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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Estado nutricional e tendência temporal da cobertura de adolescentes brasileiros acompanhados no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, 2008 a 2019

Karina Pedroza de Oliveira1; Antônio Augusto Ferreira Carioca2; Luiza Jane Eyre de Souza Vieira3; Lia Sara dos Santos Muniz4; Maria Eduarda Jucá da Paz Barbosa5

DOI: 10.1590/1806-9304202300000296 e20220296

RESUMO

OBJETIVOS: analisar o estado nutricional e a tendência temporal da cobertura de adolescentes brasileiros acompanhados no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional no período de 2008-2019.
MÉTODOS: estudo ecológico de séries temporais com dados do SISVAN coletados no período de 2008 a 2019 com 45.869.266 de registos. Foram coletados dados de índice de massa corporal e calculadas as coberturas dos registros dos adolescentes acompanhados pelo sistema. Estimou-se a percentagem da variação anual da cobertura e estado nutricional pela regressão de Prais-Winsten, com nível de significância de 5%.
RESULTADOS: observa-se crescimento da prevalência de obesidade entre 2008 a 2019, nesse período a magreza manteve-se estável no Brasil. A cobertura nacional evoluiu de 9,3% em 2008 para 19,6% em 2019, com variação anual de 9% e tendência de aumento estatisticamente significativa. No Brasil, a obesidade nessa faixa etária apresentou um aumento entre os anos de 2008 e 2019, com uma variação anual de 8,7% (IC95%= 7,8-9,6).
CONCLUSÃO: modificações observadas no estado nutricional sugerem a ocorrência da transição nutricional na população de adolescentes. O percentual de cobertura disponível no sistema tem potencial de crescimento, entretanto, o atual cenário impacta em possível análise insuficiente para subsidiar a elaboração e reorientação de políticas públicas.

Palavras-chave: Vigilância alimentar e nutricional, Cobertura de serviços públicos de saúde, Adolescentes, Estado nutricional

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the nutritional status and temporal trend of the coverage of Brazilian adolescents monitored in the Food and Nutritional Surveillance System in the period 2008-2019.
METHODS: ecological study of temporal series with SISVAN data collected from 2008 to 2019 with 45,869.266 registration. Body mass index data were collected and the registration coverage of adolescents monitored by the system was calculated. The percentage of annual variation in coverage and nutritional status was estimated using Prais-Winsten regression, with a significance level of 5%.
RESULTS: an increase in the prevalence of obesity was observed between 2008 and 2019, during this period thinness remained stable in Brazil. National coverage evolved from 9.3% in 2008 to 19.6% in 2019, with an annual variation of 9% and a statistically significant increase trend. In Brazil, obesity in this age group increased between 2008 and 2019, with an annual variation of 8.7% (CI95% = 7.8-9.6).
CONCLUSION: modifications were observed in nutritional status suggest the occurrence of nutritional transition in the adolescents' population. The percentage of coverage available in the system has growth potential, however, the current scenario impacts on a possible insufficient analysis to support the elaboration and reorientation of public policies.

Keywords: Food and nutritional surveillance, Public health care service coverage, Adolescents, Nutritional status

Introdução

A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), em sua terceira diretriz, contempla a Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN) que tem como base descrever e prever tendências alimentares e nutricionais da população brasileira. Esta diretriz destaca o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) para monitorar o consumo alimentar e o estado nutricional (EN) de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo da vida. 1

Com o objetivo de integrar informações sobre o status de peso e consumo alimentar, cria-se a plataforma online (SISVAN Web)2 que armazena e compila dados, identifica grupos com maior risco nutricional e favorece o planejamento de ações prioritárias no âmbito da atenção e gestão. No ciclo de vida, considera a estratificação: crianças em idade pré-escolar (zero a quatro anos), crianças em idade escolar (cinco a nove anos), adolescentes (dez a 19 anos), adultos (20-59 anos), idosos (60 anos de idade e acima) e mulheres grávidas. O SISVAN recomenda o uso do índice de massa corporal (IMC) como método de classificação do estado nutricional, para adolescentes utiliza-se indicadores como altura para a idade (A/I) e índice de massa corporal para a idade (IMC/I). 3

