RESUMO
OBJETIVOS: analisar a adequação das recomendações sobre alimentação e nutrição de lactentes disponíveis em websites populares em relação aos “Doze passos para uma alimentação saudável” descritos no Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos.
MÉTODOS: websites populares foram buscados via plataforma Google para coleta de dados relativos às recomendações sobre alimentação de lactentes. As informações foram categorizadas segundo critérios desenvolvidos em relação à consonância com o Guia em: totalmente de acordo, parcialmente de acordo, em desacordo, contraditórias e ausentes. Os websites foram descritos e apresentados segundo frequência de cada passo e a distribuição segundo as categorias.
RESULTADOS: foram incluídos 82 websites. Passos mais presentes: 1 (84,1%), 2 (82,9%) e 4 (63,4%); passos menos presentes: 8 (23,2%), 10 (19,5%), 11 (3,7%) e 12 (1,2%). Os maiores percentuais de adequação em relação ao Guia foram os passos 1 e 4 com 46,4% e 53,8%, respectivamente. Os passos 3 (37,9%) e 7 (75,0%) apresentaram os maiores percentuais de desacordo ou contradição.
CONCLUSÕES: identificou-se a presença de informações adequadas na internet, entretanto, estas se misturam com informações ausentes, em desacordo, parcialmente de acordo ou contraditórias, reforçando a importância da disseminação das recomendações do Guia.
Palavras-chave:
Internet, Aleitamento materno, Alimentação complementar, Guias alimentares, Comunicação em saúde
ABSTRACT
OBJECTIVES: to verify the adequacy of recommendations on food and nutrition for infants available on popular websites in relation to the “Twelve Steps for a Healthy Diet” from the Dietary guidelines for Brazilian children under 2 years of age.
METHODS: popular websites were searched via the Google platform to collect data about food recommendations for children under 2 years of age. The data was categorized according to criteria developed with the Guide: totally agree, partially agree, disagree, contradictory and absent. The websites were described according to the frequency of each step and the distribution in the categories.
RESULTS: 82 websites were included. Most frequent steps: 1 (84.1%), 2 (82.9%) and 4 (63.4%); least present: 8 (23.2%), 10 (19.5%), 11 (3.7%) and 12 (1.2%). The highest percentages of adequacy in relation to the Guide were steps 1 and 4 with 46.4% and 53.8%, respectively. Steps 3 (37.9%) and 7 (75.0%) had the highest percentages of disagreement or contradiction.
CONCLUSIONS: there is proper information on the internet, however, these are mixed with missing, in disagreement, partially in agreement or contradictory information, which reinforces the importance of disseminating the recommendations of the Guide
Keywords:
Internet, Breastfeeding, Complementary feeding, Dietary guidelines, Health communication
IntroduçãoOs primeiros dois anos de vida da criança constituem uma fase de intenso crescimento e desenvolvimento em que a alimentação e a nutrição se colocam como importantes elementos por influenciarem não apenas o desenvolvimento físico, mas também cognitivo, de linguagem e socioemocional.
1,2 Essas dimensões estão intrinsecamente ligadas com repercussões até a vida adulta.
2É comum que os cuidadores de bebês tenham diversas dúvidas sobre como agir e quais decisões tomar em relação à saúde e à alimentação das crianças. As principais dificuldades encontradas sobre a alimentação de crianças de até dois anos relacionam-se com o aleitamento materno (AM), como mitos acerca do leite materno e pega inadequada. Outra dificuldade comum se relaciona à introdução alimentar, quando há inserção de outros alimentos além de leite materno e fórmulas infantis para lactentes, incluindo barreiras para o preparo das refeições e, ainda, tabus sobre quais alimentos a criança pode ou não comer e qual a sua consistência ideal.
3,4As dificuldades e dúvidas apresentadas podem ser atenuadas por meio da busca de informações, seja por conhecimentos populares, de consulta a profissionais de saúde ou ainda com o uso da internet. Esse último tem crescido no país todo. Em 2019, 71% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet, sendo que o tema “
saúde” correspondia a 47% das pesquisas virtuais.
