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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Perfil nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos de idade no Alto Rio Solimões, Amazonas, Brasil (2013)

Francinara Guimarães Medeiros1; Evelyne Marie Therese Mainbourg2; Aline Alves Ferreira3; Antônio Alcirley da Silva Balieiro4; James R. Welch5; Carlos E. A. Coimbra Jr6

DOI: 10.1590/1806-9304202300000401 e20220401

RESUMO

OBJETIVOS: caracterizar o estado nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos, de comunidades rurais na região do Alto Solimões, habitada por sete etnias, com base em dados de dezembro de 2013.
MÉTODOS: foram extraídos dos formulários do SISVAN Indígena dados de peso e estatura, coletados em 2013, de 7.520 crianças (86,0% das crianças estimadas nesta faixa etária). Foram calculados os índices estatura-para-idade (E/I), peso-para-idade (P/I), peso-para-estatura (P/E) e índice de massa corporal para idade (IMC/I). Curvas de referência para crescimento propostas pela Organização Mundial da Saúde foram utilizadas para calcular escores z.
RESULTADOS: o índice estatura-para-idade (E/I) apresentou os menores valores médios de escore z, chegando a −1,95 nas crianças entre 36 e 60 meses. Os valores médios do escore z do índice peso-para-idade (P/I) também permaneceram abaixo de zero. Os valores médios do escore z para os índices P/E e índice de massa corporal para idade (IMC/I) mantiveram-se ligeiramente acima de zero, atingindo valor máximo de 0,5. Do total de crianças, 45,7% apresentaram baixa E/I, 9,6%, baixo P/I, 4,5% baixo P/E e 10,7% de excesso de peso de acordo com o IMC/I.
CONCLUSÃO: em 2013 a desnutrição persistia como um importante agravo à saúde nessas crianças.

Palavras-chave: Avaliação nutricional, Saúde indígena, Desnutrição crônica, Amazônia

ABSTRACT

OBJECTIVES: to characterize the nutritional status of indigenous children underfive years of age living in rural communities in the Upper Solimões River region, inhabited by seven ethnic groups, based on data of december 2013.
METHODS: weight and height data extracted from SISVAN-I (Indigenous Food and Nutritional Surveillance System) forms filled in 2013 for 7,520 children (86.0% of the estimated children in this age group). The indices height-for-age (H/A), weight-for-age (W/A), weight-for-height(W/H), and body mass index-for-age (BMI/A) were calculated. Growth reference curves proposed by the World Health Organization were used to calculate z-scores.
RESULTS: the height-for-age (H/A) index presented the lowest mean z-score values, reaching −1.95 among children between 36 and 60 months. Mean z-score values for the weight-for-age (W/A) index also remained below zero. Mean z-score values for the indices weight-for-height (W/H) and body mass index-for-age (BMI/A) remained slightly above zero, reaching a maximum value of 0.5. Of all children, 45.7% presented low H/A, 9.6% presented low W/A, 4.5% presented low W/H, and 10.7% presented overweight based on BMI/A.
CONCLUSION: our analysis show that in 2013 poor nutritional status persisted as an important health issue among these rural indigenous children.

Keywords: Nutritional assessment, Indigenous health, Chronic undernutrition, Amazonia

Introdução

Estudos nacionais de saúde realizados no Brasil mostraram melhorias nos indicadores de saúde e nutrição infantil, com redução significativa dos níveis de mortalidade e desnutrição.1,2 Apesar desses avanços, as principais tendências de saúde da população indígena no país, especialmente na Amazônia, permaneceram pouco conhecidas até serem pesquisadas e publicadas em revistas acadêmicas, pela primeira vez, em âmbito nacional na década de 2010.3

Considerando a escassez de informações sobre a saúde e a nutrição das crianças amazônicas nos estudos representativos em nível nacional, as informações produzidas em nível local continuam sendo essenciais. De acordo com a Primeira Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas no Brasil (doravante chamada Pesquisa Nacional), realizada em 2008-2009, aproximadamente 25% das crianças indígenas menores de cinco anos apresentaram déficit de crescimento linear crônico.4 O estudo também revelou que na região Norte do Brasil, especificamente no estado do Amazonas esse perfil era ainda mais acentuado, com 40,8% das crianças nessa faixa etária apresentando desnutrição crônica.

