Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Programas de triagem auditiva neonatal: indicadores de qualidade e acesso aos serviços de saúde

Monique Ramos Paschoal Dutra 1; Hannalice Gottschalck Cavalcanti 2; Maria Ângela Fernandes Ferreira 3

DOI: 10.1590/1806-9304202200030009

RESUMO

OBJETIVOS: verificar os indicadores de qualidade dos programas de triagem auditiva neonatal, identificar os fatores de risco para deficiência auditiva mais prevalentes e analisar o acesso à Rede de Atenção à Saúde auditiva.
MÉTODOS: estudo transversal com uso de dados secundários. A população são as crianças nascidas em maternidades públicas no período 2015 a 2019. A coleta de dados foi realizada no banco de dados dos programas e do serviço de saúde auditiva. Foram calculadas as frequências absolutas e relativas de todas as variáveis coletadas e a mediana, o intervalo interquartil e o teste de Mann-Whitney para analisar o acesso.
RESULTADOS: a universalidade aumentou no período estudado, porém não foi atingida (71,9%; IC95%=70,4-73,3) e o índice de encaminhamento para diagnóstico auditivo esteve dentro do recomendado (0,9%; IC95%=0,8-0,9). Os fatores de risco mais prevalentes foram: infecções congênitas e hereditariedade. Observou-se uma evasão de 85,1% das crianças ao serviço de saúde auditiva e o tipo de encaminhamento interferiu na idade da criança no acesso. Foram diagnosticadas oito crianças com perda auditiva, na qual sete tiveram acesso as intervenções terapêuticas.
CONCLUSÕES: A triagem auditiva não foi universal. O acesso à Rede de Atenção à Saúde auditiva apresenta uma alta evasão e as intervenções foram ofertadas às crianças com perda auditiva.

Palavras-chave: Acesso aos serviços de saúde, Criança, Perda auditiva, Triagem neonatal

ABSTRACT

OBJECTIVES: to verify the quality indicators of neonatal hearing screening programs, identify the most prevalent risk factors for hearing loss and analyze access to the Hearing Health Care Network.
METHODS: cross-sectional study using secondary data. The population are children born in public maternity hospitals from 2015 to 2019. Data collection was carried out in the database of programs and hearing health service. The absolute and relative frequencies of all variables collected and the median, the interquartile range and the Mann-Whitney test were calculated to analyze the access.
RESULTS: universality increased during the study period, but was not reached (71.9%; CI95%=70.4-73.3) and the referral rate for auditory diagnosis was within the recommended range (0.9%; CI95%=0.8-0.9). The most prevalent risk factors were congenital infections and heredity. There was an evasion of children to the hearing health service of 85.1% and the type of referral interfered with the age of the child at access. Eight children with hearing loss were diagnosed, in which seven had access to therapeutic interventions.
CONCLUSIONS: hearing screening was not universal. Access to the Hearing Health Care Network presents high evasion and interventions were offered to children with hearing loss.

Keywords: Health services accessibility, Child, Hearing loss, Neonatal screening

Introdução

A perda auditiva na infância pode acarretar atrasos no desenvolvimento da fala e da linguagem, no desempenho acadêmico e impactar negativamente nos aspectos sociais e emocionais.1 A Organização Mundial da Saúde considera a perda auditiva um problema de saúde pública e estima que cerca de 34 milhões de crianças no mundo apresentam essa alteração.2 As ações para prevenir, identificar e intervir a perda auditiva são econômicas e podem trazer grandes benefícios aos indivíduos.1,2

No Brasil, os programas de Triagem Auditiva Neonatal (TAN) objetivam identificar e intervir precocemente as crianças com perda auditiva e devem estar integrados à Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e às ações de acompanhamento materno- infantil. Em todos os nascidos vivos deve ser realizada a triagem auditiva ainda na maternidade e aqueles que apresentam Fatores de Risco para Deficiência Auditiva (FRDA) ou que falhem devem ser encaminhados para o monitoramento ou diagnóstico nos Serviços de Saúde Auditiva (SSA). Após confirmação da perda auditiva, a criança deve iniciar o acompanhamento com otorrinolaringologista e/ou reabilitação auditiva, que pode incluir o uso dos dispositivos eletrônicos: Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) e Implante Coclear (IC), concomitante com a terapia fonoaudiológica3. Os programas devem avaliar e monitorar as ações referentes a saúde auditiva, através dos indicadores de qualidade.3,4