5 O tema “
crianças”, apareceu entre os 10 tópicos relacionados à saúde mais pesquisados, segundo o
Google Trends.6 Dessa forma, observa-se que a internet é uma importante fonte de informação sobre saúde e saúde infantil, portanto, é desejável que contenha informações confiáveis.
No Brasil, a atual edição do
Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, doravante citado como
Guia, foi publicada no ano de 2019.
7 Ele denomina crianças de até dois anos de idade como lactentes, termo utilizado daqui em diante. A publicação desta edição representa uma mudança de paradigma em relação à versão anterior, de 2002, ao adotar em sua elaboração a classificação de alimentos segundo extensão e propósito do processamento, também utilizada no
Guia alimentar para a população brasileira (2014),
8 dialogando com as evidências mais atualizadas sobre a relação entre alimentação e saúde.
9 Ao contrário da versão anterior, as recomendações são apresentadas em formato de texto e ilustrações em linguagem acessível para a população em geral – e não apenas para os profissionais da saúde, o que, somado ao fato de ser o principal documento federal oficial sobre alimentação de lactentes, justifica sua utilização neste trabalho como referencial para a avaliação das informações presentes nos
websites. Ao final do documento, os aspectos centrais são resumidos nos “Doze passos para uma alimentação saudável”, de modo a facilitar e resumir a leitura.
Tanto o
Guia completo, sua versão resumida ou os Doze passos podem ser encontrados na internet para download em formato digital para leitura e consulta. Em ambos os guias alimentares vigentes no país atualmente (para menores de dois anos e para a população em geral), é reconhecida a busca por informações confiáveis na internet como um desafio contemporâneo.
7,8 Estudo prévio realizou análise semelhante em relação aos “Dez passos para uma alimentação saudável”, presentes na edição anterior do guia,
10 mas não foi encontrado nenhum estudo similar que considerasse as recomendações do atual documento.
O presente trabalho propõe analisar a adequação das recomendações sobre alimentação e nutrição de lactentes disponíveis em
websites populares em relação aos “Doze passos para uma alimentação saudável”, descritos no
Guia.
MétodosEstudo descritivo feito a partir da coleta e análise de informações acerca da alimentação de lactentes disponíveis em
websites populares
. A ferramenta de pesquisa utilizada foi o
Google. Os termos de busca incluídos foram aqueles identificados como usuais em buscas sobre a temática da alimentação de crianças de zero a dois anos, segundo o
Google Trends.
6 São eles: “amamentação”, “aleitamento materno”, “leite materno”, “comida bebê”, “bebê comer”, “alimentação bebê”, “introdução alimentar” e “alimentação complementar”.
A relação de
websites foi elaborada em março de 2020, em dia e horário programados, por meio de computadores pessoais com navegador em janela anônima, para que pesquisas pessoais não influenciassem o algoritmo de busca do
Google. Foram incluídos no estudo os
websites encontrados nas duas primeiras páginas da busca a fim de captar as informações com maior probabilidade de acesso por pais e cuidadores de lactentes.
11Foram excluídos do estudo
links que direcionavam para documentos de órgãos oficiais (por exemplo: Ministério da Saúde
(MS), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); buscas acadêmicas;
websites de vendas e anúncios; imagens; vídeos; definição de termos;
websites que falam exclusivamente sobre técnicas de AM e cujo propósito não era explanar conteúdos sobre alimentação infantil;
websites que apresentavam apenas
links e nenhum conteúdo; e
websites indisponíveis. Além disso, os
websites que apareceram como resultado de busca para mais de um termo foram considerados uma única vez. A busca seguiu a mesma ordem dos termos apresentada acima.
A construção do banco de dados foi feita por meio da coleta das informações dos
websites selecionados, segundo métricas
, elaboradas pelas pesquisadoras, a partir dos “Doze passos para uma alimentação saudável”, disponíveis no
Guia e apresentados nas Tabelas 1 e 2.
