, Jean Remy Davée Guimarães
Tainara Ferrugem Franco1; Rejane Corrêa Marques2; Amarildo Miranda3; José Garrofe Dórea4; Mônica Pereira Lima Cunha5; Rafael Junqueira Buralli6; Jean Remy Davée Guimarães7
DOI: 10.1590/1806-9304202300000389
e20220389
RESUMO OBJETIVOS: determinar e caracterizar a prevalência de malformações congênitas entre nascidos vivos em Rondônia, no período de 2015 a 2019.
Palavras-chave:
Anormalidades congênitas, Vigilância em saúde pública, Epidemiologia
ABSTRACT OBJECTIVES: to determine and characterize the prevalence of congenital malformations among live births in Rondônia, from 2015 to 2019.
Keywords:
Congenital anomalies, Public health surveillance, Epidemiology
Prevalência de malformações congênitas entre 2015 e 2019 em Rondônia (RO), Amazônia, Brasil
MÉTODOS: estudo ecológico, com dados públicos disponíveis no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos coletados em janeiro de 2021. Foi calculada a prevalência das malformações e as possíveis associações. A força de associação entre as variáveis foi medida pela razão de odds. Aquelas variáveis consideradas estatisticamente significante ao nível de 5% foram selecionadas para o cálculo de razão de odds ajustada, usando modelo de regressão logística. A linguagem de programação R foi usada para todas as análises e interação com o banco de dados. O Intervalo de Confiança considerado foi de 95%.
RESULTADOS: foram analisados 1.110 registros. A prevalência geral de malformação congênita foi de 8,36, sendo maior entre mães com idade acima de 35 anos, baixa escolaridade, solteiras, com partos prematuros; crianças com baixo peso ao nascer e baixos escores de Apgar.
CONCLUSÃO: a prevalência de malformação congênita no estado foi próxima da nacional, mas houve discrepâncias entre as regiões de saúde que merecem uma investigação futura.
METHODS: an ecological study was conducted using publicly available data at Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos collected in January 2021. The prevalence of congenital malformation and possible associations were calculated. The strength of the association between variables was measured using the odds ratio. Variables that were statistically significant at the 5% level were selected for adjusted odds ratio calculation using logistic regression models. The R programming language was used for all analyses and interactions with the database. A 95% confidence interval was considered.
RESULTS: a total of 1,110 records were analyzed. The overall prevalence of congenital malformation was 8.36, with higher rates observed among mothers over 35 years, those with low educational levels, unmarried status, and preterm birth. Infants with low birth weight and low Apgar scores also had higher prevalence rates of congenital malformations.
CONCLUSION: the prevalence of congenital malformations in the state was similar to the national average, but regional disparities were observed and warrant further investigation.
As malformações congênitas (MC) são alterações funcionais, neuromotoras, e/ou morfológicas que consiste em malformações, ruptura, deformações e displasia, que ocorrem durante o desenvolvimento embrionário e estão presentes no momento do nascimento ou se manifestam em estágios mais avançados da vida.1
Essas anomalias podem resultar de fatores genéticos, ambientais, da combinação de ambos, ou exposição a agentes infecciosos prejudiciais à formação fetal, como os vírus da rubéola, da imunodeficiência humana (HIV) e da Zika, além do uso de drogas lícitas e ilícitas, substâncias teratogênicas, radiação e doenças endócrinas maternas. As anomalias podem ser isoladas ou apresentar-se em uma combinação ou padrão característico que podem afetar um ou mais sistemas orgânicos.2
As MCs são causas importantes de morte de recém-nascidos (RN) e crianças, de doenças crônicas e incapacidades, especialmente em países de baixa e média renda, onde ocorrem 95% de todas as mortes devido a essas anomalias.3
A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que as MCs ocupam o 17º lugar entre as causas da carga global de doenças e são responsáveis por aproximadamente 7% das mortes neonatais e 25,3-38,8 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) em todo o mundo. Assim, as MCs podem contribuir para a incapacidade de longo prazo, impactando significativamente indivíduos, famílias, sistemas de saúde e sociedades.4