A desnutrição infantil é um problema global grave que afeta milhões de crianças em todo o mundo. Ela é atribuída principalmente à escassez de recursos e à absorção inadequada de nutrientes, o que leva a consequências gravemente prejudiciais para o desenvolvimento das crianças. Além do atraso no crescimento e do baixo peso, a desnutrição também pode resultar em anemia, diarreia e deficiências no desenvolvimento cognitivo e físico. Esses efeitos acabam afetando o desempenho escolar, o bem-estar geral e a qualidade de vida das crianças.5

Avaliações nutricionais recentes de diversas comunidades na região amazônica6-9 convergem na constatação de que a desnutrição crônica é o distúrbio nutricional mais grave em crianças com menos de cinco anos de idade, muitas vezes afetando mais de 50% das crianças avaliadas.6-9 Especialmente no estado do Amazonas, as poucas pesquisas realizadas em áreas rurais também apontam a desnutrição crônica como um dos principais problemas de saúde da infância. De acordo com Alencar et al. ,10,11 23,0% das crianças menores de cinco anos que vivem ao longo das principais hidrovias do estado apresentaram déficit de crescimento linear, chegando a 35% das crianças ao longo do Rio Negro.

Embora escassos, esses estudos reforçam a contemporaneidade do diagnóstico feito por Josué de Castro em Geografia da Fome na década de 1940,12 quando ele cunhou o termo "fome endêmica" em referência à ". . .presença de deficiências de proteínas, vitaminas e sais minerais" nos moradores da região Norte do Brasil.13 No entanto, na região Norte, ainda não está claro quais populações indígenas regionais são mais afetadas por essas desigualdades de saúde, como a alta prevalência de desnutrição infantil, embora as políticas e os serviços de saúde para os povos indígenas no Brasil tenham se expandido e melhorado desde o final da década de 1990, por meio, por exemplo, da terceirização das ações de saúde, do planejamento de ações em nível distrital com a aprovação do Conselho Distrital, da alocação de recursos, do fornecimento de serviços, da estruturação da rede, da melhoria da logística que permite maior alcance da população-alvo e do treinamento de recursos humanos.14,15

Tendo em vista a importância da desnutrição no perfil nutricional das crianças indígenas no Brasil,16 foi implantado em 2006 o SISVAN-I (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena) no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Ele é considerado uma ferramenta importante para monitorar a evolução da desnutrição em crianças e, assim, orientar políticas públicas.17 Os dados produzidos pelo SISVAN-I também oferecem uma oportunidade -única de calcular e comparar indicadores nutricionais em uma região estatisticamente sub-representada.

Essa fonte de dados apresenta uma vantagem única ao incorporar dados robustos de toda a população infantil indígena (o universo demográfico) por meio do monitoramento ativo frequente por profissionais apoiados por uma infraestrutura desenvolvida para superar os enormes desafios logísticos inerentes ao acesso às comunidades na Amazônia, como serviços limitados de transporte aéreo e terrestre, longas distâncias entre centros urbanos e comunidades, transporte fluvial caro e imprevisível e obstáculos e barreiras ambientais dinâmicos.