7 As métricas foram desenvolvidas considerando as principais recomendações presentes no respectivo passo. Foram consideradas totalmente de acordo as informações que se alinhavam claramente às recomendações principais dos doze passos; quando as informações presentes nos
websites não eram claras ou completas, foi classificado como parcialmente de acordo; quando os
websites apresentavam informações incorretas sobre o conteúdo principal do passo, foi classificado como em desacordo e, ao apresentar informações ora corretas, ora incorretas, os
websites foram classificados como contraditórios.
Além da classificação dos
websites segundo as métricas, também foram coletadas as seguintes informações: vínculo com empresa/indústria de alimentos ou de produtos voltados ao público infantil, vínculo com instituição de ensino/pesquisa, presença de referências bibliográficas, citação a profissional de saúde, data da última atualização, presença de anúncio publicitário e país de origem. Foi considerado vínculo qualquer relação com instituições/empresas de parceria ou dependência apresentada no conteúdo do
site. Foram coletados
websites em língua portuguesa, mesmo que de outros países que não o Brasil, a fim de abarcar toda informação disponível para acesso dos pais e cuidadores de lactentes.
Todos os dados foram duplamente coletados, de forma independente, por duas pesquisadoras a fim de melhorar a acurácia da classificação segundo as métricas de adequação das recomendações. As divergências foram resolvidas por uma terceira avaliadora.
Como indicador da qualidade das métricas, foi calculada a concordância inter-avaliadores adotando-se a estatística kappa ajustado para prevalência e viés (PABAK) e intervalo de confiança de 95%, por meio do
software STATA 14.0. Foram considerados os seguintes pontos de corte: 0 = ruim; 0,01-0,20 = leve; 0,21-0,40 = fraca; 0,41-0,60 = moderada, 0,61-0,80 = substancial, e 0,81-1 = quase perfeita.
12 Exceto para um dos passos em que a concordância foi moderada (passo 7; PABAK = 0,6), todos os demais tiveram concordância substancial ou quase perfeita, com PABAK variando de 0,71 a 1,0.
Os dados foram organizados no
Excel e analisados no
STATA 14.0. Os
websites foram descritos segundo presença e tipos de vínculo, presença de referências e de propaganda e segundo data da última atualização. A data da última atualização foi categorizada em: “até nov. 2014”, “dez. 2014 à out. 2019” e “a partir de nov. de 2019” (os pontos de corte adotados se baseiam nas datas de publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em novembro de 2014, documento que introduziu o processamento de alimentos nas políticas públicas brasileiras e que foi uma das bases para o desenvolvimento do
Guia, publicado em outubro de 2019).
7,8Em seguida, foram apresentados a frequência com que cada passo foi abordado nos
websites, bem como a distribuição da classificação segundo as métricas. Optou-se por agregar o critério “contraditório” ao critério “em desacordo” devido à baixa ocorrência do primeiro (12 vezes e em apenas cinco passos). Por fim, analisou-se a proporção de adequação dos
websites segundo variáveis descritivas para os três passos mais frequentemente abordados (passos 1, 2 e 4).
ResultadosForam encontrados 209
websites. Desses, foram excluídos 127, dos quais 35,4% eram
websites de vendas, 22,0% direcionavam a vídeos, 11,8% se tratava de
websites duplicados e 30,8% relativos aos demais critérios de exclusão. Foram analisados 82
websites populares, dentre os quais incluíam
blogs,
websites de empresas alimentícias e de produtos infantis,
websites de revistas e outros. A grande maioria dos
websites analisados era brasileira, exceto três espanhóis e um português.
A Tabela 3 apresenta as características dos
websites estudados. Com relação ao vínculo com instituições e empresas, a maioria (70,7%) não apresentava tal relação. Dentre os
websites em que havia declaração de vínculo, a maior parte era com indústrias de alimentos ou produtos infantis (20,7%). Grande parte apresentou alguma referência para o conteúdo disponível (74,4%), seja bibliográfica ou profissional.
Os passos 1, 2 e 4, relacionados principalmente com o aleitamento materno e o início da alimentação complementar, foram os passos mais frequentemente abordados, estando presentes em 84,1%, 82,9% e 63,4% dos
websites, respectivamente. Por outro lado, os menos presentes foram os passos 8 (presente em 23,2% dos
websites), que aborda a importância de experiências positivas no momento da refeição junto a família; 10 (19,5%), sobre a higiene dos alimentos durante o seu preparo e consumo; 11 (3,7%), sobre o planejamento para refeições feitas fora de casa; e o 12 (1,2%), que discute a proteção da criança contra a publicidade infantil.
