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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Fatores associados ao desmame precoce e padrão espacial do aleitamento materno em território na Zona da Mata de Pernambuco, Brasil

Eliane Rolim de Holanda1; Isabela Lemos da Silva2

DOI: 10.1590/1806-9304202200040005

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar os fatores associados ao desmame precoce e o padrão de distribuição espacial do aleitamento materno no território de adscrição de uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
MÉTODOS: estudo analítico transversal realizado com 47 mães de crianças menores de dois anos em uma UBS, de Vitória de Santo Antão, Pernambuco. A associação entre as variáveis independentes e o desmame precoce foi verificada por meio de análise bivariada e multivariada. Para análise espacial dos casos de aleitamento materno, empregou-se a técnica de densidade de Kernel, buffers de proximidade dos endereços das participantes à Unidade de Saúde e mapa de fluxo.
RESULTADOS: a prevalência de desmame precoce foi de 61,7% (IC95%= 47,8-75,6). Os fatores associados ao desmame precoce foram: distância da residência para a UBS maior de 500 metros, não ser primípara, não participação no grupo educativo de gestante durante o pré-natal e o uso de mamadeira. Receber bolsa família e residir em domicílio com água encanada constituíram fator de proteção a esse desfecho. Encontrou-se dois aglomerados de casos de desmame precoce em locais mais afastados da UBS.
CONCLUSÕES: houve alta prevalência de desmame precoce e associação deste desfecho com o deslocamento domicílio-unidade de saúde, primiparidade, não participação da gestante em atividades educativas durante o pré-natal e utilização de mamadeira.

Palavras-chave: Aleitamento materno, Desmame, Estratégia saúde da família, Análise espacial

ABSTRACT

OBJECTIVES: to assess factors associated with early weaning and the pattern of spatial distribution of breastfeeding in the ascription territory of a Basic Health Unit (BHU).
METHODS: analytic cross-sectional study performed with 47 mothers of children under 2 years of age in a BHU from Vitória de Santo Antão, Pernambuco. The association of independent variables and early weaning was verified using bivariate and multivariate analysis. For spatial analysis of cases of breastfeeding, we applied Kernel density estimation, proximity analysis buffers of the addresses of participants to the Health Unit and flow map.
RESULTS: the prevalence of early weaning was 61.7% (CI95% = 47.8-75.6). Factors associated with early weaning were: distance of residence to the BHU higher than 500 meters, not being primiparous, non-participation in educational groups for pregnant women during prenatal period and use of nursing bottles. Being beneficiary of welfare program Bolsa Família and residing in a home with piped water constituted a protective factor for this outcome. Two clusters of early weaning cases were found in locations further away from the BHUs.
CONCLUSIONS: there was high prevalence of early weaning and association of this outcome with the home-health unit displacement, being primiparous, non-participation of pregnant women in educational activities during prenatal period and use of nursing bottles.

Keywords: Breastfeeding, Weaning, National Health Strategies, Spatial analysis

Introdução

O leite materno configura-se como o alimento mais adequado nos primeiros meses de vida, pois, reúne todos os nutrientes necessários à criança nesse período, além de fatores imunológicos que propiciam crescimento e desenvolvimento saudáveis e um melhor começo de vida. Devido a isto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) orientam que os recém-nascidos recebam aleitamento materno exclusivo (AME) durante os seis primeiros meses de vida e aleitamento materno com alimentos complementares até os dois anos de idade ou mais.1

Estima-se que a ampliação das práticas de amamentação poderia prevenir 823.000 mortes anuais ou 13,8% de todas as mortes de crianças menores de dois anos. Aproximadamente metade de todos os episódios de diarreia e um terço das infecções respiratórias poderiam ser evitadas pela amamentação. A proteção contra internações hospitalares devido a estas doenças é ainda maior: a amamentação pode prevenir 72% das internações por diarreia e 57% daquelas por infecções respiratórias.2

O leite materno traz consigo nutrientes essenciais, favorece o desenvolvimento cognitivo, motor-oral, emocional, social e quociente intelectual, bem como oferta proteção imunitária, principalmente no primeiro ano de vida da criança. As crianças amamentadas ao peito apresentam menores índices de alergias, doenças cardiovasculares, desnutrição, diabetes mellitus e doenças gastrointestinais. Além disso, o aleitamento materno oportuniza benefícios imediatos e a longo prazo para a saúde da mãe e para o meio ambiente, representando fonte de nutrição sustentável, viável, não-poluente e não predatória de recursos naturais em face da ausência com gastos de energia e água, utilização de embalagens, mamadeiras e bicos. Contribui para a redução da pobreza, da fome e das desigualdades sociais.1-3

