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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Análise do nível de ansiedade na gestação de alto risco com base na escala Beck Anxiety Inventory

Monique Maria Silva da Paz1; Raquel de Moura Campos Diniz2; Milene de Oliveira Almeida3; Nadine Oliveira Cabral4; Thais Josy Castro Freire de Assis5; Milleny Fernandes de Sena6; Viviann Alves de Pontes7; Natália Mota da Silva Borges8; Cristina Katya Torres Teixeira Mendes9

DOI: 10.1590/1806-9304202200040016

RESUMO

OBJETIVOS: analisar o nível de ansiedade em gestantes de alto risco internadas na maternidade do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) da Universidade Federal da Paraíba.
MÉTODOS: estudo observacional, descritivo, transversal de caráter quantitativo, com amostra composta por 100 gestantes com diagnóstico de alto risco internadas no HULW. A coleta de dados foi realizada por meio do Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), utilizado para avaliar o nível de ansiedade do paciente e os sintomas existentes. Para a análise estatística, foram utilizados os testes de Mann Whitney, Kruskal Wallis e correlação de Spearman, considerando p<0,05.
RESULTADOS: observou-se que 68% das gestantes apresentam ansiedade moderada a alta, com calor, medo do pior acontecer, batimento cardíaco acelerado, instabilidade emocional e nervosismo listados como os sintomas mais comuns. A presença de ansiedade foi independente da idade materna, estado civil ou paridade, porém o trimestre gestacional, história de aborto e tempo de internação foram identificados como fatores de risco para ansiedade.
CONCLUSÃO: gestantes com diagnóstico de alto risco internadas no HULW apresentaram ansiedade, identificando-se a necessidade de uma rede de apoio multiprofissional, como o atendimento familiar.

Palavras-chave: Ansiedade, Hospitalização, Gravidez de alto risco

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the level of anxiety in high risk pregnant women admitted in the maternity ward of the Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) of the Federal University of Paraíba.
METHODS: an observational, descriptive, cross-sectional study of quantitative character, with a sample composed of 100 pregnant women diagnosed as high risk interned at HULW. Data collection was performed using the Beck Anxiety Inventory (BAI), used to assess the level of anxiety the patient is in and the existing symptoms. For the statistical analysis, the Mann Whitney, Kruskal Wallis and Spearman correlation tests were used, considering p<0.05.
RESULTS: it was observed that 68% of pregnant women have moderate to high anxiety, with heat, fear of the worst happening, faster heartbeat, emotional instability and nervousness listed as the most common symptoms. The presence of an anxious condition was independent of maternal age, marital status or parity, however the gestational trimester, history of abortions and length of hospital stay were identified as risk factors for anxiety.
CONCLUSION: pregnant women with a high risk diagnosis hospitalized at HULW presented anxiety, thus identifying the need for a multiprofessional support network, such as family assistance.

Keywords: Anxiety, Hospitalization, High risk pregnancy

Introdução

Os Transtornos Mentais (TM) envolvem alterações no comportamento, na emoção e na cognição do indivíduo, compreendendo sintomas como irritabilidade, queixas somáticas e sentimento de inutilidade.1 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 450 milhões de pessoas sofrem de algum TM, responsável por 8,8% da mortalidade e 16,6% de incapacidade dentre as doenças em países de baixa e média renda.2

A incidência dos TM é superior nas mulheres, e um dos fatores predisponentes é o ciclo gravídico.3 Devido às modificações físicas da gravidez e pela ação hormonal na modulação do humor, é possível observar uma alta prevalência de ansiedade e depressão.4 Neste cenário, os sintomas presentes no período perinatal variam de leve a grave. Estudos anteriores analisaram índices de ansiedade e indicaram um aumento diante a possibilidade em casos de exposição da gestante a episódios de estresse e presença de comorbidades psiquiátricas.5

A gestação de alto risco diz respeito à todas as situações que podem intervir na evolução normal de uma gestação, focalizando tanto em aspectos relativos à saúde tanto materna quanto fetal, e o perfil psicológico pode-se encontrar alterado, ocasionando desse modo, possíveis complicações que poderão ser expandidas se a gestante estiver interna em um hospital.6

A ansiedade é definida como um sinal de alerta diante de uma ameaça desconhecida e conflituosa, em que indica um perigo iminente, e isso incita o organismo a reagir e o capacita para a melhor resposta. Entretanto, quando essa reação hormonal é excessiva e desproporcional ao risco real, passa-se de ansiedade fisiológica para ansiedade patológica.7

