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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e imagem corporal, estado nutricional e atividade física de gestantes na Atenção Primária à Saúde

Carolina Amaral Oliveira Rodrigues1; Giselle Mara Mendes Silva Leão2; Ruth Emanuele Silva Andrade3; Rafael Silveira Freire4; Lívia Castro Crivellenti5; Marise Fagundes Silveira6; Rosângela Ramos Veloso Silva7; Maria Fernanda Santos Figueiredo Brito8; Lucinéia de Pinho9

DOI: 10.1590/1806-9304202300000362 e20220362

RESUMO

OBJETIVOS: analisar o consumo de alimentos ultraprocessados e sua associação com imagem corporal, atividade física, estado nutricional e autoavaliação alimentar de gestantes cadastradas na Atenção Primária à Saúde.
MÉTODOS: trata-se de um estudo transversal, realizado com gestantes cadastradas na Estratégia Saúde da Família do município de Montes Claros, Minas Gerais. Os dados foram coletados por meio de um questionário. A variável dependente foi consumo de alimentos ultraprocessados, e as independentes abordaram aspecto corporal, atividade física, estado nutricional, autoavaliação alimentar e consumo alimentar. Realizou-se análise descritiva e para análise de associação, utilizou-se o modelo de regressão linear com associações brutas e ajustadas.
RESULTADOS: participaram do estudo 1.185 gestantes. O consumo calórico proveniente dos ultraprocessados representou 32,0% da dieta diária dessas mulheres. Verificou-se associação entre consumo de ultraprocessados com atividade física (β=-0,08; p<0,01), estado nutricional pré-gestacional (β=-0,12; p<0,01) e imagem corporal (β=0,08; p=0,01).
CONCLUSÃO: as gestantes apresentaram alto consumo de alimentos ultraprocessados. Ter imagem corporal negativa, menor nível de atividade física, estado nutricional pré-gestacional elevado são condições que influenciaram o consumo desses alimentos.

Palavras-chave: Gravidez, Nutrição materna, Alimentos industrializados, Fast food, Atenção primária à saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the consumption of ultra-processed food and its association with body image, physical activity, nutritional status and self-assessment on food of pregnant women enrolled in the Primary Health Care.
METHODS: this is a cross-sectional study carried out with pregnant women enrolled in the Family Health Strategy in the city of Montes Claros, Minas Gerais. Data were collected through a questionnaire. The dependent variable was the consumption of ultra-processed food, and the independent ones addressed body appearance, physical activity, nutritional status, self-assessment on food and food consumption. Descriptive analysis was carried out and for association of analysis, the linear regression model was used with crude and adjusted associations.
RESULTS: 1,185 pregnant women participated in the study. Caloric intake from ultra-processed food represented 32.0% of these women's daily diet. There was an association between consumption of ultra-processed food and physical activity (β=-0.08; p<0.01), pre-gestional nutritional status (β=-0,12; p<0.01) and body image (β =0.08; p=0.01).
CONCLUSION: the pregnant women presented high consumption of ultra-processed food. Having a negative body image, the lowest level of physical activity, and high pre-gestational nutritional status are conditions that influenced the consumption of these food.

Keywords: Pregnancy, Maternal nutrition, Industrialized food, Fast food, Primary heath care

Introdução

A gestação é uma fase que requer cuidados especiais, tais como a alimentação adequada. Nesse período, os níveis de nutrientes nos tecidos e líquidos sofrem alterações fisiológicas e químicas, demandando adequações dos hábitos alimentares, visto que o estado nutricional pode influenciar no desfecho da gravidez, do parto e do pós-parto. 1,2

Torna-se imprescindível a adoção pela gestante de uma alimentação saudável, que consiste na ingestão de alimentos que possuem sua composição nutricional balanceada. Todavia, a dieta da população mundial vem sofrendo grandes modificações. A vida social dentro e fora de casa tem sido fragilizada pela redução do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, associada ao aumento da ingestão dos alimentos ultraprocessados,1 que possuem altos teores de gorduras, sódio e açúcar, e consequentemente, alto conteúdo calórico, e baixo teor de micronutrientes. 3

