituída por 1134 crianças e adolescentes. Destes, 248 eram crianças/adolescentes com o TEA e 886 sem sinais desse transtorno. A média de idade nos dois grupos foi semelhante (
p=0,398), sendo de 6,4 anos (± 3,5) no grupo caso e de 6,6 (± 3,4) no grupo controle. No grupo caso observou-se cerca de quatro meninos para cada menina com TEA, já no grupo controle um menino para cada menina (
p<0,001). O percentual de prematuridade no grupo caso (18,5%) foi estatisticamente superior ao do grupo controle (13,2%), assim como a presença de mecônio no líquido amniótico (19,0%
versus 10,0%), a internação na UTI neonatal (16,9%
versus 7,0%) e história familiar de TEA (20,6%
versus 6,3%). As demais características do grupo caso e controle estão apresentadas na Tabela 1.
No grupo caso também foi observado maior percentual (9,3%) de crianças/adolescentes que não receberam aleitamento materno, comparado com o grupo controle (3,7%) ou apresentou menor duração do aleitamento. Essa proporção persistiu mesmo quando discriminado o tempo e o tipo de aleitamento materno (seja ele exclusivo ou não exclusivo) (Figura 1).
Na análise bivariada, as seguintes variáveis apresentaram associação significativa, ao nível de 0,20, com o TEA e foram selecionadas para a análise múltipla: amamentação, duração da amamentação, duração da amamentação exclusiva (Figura 1), sexo, prematuridade, gestação gemelar, choro ao nascer, presença de mecônio no líquido amniótico, internação na UTI neonatal, história familiar de TEA, idade materna no nascimento e cor de pele da mãe (Tabela 1). Na análise múltipla, nos três modelos ajustados, notou-se que a ausência de aleitamento materno apresentou associação significante com o TEA (OR= 2,1; OR=2,3 e OR=2,3). Os resultados apontam que o tempo de aleitamento não apresentou associação com o TEA na amostra investigada. (Tabela 2).
DiscussãoO presente estudo caso-controle buscou avaliar a associação entre o aleitamento materno e o TEA em uma amostra de crianças e adolescentes no norte de Minas Gerais. Os resultados sugerem que as chances de não terem sido expostos à amamentação nos indivíduos do grupo caso foram cerca de duas vezes àquelas observadas nos controles, após ajuste para as variáveis de confusão investigadas.Problemas com a interação social e a comunicação são alguns dos pilares para o diagnóstico de indivíduos com TEA,
3 daí a importância em explorar os fatores que influem no desenvolvimento dessas características. Já é sabido o papel positivo desempenhado pelo aleitamento materno na redução da ocorrência de diversas condições médicas a curto e em longo prazo, bem como no futuro desenvolvimento intelectual infantil, promovendo aumento nos índices do quociente de inteligência.
16,17Além dos benefícios supracitados, outros benefícios do aleitamento materno têm sido investigados, especialmente para os indivíduos com TEA.
17 Tem sido demonstrado que o leite materno atua melhorando a comunicação e adaptabilidade, áreas comprometidas nesses indivíduos.
16-18 Uma coorte australiana, iniciada em 1989, evidenciou que lactentes que receberam aleitamento materno por quatro meses ou mais apresentavam melhores escores médios de adaptabilidade e comunicação com um ano de idade, enquanto que os que foram amamentados por menos de quatro meses apresentaram risco 1,82 de adaptabilidade tardia e 1,66 de comunicação tardia quando comparado aos demais.
19Uma das justificativas para o possível fator protetor do leite materno no desenvolvimento do TEA está relacionada à ação que o mesmo desempenha no desenvolvimento dos sistemas imunológico e neural por meio, por exemplo, da microbiota intestinal.
20 A microbiota intestinal se forma nos primeiros anos após o nascimento e inclui uma diversidade de microrganismos.
20 Ela interage diretamente com o sistema nervoso central através do plexo entérico, constituindo o eixo cérebro-intestinomicrobiota, o qual influi diretamente no desenvolvimento e no comportamento infantil.
20A microbiota intestinal produz substâncias que são essenciais para a maturação imune e para a plasticidade neural, de forma que alterações na sua composição têm sido determinantes para o desenvolvimento de distúrbios neuropsiquiátricos, entre eles o TEA.
20 A ação do aleitamento materno, primeiro alimento com o qual o ser humano tem contato, no eixo cérebro-intestino-microbiota se dá por meio da formação de uma microbiota saudável que promove um bom desenvolvimento neural.
21 Além disso, alterações na microbiota intestinal também têm sido associadas às manifestações clínicas e ao espectro de gravidade do TEA, exemplo são os transtornos gastrointestinais presentes em crianças com TEA, seja constipação ou diarreia, que podem ser agravados em função de alterações na microbiota.
21O efeito protetor do aleitamento materno está relacionado à transferência de ocitocina pelo leite materno durante o processo de amamentação.