Apesar de todos os benefícios, a interrupção precoce desta prática continua sendo uma realidade cotidiana, constituindo-se um dos mais importantes problemas da saúde pública brasileira.4 O aleitamento materno é um desafio para muitas mulheres, pois, além das dificuldades assistenciais enfrentadas durante o processo de nascimento e manejo clínico da amamentação, sofrem fortes influências sociais, culturais, políticas, econômicas, e, variações significativas de acordo com a localidade e as características da população. Dentre outros, a reinserção da mãe ao ambiente de trabalho, o deslocamento trabalho-domicílio ou domicílio-unidade de saúde e falta de conhecimento ou de autoeficácia materna sobre a prática tem sido apontado pela literatura científica como determinantes do desmame precoce.3,5,6

Dados preliminares do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) que avaliou 14.505 crianças menores de cinco anos no território nacional, identificou prevalência de apenas 45,7% do AME no Brasil entre as crianças até seis meses de vida,sendo essa prática mais frequente na Região Sul (53,1%) e menos na região Nordeste (38,0%), subindo para 60% nas menores de quatro meses.7 O cenário exposto retrata que a prevalência do AME ainda está muito distante do preconizado.

Neste contexto, torna-se imprescindível a compreensão das relações entre o espaço urbano e os aspectos clínicos e sociodemográficos sobre a prática da amamentação, a fim de se conhecer as características territoriais do aleitamento materno exclusivo, localizando áreas onde intervenções educativas e de suporte devam ser direcionadas por formuladores de políticas de saúde, mediante as reais necessidades da população.

Partindo do pressuposto de que aspectos coletivos como os atributos do local de moradia e as relações estabelecidas no território vivido representam um conjunto de constrangimentos ou possibilidades para o sucesso da amamentação, muito embora pouco estudados, esta pesquisa teve por objetivos avaliar os fatores associados ao desmame precoce e o padrão de distribuição espacial do aleitamento materno no território de adscrição de uma Unidade Básica de Saúde (UBS).


Métodos

Estudo do tipo analítico transversal realizado em uma UBS do município de Vitória de Santo Antão, localizado na Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. O referido município tem população estimada de139.583 pessoas e uma área territorial de 335,942 km². A escolha da unidade ocorreu em virtude do maior quantitativo de crianças assistidas pelo serviço de puericultura, de acordo com lista fornecida pela gerência municipal. Além disso, este serviço de saúde está inserido em uma área de grande vulnerabilidade social. O instrumento selecionado para orientação metodológica foi o Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

Participaram da pesquisa mães de crianças até dois anos de idade usuárias da puericultura da UBS, residentes na área de abrangência do serviço, com amostra obtida por conveniência. Cada mulher foi entrevistada uma única vez e as perguntas foram dirigidas ao filho mais novo. Foram excluídas mães sem autonomia cognitiva para responder o questionário proposto; mães com contracindicação formal para amamentar (HIV positiva ou HTLV positiva) e mães adotivas.

Os dados foram coletados entre os meses de dezembro de 2019 a março de 2020. À época da coleta, segundo informação fornecida pela equipe de saúde, estavam cadastradas na UBS aproximadamente 108 crianças na faixa etária de zero a dois anos. Contudo, a coleta de dados precisou ser encerrada antes do período previsto devido a adoção das medidas de isolamento social exigidas durante a pandemia de COVID-19, impedindo assim a realização de pesquisas com entrevistas presenciais e o alcance do tamanho amostral planejado.

Diante disso, a seleção das mães que compuseram a amostra foi não probabilística. Assim, todas as mães de crianças menores de dois anos que se apresentaram ao serviço de saúde, antes das consultas de puericultura no período da coleta de dados, foram convidadas a participar do estudo. Os dados foram obtidos por uma única pesquisadora, mediante aplicação de um formulário estruturado adaptado, previamente validado, composto por características sociodemográficas, obstétricas, comportamentais e variáveis relacionadas à gravidez, parto e puerpério.8 Adicionalmente, houve extração de informações complementares contidas na caderneta de saúde da criança.