Os alimentos ultraprocessados (AUP), são definidos como formulações industriais, com pouco ou quase nenhum alimento integral. Sua fabricação envolve diferentes etapas e técnicas de processamento, como a adição de ingredientes sintetizados em laboratório com o objetivo de deixá-los mais palatáveis ao consumo. 3 Diferentes fatores podem contribuir com o maior consumo dos AUP: demográficos, socioeconômicos,2,3 culturais, de estilo de vida3 e estado nutricional. 2,4,5

O consumo de AUP durante a gestação está associado a maiores riscos para o desenvolvimento de sobrepeso e obesidade materna,1,6 fatores que podem levar a diferentes quadros, como diabetes mellitus gestacional, pré-eclampsia,7 parto cesárea e nascimentos de recém-nascidos grandes para a idade gestacional (GIG). 2

Identificar os padrões alimentares das gestantes constitui um importante objeto de estudo da epidemiologia nutricional, no sentindo de promover a saúde materno-infantil que é um tema prioritário para a saúde pública no mundo todo. 1 Dessa forma, considerando o aumento do consumo dos AUP pela população geral, e da escassez de informações que medem essa relação de consumo entre as gestantes com diferentes fatores, este estudo teve por objetivo analisar o consumo de alimentos ultraprocessados e sua associação com imagem corporal, atividade física, estado nutricional e autoavaliação alimentar de gestantes cadastradas em Equipes de Saúde da Família da Atenção Primária à Saúde.


Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico de base populacional, transversal e analítico. Este trabalho é um recorte da primeira fase da pesquisa matriz intitulada "Estudo ALGE - Avaliação das condições de saúde das gestantes de Montes Claros - MG".

A população foi constituída por gestantes cadastradas em equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), da zona urbana do município de Montes Claros, entre os anos de 2018 e 2019. O cálculo amostral considerou parâmetros populacionais com prevalência de 50%, intervalo de confiança de 95% (IC 95%), e nível de precisão de 2,0%. Fez-se correção para população finita (n=1.661 gestantes) com acréscimo de 20% para compensar as possíveis não respostas e perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 1.180 gestantes.

Os critérios de inclusão foram: estar cadastrada em equipe de saúde da família, em qualquer idade gestacional. Foram excluídas: grávida de gemelar e que apresentasse comprometimento cognitivo, conforme informação do familiar e/ou da equipe da ESF.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de outubro de 2018 a novembro de 2019, nas unidades das equipes da ESF ou nos domicílios das participantes conforme a sua disponibilidade. Previamente à coleta, foi realizada a capacitação dos entrevistadores, bem como um estudo piloto com gestantes cadastradas na ESF (que não foram incluídas nas análises do estudo), para padronizar os procedimentos da pesquisa.

Utilizou-se um questionário com variáveis demográficas, socioeconômicas, de aspecto corporal, hábito de vida, estado nutricional, autoavaliação alimentar e consumo alimentar:

a) Características demográficas: idade (até 20 anos; 21 a 30; acima de 30); cor da pele autorreferida (branca; não branca); situação conjugal (com companheiro; sem companheiro).

b) Características socioeconômicas: anos de estudo (≤8; 9-11; >11); trabalho fora do lar (sim; não); renda familiar (≤ 1 salário mínimo; > 1 salário mínimo).

c) Imagem corporal: a fim de avaliar as atitudes corporais das gestantes, aplicou-se o Body Attitudes Questionnaire (BAQ), instrumento validado no Brasil por Scagliusi et al. 8 O instrumento tem 44 itens em escala de Likert com cinco opções de resposta ("Concordo totalmente" até "Discordo totalmente"). O escore total do BAQ deu-se pela soma das pontuações de cada item. Esse valor varia de 44 a 220 pontos, sendo que quanto maior o escore obtido, maior a insatisfação com a imagem corporal sobre as seis subescalas: "atração física", "autodepreciação", "gordura total", "saliência do corpo", "percepção da gordura da porção inferior do corpo" e "força e aptidão física". 9