A identificação dos FRDA é uma informação de grande valia para os profissionais, visto que deterninam a conduta da TAN e o seguimento nos SSA.3 Os fatores permanência em Unidade de Terapia Intensiva, uso de medicação ototóxica e infecções congênitas estão entre os mais prevalentes no Brasil.5,6

No Estado do Rio Grande do Norte, a implantação da TAN aconteceu no ano de 2007. Nas maternidades municipais da capital a cobertura foi de 80% e a prevalência da perda auditiva neurossensorial foi de 0,52 para cada 1000 triados no período de 2007 a 2009.7 Estudo mais recente detectou uma média ponderada de municípios cobertos pela TAN de apenas 45,9% em 2017.8

A saúde auditiva mundial apresenta entraves quanto ao cumprimento dos indicadores de qualidade, fatores como a distância da residência ao serviço, as condições socioeconômicas dos pais e a evasão das famílias. A baixa oferta de profissionais qualificados e de serviços especializados interferem no acesso aos serviços de saúde auditiva, impactando diretamente na intervenção das crianças com perda auditiva.9-11 Sendo assim, o objetivo deste estudo foi verificar os indicadores de qualidade dos programas de triagem auditiva neonatal, identificar os fatores de risco para deficiência auditiva mais prevalentes e analisar o acesso à Rede de Atenção à Saúde auditiva para crianças no estado do Rio Grande do Norte.


Métodos

Esta pesquisa faz parte do estudo intitulado “Avaliação da política de saúde auditiva infantil no estado do Rio Grande do Norte” aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob o número do CAAE 25214819.4.0000.5292 em 29 de abril de 2020.

Trata-se de um estudo transversal com uso de dados secundários. A amostra do estudo são as 37.180 crianças nascidas nas maternidades públicas. O critério de inclusão é criança nascida na maternidade selecionada para o estudo no período 2015 a 2019. Não houve critério de exclusão.

As maternidades selecionadas foram as duas maternidades públicas municipais localizadas em Natal, capital, e uma maternidade pública localizada em Santa Cruz, cidade a 120 km da capital, que foram escolhidas por encaminharem para o mesmo SSA em Natal e por terem programas pioneiros no Estado. O SSA é o centro SUVAG (Sistema Universal Verbotonal de Audição Guberina) que é um serviço de atenção especializada em saúde auditiva e atende a todas as faixas etárias, com ênfase no público infantil.

Os três programas utilizaram como método de avaliação as Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT), os fonoaudiólogos realizaram as triagens nos alojamentos conjuntos e no ambulatório e apresentaram o mesmo fluxo de atendimento, na qual a triagem auditiva foi realizada em duas etapas (teste e reteste). Considerou-se “passa” quando a criança obteve presença de emissões otoacústicas em ambas as orelhas e “falha” quando não ocorreu a presença das emissões em uma ou em ambas as orelhas testadas. Sempre que ocorreu a “falha” no teste foi marcado um reteste que aconteceu no período de até 30 dias após o teste. No caso de falha no reteste, a criança foi encaminhada para diagnóstico auditivo no SSA. A criança que possuía Fator de Risco para Deficiência Auditiva (FRDA)3,12,13 também foi encaminhada para monitoramento auditivo no SSA. O diagnóstico auditivo consiste em uma avaliação para identificação da perda auditiva e o monitoramento auditivo consiste em avaliações periódicas para identificar a perda auditiva tardia e/ou progressiva.

Todas as crianças encaminhadas para monitoramento e diagnóstico auditivo no SSA foram atendidos por quatro especialidades: otorrinolaringologia, psicologia, serviço social e fonoaudiologia para realizar a avaliação auditiva, que é compreendida pela anamnese, avaliação comportamental (instrumental e audiometria com reforço visual),medidas de imitância acústica (timpanometria e pesquisa do reflexo acústico) e EOAT e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) e de estado estável. Nos casos de confirmação da perda auditiva, as crianças foram direcionadas para a intervenção de acordo com a classificação da perda auditiva e aquelas com indicação de intervenção cirúrgica com o Implante Coclear foram referenciadas para outro SSA da rede.