A vigilância dos nascimentos, incluindo natimortos e interrupções eletivas da gravidez decorrentes de anomalias fetais, é essencial para identificar crianças com malformações e determinar a frequência das etiologias aparentes.5 No Brasil, esses dados são coletados e armazenados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde (MS), que permite análises demográficas e epidemiológicas. Os dados disponíveis no Sinasc são coletados da Declaração de Nascido Vivo (DNV), documento ministerial, que possibilita diversas análises na área de saúde materno-infantil,6 auxiliando na compreensão e dimensionamento da situação de saúde do RN, ajudando a estimar os riscos e identificar os grupos vulneráveis, colaborando na construção de indicadores.7
No entanto, há uma escassez de estudos científicos que investigam os dados epidemiológicos de prevalência de MC e seus fatores de risco materno-fetais no estado de Rondônia, especialmente na região Norte do país. Portanto, este estudo tem como objetivo determinar e caracterizar a prevalência de malformações congênitas entre nascidos vivos em Rondônia, no período de 2015 a 2019.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico, com descrição e comparação de informações secundárias por regiões de saúde. Os dados de MC do estado de Rondônia, no período de 2015 a 2019, foram obtidos no Sinasc em janeiro de 2021, por meio do sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde (DATASUS).
Rondônia é um estado com uma população de 1.777.225 habitantes e densidade populacional de 6,58hab. /km2. Possui uma taxa bruta de natalidade de 18,6 e área territorial de 238.512,8 km2, abrangendo 52 municípios, o que corresponde a cerca de 4,7% da área total da Amazônia Legal. Nos últimos 20 anos, o Índice de Desenvolvimento Humano teve um aumento exponencial, passando de 0,407 (muito baixo: até 0,499) em 1991 para 0,690 (médio: 0,600-0,699) em 2010.8
Para organização e gestão do SUS, o estado é dividido em sete regiões de saúde: Madeira-Mamoré, Vale do Jamari, Central, Zona da Mata, Café, Cone Sul e Vale do Guaporé. Essas regiões serão consideradas unidades de interesse neste estudo.9
Inicialmente, foram excluídos 4.387 registros (3,2%) por não conterem informação sobre a presença ou ausência de malformações. Algumas variáveis numéricas foram categorizadas para possibilitar as análises de associação com a presença de malformações. As consideradas foram: idade da mãe ("menos de 35 anos" ou "35 anos ou mais"); número de gestações anteriores ("Nenhuma", "Uma", "Duas" e "Três ou mais"); quantidade de filhos nascidos vivos ("Nenhum", "Um", "Dois" e "Três ou mais"); quantidade de perdas fetais ("Nenhum", "Um" e "Dois ou Mais"). Em relação aos RN, foram consideradas as variáveis: peso ao nascer ("menos de 2.500 gramas" ou "2.500 gramas ou mais") e valor de Apgar no 1º e 5º minutos de vida ("Menos que 7" ou "Igual ou maior a 7").
Também foram selecionadas as seguintes variáveis: número de nascimentos por local de residência da mãe; município de ocorrência e residência (utilizadas para agrupar os dados por regiões de saúde); estado civil (solteira, casada, viúva, separada/divorciada) e escolaridade materna ("até 7 anos" de estudo, "8-11 anos", "12 ou mais anos"). Nas características obstétricas foram consideradas as variáveis: duração da gestação (em semanas); tipo de gravidez ("única", "dupla", "tripla ou mais"); tipo de parto ("cesáreo" ou "vaginal") e quantidade de consultas pré-natal realizadas ("nenhuma", "até 6 vezes", "7 vezes ou mais"). No perfil do recém-nascido, foram consideradas as variáveis ano de nascimento e o código CID de MC.
A prevalência de malformações congênitas foi calculada por meio da fórmula:
Prevalência = n de nascidos vivos com malformação x 1000
Total de nascidos vivos no período
Os dados foram consolidados sob a forma de coeficientes e proporções. Inicialmente, todas as variáveis coletadas foram avaliadas individualmente para determinar sua associação com a presença de MC. Para analisar as associações entre as variáveis categóricas e o desfecho de presença de malformações, foi utilizado o teste qui-quadrado, considerando um nível de significância de 0,05.