Somada com o sentimento de apreensão, nervosismo e tensão, a ansiedade ocasiona respostas fisiológicas do organismo, como a excitação cardiovascular, endócrina, sensorial e variação no sistema musculoesquelético.8 Além desses efeitos viscerais e motores, a ansiedade atinge o pensamento, a percepção e a aprendizagem, e é uma resposta condicionada a um estímulo ambiental específico. A classificação de uma mãe como gestante de alto risco é estímulo suficiente para desencadear o estado de ansiedade.9

A ansiedade e depressão durante o período gestacional são indicativos para esses mesmos quadros no puerpério, estando associada à desfechos maternos desfavoráveis, como a ameaça de abortamento,10 menor peso e comprimento da criança após o nascimento,11 menor tempo de aleitamento materno exclusivo, e pode ainda ocasionar atraso no desenvolvimento infantil.10

Em condições de risco, a hospitalização pode ser necessária para o bem-estar da mãe e do feto, e a inserção no ambiente hospitalar o perfil psicológico materno pode ser afetado, ocasionando possíveis complicações no quadro clínico do binômio materno-fetal; com isso o objetivo desse estudo foi analisar o nível de ansiedade em gestantes de alto risco internadas na maternidade do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW-UFPB).


Métodos

Estudo observacional, descritivo, transversal com caráter quantitativo, realizado no período de agosto de 2018 a julho de 2019, no do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), referência em gestações de alto risco.

O universo foi constituído por mulheres gestantes diagnosticadas com gestação de alto risco, internas no Hospital Lauro Wanderley (UFPB). As gestantes foram pré-selecionadas de maneira não probabilística por meio de amostragem por conveniência, seguindo os seguintes critérios de inclusão: estar gestante; idade maior de 18 anos; diagnóstico de alto risco; estar internada no HULW. O recrutamento da amostra foi realizado após coleta de informações nos prontuários das pacientes, excluindo-se pacientes gestantes de risco habitual e/ou em uso de medicamentos psicoativos. Durante o período de tempo do estudo e obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa, obteve-se o valor final da amostra de 100 gestantes.

O convite para participação na pesquisa ocorreu durante a abordagem de pacientes internadas na maternidade do HULW, e o sigilo e autonomia dos participantes da pesquisa foram asseguradas pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram utilizados dois instrumentos para a coleta de dados: um formulário sociodemográfico e clínico e o Beck Anxiety Inventory (BAI), sendo aplicado com a tradução já validada para o português.

O questionário sociodemográfico e clínico, de autoria própria, teve por objetivo identificar a gestante em relação às suas condições sociais e clínicas com a possibilidade de traçar um perfil da gestante de alto risco interna no HULW. As variáveis analisadas foram: idade da mãe, naturalidade, estado civil, escolaridade, com quem a gestante mora/convive, quantos salários mínimos são em média na casa da mesma e como é o relacionamento com o pai da criança. Em relação às características clínicas, foram analisadas: idade gestacional, paridade, tipo de gestação, número de abortamento(s), cesárea(s) e parto(s) normal(is), data da coleta e da internação, se a gravidez foi planejada e qual o diagnóstico para classificação de gestação de alto risco.

O segundo instrumento foi o BAI, usado para avaliar o estado de ansiedade. É composto por 21 itens, cada um com quatro pontos que refletem níveis de gravidade crescente de cada um dos sintomas. Dentre alguns dos sintomas avaliados no BAI, são observados: calor, tremor nas pernas e nas mãos, incapacidade de relaxar, medo do pior acontecer, tontura, coração batendo mais acelerado, instabilidade emocional, apavorada ou com medo, nervosa e fraqueza e vulnerabilidade.12 A classificação dos escores indicativos para a ansiedade é: mínima (0-10), leve (11-19), moderada (20-30) e elevada (31-63).13

A aplicação foi realizada por dois avaliadores, onde o avaliador preenchia os questionários individualmente de acordo com a resposta de cada gestante. A média de tempo para responder aos questionários foi de 20 minutos, na qual cada etapa descrita aos respondentes de forma simples e por meio de vocabulário claro e pertinente. Os dados coletados foram tratados estatisticamente no sistema computacional Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) v. 25. As variáveis dos questionários foram analisadas por meio do teste Mann-Whitney e comparadas entre si via teste Kruskal-Wallis. Realizou-se também uma Correlação de Spearman, com o intuito de verificar a presença e força de relação entre as variáveis e sua direção. Foi considerada diferença estatística significativa quando p< 0,05 para todos os testes.