Enquanto os passos 1, com 46,4%, e 4, com 53,8%, foram os que tiveram maiores percentuais de adequação total, os passos 3, sobre a importância de priorizar a água ao invés de outras bebidas, e 7, que aborda a necessidade de cozinhar a mesma comida para a criança e a para família, apresentaram os maiores percentuais de desacordo/contradição, com 37,9% e 75,0%, nessa ordem.
A Tabela 5 apresenta os percentuais de adequação total dos passos 1, 2 e 4 nos
websites incluídos na pesquisa segundo as variáveis descritivas. Em relação aos passos 1 (100,0%), 2 (57,1%) e 4 (80,0%), verificou-se maior percentual de adequação em
websites que apresentavam vínculo com órgão oficial e/ou instituição de pesquisa quando comparados a não ter nenhum tipo de vínculo. Apesar de não haver significância estatística, os
websites que possuíam vínculo com a indústria alimentícia ou de venda de produtos infantis apresentaram menor adequação ao conteúdo do
Guia.
7 No passo 1, observou-se maior proporção de adequação quando os
websites não apresentavam anúncios publicitários de quaisquer tipos; no passo 4, a adequação foi maior quando os
websites possuíam referência profissional ou bibliográfica em relação à ausência de tais referências.
12 DiscussãoNeste estudo enontrou-se que os passos 1, 2 e 4 foram os mais presentes nos sites analisados, sendo que o 1 e o 4 tiveram os maiores percentuais de adequação total. Já os passos 11 e 12 foram as recomendações menos abordadas nos websites deste estudo. As recomendações dos passos 7 e 3 foram aquelas com maior percentual de inadequação/contradição em relação ao Guia.
7A alta difusão do passo 1 pode ser interpretada à luz do sucesso de um conjunto de ações de promoção do aleitamento materno implementadas no Brasil a partir dos anos 1980.
13,14 Só entre 1986 e 2006, a prevalência de aleitamento materno exclusivo (AME) aumentou de 2,9% para 37,1%, mantendo-se estável em 2013.
14 Em 2019, o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) revelou que a prevalência de AME entre crianças menores de quatro meses foi de 59,7% no Brasil e em menores de seis meses foi de 45,8%, no dia anterior à pesquisa. Já para o aleitamento continuado no segundo ano de vida (entre crianças de 12 a 23 meses de vida), a prevalência foi de 43,6% no país
14 Observa-se que a maior disseminação de informações corretas sobre aleitamento materno pode contribuir para o aumento de sua prevalência.
9O segundo passo também foi bastante frequente, apresentando um importante percentual de adequação parcial. A adequação parcial se deve ao fato de que, em mais da metade dos
websites, a indicação dos grupos de alimentos a serem inseridos na alimentação era limitada ou ausente. Essa incompletude do conteúdo pode levar à disseminação de informações errôneas e aumentar o risco de oferta de alimentação pouco diversa e de baixa qualidade nutricional.
15 No ENANI-2019 foi possível observar baixa prevalência de diversidade alimentar mínima para crianças de seis a 11 meses (46%),
16 o que ressalta a importância de que a diversidade da alimentação seja estimulada em materiais e meios de comunicação em saúde.
O passo 3 obteve baixa presença nos
websites e alta proporção de desacordo e contradição. A primeira versão do Guia (2002)
17 indicava a oferta de suco de frutas natural aos 12 meses de idade do bebê, o que pode explicar, em partes, essa indicação ainda presente nos
websites. A prevalência de consumo de bebidas adoçadas por crianças brasileiras entre seis e 23 meses no dia anterior à pesquisa foi de 24,5%, com aumento para 37,8% na faixa etária de 18-23 meses, o que reitera a importância da difusão dessa informação completa e correta.