A força de associação entre as variáveis foi avaliada por Razão de Odds (OR). As variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativa foram selecionadas para inclusão no modelo de regressão logística. As seguintes variáveis foram consideradas significativas: região de saúde, idade da mãe, escolaridade da mãe, estado civil, número de gestações, número de filhos vivos, tempo de gestação, tipo de gravidez, tipo de parto, número de consultas pré-natal, peso da criança ao nascer e Apgar no primeiro e quinto minuto.
Um modelo de regressão logística foi ajustado para calcular o odds ratio ajustado (AOR) das variáveis selecionadas. As variáveis independentes foram incluídas no modelo simultaneamente para controlar o efeito de cada uma delas na presença de MC.
Foi utilizado o método de regressão logística passo a passo (stepwise forward) para selecionar as variáveis que permaneceram significativas no modelo final, considerando o critério de likelihood ratio.
O ajuste do modelo aos dados observados foi avaliado pelo teste de Hosmer-Lemeshow. O valor de p obtido foi de 0,122, indicando um bom ajuste do modelo aos dados.
Para avaliar a precisão e a adequação do modelo, foram calculados os intervalos de confiança de 95% para os AOR e os valores de p correspondentes.10 A multicolinearidade entre as variáveis independentes foi avaliada usando o teste VIF (Variance Inflation Factor), e não foram observadas multicolinearidades significativas entre as variáveis independentes incluídas no modelo de regressão logística.
O Sinasc apresenta seus registros por municípios. Para obtenção dos dados por Regiões de Saúde, os mesmos foram agrupados levando-se em consideração o município de residência da mãe, classificando-o em sua respectiva região de saúde utilizando-se o programa estatístico. Foi criada, dessa forma a variável categórica "Região de Saúde" para as análises.
Todas as análises, preparo do banco de dados, cálculos de prevalências, OR e intervalos de confiança foram realizadas nos programas Microsoft® Office Excel® e R versão 4.0.1, A elaboração e análise dos mapas também foi realizada com R.
Como os dados são de domínio público e não identificáveis, o protocolo de pesquisa não necessitou ser submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
No período de 2015 a 2019, foram notificados 1.110 casos de MC em Rondônia, representando 0,8% do total de 132.737 registros de NV. A prevalência no estado durante esse período foi de 8,36 por mil NV, comparada à prevalência nacional de 8,74 casos por mil NV. Observou-se que a menor prevalência foi registrada em 2015, com 7,55 casos por mil NV, enquanto a maior prevalência foi observada em 2016, com 9,14 casos por mil NV. Em 2017, a prevalência foi de 8,21 casos por mil NV, seguida por 8,87 casos por mil NV em 2018 e 8,06 casos por mil NV em 2019.
A região Madeira-Mamoré, composta por cinco municípios, incluindo a capital do estado, Porto Velho, apresentou a maior prevalência de MC, come 10,34 casos por mil NV. Essa prevalência foi superior às demais regiões de saúde do estado e também à média nacional. Em 2015, foram registradas 88 ocorrências nessa região, seguidas por 114 em 2016, 102 em 2017 e 2018, e 98 em 2019. A segunda maior prevalência foi encontrada na região Vale do Jamari, com 8,61 casos por mil NV, enquanto a região Café apresentou a menor prevalência, com 5,54 casos de MC por mil NV. A Tabela 1 apresenta as prevalências por Regiões de Saúde.
Entre as variáveis que definem o perfil materno, foram observadas maiores prevalências de MC em bebês nascidos de mães com idades acima de 35 anos, com baixa escolaridade (até sete anos) e viúvas e solteiras. No perfil obstétrico das mães, foi possível identificar maior prevalência em mulheres multigestas (8,94 casos por mil NV), com três filhos ou mais (9,50 casos por mil NV) e com RNs prematuros (21,35 casos por mil NV), oriundos de uma gestação múltipla, parto cesáreo (9,08 casos por mil NV) e nenhuma consulta pré-natal (12,82 casos por mil NV).