Esse estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HULW, da Universidade Federal da Paraíba (Número de aprovação: CAAE n° 88749518.2.0000.5183), seguindo os critérios éticos estabelecidos na Resolução 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Por se tratar de pesquisa documental, os riscos foram restritos ao patrimônio documental da instituição, visto que foram utilizados os dados registrados nos prontuários das pacientes. Contudo alguns questionamentos poderiam ser fonte de constrangimento para a entrevistada, logo, em ocorrência disto, a avaliação seria suspensa. Ressalta-se que este estudo é um instrumento importante para o futuro planejamento de ações de prevenção e tratamento da ansiedade em gestantes.


Resultados

A amostra foi caracterizada por 100 gestantes, as quais apresentaram média de idade de 27,7 ± 5,78 anos, com ensino médio completo (55%), residente de João Pessoa (69%), solteiras com união estável (50%), multíparas (60%), com idade gestacional entre 37-41 semanas (77%), morando com parceiro e filho(s) (43%) e com renda familiar média de um ou mais salário mínimo (56%). Além disso, 90% afirmavam ter um bom/ótimo relacionamento com o pai da criança, 58% não planejaram a gravidez atual e 78% tinham entre 1 a 7 dias de internação hospitalar.

Em relação aos marcadores e fatores de risco gestacionais da amostra total avaliada para a condição de alto risco, dos quais a gestante pode ter um ou mais, 29% foram classificadas pelos antecedentes clínicos, 26% pelos antecedentes obstétricos, 78% das mulheres apresentaram doenças na gestação atual e 9% devido às características pessoais. Entre as 29 gestantes que apresentaram doenças pregressas, 11 delas apresentaram Hipertensão Arterial Sistêmica Crônica (HASC), 6 tinham Diabetes Mellitus (DM); apenas 1 participante relatou ter tanto a HASC quanto a DM. Dentre 26 as mulheres classificadas como alto risco por antecedentes obstétricos, 25 tiveram histórico de abortamento. Dentre as 78 mulheres diagnosticadas doenças na gestação atual, a Hipertensão Arterial Sistêmica Gestacional (HASG) estava presente em 15, a Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) em 23 e a presença das duas condições clínicas associadas em dez delas.

A partir da análise do perfil de ansiedade pelo BAI, foram obtidos os resultados descritos na Tabela 1. A média do score total é de 25,92 ±11,6, de forma que 68% das gestantes apresentaram um quadro de ansiedade, das quais em 42% foi elevado e em 26% moderado.
 


Dentre os sintomas do BAI, aqueles que tiveram uma maior frequência e que foram afirmados pelas gestantes que os sentiam “às vezes” ou “sempre” estão apresentados na Tabela 2. As variáveis sentir calor e medo do pior acontecer foram observadas, respectivamente, em 83% e 74% da amostra. Nessa mesma tabela, observam-se os resultados dos sintomas menos frequentes no BAI, marcados como “nunca” ou “raramente” pelas gestantes. Dentre estes se observa os sintomas tremor nas pernas (82%), sentir o rosto corado (81%) e tremor nas mãos (73%).
 


Com o intuito de obter uma avaliação do nível de ansiedade e a relação com diferentes condições sociais das gestantes, foi realizado um cruzamento entre os questionários sociodemográfico e BAI, cujos resultados estão apresentados na Tabela 3. A partir dessa relação, notou-se que em todas as mulheres acima de 37 anos o nível de ansiedade foi moderado a elevado, e 53,1% classificadas com o menor nível de ansiedade (leve e mínima) eram mulheres entre 26 e 31 anos. O nível de ansiedade classificado como moderado a elevado foi predominante em toda a amostra independente do estado civil. Na variável da escolaridade, o estado ansioso foi prevalente em todos os níveis (Tabela 3), tal como no planejamento da gravidez. Sobre o suporte familiar, estão enquadradas em ansiedade de moderada à elevada 90% (9) daquelas que afirmaram ter um relacionamento ruim com o pai da criança, 63,6% (28) que declararam ter um ou menos de um salário mínimo e 71,4% com renda superior a dois salários mínimos.
 