No caso dos adolescentes, o cadastro do estado nutricional, inclusive a coleta dos dados de peso e estatura, pode estar vinculado ao Programa Saúde na Escola, Estratégia Saúde da Família (ESF) ou programa de transferência de renda, no qual os adolescentes escolares são acompanhados por profissionais da rede básica de saúde. Trata-se de um plano interinstitucional envolvendo o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação e objetiva "contribuir para a formação integral dos alunos da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e saúde". 4

A situação nutricional do adolescente impacta na vida adulta, pois é um período crucial para o desenvolvimento, e pode aumentar as chances do surgimento de doenças crônicas. A obesidade na adolescência pode estar relacionada a vários riscos de doenças associadas, como diabetes e doenças cardiovasculares (DCV), bem como, neoplasias, problemas respiratórios, dermatológicos e ortopédicos decorrentes de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida inadequado. Por outro lado, a desnutrição pode causar fragilidade do sistema imunológico, redução da massa muscular, atraso no desenvolvimento físico e mental, além de danos permanentes a saúde. Dessa forma, maior atenção deve ser dedicada às condições de saúde desta faixa etária, visto que, o estado nutricional impacta diretamente na saúde dos adultos e nos gastos públicos do país. 5

A Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares (POF), conduzida em 2008-2009, mostrava que o excesso de peso já atingia 21,5% e 19,4% dos adolescentes brasileiros de sexo masculino e feminino, respectivamente. 6 Além disto, ainda segundo a POF 2008-2009, 5,8% e 4,0% dos adolescentes brasileiros de sexo masculino e feminino, respectivamente, apresentavam obesidade. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2009) que avaliou medidas antropométricas de 58.971 adolescentes (de 13 a 19 anos), observou que o excesso de peso foi de 23,0% e a obesidade de 7,3%, sendo mais altos no Sul e no Sudeste do país. 7 Mais recentemente a PeNSE de 2015 observou níveis de excesso de peso dos meninos em 23,6% e obesidade em 8,3%, e no sexo feminino, 23,8% com excesso de peso e 7,3% com obesidade. 8

A despeito da importância dessa vigilância nutricional na atenção básica, identifica-se lacuna na literatura brasileira, pois os estudos prévios concentram-se em cenários geopolíticos isolados. 9 No entanto, este estudo analisa o estado nutricional desse grupo no país e suas macrorregiões, com dados até o ano de 2019, um diferencial aos estudos existentes.

A cobertura de Sistemas de Informação (SIS) é considerado uma dimensão da qualidade e vem sendo bastante estudada com os dados do SISVAN. Entretanto, a gestão da qualidade da informação do SIS no Brasil ainda não é organizada e sistemática. Conhecer o estado de saúde de uma população é importante para avaliar prioridades e criar programas. Tais indicadores facilitam a análise das informações, mas sua qualidade dependerá da acurácia dos sistemas de informação. Não há como influenciar o controle social sobre o que é pouco conhecido. 10

Este estudo justifica-se, pois irá auxiliar na redução de lacunas nas informações sobre o estado nutricional dos adolescentes, contribuindo para tomada de decisão em políticas públicas. Nessa lógica, o estudo analisa a tendência temporal da cobertura e do estado nutricional de adolescentes no Brasil e nas macrorregiões, considerando os dados disponíveis no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional de 2008 a 2019.


Métodos

Estudo ecológico, realizado com dados secundários do SISVAN, dos anos de 2008 a 2019, tendo o Brasil e as suas cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) como unidade de análise.

Considerou-se os dados do estado nutricional e da cobertura de adolescentes acompanhados no sistema, possibilitados pelas consultas aos relatórios consolidados, de acesso público e disponíveis no endereço eletrônico do SISVAN Web (https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index). Na plataforma, estão armazenados esses relatórios anuais com resultados da última avaliação do ano, cada adolescente avaliado está inserido apenas uma vez no banco de dados, essas informações são derivadas das ações de vigilância alimentar e nutricional que recomenda a avaliação de indicadores do estado nutricional (índices antropométricos e marcadores de consumo alimentar). Todos os registros disponíveis na plataforma foram utilizados nas análises. Para este estudo foi selecionada a fase de ciclo da vida de adolescentes, isto é, indivíduos com idade entre maior ou igual a dez anos e menor de 20 anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). 11

O IMC para a idade é recomendado internacionalmente para diagnóstico individual e coletivo dos distúrbios nutricionais na adolescência, é calculado conforme recomendação da OMS, incorpora a informação da idade do indivíduo, foi validado como indicador de gordura corporal total nos percentis superiores e proporciona uma continuidade com o indicador utilizado entre adultos. 3

Os pontos de corte para o indicador de IMC por idade para adolescentes seguem a seguinte classificação: magreza acentuada (< Percentil 0,1); magreza (≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3); Eutrofia (> Percentil 3 e < Percentil 85); Sobrepeso (> Percentil 85 e ≤ Percentil 97); Obesidade (> Percentil 97 e ≤ Percentil 99,9); Obesidade grave (> Percentil 99,9).