O desfecho em estudo foi o desmame precoce (sim ou não). Considerou-se como desmame precoce o abandono do aleitamento materno exclusivo antes dos seis meses de vida da criança. As variáveis independentes foram: idade materna, vive com parceiro, escolaridade materna, recebe bolsa família, renda, domicílio possui água encanada, esgotamento sanitário, mãe mamou quando criança, primípara, pré-natal em qual serviço, número de consultas de pré-natal, gravidez planejada, gravidez desejada, no pré-natal recebeu orientação sobre amamentação, participou de grupo educativo de gestante, tipo de parto, na maternidade recebeu orientação sobre amamentação, intercorrência clínica no pós-parto, na maternidade teve dificuldade de amamentar, teve dificuldade de amamentar na primeira semana de vida, recebeu visita domiciliar na primeira semana pós-parto, teve apoio de alguém para amamentar, na puericultura recebeu orientação sobre AME, fumante, consome bebida alcóolica, realiza exercícios físico, distância da residência para a UBS. Foram também utilizadas as variáveis relativas à criança: usa chupeta, usa mamadeira, idade gestacional, peso ao nascimento, mamou na primeira hora de vida, onde mamou pela primeira vez, usou leite artificial na maternidade, após o nascimento teve alta hospitalar se alimentando de qual tipo de leite.

Os dados foram digitados em uma planilha eletrônica, no programa Excel®, empregando-se a técnica de validação por dupla digitação, para detectar inconsistências. Posteriormente, o banco foi exportado para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23 para análise estatística.

Na análise univariada, os dados foram apresentados na forma de distribuição de frequências absolutas (n) e relativas (%) para as variáveis qualitativas; e valores de média, desvio padrão, mediana e valores máximo e mínimo para as variáveis quantitativas. A associação entre o desmame precoce e as variáveis independentes foram verificadas mediante análise bivariada utilizando os testes Qui-quadrado ou Exato de Fischer. As variáveis que apresentaram valores de p inferiores a 0,25 na análise bivariada foram introduzidas no modelo de regressão logística múltipla utilizando o método enter. No modelo final da regressão, permaneceram as variáveis com nível de significância menor que 0,05. O teste de multicolinearidade segundo os parâmetros de Tolerance e VIF (Variance Inflation Factors), com tolerância inferior a 10, foi realizado previamente à análise multivariada e confirmaram a ausência de multicolinearidade entre as variáveis independentes. A qualidade do ajuste da regressão logística foi avaliada pelo teste de Hosmer-Lemeshow e o Nagelkerke R2. A adequação do modelo final foi avaliada por meio da área sob curva ROC.

A análise espacial do padrão de distribuição do aleitamento materno no território do estudo iniciou-se com a geocodificação dos endereços de residência das mães participantes atendidas pela unidade de saúde. Esta etapa foi realizada mediante emprego do plugin MMQGIS do Software QGis, adotando projeção Latlong/WGS84. De forma complementar, para os registros não localizados na base cartográfica, utilizou-se a ferramenta Find latitude and longitude que possibilita o processo de geocodificação por acesso ao Google Earth. O arquivo final dos endereços geocodificados seguiu a projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) e datum Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIRGAS) 2000.

A malha digital do município foi obtida no sítio eletrônico do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). Para a confecção do mapa digital da localidade foram obtidos na UBS os dados relativos à área territorial de adscrição e croquis manuais de territorialização da unidade. Foram pontuados todos os limites, realizando o delineamento digital da localidade. Após tratamento, as linhas e polígonos foram importados para o software QGis (versão 2.18).

Realizou-se análise da densidade de pontos dos casos de desmame precoce aplicando a estimativa Kernel, técnica da geoestatística utilizada para analisar o comportamento de padrões de pontos, indicando, por meio de interpolação exploratória não paramétrica, a intensidade da aglomeração do evento na área estudada. Para demonstrar o acesso geográfico das mães a unidade de saúde e deslocamento das residências para o serviço foram construídos mapas de fluxo do deslocamento. Os mapas de fluxo representam o movimento de pessoas no espaço, demonstrando o sentido e a grandeza do movimento estudado por meio de vetores traçados sobre o itinerário percorrido.9 Simultaneamente, realizou-se a análise de buffer, ou área de influência da unidade de saúde, considerando raio de 500 metros, distância considerada ideal para o deslocamento a pé10 semelhante ao utilizado na análise da densidade de pontos. Em outra camada, sobre a área de influência foram distribuídos os pontos que representam as residências dos casos de aleitamento materno e de desmame precoce. Os mapas temáticos da análise espacial, segundo endereço de residência, foram gerados no software QGis (versão 2.18).