d) Atividade física: para avaliar o gasto energético das gestantes foi utilizado o Questionário de Atividade Física para Gestantes (QAFG). O instrumento foi adaptado e validado para uso em gestantes no Brasil por Silva et al. 10 e tem como objetivo avaliar os níveis de atividade física em diferentes categorias, como tarefas domésticas, cuidar de pessoas, esporte e exercício, ocupação e lazer. A estimativa de intensidade do QAFG resulta da média de MET/hora (equivalente metabólico) por semana para o total das atividades realizadas. Com isso, cada atividade é classificada pela sua intensidade em inativa fisicamente (<1,5 METs), leve (1,5 - <3,0 METs), moderada (3,0 - 6,0 METs) ou vigorosa (>6,0 METs). 10

e) Estado nutricional pré-gestacional: a avaliação do estado nutricional pré-gestacional foi realizada conforme recomendações do Ministério da Saúde. 11 Foram coletados dados de peso em quilos (kg) e estatura em centímetros (cm) da caderneta da gestante. Em seguida, o Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado e classificado em: baixo peso, eutrofia, sobrepeso e obesidade. Para análise, foram somadas as categorias de sobrepeso e obesidade.

f) Autoavaliação alimentar: foi obtida através da pergunta "Como você avalia sua alimentação?" com as seguintes opções de resposta: "muito boa", "boa", "regular", "ruim" e "muito ruim". Posteriormente, para fins de análise, estas respostas foram dicotomizadas em positiva (muito boa/boa), e negativa (regular/ruim/muito ruim). 12

g) Consumo alimentar: aferido pelo Questionário de Frequência Alimentar (QFA), adaptado e validado para uso em gestantes atendidas em unidades básicas de saúde. O QFA contém 70 itens alimentares com oito categorias de frequência correspondendo a mais de 3 vezes por dia, 2 a 3 vezes por dia, 1vez por dia, 5 a 6 vezes por semana, 2 a 4 vezes por semana, 1 vez por semana, 1 a 3 vezes por mês e nunca/quase nunca. 13

Em relação aos AUP, foram analisados o consumo de refrigerante, batata frita, sorvete, achocolatado, suco artificial, salsicha, hambúrguer, pizza, salgadinhos de pacote, margarina, doces. Esses itens foram selecionados conforme a classificação denominada NOVA, que divide e organiza os alimentos em quatro categorias, de acordo com a natureza, extensão e finalidade do processamento industrial a que são submetidos: (1) alimentos in natura ou minimamente processados; (2) ingredientes culinários; (3) alimentos processados e (4) AUP. 3

Os dados do QFA foram organizados em planilha para análise do valor nutricional das dietas individuais. As frequências de consumo dos diferentes itens alimentares foram transformadas para valores diários através do software Diet Pró®. Os cálculos nutricionais foram realizados para todos os alimentos ingeridos, utilizando como referências a Tabela de Composição de Alimentos: suporte para decisão nutricional e a Tabela Brasileira de Composição Química dos Alimentos (TACO). 14

Para encontrar o Valor Energético Total (VET) dos alimentos, os macronutrientes foram calculados em gramas e multiplicados por 4 quilocalorias (kcal) (Proteína e Carboidrato) e 9kcal (Lipídios). 14 A partir do VET encontrado, realizou-se o seguinte cálculo para identificar a porcentagem de consumo dos AUP presentes na dieta da gestante:



Registros do VET dos alimentos inferiores a 500 kcal ou superiores a 7.000 kcal foram excluídos com base em pontos de corte estabelecidos na literatura, tendo em vista que esses dados são considerados como implausíveis, biologicamente para o consumo. 15

Realizou-se a análise descritiva dos dados com medidas de frequência absoluta e relativa para variáveis categóricas. Em seguida, foram realizadas as análises de regressão linear simples entre a variável desfecho (consumo de alimentos ultraprocessados) e as variáveis independentes (imagem corporal, atividade física, IMC pré-gestacional, autoavaliação alimentar). As variáveis que apresentaram nível descritivo (valor p) de até 20% na regressão linear simples foram selecionadas para análise múltipla. Nesta etapa, a seleção das variáveis para o ajuste do modelo final considerou o procedimento de seleção para trás (backward).