Nas mulheres classificadas como gestantes de alto risco a partir de suas características pessoais, todas apresentaram ansiedade de moderada à elevada. Dentre as por antecedentes clínicos e obstétricos, a distribuição foi semelhante entre os níveis de ansiedade, diferentemente das classificadas em virtude de uma doença da gestação atual, em que o nível de ansiedade moderado e elevado predominou.

Em relação à paridade, 61,8% que se encontravam na classificação de moderada a elevada do BAI são multíparas (Tabela 4). Quando observado os itens do questionário BAI, percebe-se que o sintoma mais discordante é o coração batendo mais rápido, no qual 58,3% (35) das multíparas afirmam ter, comparados a 72,5% (29) das nulíparas. Os outros sintomas mais frequentes são semelhantes em ambos os grupos, como o medo do pior acontecer com 77,5% (31) das nulíparas e 71,6% (43) das multíparas, e nervosismo, com 65% (26) das nulíparas e 71,6% (43) das multíparas.
 


No presente estudo, uma a cada quatro mulheres declararam já ter tido um ou mais de um abortamento (25), e 56%(14) destas estavam classificadas com índice de ansiedade entre os níveis moderado a elevado de acordo com o BAI. Além disso, 58,8% (10) das que tiveram apenas um episódio afirmaram sentir medo do pior acontecer, seguidas de 100% (8) daquelas que tiveram mais de um episódio.

Quando analisada a variável trimestre gestacional, o maior nível de ansiedade ficou entre as gestantes no terceiro trimestre. Observa-se ainda que 72,7% (56) das mulheres que se encontram no último trimestre identificaram-se nervosas, 75,3% (58) sentiam medo do pior acontecer e 72,7% (56), instabilidade emocional. Em relação ao tempo de internação, 81% das gestantes avaliadas pela pesquisa passaram entre 1 e 7 dias internadas no HULW, restritas ou não ao leito, dependendo da condição do quadro clínico individual.

Considerando as classes do BAI e caracterizando-as em uma variável dicotômica sobre ansiedade (mínima e leve, moderada e elevada), foi empregado o teste de Mann-Whitney para comparar também com as demais variáveis relacionadas à gestante, e notou-se associação com as variáveis trimestre gestacional (U = 781,50; p< 0,05), quantidade de dias de internação (U = 781,00; p< 0,05) e classificação de alto risco por características pessoais (U = 944,00; p< 0,05), mas não mostrou associação com estado civil (U = 938,50; p< 0,05) e número de abortos (U = 966,00; p< 0,05).

O score total do BAI e sua categorização em quatro classes foi comparado com as demais variáveis sociodemográficas, por meio do teste de Kruskal-Wallis, para verificar a diferença estatística em ao menos um dos grupos, e o mesmo foi aplicado para a variável “medo do pior acontecer”.

As variáveis que apresentaram diferença estatística em relação ao score total do BAI foram trimestre gestacional e quantidade de dias de internação, enquanto as variáveis paridade e idade materna não tiveram um p-valor significante (Tabela 5). Quando comparado o questionário sociodemográfico e clínico com o “medo do pior acontecer”, notamos a significâncias estatística com o estado civil, renda familiar e relacionamento com o pai da criança.
 


Por meio da Correlação de Spearman foi possível observar que existem correlações fracas e relações inversas entre as variáveis do presente estudo. Dentre estas, temos que há associação entre score total do BAI dividido por classes e as variáveis: trimestre gestacional (ρ = 0,262; p < 0,05), dias de internação (ρ = - 0,291; p< 0,05), classificação de alto risco por características pessoais (ρ = - 0,247; p< 0,05) e por doenças na gestação atual (ρ = - 0,225; p< 0,05).

Já o “medo de pior acontecer” foi correlacionado com estado civil da gestante (ρ = - 0,216; p< 0,05), relacionamento com o pai da criança (ρ = - 0,208; p< 0,05), renda familiar (ρ = 0,218; p< 0,05) e planejamento da gravidez (ρ = - 0,224; p< 0,05), além de trimestre gestacional (ρ = 0,206; p < 0,05) e dias de internação (ρ = - 0,344; p< 0,05).


Discussão

Em geral, os resultados obtidos expõem de forma clara que todas as mulheres em condições de gestação de alto risco apresentaram níveis de ansiedade em todas as faixas etárias, independente da escolaridade, do estado civil, da paridade e das suas condições clinicas/obstétricas.