A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro e fevereiro de 2021 em duas etapas. Na primeira etapa, foram extraídos do banco de dados de cada programa: a data de nascimento, data, resultado e conduta da triagem auditiva, FRDA (sim ou não e quais foram) nos anos de 2018 e 2019 e o comparecimento ao SSA (sim ou não). Na segunda etapa, no banco do setor de diagnóstico do SSA foram extraídos: idade da criança no primeiro atendimento, conclusão da avaliação auditiva (sim ou não), resultado da avaliação auditiva (perda auditiva ou audição normal) e para os casos de confirmação da perda auditiva foram coletados a classificação da perda auditiva, as idades no diagnóstico, início na terapia fonoaudiológica (sim ou não), uso do AASI (sim ou não) e implantação do IC (sim ou não) e a lateralidade do implante (uni ou bilateral).

Os FRDA considerados foram apgar alterado, arbovirose na gestação, anamolias craniofaciais envolvendo orelha e osso temporal, anóxia perinatal grave, hereditariedade, hiperbilirrubinemia, infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis e HIV), infecções bacterianas ou virais pós-natais (citomegalovírus, herpes, sarampo, varicela e meningite), pequeno para idade gestacional, peso menor que 1500g, prematuridade, preocupação dos pais, síndrome que usualmente expressam perda auditiva, uso de ototóxicos, uso de ventilação mecânica e permanência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) por mais de 5 dias.3,12,13

O indicador de qualidade universalidade corresponde à porcentagem de crianças triadas em relação a quantidade de nascidos vivos e o recomendado é que esse valor seja superior ou igual a 95%. Já o indicador índice de encaminhamento para diagnóstico corresponde à porcentagem de crianças encaminhadas para diagnóstico auditivo em relação à quantidade de crianças triadas e o valor recomendado é que seja menor que 4%.3

Os dados foram analisados por meio do software Statistic Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Primeiramente, foram calculadas as frequências absolutas e relativas de todas as variáveis coletadas e em seguida, os intervalos de confiança de 95% (IC95%) para os indicadores de qualidade. Para analisar o acesso ao SSA, foi calculada a mediana (Md) e o intervalo interquartil (IIQ) da variável idade no primeiro acesso, bem como o teste de Mann-Whitney para analisar se o tipo de encaminhamento interferiu na idade da criança no acesso. Por fim, foi realizada a caracterização da trajetória assistencial das crianças com perda auditiva a partir das intervenções terapêuticas.


Resultados

No período estudado nasceram 37.180 crianças nas três maternidades e 26.756 fizeram a TAN. Observa-se que ao longo dos anos a cobertura foi aumentando e ao final obteve uma média de 71,9% (IC95%=70,4-73,3). O índice de encaminhamento para diagnóstico variou de 0,6 a 1,4%, totalizando 268 crianças e uma média de 0,9% (IC95%=0,8-0,9). Os dois indicadores em porcentagens estão apresentados na Tabela 1.


 



No que se refere à presença de FRDA, 94,6% (n=25.372) das crianças não apresentaram fatores de risco e 5,1% (n= 1.384) apresentaram um ou mais fatores de risco. Cada criança com FRDA apresentou, em média, 1,2 fatores. Na Tabela 2, são apresentadas as frequências e porcentagens de cada um dos 16 fatores de risco, sendo os mais prevalentes as infecções congênitas e a hereditariedade.


 



Das crianças encaminhadas ao SSA observou-se uma alta evasão tanto no comparecimento, 1.217 (73,6%), como na conclusão da avaliação auditiva, 191 (11,5%), sendo menor nos casos de diagnóstico. No monitoramento auditivo, foi identificada uma criança com deficiencia auditiva que apresentava anamolia craniofacial envolvendo orelha e osso temporal, especificamente a fissura labiopalatina, e teve como classificação a deficiencia auditiva condutiva de grau leve bilateral. Quanto ao diagnóstico, foram identificadas sete crianças com perda auditiva do tipo sensorioneural de grau profundo bilateral. Esses achados estão representados na Figura 1.


 



As crianças encaminhadas para diagnóstico auditivo apresentaram uma menor idade no primeiro acesso (Md=2; IIQ= 3) do que as encaminhadas para monitoramento (Md=3; IIQ= 3), conforme representado na Figura 2. Além disso, o teste de Mann Whitney mostrou que o tipo de encaminhamento interfere na idade no acesso ao serviço de saúde auditiva (U=13508,00; p<0,001).