Para este estudo serão avaliados os principais desvios nutricionais nessa faixa etária: magreza (somatório de Magreza Acentuada e Magreza) e obesidade (somatório de Obesidade e Obesidade Grave).

O acompanhamento do estado nutricional foi analisado a partir do cálculo da cobertura total, referente ao percentual de indivíduos acompanhados pelo SISVAN Web. O valor foi obtido pelo número de indivíduos com registros de estado nutricional (numerador) dividido pela população usuária do SUS (denominador), multiplicado por 100.

O número de indivíduos acompanhados pelo SUS foi obtido subtraindo-se do total da população brasileira as pessoas atendidas por plano de saúde. 12 Os dados foram coletados e extraídos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (população residente total) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) (planos privados de saúde)13 no formato de planilha Excel®. Para a apuração e triagem dos dados utilizou-se a linguagem de programação javascript. O banco de dados, compilação, análise, confecção de tabelas e gráficos foram realizadas no programa Power BI e sua visualização está em uma página da web.

Para determinar a variação temporal dos indicadores, calcularam-se inicialmente as prevalências para cada um dos estratos, a cada ano. Em seguida, utilizaram-se modelos de regressão de Prais-Winsten, para controlar a autocorreção dos resíduos da regressão entre os anos analisados, assumindo nível de significância de 5%. 14 A variação média anual (VA) da cobertura e de cada categoria do estado nutricional foi calculada a partir da seguinte fórmula: [-1 + (10β)] x 100, onde β é logaritmo de base 10. Valores de p não significantes (p≥0,05) indicaram tendência de estabilidade; valores de p significantes (p≤0,05), tendência crescente ou decrescente, conforme a variação anual positiva ou negativa, respectivamente.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza (Coética/Unifor): Parecer nº 4.348.452, e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 31540320.9.1001.5052.


Resultados

Entre 2008 e 2019 foram acompanhados pelo SISVAN, um número total de 45.869.266 milhões de adolescentes, destes, 45,5% correspondem aos indivíduos acompanhados da região Nordeste, 24,5 % Sudeste, 15% Norte, 9,1% Sul e 5,7% foram da região Centro-oeste. A Tabela 1 apresenta os registros dos acompanhamentos por macrorregiões. Gráficos e tabelas desenvolvidas estão disponíveis em página da web. 15 Quanto à classificação do estado nutricional, identificou-se uma tendência temporal crescente da prevalência de obesidade entre os adolescentes a nível nacional e nas macrorregiões. No Brasil, a obesidade nessa faixa etária apresentou um aumento entre os anos de 2008 e 2019, com uma variação anual de 8,7% (IC95%= 7,8-9,6). A região Sul despontou com maior prevalência de obesidade, em comparação às demais macrorregiões. Identifica-se que a obesidade nas regiões ascendeu de modo semelhante. (Tabela 2).

 







Em contrapartida, a prevalência de magreza apresentou-se estável entre os anos. Em âmbito nacional, o percentual de baixo peso passou de 5,5% em 2008 para 4,3% em 2019, com variação anual não significante de -0,2% (IC95%= -2,3 - 1,9). A região Nordeste difere do padrão brasileiro e das demais regiões com tendência anual significante crescente de magreza. Entre as macrorregiões, as regiões Norte e Nordeste exibiram os maiores percentuais de magreza em todos os estratos analisados (Tabela 3).

 



O percentual de cobertura do estado nutricional de adolescentes em âmbito nacional e por macrorregiões, apresentou percentuais de 9,3% (2008) a 19,6% (2019), com variação anual de 9,0% (IC95%= 4,7-13,4). Nas regiões e país, os valores de p mostraram-se significantes e positivos indicando tendência de crescimento da cobertura para todos os estratos analisados, sendo a maior cobertura nacional e em todas as macrorregiões detectada em 2018 (Tabela 4).