A prevalência de MC também foi maior entre os RNs com baixo peso ao nascer (≤ 2.500g) e aqueles com Apgar menor que sete no 1º e 5º minuto (42,92 e 106,96 casos por mil NV, respectivamente), (Tabela 2).
Quanto aos grupos encontrados, dos 1.110 nascidos vivos com MC no Estado, 194 apresentaram mais de uma malformação. O grupo mais prevalente foi de MC do sistema osteomuscular, com uma prevalência de 3,47 casos por mil NV, seguido pelas MC do sistema nervoso, com 1,41 casos por mil NV, e do olho, ouvido, da face e do pescoço com 0,79 casos por mil NV. Essa distribuição também foi observada nas regiões Madeira Mamoré e Vale do Jamari.
Nas regiões Café e Cone Sul, além das MCs do sistema osteomuscular e sistema nervoso, as MCs de fenda labial e palatina foram as mais frequentes. Nas regiões Vale do Guaporé e Zona da Mata, o terceiro grupo mais prevalente foi o de MCs dos órgãos genitais. As MC do aparelho circulatório e cromossômicas compartilharam o terceiro lugar entre as mais frequentes na região Central (Figura 1).
Entre as dez MC mais comuns em Rondônia, os diagnósticos com maior número de registros estavam relacionados ao sistema osteomuscular, incluindo polidactilia, gastrosquise e outras deformidades congênitas do pé. Dos 60 registros de MC do sistema nervoso, o diagnóstico mais comum foi a microcefalia, seguido de espinha bífida, anencefalia e hidrocefalia (Tabela 3).
Discussão
No presente estudo, foi observado que a prevalência de MC em Rondônia, durante o período de 2015 a 2019, foi semelhante à média nacional, porém com variações significativas entre as regiões de saúde do estado.
As regiões ao norte de Rondônia, como Madeira Mamoré, apresentaram uma maior prevalência de MC, enquanto as regiões ao sul, como Café, tiveram menor prevalência. Essas disparidades podem ser atribuídas a variações na detecção de casos, devido a uma vigilância mais ativa e estruturada, e diferenças socioeconômicas entre as regiões.
A região Madeira Mamoré, onde está localizada a capital Porto Velho, desempenha um papel fundamental na prestação de serviços de saúde, especialmente no atendimento de partos de alto risco, sendo referência para diversas redes temáticas de cuidados de saúde. Além de atender a população local, essa região também recebe pacientes de municípios do interior e de estados vizinhos, ampliando sua influência na área da saúde.11
Este estudo identificou maior força de associação de MC entre mães com menor grau de escolaridade, bem como aquelas que fizeram nenhuma ou menos de seis consultas pré-natais, corroborando com outros estudos.7,12 Embora o número de consultas pré-natal tenha mostrado associação com MC na análise bivariada, essa associação não pode ser confirmada na análise multivariada.