Segundo Kliemann et al.,14 a gestação é reconhecida como fator de risco para o desenvolvimento e agravamento de problemas na saúde mental. O período gravídico-puerperal é considerado uma fase de maior sujeição para o desenvolvimento de depressão e ansiedade por efeito das transformações em nível hormonal, físico e emocional vivenciadas pela mesma.15

A partir da análise do BAI, em todas as gestantes avaliadas existia algum nível de ansiedade, e a classificação de um nível moderado a elevado foi predominante. Dentre os sintomas avaliados pelo BAI, um dos que estavam mais presentes era o medo de algo ruim acontecer, o que é esperado como resultado, pois a possibilidade de que ocorram sentimentos de vulnerabilidade vêm à tona em razão da gravidez de alto risco e, assim sendo, elas ficam mais expostas a estes sentimentos estressantes.16

Existem três situações que podem influenciar no surgimento da ansiedade durante a gestação de alto risco, são elas: inquietação com o decorrer da gestação atual, a própria condição de alto risco e também fatores associados à internação hospitalar. Tais fatores podem ocasionar também repercussões na condição clínica da gestante, como maior taxa de prematuridade, aborto, baixo peso ao nascer, pré-eclâmpsia, depressão pós-parto e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor da criança.17 No estudo atual, foi possível observar que situações como doenças na gestação atual (HASG e DMG) podem influenciar na prevalência de um quadro ansioso.

A preocupação com o decorrer da gestação e com as complicações que podem existir para ela ou o feto, somado à internação, só aumenta os pensamentos negativos acerca do desenrolar da gravidez, tornando-a vulnerável à sentimentos de angústia, medo e ansiedade pelo término do tratamento que a mantém interna, pelo parto e pela chegada do bebê.18 Segundo Saviani-Zeoti e Petean,19 é provável que o fato delas estarem expostas a uma situação incerta, como alterações na própria saúde ou na saúde do filho, pode levar a consequências sobre as quais nem sempre se tem controle, e isso acabe por ocasionar aumento desses índices.

Em relação à quantidade de dias de internação, foi visível no estudo atual que a ansiedade diminuiu com o passar do tempo, já que a mulher foi absorvendo a sua condição de risco, se adaptando ao serviço, ao ambiente hospitalar e à equipe de saúde responsável, sendo que esta última pode impactar diretamente na sensação de acolhimento e humanização proporcionada à gestante. A assistência humanizada engloba a prestação de atendimentos, respeito aos aspectos culturais e sociais da mulher,20 mas o cuidado inclui também que a mulher tenha conhecimento sobre quais as alterações que estão acontecendo na própria saúde e/ou na saúde do filho(a) e possivelmente diminuir o quadro ansioso.

Nesta perspectiva, o papel da prevenção na saúde mental é de fundamental importância, sendo realizado dentro do período gestacional através do Pré-Natal Psicológico (PNP), concomitante ao Pré-Natal Ginecológico, no qual são tratados temas como as repercussões emocionais e psicossomáticas da gestação e do puerpério.21 Em estudo de Almeida e Arrais,22 foi constatado que o PNP exerce certa proteção no período gestacional, servindo como espaço de desabafo para a mulher, onde pode encontrar apoio emocional e escuta qualificada.

O nível de ansiedade na amostra estudada se apresentou de forma dependente da faixa etária e da paridade. Mulheres na idade reprodutiva, com idade materna elevada e as multíparas apresentaram altos índices de ansiedade, quando o esperado seria que em virtude da experiência com a maternidade esses índices fossem menores. No entanto, de acordo com Arrais et al.,21 os quadros de ansiedade são muito frequentes nas mulheres em idade reprodutiva, evidenciando-se que uma em cada quatro gestantes sofrem de TM, sendo que 48% delas manifestam ansiedade. Esses TM não apresentaram diferença estatística entre as mulheres com abortos recorrentes no estudo de Carvalho Júnior et al.,23 resultado distinto ao observado na amostra estudada, onde a prevalência de ansiedade aumentou conforme o número de abortamentos e o medo se intensificou com a ocorrência de mais episódios.