 




Discussão

Observa-se uma modesta cobertura do estado nutricional de adolescentes pelo SISVAN com tendência temporal crescente no Brasil e nas cinco macrorregiões analisadas. Em relação à classificação do estado nutricional, houve crescimento da prevalência de obesidade e estabilidade da magreza. Identificou-se maiores índices de obesidade na região Sul e de baixo peso nas regiões Norte e Nordeste.

Observou-se aumento da obesidade em todas as regiões e a região Sul seguida da região Sudeste são as que apresentam maiores percentuais de adolescentes vivendo com obesidade.

Neste estudo foi observado que entre as macrorregiões, a região Nordeste exibiu os maiores percentuais de magreza e significância crescente de variação anual. Achados diferentes foram encontrados em estudo epidemiológico que evidenciou a média de desnutrição de 1,9% e uma diminuição da taxa de desnutrição, seguida pelo aumento do sobrepeso. 16

Em relação as causas da obesidade são gerais não apenas individuais ou familiares, mas também ambientais e sociais, e tem como principais desafios os interesses dos conglomerados alimentícios, desinteresse político para seu enfrentamento e a ausência de pressão pela sociedade civil. 17

Nesse contexto, a escola vem sendo apontada como um ambiente oportuno para realização de programas de educação em saúde, o que está relacionado à sua inclusão em todas as dimensões do aprendizado: ensino, relações lar-escola-comunidade, ambiente físico e emocional. 18 Atualmente mudanças no ambiente escolar e nas políticas dirigidas a esse espaço têm sido as providências recorrentemente sugeridas para prevenir a obesidade na infância. Um exemplo é o Programa Saúde na Escola (PSE) que é uma parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação. 19 Desde 2013 estabeleceu-se um elenco de ações essenciais do PSE que são de pactuação obrigatória pelos municípios e umas das ações é a Linha de Cuidados para Prevenção e Tratamento do Sobrepeso e da Obesidade. A nível nacional de 2017 a 2019 vinha aumentando as ações realizadas nas escolas com a temática de alimentação saudável. 20

Outra iniciativa existente que atinge o ambiente escolar é a Estratégia de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (PROTEJA), instituída pela Portaria GM/MS nº 1.862, de 10 de agosto de 2021, é uma estratégia brasileira intersetorial que tem como objetivo deter o avanço da obesidade infantil e contribuir para o cuidado e para a melhoria da saúde e da nutrição das crianças. 21

O aumento da prevalência de sobrepeso e na estabilidade de baixo peso e de peso adequado indicam o acontecimento de uma transição nutricional para a população adolescente. Inicialmente identificado entre a população adulta, esse processo, que está em curso no país há mais de 40 anos é caracterizado pelo declínio da prevalência de desnutrição e aumento da ocorrência de excesso de peso. De início, observou-se maior prevalência de sobrepeso e obesidade nas regiões brasileiras de melhor nível socioeconômico. Na última década, a ocorrência de excesso de peso vem se apresentando crescente na população adulta de baixa renda, uma das causas é o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, em detrimento aos alimentos saudáveis, como o feijão. 22

A Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares (PeNSE) de 2015 identifica que as maiores prevalências de excesso de peso foram observadas em adolescentes que se denominaram negros ou indígenas, da região sul, da área urbana e no quintil de baixa renda. 23 Dezenas de milhões de pessoas possuem direitos e deveres e necessitam de oportunidades para desenvolver com integralidade todo o seu potencial. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à proteção da infância e da adolescência. No entanto, é necessário priorizar políticas públicas capazes de rechaçar e superar as desigualdades geográficas, sociais e étnicas do País. 16

A baixa cobertura do estado nutricional de adolescentes pelo SISVAN de 11,33% em 2008 para 11,51% em 2012, sem tendência significativa de crescimento, foi observada nos primeiros seis anos de implementação do SISVAN Web (2008 a 2013). 24 Sendo o grupo de adolescentes ficando em quarto lugar em cobertura em 2012. Em relação as regiões com maior cobertura se destacam as regiões Norte e Nordeste.