O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco sob parecer Nº 3.734.274.


Resultados

Participaram do estudo 47 mães, conforme perfil sociodemográfico retratado na Tabela 1. A prevalência de desmame precoce identificada foi de 61,7% (IC95%= 47,8-75,6). A maioria das mães entrevistadas residiam a uma distância inferior a 500 metros da UBS e eram multíparas. Embora tenha predominado a gravidez não planejada, observou-se maior prevalência de número de consultas de pré-natal adequado, gravidez desejada e o recebimento de orientações sobre amamentação durante o pré-natal, sobretudo do enfermeiro (Tabela 2).
 





Na análise bivariada, foram pré-selecionadas, segundo o critério estabelecido (p<0,25), as variáveis orientações sobre AME na consulta de puericultura (p = 0,045), uso de chupeta (p = 0,029), uso de mamadeira (p = 0,030), distância da residência para a unidade de saúde (p = 0,001), recebe bolsa família (p = 0,074), domicílio possui água encanada (p = 0,225), esgotamento sanitário (p = 0,225), primípara (p = 0,242), no pré-natal participou de grupo educativo para gestante (p = 0,147), intercorrência clínica no pós-parto (p = 0,185) e mamou na primeira hora de vida (p = 0,124).

Após análise multivariada (Tabela 3), permaneceram no modelo ajustado associadas ao desmame precoce as seguintes variáveis: distância da residência para a UBS maior de 500 metros, apresentando quase seis vezes mais chance para o acontecimento do desfecho, em comparação com as mulheres residentes no entorno da UBS. Do mesmo modo não ser primípara neste estudo apresentou uma chance 27 vezes maior para o desfecho abandono da amamentação exclusiva, assim como a não participação no grupo de gestante durante o pré-natal e o uso de mamadeira. Destaca-se que receber bolsa família e residir em domicílio com água encanada foram variáveis de proteção para o desmame precoce.
 


Observou-se que o modelo foi capaz de explicar cerca de 69,4% das variações registradas na variável dependente (Nagelkerke R2 = 0,694). Apresentou excelente capacidade discriminante dos achados e relevante diferença da estimação aleatória, como se pode verificar pela área abaixo da curva ROC (c=0,93; p<0,001), indicada na Figura 1.
 


O mapa gerado com a aplicação da técnica de Kernel (Figura 2A) mostra os locais com maior densidade de casos de desmame precoce na área de adscrição da UBS representados em tonalidades mais escuras. Observou-se a formação de dois aglomerados, concentrados principalmente nas zonas norte e sudeste do território adscrito com predominância de casos de desmame precoce em locais mais afastados da UBS, como apresentado na Figura 2B. Houve centralização de crianças em aleitamento materno exclusivo residentes a uma distância mais próxima do serviço, considerando-se um raio de 300 metros.
 


Discussão

Os dados evidenciaram alta prevalência do desmame precoce. Uma pesquisa realizada no município em questão entre os anos de 2014 e 2015, encontrou resultados inferiores (41,7%).11 Infere-se dessa forma que apesar da constante conscientização pelos profissionais e órgãos públicos de saúde acerca da duração e exclusividade do aleitamento materno a resolutividade dessa demanda ainda não foi alcançada.

No que se refere às características maternas, observou-se que mais da metade das mulheres afirmaram viver com o parceiro. Alguns autores sugerem que a presença do cônjuge, apoiando a mulher nos cuidados com o neonato, colabora com a continuidade do AME.12-14 Contudo, apesar da vivência com o parceiro, a maioria das entrevistadas afirmou não ter recebido nenhum tipo de apoio familiar durante o processo de amamentação. Sabe-se que a decisão da nutriz em amamentar é coletiva e envolve aspectos sociais, familiares, empregatícios e midiáticos. Ao se tratar da influência do núcleo familiar (companheiro, mãe, sogra, tias, avós, dentre outros), quando a mesma é favorável à continuidade da amamentação, pode repercutir em um estímulo positivo na nutriz no que diz respeito a cuidar e manter o lactente em AME por mais tempo.13,14

As nutrizes afirmam ter recebido informações por parte dos profissionais de saúde sobre a amamentação, incluindo seus benefícios e técnicas. A aplicabilidade com eficácia dessas informações e a clareza na linguagem utilizada pelos profissionais de saúde possivelmente repercute na prevalência elevada de desmame precoce evidenciado entre o grupo de mães participantes da pesquisa. Estudos mostram que mães que não foram bem informadas sobre amamentação planejam amamentar por menos tempo, enfatizando-se a importância da boa comunicação entre os envolvidos para o sucesso do aleitamento materno.14-16