O modelo ajustado atendeu aos pressupostos da regressão linear. A independência dos resíduos foi confirmada pela tese de Durbin-Watson (DW=1,976). Verificou-se ausência de multicolinearidade (o grau de tolerância foi próximo a 0,9 e VIF abaixo de 10) e outliers (os valores estavam dentro da faixa de -3/+3). Na análise gráfica, a distribuição dos resíduos se mostrou dentro do padrão de normalidade. A homocedasticidade também foi confirmada por meio do gráfico de Scatterplot, no qual verificou-se que os pontos estavam dispersos de forma aleatória e não cônica. Foi também verificada, por meio do coeficiente de correlação de Pearson, relação linear entre a variável dependente e as independentes do modelo.

Os dados coletados foram organizados e analisados no software IBM SPSS Statistics versão 22.0 para Windows®.

Este estudo foi conduzido dentro dos padrões da Resolução nº 466/2012, e o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (protocolo nº 2.483.623/2018).


Resultados

Das 1.279 gestantes que participaram da pesquisa, 94 (7,3%) foram excluídas por apresentaram valores de ingestão energética inferior a 500 Kcal ou superior a 7.000 Kcal e aquelas que não apresentaram informações para o cálculo de Kcal/dia total (n final = 1.185) (Figura 1).

 



A amostra incluiu 1.185 gestantes, com idade média de 26,6 anos (DP ± 6,6). Cerca de 65,0% tinham entre nove e onze anos de estudo, 88,9% se autodeclararam não brancas, 77,4% eram casadas ou viviam em união estável, 56,2% não trabalhavam fora de casa e 64,6% tinham uma renda menor ou igual a um salário mínimo. Em relação à imagem corporal, 48,0% das gestantes apresentaram uma imagem negativa. No aspecto hábito de vida, 66,5% relataram praticar alguma atividade física no decorrer do dia. Além disso, 47,0% delas estavam com peso adequado antes de engravidarem e 66,9% consideraram ter uma alimentação positiva (Tabela 1).

 



A análise do QFA demonstrou que a média de calorias totais ingeridas pelas gestantes foi de 2.559,2 kcal/dia (DP ±1.206,7), sendo 746,3 kcal/dia (DP ± 569,5) provenientes dos alimentos ultraprocessados, representando 32,0% (DP ± 22,1) da dieta dessas mulheres.

A Tabela 2 apresenta o resultado da análise de regressão linear. Na análise de regressão linear simples, observou-se associação de até 20% dos AUP com atividade física (p=0,01), estado nutricional pré-gestacional (p<0,01), imagem corporal (p=0,16) e autoavaliação alimentar (p=0,14). Na análise múltipla, houve associação significativa dos AUP com: atividade física (β=-0,08; p<0,01), estado nutricional pré-gestacional (β=-0,12; p<0,01), imagem corporal (β=0,08, p=0,01).

 




Discussão

No presente estudo verificou-se associação do consumo dos AUP com as variáveis de imagem corporal, atividade física e estado nutricional pré-gestacional. Esses dados geram uma reflexão sobre a importância do incentivo às mudanças no westilo de vida das mulheres durante a gestação para prover saúde ao binômio mãe-filho.

O Guia alimentar para a população brasileira na orientação às gestantes16 trás que os AUP são nutricionalmente desbalanceados, devendo, portanto, que o seu consumo seja evitado. Diante disso, considera-se que nesta pesquisa houve uma alta prevalência (32,0%) de consumo desses alimentos pelas gestantes. Estudo prévio realizado em uma coorte observacional de gestantes na Carolina do Norte, Estados Unidos, também verificou um consumo médio de ultraprocessados de 34,0%. 17 Outras pesquisas internacionais encontraram taxas mais elevadas referentes a esse percentual de consumo alimentar entre gestantes: 54,4% nos Estados Unidos,18 50,7% no Reino Unido,3 48,0% no Canadá. 19

No Brasil, resultado semelhante foi encontrado em pesquisa realizada sobre a ingestão alimentar, de gestantes atendidas na rede pública de saúde de Ribeirão Preto (SP), com consumo médio de calorias totais dessas mulheres de 2.053kcal, sendo 32% de ultraprocessados. 6 Outros estudos nacionais com gestantes encontraram percentuais de consumo de alimentos industrializados que variaram de 22,2% a 38,0% da dieta diária. 2,20,21