O Alto Rio Solimões e seus afluentes, na região da "tríplice fronteira", onde as fronteiras do Brasil, Colômbia e Peru se encontram, são caracterizados demograficamente por uma população essencialmente indígena, na qual o grupo étnico Tikuna é o mais numeroso (46.000 em 2010).18 Os outros grupos étnicos são os Kokama, Kaixana, Kanamari, Kambeba, Maku-Yuhup e Witoto. Como muitas outras regiões de fronteira na Amazônia, o Alto Solimões é uma área poliétnica e multicultural com intenso movimento migratório e atividades comerciais diversificadas.19 Nesse cenário, os estilos de vida, a habitação, o saneamento, a segurança alimentar e a dinâmica de transmissão de doenças infecciosas e parasitárias afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, inclusive os povos indígenas.20

Para entender melhor as desigualdadesde saúde que afetam uma população indígena especialmente populosa e etnicamente diversa na região do Alto Rio Solimões, estado do Amazonas, Brasil, o presente estudo buscou caracterizar o perfil nutricional de crianças indígenas rurais com menos de cinco anos de idade em dezembro de 2013, com base nos dados do SISVAN-I.


Métodos

Foi realizado um estudo transversal com base nos dados coletados pelas Equipes Multiprofissionais de Saúde do SISVAN-I em dezembro de 2013, utilizando o formulário "Mapa de acompanhamento diário das crianças", por ocasião da vigilância nutricional de rotina da qual o primeiro autor participava na época. Os serviços de atenção primária à saúde foram prestados aos povos indígenas na área de estudo pelo DSEI-ARS(Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Solimões), que faz parte do Subsistema de Saúde Indígena.

Esse distrito também era responsável pela vigilância nutricional dos moradores de aproximadamente 188 comunidades indígenas locais. Os dados analisados no presente estudo foram registrados em 2013 nas comunidades indígenas por equipes de profissionais de saúde durante as atividades de vigilância nutricional. Os dados foram registrados em um formulário do SISVAN-I, "Mapa Diário de Monitoramento de Gestantes e Crianças (prioridade <5 anos)", usado para monitorar o estado nutricional e facilitar a prevenção, a identificação e a resolução de problemas nutricionais. As informações coletadas incluem os valores demográficos de idade e sexo, além das medidas antropométricas de peso e estatura.

O estudo buscou incluir toda a população (universo) de crianças indígenas menores de cinco anos da região (pertencentes a todos os grupos étnicos), não sendo empregada nenhuma técnica de amostragem. Os critérios de exclusão da análise foram: ausência de informações no formulário sobre sexo, peso, estatura, data de nascimento ou data de avaliação, bem como registros duplicados. A população do estudo totalizou 8.692 crianças identificadas nos formulários, das quais 1.172 foram excluídas das análises. Nossas análises presumiram que os dados faltantes foram distribuídos aleatoriamente com relação às variáveis de resultado e, portanto, que a exclusão não introduziu viés sistemático.

As variáveis do estudo foram: data de nascimento, data da medição, sexo e medidas antropométricas (peso e estatura ou, para crianças com menos de 24 meses de idade, peso e comprimento). A porcentagem de cobertura foi calculada por município e por polo base do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Solimões, de acordo com as diretrizes técnicas que regem a vigilância nutricional no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena,21 em que o número de crianças menores de cinco anos acompanhadas durante o mês é dividido pelo número total registrado.

A maioria das medições de peso e estatura foi realizada em unidades de atenção primária à saúde localizadas nas comunidades por AIS (Agentes Indígenas de Saúde) devidamente treinados e supervisionados por profissionais de enfermagem, de acordo com os procedimentos do SISVAN-I.22 Com o objetivo de minimizar a perda de dados e evitar vieses decorrentes de ausência, foram feitas três tentativas de busca ativa de crianças menores de cinco anos não avaliadas anteriormente por meio de visitas domiciliares por AIS. No intuito de reduzir o viés de medição e de entrada de dados, todas as avaliações foram feitas seguindo os procedimentos padrão do SISVAN-I por membros das Equipes Multiprofissionais de Saúde (enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas e agentes indígenas de saúde) treinados e supervisionados pela primeira autora (FGM), responsável por estabelcer e implementar o SISVAN-I no Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Solimões em 2006.22

O peso foi medido com uma balança de mola portátil fabricada pela Cauduro (modelo 210-GA), com capacidade para 25 kg e sensibilidade de 100 g. O comprimento das crianças com menos de 24 meses de idade foi medido em posição decúbito dorsal com um antropômetro portátil de alumínio fabricado pela Equipel, com faixa de medição de 0,35 a 2,00 m e sensibilidade de 5 mm. O mesmo antropômetro também foi usado para medir a estatura de crianças a partir de 24 meses de idade na posição em pé. Todas as medições foram feitas com a criança usando o mínimo de roupas e descalça.