Quanto aos fatores que influenciaram o desmame precoce, a crença de que o leite materno seria fraco ou insuficiente para o bebê ganhou destaque sendo a resposta mais frequente. Isto se dá devido a apresentação clara do leite materno e a frequente associação do choro da criança à fome, fatores culturais e a falta de conhecimento materno acerca dos aspectos fisiológicos e nutritivos do leite humano, bem como da maneira como ele é produzido.6

Diante disso, a nutriz, é levada à complementação alimentar com fórmulas infantis, chás e outros alimentos, interferindo na satisfação alimentar da criança, além de ocasionar problemas como: sucção ineficiente, ingurgitamento mamário, lesão mamilar e no final o desmame precoce.12,17,18

Outras justificativas para o desmame precoce dadas pelas nutrizes foram: engasgo, dificuldade na pega e trauma mamilar. Estas estão diretamente relacionadas ao posicionamento do neonato ao seio na hora da mamada, e poderiam ser corrigidas mediante oferta de apoio prático e instrucional pelos profissionais de saúde acerca das técnicas corretas para uma amamentação prazerosa e saudável. Vale ressaltar também, a importância dos profissionais, sobretudo dos enfermeiros, na prevenção, estímulo da autoconfiança materna, identificação precoce e manejo das intercorrências mamárias no período de lactação, de forma a contribuir com o prolongamento do AME.5,17,19,20

Mediante os achados das análises multivariada e espacial, pôde-se evidenciar que morar mais distante da UBS apresentou-se associado ao desmame precoce, achado este inédito na literatura, visto que há uma lacuna no conhecimento científico sobre como a acessibilidade geográfica aos serviços de saúde pode impactar nos desfechos e indicadores neonatais. Pesquisa de revisão integrativa apontou que maiores distâncias a serem percorridas aumentam a probabilidade de as mulheres não procurarem os serviços de saúde. A mobilidade entre o domicílio e os serviços de saúde é dificultada pela distância, mesmo quando há possibilidade de veículo próprio. Além disso, o tempo de viagem, a precariedade no transporte público, locais de moradia socioeconomicamente desfavorecidas e menor escolaridade das mulheres são fatores que obstaculizam o deslocamento do domicílio aos serviços de saúde.21

O acesso aos serviços de saúde é tema multidimensional, envolvendo determinantes políticos, econômicos, sociais, organizativos e geográficos no estabelecimento dos caminhos percorridos por pessoas na busca de cuidados. No cotidiano da Estratégia Saúde da Família, as dificuldades de acesso, a elevada demanda espontânea e a falta de profissionais, exacerbam a acessibilidade da atenção à saúde.22 Infere-se, portanto, que para além da boa comunicação, a construção do vínculo com a população adscrita viabiliza a longitudinalidade e completude do cuidado. O fortalecimento do elo unidade de saúde-comunidade pode promover a confiança e a construção da autonomia por parte dos usuários, contribuindo para a adesão às ações de saúde propostas pelos profissionais da área.

Quanto a paridade, o abandono precoce do AME mostrou-se associado em mães que possuíam mais de um filho. Tal achado diverge de estudos anteriores que afirmam que o desmame precoce é mais prevalente em primíparas devido à baixa experiência e a imaturidade com o cuidado e com a amamentação dos seus filhos. Multíparas precisam constantemente se dedicar ao cuidado com os outros filhos, necessitando dividir o seu tempo entre os mesmos, trabalho e afazeres domésticos, o que possivelmente pode culminar na interrupção da amamentação. Tal aspecto pode ser reforçado pela falta de apoio familiar para amamentação e não participação nos grupos de educação em saúde para gestante, relatados pela maioria das mulheres.5,13,17

O uso da mamadeira mostrou uma chance maior de desmame precoce em comparação com as mães que não a utilizaram. Pesquisa de coorte prospectiva realizada em Porto Alegre com 150 mães e crianças em alojamento conjunto também demostrou que crianças que não faziam uso de bicos e chupetas apresentaram chance de 23,08 vezes maior para a manutenção do AME.23 O não oferecimento destes às crianças que estão sendo amamentadas ao seio materno, é citado como um dos Dez Passos Para o Sucesso do Aleitamento Materno.24 Vale salientar que esta oferta está diretamente associada à uma questão sociocultural e midiática, que exerce por sua vez, forte influência sobre a nutriz.25-27