O Informe Situacional da Geral da Coordenadoria-Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN), ao comparar a expansão da cobertura nutricional da população total acompanhada pelo SISVAN Web nos anos de 2014 e 2017, indicou aumento no percentual de cobertura na maioria dos estados brasileiros. A cobertura do país em 2017 alcançou 14,1%, a de adolescentes, 17,6%. Apesar da cobertura dos adolescentes mostrar-se maior que a cobertura do geral de todas as fases do país ainda existe margem de crescimento. 25 Ainda que a cobertura dos adolescentes seja modesta, os dados do SISVAN mostram-se semelhantes aos de outras pesquisas nacionais como POF e PeNSE, o que é um indicativo que está sendo representativa. 6,8

Apesar das limitações apresentadas pela modesta cobertura, várias são as potencialidades do SISVAN que podem ser destacadas, como a integração com outros sistemas de informação em saúde do SUS, geração de relatórios, sua abrangência em todos os municípios brasileiros e em todas as fases do ciclo de vida. 26

Os principais entraves para uma alta cobertura e utilização do SISVAN pela atenção primária são: falta de recursos humanos, estrutura física e logística; complexidade de implantação; má gestão e diminuto engajamento político e problemas com o apoio matricial às equipes responsáveis pelo abastecimento do sistema. 27

Em estudo realizado em Natal, capital do RGN, os profissionais de saúde que trabalham com o PSE relataram que as maiores dificuldades foram a escassez de recursos materiais e financeiros (50,5%), desarticulação intersetorial (26,7%) e seguida pelo excesso de atividades no processo de trabalho (17,1%). 28 Similarmente, em estudo realizado nos municípios da Superintendência Regional de Saúde de Belo Horizonte foi encontrado como principais problemas enfrentados pelos municípios referentes à coleta de dados para a vigilância alimentar e nutricional e digitação dos dados no SISVAN Web: problemas com a internet (62,2%); falta de capacitação para coleta de dados (54,1%); rotatividade de profissionais (51,4%) e formulário de cadastro do usuário no sistema extenso (51,4%). Outros problemas citados com maior frequência foram: falta de equipamentos antropométricos (43,2%), falta de profissionais para digitação (43,2%), centralização da digitação na Secretaria Municipal de Saúde (43,2%) e má condição do equipamento (40,5%). 29

Também no que diz respeito aos maiores percentuais de cobertura apresentados pelo Norte e Nordeste, pode ter relação com o fato de que algumas políticas públicas eram direcionadas a localidades com maior nível de pobreza, fome e desnutrição infantil. Tanto a cobertura ampla da ESF e de beneficiários do Programa Bolsa Família nessas regiões; como a existência de grupos/centros colaboradores e dos projetos que deram origem ao SISVAN, especialmente no Nordeste, são exemplos. 22

Apesar de importantes nossos resultados apresentam limitações, como não permitir conclusões a nível individual, pois se trata de uma investigação de agregados de análise ecológica, sendo esse um dos fatores que podem interferir na interpretação dos achados. A utilização de dados secundários também se mostra como uma restrição, pois têm origem de fontes diferentes e, por consequência, podem possuir uma inconstância na credibilidade das informações, provenientes de erros na coleta, digitação, subregistros, entre outros.

O baixo percentual de cobertura, com tendência significativa de crescimento para a população de adolescentes, observado nos primeiros 12 anos do SISVAN indica que a sua utilização está em processo de adaptação, resultando em produção de dados insuficientes para subsidiar a elaboração e ajustes de políticas públicas de prevenção de doenças/agravos e de promoção e manutenção da saúde para esse público. Identificamos desigualdades regionais na distribuição das classificações do estado nutricional, com maiores índices de sobrepeso na região Sul e de baixo peso nas regiões Norte e Nordeste. A tendência de crescimento da prevalência de obesidade em todas as macrorregiões brasileiras sugere a ocorrência do processo de transição nutricional para a população adolescente.


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Recebido em 21 de Agosto de 2022
Versão final apresentada em 30 de Maio de 2023
Aprovado em 5 de Junho de 2023

Editor Associado: Melânia Amorim

Agradecimentos: Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) pela Fundação Edson Queiroz pelas bolsas de iniciação científicas.

Contribuição dos autores: Oliveira KP e Vieira LJES: planejamento do estudo, análise e discussão dos resultados, revisão final do manuscrito; Carioca AAF: coleta, análise e interpretação dos dados; Barbosa MEJP e Muniz LSS: revisão bibliográfica, organização dos dados e na redação inicial do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.

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