 



Por fim, as trajetórias assistenciais das oito crianças com diagnóstico de perda auditiva foram traçadas a partir das intervenções terapêuticas. A única criança que foi encaminhada para monitoramento auditivo e apresentou perda auditiva concluiu o diagnóstico aos três meses de idade e não retornou para a continuidade da intervenção. As outras sete realizaram o diagnóstico depois dos três meses de idade, sendo quatro entre três e seis meses, todas iniciaram a terapia fonoaudiológica no próprio SSA e foram adaptadas com o AASI e em seguida, realizaram a cirurgia de IC bilateral no outro SSA da Rede.


Discussão

A avaliação e o monitoramento dos resultados do programa de TAN são fundamentais para o planejamento e a execução de ações em saúde e a análise do acesso ao SSA possibilita inferir como está o funcionamento da Rede de Atenção à Saúde auditiva. Visualiza-se que as crianças com perda auditiva obtiveram acesso à intervenção preconizada pela política de saúde auditiva, porém com necessidade de elaboração de estratégias para melhorar a adesão das famílias ao programa de TAN.

O indicador de universalidade avalia a cobertura das crianças triadas e é embasado pela lei federal n° 12.303 de 2010.14 O quantitativo de profissionais e a oferta de equipamentos disponíveis no programa impactam diretamente nesse indicador, o que pode justificar as variações observadas no estudo. No Brasil, a evolução da cobertura foi acompanhada do discreto aumento da oferta de fonoaudiólogo e de equipamentos para realizar a triagem auditiva no SUS na maioria das unidades federativas e a universalidade ainda não é uma realidade.15 No estudo de Mallmann et al.16 a cobertura da triagem auditiva neonatal foi de 44,1% no ano de 2013 na região Nordeste. Um aspecto que influencia positivamente é a realização da triagem auditiva antes da alta hospitalar.1

Vale ressaltar que a TAN é a primeira etapa da linha de cuidado à pessoa com deficiência. A não realização impactará negativamente no prognóstico da criança.3,17 A ampliação das triagens neonatais e a redução das desigualdades existentes podem ser alcançadas com investimentos na qualidade da Atenção Primária à Saúde e do pré-natal.16 As mães mais bem informadas têm atitudes mais positivas em relação aos programas universais de TAN.18

O indicador índice de encaminhamento para diagnóstico em todos os programas está dentro do recomendado pelas Diretrizes de TAN3 e em consonância com estudo brasileiro.5 Esse indicador é influenciado pelo protocolo de triagem auditiva utilizado, recomenda-se o uso do PEATE- automático em casos de falha no teste com emissões otoacústicas evocadas para diminuir os falsos-negativos.3 A adesão ao programa também influencia, pois o não comparecimento ao reteste implicará na diminuição desse indicador. Por fim, o perfil da população atendida, o mapeamento dos FRDA específicos a população adscrita,19 quanto mais prevalentes for os FRDA, mais chances de ocorrer a falha da TAN.

Os fatores de risco também refletem o diagnóstico da comunidade em que o programa está inserido.19 Os achados corroboram com a literatura. As infecções congênitas estão entre os fatores mais prevalentes no Brasil,5,6 com destaque para a sífilis, que é considerada um problema de saúde pública e vem aumentando nos últimos anos.20 Quanto à hereditariedade, esta também é relatada na comunidade científica, porém menos frequente.5,6 Os documentos mais recentes sobre essa temática são a recomendação americana1 e a nota técnica do Comitê Multiprofissional em Saúde Auditiva (COMUSA),21 os quais excluíram a prematuridade, mas ainda há programa que considera como fator.5 Ressalta-se a importância da educação continuada para os profissionais de saúde.

O monitoramento auditivo proporciona o diagnóstico da perda auditiva tardia e/ou progressiva,3 porém constatou-se uma alta evasão tanto no primeiro atendimento quanto na conclusão da avaliação auditiva. A evasão é um problema mundial nos programas de TAN, sendo imprescindível a orientação aos pais, que precisa ser adaptada aos vários fatores educacionais, sociais, econômicos e de saúde para maior eficácia.22 No monitoramento, além do acompanhamento mensal do desenvolvimento da audição e da linguagem na Atenção Primária à Saúde, é recomendado uma avaliação auditiva quando a criança tiver entre 7 e 12 meses3 A idade mediana de acesso ao SSA foi bem menor do que a relatada, 11,6 meses,23 e recomendada na política de saúde auditiva, que pode ser justificado pelo protocolo de triagem auditiva dos programas, que utilizam apenas as EOAT, na qual o encaminhamento imediato para o SSA permite às crianças o acesso ao exame PEATE.