Isso pode ser justificado pelo impacto psicológico sobre a mulher, ainda mais naquelas que possuem um anseio pela maternidade, e após a percepção da gestante acerca do risco para si mesma e para seu bebê, e os possíveis resultados dessa complicação, é inevitável que seu instinto materno venha à tona aumentando os níveis de incerteza, de sofrimento psicológico e redução do bem-estar.24 Para amenizar esse quadro é necessário ir além do cuidar biológico, e ver essa mulher enquanto pessoa inserida em um contexto existencial que precisa de um apoio físico e principalmente mental.10

Além dessas variáveis avaliadas, o planejamento da gravidez não ocorreu em mais da metade da amostra, fato esse observado também no estudo de Schiavo et al.,10 e isso pode ser devido ao déficit de infraestrutura da assistência, ocasionando a falta de informação acerca da contracepção e rejeição do parceiro pela procura de serviços de planejamento da gravidez. Tal condição é um fator que pode influenciar no surgimento da ansiedade,14 porém essa influência não foi observada no estudo atual já que a ansiedade foi predominante independentemente da presença ou não do planejamento familiar; além disso, a variável planejamento familiar evidenciou uma correlação com o medo da gestante que o pior pudesse acontecer.

Apesar de a ansiedade ser prevalente durante todo o decorrer da gestação, o nível de ansiedade se apresentou de forma diferente ao longo dos trimestres gestacionais, no qual progrediu gradualmente ao decorrer dos trimestres. Sabe-se que no primeiro trimestre, há uma grande preocupação em relação ao desenvolvimento e bem-estar fetal, levando a mesma a se preocupar em excesso com seus hábitos de vida25; já no segundo trimestre, com o começo da percepção dos movimentos fetais surgem os sentimentos de personificação do bebê e no terceiro trimestre, o nível de ansiedade tende a crescer ainda mais devido à proximidade do parto e a provável mudança na rotina de vida após o parto.25

A análise das variáveis sociais com a ansiedade demonstra que existe uma correlação de estado civil, relacionamento com o pai da criança e planejamento familiar com a variável medo do pior acontecer. O processo da gestação em si já é considerado um momento de vulnerabilidade,24 e a inserção da mesma em um ambiente emocionalmente desfavorável pode ser um fator preditor à ocorrência de ansiedade.14 O atual estudo evidencia que um relacionamento ruim com o pai da criança provoca uma diferença na frequência do sentimento de medo que o pior aconteça, salientando ainda mais a necessidade do apoio emocional para provocar sentimentos de compreensão, cuidado e segurança na gestante,26 já que o suporte familiar é essencial para o bem-estar biopsicossocial da mulher.27

Além disso, no ambiente hospitalar se faz presente a atuação conjunta de profissionais de diversas áreas, constituindo o trabalho multiprofissional, o qual é extremamente positivo no período gestacional, visto que a ampla assistência e a escuta qualificada podem ajudar a aumentar a confiabilidade da gestante, assim como sua adaptação ao setor de internação e, por consequência, diminuir sua propensão ao desenvolvimento de TMs.22

É necessário ressaltar que apesar das comprovações desse estudo, o mesmo ainda possui limitações como o déficit de comparação entre gestantes de baixo risco ou até mesmo puérperas de alto risco, para comparar os dados obtidos e comprovar a ansiedade na amostra proposta pelo estudo. Além disso, seria relevante avaliar o histórico de TM prévio e/ou diagnóstico de ansiedade desta amostra para comparação com o período gestacional.

Esse estudo demonstra a prevalência de um quadro ansioso de moderado a elevado nas gestantes de alto risco internas no HULW, no qual notou-se alguns fatores de risco para essa circunstância, como idade materna, trimestre gestacional, histórico de abortamento e tempo de internação; e fatores que eram independentes ao quadro ansioso, como a escolaridade, estado civil e paridade. O medo do pior acontecer foi uma variável que se evidenciou dentre os sintomas do BAI, visto a sua correlação com condições sociodemográficas como relacionamento com o pai da criança e planejamento da gravidez. É necessário ressaltar a importância de serem produzidos mais estudos nessa área com o objetivo de ratificar a prevalência da ansiedade na gestação de alto risco, em particular no nível terciário de atenção à saúde, visto que a internação é um fator predisponente à existência de ansiedade.


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Recebido em 23 de Fevereiro de 2021
Versão final apresentada em 8 de Outubro de 2021
Aprovado em 8 de Julho de 2022

Contribuição dos autores: Paz MMS, Diniz RMC e Assis TJCF concebeu o estudo e conduziram o experimento. Paz MMS, Diniz RMC, Assis TJCF, Almeida MO, Cabral NO, Pontes VA, Borges NMS e Mendes CKTT escreveram o manuscrito. Paz MMS, Diniz RMC e Sena MF processaram os dados.

Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflitos de interesse.

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