A participação dos AUP na rotina alimentar da população vem aumentando inclusive dentre o grupo de gestantes. Há diferenças nas taxas dessa contribuição nos países desenvolvidos que podem estar relacionadas a questões socioeconômicas e culturais das escolhas alimentares de cada país. 2

O aumento do consumo de ultraprocessados tem sido relacionado a maiores ocorrências de diabetes mellitus gestacional, síndromes hipertensivas, deficiência nutricional e ganho de peso excessivo na gestação. 1,2,6 Os AUP, além de apresentarem altas concentrações de gordura hidrogenadas (trans), açúcar livre e sal, têm uma alta densidade energética, baixa densidade nutricional e escassez de fibras, tornando o padrão de alimentação favorável ao comprometimento da saúde materna e neonatal. 2,18

Observou-se que o consumo dos AUP neste estudo foi maior entre as gestantes que praticavam menos atividade física. Estudo realizado nos Estados Unidos verificou uma redução no nível de atividade física das mulheres ao longo da gravidez, associado a uma frequência maior de refeições em restaurantes com fast food e alimentos altamente densos e palatáveis. 22 Pesquisa realizada no Brasil com a população adulta também encontrou uma associação inversa entre o consumo de AUP e o nível de atividade física. 23

Maiores níveis de sedentarismo, associado ao aumento do consumo de calorias vazias advindas dos produtos ultraprocessados, podem favorecer um desequilíbrio do consumo e do gasto energético, resultando em maior ganho ponderal, com repercussões negativas para a mãe e o feto. 22,24

Esperava-se encontrar uma associação positiva entre maior consumo de AUP e maior IMC pré-gestacional. No entanto, os resultados do presente estudo mostraram uma relação inversa. A associação dos padrões alimentares e do ganho de peso gestacional foi avaliada previamente em alguns estudos que identificaram variações da ingestão alimentar da pré-concepção ao período gestacional. 4,5,24 Estudo realizado com gestantes australianas que apresentaram IMC pré-gestacional elevado evidenciou que após passarem por um processo de aconselhamento de estilo de vida, essas mulheres demonstraram uma melhora significativa dos hábitos alimentares ao longo da gestação. 4

Em uma coorte prospectiva realizada em um centro público de saúde na cidade do Rio de Janeiro, com gestantes brasileiras com peso adequado, a ingestão de AUP diminuiu, enquanto a ingestão de alimentos minimamente/não processados aumentou ligeiramente desde a pré-concepção até o período gestacional. 5

A causalidade reversa neste estudo pode estar associada a possíveis mudanças nos hábitos alimentares e estilo de vida das gestantes justificado pela preocupação dessas mulheres em manterem um ganho de peso adequado durante a gestação, evitando o desenvolvimento de complicações para sua saúde e do seu bebê relacionadas ao sobrepeso. 1,25

Esses dados reforçam a importância do acompanhamento nutricional, no âmbito do pré-natal, que deve ocorrer desde o início da gestação para identificar as inadequações alimentares e o estado nutricional e a partir disto, propor mudanças no consumo alimentar da mulher, capazes de prevenir complicações materno-fetal. O peso pré-gestacional pode influenciar diretamente no tamanho do bebê ao nascimento, no desenvolvimento de hipertensão arterial e diabetes gestacional, parto cesáreo, assim como no estado nutricional da mãe no pós-parto. 1

Gestantes que apresentaram maiores escores no BAQ, indicando maior insatisfação corporal, consumiam mais produtos ultraprocessados. Estudo realizado com mulheres grávidas no Centro de Obstetrícia da Universidade de Leipzig, Alemanha, durante consultas de pré-natal, constatou que, a alimentação descontrolada foi fator de risco específico para a preocupação com a imagem corporal no final da gestação. 26 Outras pesquisas no âmbito internacional e nacional também evidenciaram correlações significativas entre atitudes alimentares inadequadas, como restrições dietéticas, transtornos alimentares e maior insatisfação com a imagem corporal. 9,27,28

Esse achado sugere que uma maior preocupação com a imagem corporal pode levar a atitudes alimentares disfuncionais, como omitir refeições, ou substituir as principais refeições do dia por lanches compostos de alimentos com alta densidade energética, como os AUP, o que para mulheres grávidas é ainda mais preocupante, devido às consequências negativas tanto para ela quanto para o feto, como abortos, baixo peso ao nascer, complicações obstétricas e depressão pós-parto. 9 Apesar de esse construto ser um preditor de comportamentos da gestante, há lacunas de evidências acerca de sua influência na prática do consumo de AUP.