O diagnóstico auditivo é a fase seguinte dos programas de TAN, sendo de extrema importância, pois permite a identificação da perda auditiva e o direcionamento da intervenção.1,3 A evasão nessa fase demostra uma ruptura da continuidade ao cuidado e retrata os entraves das Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, que são a fila de espera para o serviço de saúde, as falhas no sistema de regulação, a baixa oferta de atendimento e de profissionais especialistas como fonoaudiólogos e a concentração de serviços nas áreas mais urbanas.9,24-26 O SSA não apresenta um programa de busca ativa para a conclusão da avaliação auditiva, o que poderia auxiliar o diagnóstico precoce da perda auditiva e viabilizar a permanência da criança na Rede de Atenção à Saúde, sendo válido para os casos de diagnóstico e monitoramento auditivo.

Por outro lado, o acesso às intervenções terapêuticas das crianças com perda auditiva, demonstram a garantia de acesso integral. A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência integra diferentes unidades e níveis de atenção da saúde auditiva. A TAN, o diagnóstico e a reabilitação fazem parte de um processo contínuo e indissociável, para que se alcance o desfecho esperado em crianças com perdas auditivas permanentes. O uso dos dispositivos eletrônicos, que incluem o AASI e o IC, e a assiduidade na terapia fonoaudiológica estão regulamentados nas políticas públicas do SUS.3 As crianças implantadas bilateralmente apresentam os melhores desempenhos na percepção de fala quando comparadas a adaptação de AASI bilateral e a adaptação bimodal (AASI e IC).27 A oferta do serviço que disponibiliza o dispositivo IC representa uma potencialidade da Rede de Atenção à Saúde.

O acesso à Rede de Atenção à Saúde auditiva infantil apresenta entraves com uma evasão acima do esperado e crianças com idades tardias nas etapas de diagnóstico e intervenção nos países em desenvolvimento,4,6,28 além disso, no Brasil, constata-se diferenças regionais quanto à oferta de serviços e de profissionais especializados, impactando diretamente no acesso.8,15,16,24 Por outro lado, os países desenvolvidos apresentam melhores indicadores quanto ao acesso aos serviços de saúde auditiva,4 como por exemplo os Estados Unidos que possui uma cobertura universal da triagem e idades de diagnóstico e de intervenção por volta dos 2 e 3 meses, respectivamente.29

No presente estudo, a organização da Rede de Atenção à Saúde auditiva pode ser observada no indicador de universalidade e na regulação das crianças para a atenção especializada. Ainda que seja em um único estado brasileiro, esses resultados provêm insights teóricos para processos de tomada de decisão e futuras pesquisas.

As limitações do estudo estão relacionadas à falta de dados nos bancos sobre fatores socioeconômicos das famílias e sobre a trajetória de todas crianças no SSA, além disso algumas crianças podem ter acessado o outro SSA ou o sistema de saúde suplementar, porém não foi possível inserir o outro SSA no estudo, porque o mesmo não possuía um banco de dados. Sugere-se estudos para avaliar os serviços de saúde e o sistema de acesso regulado à atenção à saúde, visto que estes impactam diretamente nos resultados dos programas de TAN.

O indicador de qualidade universalidade nos três programas não foi alcançado; já o índice de encaminhamento para diagnóstico esteve sempre dentro do recomendado pela política de saúde auditiva. Quanto ao acesso aos serviços de saúde auditiva constatou-se uma evasão, sendo esta maior para as crianças que foram encaminhadas para monitoramento auditivo. Sendo assim, a TAN permitiu a captação das crianças com perda auditiva e a inserção na Rede de Atenção à Saúde.

Esse estudo proporcionou a visualização da implantação da Rede de Atenção à Saúde auditiva no estado do Rio Grande do Norte, através da identificação de arranjos organizacionais na linha de cuidado com a oferta da TAN nas maternidades e do diagnóstico e da intervenção nos serviços de saúde auditiva.


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Recebido em 2 de Novembro de 2021
Versão final apresentada em 14 de Abril de 2022
Aprovado em 25 de Abril de 2022


Contribuições dos autores
Dutra MRP realizou coleta dos dados, execução do projeto, elaboração e revisão do manuscrito. Cavalcanti HG executou e revisou o manuscrito. Ferreira MAF fez a supervisão do projeto, elaboração e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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