É sabido, que a introdução de substitutos do leite materno com uso da mamadeira gera prejuízos ao desenvolvimento do sistema oral motor da criança. Além disso, o uso de bicos e chupetas ocasiona um aumento no espaçamento das mamadas, descoordenação no processo de sucção, esvaziamento parcial das mamas, maior risco de ingurgitamento mamário, lesões mamilares e redução da produção láctea.27,28

Os preditores receber bolsa família e residir em domicílio com água encanada refletem condições de vida e o contexto social no qual as mães vivem, tendo sido consideradas variáveis de proteção para o desmame precoce. Estudos mostram que as condições de moradia e saneamento básico são consideradas indicadores sociais e sanitários relevantes para a promoção da saúde, estando diretamente ligadas a eficácia e a segurança no processo do aleitamento, além de se apresentarem como um direito constitucional.29 O Bolsa Família, implementado na rotina das UBS, apresenta como medidas educativas, o incentivo ao aleitamento materno e a promoção da alimentação adequada e saudável. Além disso, contribui com o acompanhamento regular da saúde das crianças junto aos serviços.30

Estudo prospectivo e observacional realizado na Itália em 2017 encontrou que genitoras com baixa escolaridade tendem a interromper precocemente o aleitamento. O nível mais elevado de escolaridade foi considerado como precursor de acesso à informação e motivação referente às vantagens do AME, resultando em maior duração.12 Ao mesmo passo, mães com menores rendas salariais inclinam-se ao abandono da amamentação exclusiva antecipadamente. Além disso, há ainda entre as mesmas uma menor busca aos serviços de saúde.25,29

Sob essa ótica, evidencia-se que o desmame precoce atua em conjunto com os determinantes sociais da saúde, construto associado aos comportamentos individuais, às condições de vida, trabalhistas e à macroestrutura econômica e sociocultural,31 apontando a necessidade de se interver nestes elementos não clínicos com um plano de cuidado ampliado, garantindo assim a promoção e apoio do AME e dos benefícios desta prática para a saúde materno-infantil e da comunidade.

Identifica-se como limitações deste estudo a impossibilidade do estabelecimento de relação de causa e efeito inerentes ao delineamento transversal da pesquisa, sendo importante que estudos prospectivos e multicêntricos possam ser conduzidos para contra-argumentar os resultados. Os achados não podem ser generalizados para a população total de mães em função do tamanho amostral analisado e a utilização da amostragem por conveniência, embora seja capaz de oferecer subsídios para novas pesquisas. Cabe ainda registrar que a superestimação da variância de alguns intervalos de confiança pode ter decorrido do pequeno tamanho amostral analisado devido às dificuldades de alcance da população e da amostra, previamente calculada para o estudo, com a aderência às medidas de restrição de contatos físicos e de acesso aos serviços de saúde impostas pela chegada da pandemia de COVID-19. O viés de memória dos entrevistados também deve ser considerado na análise dos limites do estudo devido a obtenção de informações autorreferidas.

Este estudo possibilita avanços nos aspectos relacionados ao conhecimento dos determinantes do desmame precoce moldados pelo contexto social no qual as mães estão inseridas nos territórios assistidos pela Estratégia Saúde da Família, aspecto que tem sido pouco investigado nas publicações científicas e que precisa ser amplamente divulgado e discutido com os profissionais de saúde.

Conclui-se que uma distância maior da residência para a UBS, não ser primípara, a não participação no grupo de gestante durante o pré-natal e o uso de mamadeira foram preditores do desmame precoce na população investigada. A análise espacial corroborou a predominância de crianças em AME residentes a uma distância mais próxima da UBS inserida no território do estudo. O recebimento de bolsa família e moradia em domicílio com água encanada apresentaram-se como variáveis de proteção. Estratégias de incentivo à amamentação com um olhar atento para os determinantes sociais em saúde, trabalhando em parcerias intersetoriais e melhorando a equidade para cada criança desde o início até ao longo da vida, devem ser desenvolvidas de modo a contribuir com o sucesso do AME e com a redução da morbimortalidade infantil, sobretudo no âmbito da Atenção Primária.


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Recebido em 31 de Março de 2021
Versão final apresentada em 11 de Abril de 2022
Aprovado em 1 de Setembro de 2022

Contribuição dos autores: Holanda ER: concepção do trabalho, produção e análise dos resultados, interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Silva IL: concepção do trabalho, coleta dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito.

Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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