A entrada de dados foi realizada duas vezes no Epi Info 7.0, e os dois bancos de dados resultantes foram comparados quanto a divergências, que foram pesquisadas e corrigidas manualmente por meio de consulta aos instrumentos originais.

Os índices estatura-para-idade ou comprimento-para-idade (E/I), peso-para-idade (P/I), peso-para-estatura ou peso-para-comprimento (P/E) e índice de massa corporal-para-idade (IMC/I) foram calculados conforme recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As curvas de referência de crescimento propostas pela OMS foram usadas para calcular os escores Z. 23 Os valores inferiores a -2 para E/I (desnutrição crônica), P/I (baixo peso), P/E e IMC/I (magreza) foram classificados como baixos. Os valores de escore Z maiores que +2 para P/E e IMC/I foram classificados como sobrepeso. Os valores de -2 a +2 foram classificados como eutrofia. Todos os índices antropométricos foram calculados usando o software Anthro versão 3.2.2.25

Os índices antropométricos que excederam a plausibilidade biológica de acordo com as diretrizes da OMS foram excluídos (n=10; 0,13%).25 A prevalência de valores de índices de baixo peso e sobrepeso foi descrita de acordo com o sexo e a faixa etária.

As análises estatísticas foram realizadas com o IBM SPSS Statistics, versão 21.0 para Windows (SPSS Inc. , Chicago, Illinois).

Foi realizada uma análise estatística descritiva para todos os índices antropométricos (E/I, P/I, P/E e IMC/I). A prevalência de categorias nutricionais (desnutrição crônica, magreza, eutrofia e sobrepeso) foi estimada para crianças de ambos os sexos, bem como para meninos e meninas separadamente. As diferenças foram avaliadas usando o teste do qui-quadrado com um nível de significância de 95%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Parecer nº 721204, e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Conselho Nacional de Saúde (CONEP/CNS), CAAE nº 26050913.0.0000.5020. Além disso, contou com a anuência e o apoio da Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde (SESAI-MS), por meio do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Solimões (DSEI-ARS) e do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Alto Solimões (CONDISI).


Resultados

De um total de 7.520 crianças indígenas analisadas, 49,6% (3.730) eram do sexo feminino. As médias de idade, peso e altura foram de 27 meses (DP=16,8), 11,20 kg (DP=3,3) e 82,3 cm (DP=13,4), respectivamente.

A cobertura da avaliação nutricional pelo SISVAN-I foi de 86,0% (7.520) (Tabela 1). A participação foi alta, com algumas perdas devido a erros de registro, valores inconsistentes ou medidas ausentes (peso ou estatura). A cobertura por município variou de 91,5% (Santo Antônio do Içá) a 58,0% (Tonantins). Dos 12 polos base, 10 apresentaram valores de cobertura de avaliação acima de 86,0%.


 



A porcentagem de dados incluídos nas análises variou de 97,3% para IMC/I a 99,4% para P/E, havendo poucos valores excluídos devido à implausibilidade biológica. Não foram observadas diferenças significativas na completude dos dados entre sexos, faixas etárias ou polos base, sugerindo consistência dos dados (dados não apresentados em tabelas).

O índice E/I apresentou os menores valores médios de escore Z. A partir dos 12 meses, os valores médios foram especialmente baixos, chegando a -1,95 entre as crianças ≥ 36 meses (Figura 1). Os valores médios de escore Z para o índice P/I também permaneceram abaixo de zero, diminuindo com a idade e chegando a -1,04 na faixa etária ≥ 48 meses. Os valores médios de escore Z para os índices P/E e IMC/I permaneceram ligeiramente acima de zero, atingindo um valor máximo de 0,5.