16O passo 4 esteve bastante presente nos
websites, sendo que mais da metade apresentou informação totalmente adequada ao Guia
.7 A alta adequação pode ser explicada por se tratar de uma informação que é recomendada pelos órgãos competentes há quase 20 anos, apresentada pelo MS na primeira versão do Guia (2002)
17 e pela Organização Pan-Americana da Saúde/OMS (OPAS/OMS), desde 2001.
18 Observa-se, também no estudo ENANI-2019, que a prevalência de consumo de comida de sal na consistência adequada no dia anterior à entrevista foi de 67,8% no país.
16As recomendações do passo 5 estiveram presentes apenas em pouco mais de um terço dos
websites. Alguns documentos anteriores, como a primeira edição do Guia (2002)
17 e diretrizes da OMS,
19 aconselham apenas que se evite o consumo de açúcar. É possível que essa dissonância entre as recomendações possa ter relação com a baixa frequência dessa recomendação nos
websites e configura um preocupante cenário, uma vez que a oferta precoce de açúcar dificulta a aceitação de hortaliças e aumenta a chance de excesso de peso, podendo ter repercussões até a vida adulta.
7O passo 6 é uma recomendação inédita, o que pode explicar, ao menos em parte, a baixa presença dessa informação nos
websites estudados. O inquérito nacional ENANI-2019 revelou a necessidade da difusão dessa recomendação e de políticas públicas que garantam uma alimentação complementar baseada em alimentos
in natura e minimamente processados, uma vez que 80,5% das crianças entre seis e 23 meses de idade consumiram pelo menos um alimento ultraprocessado no dia anterior à pesquisa.
16Em relação ao passo 7, a alta inadequação das informações presentes nos
websites pode ser explicada por divergir das recomendações tanto da edição anterior do Guia (2002), quanto da Sociedade Brasileira de Pediatria,
20 que orientam o preparo separado da comida do bebê e a não adição de sal na comida da criança, nessa ordem. É importante destacar que para compartilhar a comida com a criança a família deve seguir as recomendações para uma alimentação saudável presentes no
Guia alimentar para a população brasileira.
7,8O passo 8 foi pouco presente nos websites estudados, o que pode ser explicado por ser uma recomendação inovadora e não presente na primeira edição do Guia (2002).
17 Sobre o passo 9, a edição anterior do Guia (2002) já traz instruções de atenção aos sinais de fome dos bebês, mas também estabelece quantidades rígidas em cardápios fechados para estes, isso pode justificar a distribuição entre adequação total ou parcial nessa recomendação. As recomendações do passo 10, por sua vez, podem ter sido pouco frequentes por estarem já mais inseridas no senso comum; mas devem ser lembradas a fim de garantir a segurança sanitária da alimentação dos lactentes.
Os passos 11 e 12 estavam presentes em poucos
websites, apenas três e um, respectivamente, o que preocupa, pois, a alimentação fora de casa é um cenário oportuno para a influência da publicidade de alimentos, da qual as crianças devem ser protegidas. Progressos na regulação da publicidade de alimentos em prol do consumidor infanto-juvenil tardaram a serem conquistados, como pode se observar na Lei nº 11.265/2006,
21 dirigida à comercialização de alimentos e produtos voltados para crianças de até seis anos, conhecida como NBCAL. Tal Lei vinha sendo debatida há alguns anos, mas somente foi regulamentada com a publicação do Decreto nº 9.579 em 2018.
22 Propagandas voltadas para o público infantil podem influenciar as escolhas alimentares tanto dos pais e cuidadores quanto das crianças, sendo, assim, prejudiciais à saúde dessas, que se tornam duplamente suscetíveis.
23Além do supracitado, os passos 5, 6, 11 e 12 são os mais potencialmente afetados pelas estratégias político-corporativas da indústria alimentícia, podendo refletir nas informações disponíveis nos
websites. De acordo com Mialon e Gomes,
24 a maior parte das estratégias político-corporativas adotadas pela indústria de ultraprocessados estão na dimensão informacional, ou seja, buscam modular a opinião pública a respeito de sua imagem e de seus produtos. O controle e mitigação efetivos dessas práticas podem ser adquiridos apenas por meio de regulação com políticas públicas embasadas em produção científica sem conflito de interesses, tendo como objetivo a promoção da saúde e bem-estar das populações.