5,6,22,23 Este neuropeptídio é constituído por nove aminoácidos e é produzido por neurônios magnocelulares no núcleo paraventricular e no núcleo supraóptico do hipotálamo e está implicado na modulação do comportamento social e cognitivo do ser humano.
5,6 Estudos têm demonstrado que a ocitocina eleva a confiança em grupo e atua no aprimoramento do reconhecimento emocional.
22,24 Como
déficit social e cognitivo são características do TEA, a ocitocina tem sido implicada na fisiopatologia desse transtorno.
Outros estudos
4,7,24 também corroboram os achados do presente estudo em que indivíduos com TEA tiveram menores chances de exposição ao aleitamento materno aqui apresentados. Uma metanálise, realizada em 2019 e que incluiu estudos da Turquia, Índia e Estados Unidos, demonstrou que os indivíduos com TEA apresentaram chance menor de terem recebido amamentação comparadas com os indivíduos sem TEA sendo que os dados persistiram quando contabilizadas as que receberam aleitamento artificial.
4 Um estudo de caso-controle, realizado em 2006 que utilizou dados da pesquisa global
Autism Internet Research Survey, estimou chances duas vezes e meia de TEA entre as crianças que não amamentaram comparadas com as que amamentaram por mais de seis.
25Este estudo identificou que os indivíduos com TEA, quando foram amamentados, apresentaram menor duração do aleitamento materno se comparados aos do grupo caso. No entanto, nos modelos múltiplos, após ajuste para os fatores de confusão, o tempo de amamentação não apresentou associação significativa com o TEA. Ressaltase que as variáveis tempo de amamentação e tempo de amamentação exclusiva tiveram, respectivamente, 47 (4,4%) e 99 (9,2%) dados faltantes, visto que as mães não se recordaram dessas informações. Alguns trabalhos demonstram que o aumento no tempo de amamentação está relacionado a uma redução nos diagnósticos do TEA.
9,25,26 Uma coorte multicêntrica desenvolvida na Espanha em 2003, evidenciou que o aleitamento materno por maior tempo melhora o desenvolvimento cognitivo e reduz a manifestação de traços do TEA mesmo após ajustes para fatores de confusão.
26 Crianças com amamentação por tempo maior tendem a apresentar maior sensibilidade neural a expressões corporais que indicam felicidade, de forma que o aleitamento materno interfere nas tendências neurais para manifestação de medo e felicidade.
5A menor duração do aleitamento materno nos indivíduos com TEA pode ser explicada pelo fato da amamentação ser mais difícil para as mães do grupo caso, como tem sido demonstrado na literatura.
27 Há relatos de que mesmo antes do diagnóstico, as crianças com TEA já apresentam algumas das características como redução da interação social e falta de cooperação.
27Um dado interessante obtido neste trabalho, diz respeito à continuidade do aleitamento materno exclusivo após os seis meses de idade. Esse achado contraria as recomendações dos principais órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil, além de ir contra outros estudos que demonstram início precoce da alimentação complementar.
28,29 O prolongamento do aleitamento materno exclusivo para além dos seis primeiros meses de vida da criança não é algo benéfico, já que o leite materno não consegue suprir todas as necessidades nutricionais da criança após o sexto mês de vida. Dessa forma o prolongamento do aleitamento materno exclusivo após o sexto mês, assim como a introdução precoce de alimentos, são desfavoráveis, sendo que as famílias devem ser adequadamente orientadas quanto às recomendações sobre a época correta da introdução alimentar, e sobre os problemas que podem ser ocasionados em função da introdução precoce e/ou tardia de outros alimentos, que não o leite materno.
30Algumas limitações devem ser consideradas no presente estudo. A principal diz respeito ao autorrelato das informações pelas mães, em que pode ter ocorrido viés de memória, o que impediu a delimitação exata dos dias em que a criança recebeu aleitamento materno. Apesar disso, deve-se ressaltar a importância do estudo, com o grande tamanho amostral (248 casos e 886 controles) e o ajuste dos modelos para as variáveis que demonstraram associação estatística com o TEA em estudos anteriores.
Esse estudo verificou que as crianças e adolescentes com TEA tiveram maiores chances de não terem recebido aleitamento materno. No entanto, devido ao delineamento deste estudo, não se pode afirmar que o aleitamento materno previne o TEA. A realização de um estudo de coorte poderá esclarecer essa relação de maneira mais adequada e reforçar, mais uma vez, a importância do aleitamento materno para o bom crescimento e desenvolvimento infantil.
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Contribuição dos autores: Silva BS, Cezar IAM, Bandeira LVS, Oliveira SLN, Saeger VSA: concepção do estudo, coleta de dados e elaboração do artigo. Freire RS e Rezende LF: elaboração e revisão crítica do artigo. Alves FD, Silveira MF: concepção e desenho do estudo, supervisão da coleta de dados, análise e interpretação dos dados e revisão crítica do artigo. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.
Recebido em 16 de Dezembro de 2022
Versão final apresentada em 7 de Dezembro de 2023
Aprovado em 11 de Dezembro de 2023
Editor Associado: Lygia Vanderlei