 



Os resultados da prevalência dos quatro indicadores são apresentados na Tabela 2 por sexo e faixa etária. A proporção de crianças com baixa E/I e baixo P/I foram observadas em 45,7% (variando de 35,1% a 49,3% de acordo com a faixa etária) e 9,6% (variando de 7,3% a 11,7% de acordo com a faixa etária), respectivamente. Os meninos apresentaram uma prevalência significativamente maior de baixa E/I (48,8%) em comparação com as meninas (42,6%), assim como uma maior prevalência de baixo P/I (10,4% para meninos e 8,8% para meninas) (p≤0,05). A maior prevalência de baixa E/I foi observada em crianças mais jovens (0 a 11 meses). A prevalência de baixo P/I foi elevada durante os primeiros meses de vida (11,6%) e entre as crianças mais velhas (11,7%). Para todos os índices antropométricos, as diferenças foram significativas em relação à idade (p≤0,05).


 



A proporção de crianças com baixo P/E e o baixo IMC/I afetaram 4,5% e 4,3%, respectivamente, sem diferenças significativas entre os sexos (p>0,05). Valores elevados de P/E e IMC/I (escores z ≥ +2) foram observados em 8,8% e 10,7% das crianças, respectivamente, com diferenças não significativas entre os sexos.


Discussão

O presente estudo mostra um cenário nutricional altamente desfavorável para as crianças indígenas menores de cinco anos atendidas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Solimões em 2013. O achado mais significativo foi a alta prevalência de desnutrição crônica (baixa E/I) em quase metade (45,7%) das 7.520 crianças avaliadas, afetando todas as faixas etárias e ambos os sexos. Esse valor é quase o dobro do registrado para crianças indígenas no Brasil na mesma faixa etária (25,7%), porém apenas ligeiramente superior à prevalência da região Norte (40,8%).4 A prevalência de desnutrição crônica entre as crianças indígenas no Alto Solimões foi 6,4 vezes maior do que a da população geral (principalmente não indígena) em âmbito nacional (7,0%) e 5,4 vezes maior do que a da população geral na região Norte (8,4%).2

A prevalência de baixo P/I (desnutrição aguda) observada entre as crianças indígenas do Alto Solimões (9,6%) é próxima à registrada na região Norte pela Pesquisa Nacional (11,4%).4 Em comparação com a prevalência relatada para a população geral em todo o país (2,9%),2 o perfil da desnutrição entre as crianças indígenas do Alto Solimões e da região Norte é grave. A frequência de baixo P/E entre as crianças indígenas do Alto Solimões (4,5%) foi quase quatro vezes maior do que a observada na população geral nacional.2

O perfil nutricional das crianças indígenas na região do Alto Solimões em 2013 revelou grandes desigualdades em relação à população geral em nível nacional e regional. Inquéritos nutricionais realizados nessa região de fronteira sugerem que o perfil nutricional das crianças indígenas é marcado por uma alta frequência de desnutrição crônica tanto nas áreas rurais (59,4% versus 29,1% entre as crianças não indígenas) quanto nas áreas urbanas (33,8% versus 19,3% entre as crianças não indígenas).6 De acordo com Vieira et al. ,26 as crianças indígenas pertencentes à etnia Tikuna, a mais populosa da região de estudo, têm 2,47 vezes mais chances de apresentar déficit de E/I do que as crianças não indígenas da mesma região. Dados socioeconômicos sugerem que as crianças indígenas da região do Alto Solimões estão inseridas em um contexto de alta vulnerabilidade a distúrbios nutricionais, caracterizado por elevada mobilidade demográfica em uma região de fronteira internacional, rápida urbanização associada à turbulenta ocupação não indígena do território, baixa cobertura e qualidade dos serviços de saúde, ausência de serviços de saneamento, comorbidades (por exemplo, malária, parasitoses intestinais e diarreia), pobreza e insegurança alimentar.20

Conforme demonstrado por outros estudos também baseados em dados do SISVAN-I que analisaram o estado nutricional de crianças indígenas em outras regiões do Brasil,27,28 o sistema tem se mostrado uma ferramenta importante para o monitoramento e a avaliação nutricional nesse segmento populacional.