25Observou-se neste estudo que o nível de adequação nos passos 1, 2 e 4 foi maior quando os
websites não apresentavam propaganda, tinham vínculo com instituições de pesquisa ou órgãos oficiais ou possuíam algum tipo de referência. Esse conjunto de resultados apoiam a hipótese de que a publicidade de alimentos exerce influência sobre a qualidade das informações disponíveis. Informações incompletas ou incorretas
sobre a alimentação de lactentes
podem provocar prejuízo ao mecanismo de fome e saciedade, desnutrição e excesso de peso.
26São reconhecidas barreiras para que evidências científicas cheguem à população.
7,8 Em estudo anterior, também foi observada importante discordância das informações presentes em
websites populares com as recomendações do MS, o que reitera os desafios da comunicação das recomendações oficiais atuais.
10 Profissionais de saúde e canais de informações oficiais têm o papel de exercer a ponte entre ciência e sociedade, porém há desigualdades no acesso a serviços de saúde e fontes seguras de informação.
27A disseminação e a implementação do Guia são importantes componentes desse acesso à informação de qualidade.
7 O plano de implementação deve incluir a produção e distribuição de materiais educativos, a inclusão das diretrizes em políticas públicas, protocolos de uso para aconselhamento nutricional na Atenção Primária à Saúde (APS) e também educação permanente para profissionais de saúde.
28 Nesse sentido, o Ministério da Saúde promove um curso online com as recomendações do Guia intitulado: “Amamenta e alimenta Brasil: recomendações baseadas no Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos”.
Assim, percebe-se: a urgência de se ampliar a regulação dos conteúdos divulgados
online, a importância da educação permanente para os profissionais de saúde, a necessidade de implementação adequada das recomendações oficiais para menores de dois anos e de ampliação da divulgação científica. Tais ações têm potencial de contribuir para que as informações divulgadas na internet estejam alinhadas ao atual Guia
.7O presente estudo possui algumas limitações. Primeiro, não foram avaliadas redes sociais (como
Twitter,
Facebook,
Instagram e
YouTube), pois os diferentes tipos de linguagem exigiriam
métodos de análise distintos do definido neste estudo. Ademais, foram avaliadas apenas as duas primeiras páginas das pesquisas no
Google, o que restringiu o volume de informações avaliadas. No entanto, foram as páginas mais acessadas.
11 É importante destacar, ainda que somente 3,7% dos
websites coletados foram atualizados após a publicação do Guia.
7 Destaca-se que o documento foi escolhido como referencial teórico para avaliar as informações presentes online e não para verificar a extensão de sua disseminação.
Como pontos altos, destaca-se a utilização do
Google Trends para certificação de que os termos de busca eram apropriados ao propósito do estudo e o fato da coleta de dados duplicada ter sido feita simultaneamente e em curto período, evitando atualizações nos
websites que comprometessem a qualidade dos dados coletados. Além disso, a concordância inter-avaliadores avaliada pela estatística
kappa demonstrou que os critérios de adequação foram apropriados aos objetivos deste trabalho.
Identificou-se que há informações adequadas em
websites populares da internet em relação aos Doze passos descritos no Guia. Entretanto, essas se misturam a informações ausentes, parcialmente de acordo, em desacordo ou contraditórias. Os cuidadores de lactentes devem estar atentos ao buscarem informações na internet e, quando possível, consultar profissionais e canais oficiais para garantir o acesso a informações confiáveis e de qualidade. Os resultados deste trabalho reforçam a importância do desenvolvimento de ferramentas para disseminação das recomendações disponíveis no
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Recebido em 19 de Novembro de 2021
Versão final apresentada em 6 de Julho de 2022
Aprovado em 17 de Agosto de 2022
Contribuição dos autores: Santos AA e Silva EO: discussão, planejamento, coleta e análise de dados, pesquisa bibliográfica e redação do artigo.Gabe KT e Leite MA: análise de dados, discussão e revisão crítica do conteúdo. Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.