Mesmo não havendo associação significativa com o desfecho deste estudo, a autoavaliação alimentar apresentou uma relação positiva com o maior consumo de AUP. Destaca-se que pesquisas abordando essa relação entre as gestantes são escassas. Os resultados de Machado et al. ,12 com uma população adulta opõem-se aos desta investigação, sendo que os adultos residentes na região sul do Brasil, apresentaram uma associação direta entre a autopercepção positiva da dieta e os hábitos alimentares adequados. 12

Essas divergências entre os resultados dos estudos podem decorrer do conhecimento limitado das gestantes sobre dieta e alimentação saudável e dos riscos do consumo de ultraprocessados. Muitos AUP dão a falsa impressão de serem saudáveis, por terem em sua descrição a adição de fibra alimentar, e alguns micronutrientes, além da ideia de substituição do açúcar por adoçantes artificiais, ou a redução do sódio. 3,29,30 Considera-se que avaliar a autopercepção alimentar e a qualidade da dieta da gestante conjuntamente em novos estudos seja relevante, uma vez que propicia identificar os hábitos dessas mulheres e a sua relação com uma alimentação saudável, contribuindo, consequentemente, com um melhor desenvolvimento da gestação.

Dessa forma, faz-se necessário que os profissionais orientem adequadamente as gestantes sobre a qualidade dos alimentos, já que normalmente uma alimentação saudável e variada será capaz de suprir todas as suas necessidades nutricionais. Que elas dêem preferência sempre aos alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias à alimentos ultraprocessados. 1

O presente estudo apresenta como limitação a possibilidade de viés de memória que pode interferir na capacidade da entrevistada de relatar as frequências de ingestão dos alimentos. Tal fato foi minimizado na escolha do QFA, validado para gestantes atendidas em unidades básicas de saúde no município de Montes Claros, MG. 14

Em conclusão, os resultados do presente estudo indicam um alto consumo de ultraprocessados pelas gestantes e que ter imagem corporal negativa, menor nível de atividade física e estado nutricional pré-gestacional elevado influencia o consumo desses alimentos. Os dados do estudo sugerem ainda, a importância dos profissionais de saúde, ao longo do pré-natal, orientarem as mulheres, seus parceiros e/ou familiares sobre como identificarem os diferentes grupos alimentares segundo o nível de processamento industrial, bem como seus benefícios e malefícios.

É importante também que as gestantes sejam orientadas sobre o ganho de peso adequado na gestação, sobre a prática de atividades físicas que em conjunto poderão contribuir com melhores resultados de saúde para a mãe e para o bebê, além de maiores esclarecimentos e apoio psicológico sobre as mudanças corporais que estão necessariamente associadas à gestação.


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Recebido em 1 de Novembro de 2022
Versão final apresentada em 2 de Março de 2023
Aprovado em 22 de Março de 2023

Editor Associado: Melânia Amorim

Contribuição dos autores: Rodrigues CAO: concepção e planejamento do estudo, análise estatística e interpretação dos dados, elaboração ou revisão do manuscrito. Leão GMMS, Crivellenti LC: análise estatística e interpretação dos dados, elaboração ou revisão do manuscrito. Andrade RES, Freire RS: elaboração ou revisão do manuscrito. Silveira MF: coleta de dados, análise estatística e interpretação dos dados, elaboração ou revisão do manuscrito. Silva RRV, Brito MFSF: concepção e planejamento do estudo, coleta de dados, elaboração ou revisão do manuscrito. Pinho L: concepção e planejamento do estudo, coleta de dados, análise estatística e interpretação dos dados, elaboração ou revisão do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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