No caso do Alto Solimões, nossa análise reafirma a persistência da desnutrição como um dos principais problemas de saúde entre as crianças indígenas, sem indicação de melhora há mais de três décadas.6,26,29 Esse cenário contribui substancialmente para a elevada carga geral de doenças infecciosas e crônicas não transmissíveis encontradas na população indígena da região.20

É importante observar que, embora a cobertura do SISVAN-I em toda a Amazônia seja comparativamente baixa e tende a apresentar limitações técnicas e organizacionais com relação à entrada de dados em nível local,27,30 a cobertura do SISVAN-I em nossa região de estudo foi alta e os níveis de dados inconsistentes foram baixos, permitindo uma análise robusta. Os altos níveis de prevalência de indicadores nutricionais desfavoráveis observados destacam a necessidade dos serviços de saúde dos povos indígenas da região implementarem medidas de intervenção de curto e longo prazo para reduzir a alta carga de deficiências nutricionais em uma população que vive ao longo de uma rede hidrográfica complexa e dispersa.

Infelizmente, as tentativas de propor tais medidas não foram efetivas devido à falta de comunicação e envolvimento eficazes entre planejadores de políticas, profissionais de saúde e partes interessadas nas comunidades locais, incluindo líderes políticos, profissionais indígenas (como agentes de saúde, agentes de saneamento e professores de escolas), pais e outros atores que normalmente não são consultados. Não é suficiente implementar estratégias de intervenção rápidas e restritas, como a distribuição esporádica de cestas básicas doadas.

Como limitação, é importante mencionar o longo intervalo entre a coleta de dados e a publicação, uma Sitiação comumente observada no cenário brasileiro de estudos com povos indígenas. Além disso, o conhecimento sobre o perfil nutricional indígena no Brasil ainda é fragmentado e tem abrangência geográfica e étnica limitada, resultando em uma assimetria no volume de informações disponíveis. Esse cenário pode ser atribuído ao pouco envolvimento dos pesquisadores com o tema, apesar da sua relevância e da carência de dados, e do baixo incentivo acadêmico-científico, ocasionando possíveis lacunas temporais. É importante ressaltar que os achados deste estudo não podem ser extrapolados para todas as crianças indígenas das etnias envolvidas, sendo uma limitação da cobertura do SISVAN-I.

Os pontos fortes deste estudo incluem a delimitação da área de estudo como equivalente ao DSEI mais populoso do país e a cobertura excepcional de crianças registradas. Este é o primeiro estudo no Brasil a realizar avaliação nutricional de quase todas as crianças menores de cinco anos que residem em uma área de abrangência de um DSEI inteiro. Há oportunidade para pesquisas futuras que empreguem técnicas analíticas rigorosas, como estimativas ajustadas, capazes de produzir resultados ainda mais precisos para evidenciar de forma confiável o perfil da desnutrição infantil entre as crianças indígenas da região do Alto Solimões.

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Recebido em 2 de Janeiro de 2023
Versão final apresentada em 5 de Junho de 2023
Aprovado em 25 de Junho de 2023

Editor Associado: Paola Mosquera

Contribuição dos autores: Medeiros FG: concepção do estudo, coleta de dados. Organização, supervisão da digitação dos dados e consolidação do banco de dados. Participou da análise, interpretação e discussão dos dados e da escrita do manuscrito. Mainboug EMT: participou da concepção do estudo. Contribuiu para a interpretação dos dados e da escrita do manuscrito. Ferreira AA: contribuiu com estruturação do manuscrito, análise e interpretação dos dados. Balieiro AAS: contribuiu com estruturação do estudo, processamento dos dados e análise estatística. Welch JR e Coimbra Jr. CEA: contribuiram com estruturação do manuscrito, análise, interpretação e discussão dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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