A baixa escolaridade, em geral, está relacionada a condições socioeconômicas desfavoráveis, maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, maior probabilidade de exposição a deficiências nutricionais e menor compreensão sobre a importância das medidas preventivas durante o pré-natal, incluindo o uso adequado de medicamentos e a conscientização dos riscos de doenças gestacionais. Esses fatores podem contribuir para o aumento de casos de MC.13,14
Estudos relatam que a adesão à assistência pré-natal está relacionada ao nível de escolaridade materna.15 Uma maior escolaridade materna pode estar associada a uma melhor condição socioeconômica, o que favorece a compreensão da importância do cuidado com a saúde e conscientização sobre a participação regular nas consultas pré-natais. Isso leva a uma maior prevenção e detecção precoce de condições maternas que podem contribuir para o desenvolvimento de MC.12,16
Embora o presente estudo tenha constatado maior prevalência de MC entre mães solteiras, outros estudos realizados no Brasil não observaram associação entre os tipos de malformações e situação conjugal.16,17
Semelhante a outros estudos,14,18 foi observada uma relação entre gravidez gemelar e MC, em comparação com gestações únicas. Essa relação pode ser parcialmente explicada por erros nas divisões celulares (fatores genéticos), presença de cromossomopatias, fatores ambientais intrauterinos e possível constrição da bolsa amniótica ou cordão umbilical.19
A associação entre MC e parto cesáreo observada neste estudo pode ser explicada pela alta correlação entre essas variáveis, visto que esse procedimento normalmente é indicado pelos médicos em gestações diagnosticadas com MC, devido à maior possibilidade de complicações durante o parto e a necessidade de suporte assistencial para o RN.12,20
No que diz respeito às características do recém-nascido, foi observada associação entre MC e partos pré-termo com menos de 36 semanas. No Brasil, a prematuridade é a principal causa de mortalidade neonatal, seguida pelas MC.21 Diversas variáveis maternas e neonatais, incluindo hábitos e patologias maternas pré-gestacionais, podem influenciar na prematuridade e nas MC. Portanto, a prematuridade pode ser consequência da presença de MC, agravando a patologia e aumentando o risco em casos de múltiplos diagnósticos.19
Nesse estudo, observamos uma maior prevalência de escores insatisfatórios no teste de Apgar no 1° e 5° minuto, indicando um maior risco ao nascer para bebês com MC.22 Esses achados são consistentes com outras pesquisas15,16,17,22,23 que também encontraram associação entre as malformações, baixo peso ao nascer e resultados de Apgar.
As notificações de MC em Rondônia seguem um padrão semelhante ao do país, com as MC do sistema osteomuscular sendo as mais comuns, devido à facilidade de identificação durante o pré-natal e no nascimento.14 A partir de 2015, houve uma maior atenção aos registros de MC do sistema nervoso devido à epidemia do vírus Zika,24,25 que também afetou Rondônia em 2016. A diabetes mellitus pré-gestacional e gestacional, juntamente com a deficiência de ácido fólico, são fatores de risco conhecidos para MC do sistema nervoso central, destacando a importância da assistência pré-natal na prevenção e tratamento dessas condições.26
Além disso, algumas regiões de saúde apresentaram prevalência expressiva de malformações relacionadas ao aparelho circulatório, cromossômicas, órgãos genitais e fenda labial e palatina. Essas associações podem estar relacionadas a fatores genéticos, ambientais e outros ainda desconhecidos, e merecem investigações futuras mais aprofundadas.
Desde os anos 1970, a agropecuária se tornou o motor do crescimento em Rondônia, impulsionando o uso intensivo de agrotóxicos, que são reconhecidos como fatores de risco para a saúde humana, incluindo efeitos teratogênicos.27 Os agrotóxicos podem causar malformações em diferentes sistemas do corpo, como cardiovascular, geniturinário, osteomuscular, cromossômico, gastrointestinal, além de fendas labiopalatina e deformidades no quadril.27,28
Durante o período do presente estudo, a comercialização de agrotóxicos em Rondônia foi alarmante, atingindo uma média de 9.199 toneladas. Isso posiciona o estado como um dos principais consumidores de agrotóxicos no país e o líder na região norte em termos de quantidade comercializada. Esses dados ressaltam a preocupação com o impacto desses produtos na saúde e no meio ambiente.29
Apesar de ser a principal fonte de dados sobre saúde materno-infantil no Brasil, o Sinasc apresenta limitações, como a baixa sensibilidade em relação às informações de MC, que resulta em subnotificação e compromete a qualidade dos dados. Problemas como a falta de clareza nos formulários, ausência de definições precisas, a ausência de informações específicas nas declarações, a qualidade da capacitação dos profissionais e a inserção de diagnósticos tardios de MC são fatores que dificultam a coleta de dados e devem ser abordados para aprimorar a coleta de dados e melhorar a precisão das informações disponíveis.13,16,30 Essas questões devem ser abordadas visando a melhoria do sistema de registro e monitoramento.
Apesar das limitações apresentadas, o presente estudo alcançou seu objetivo ao determinar e caracterizar a prevalência de MC em Rondônia. A prevalência no estado mostrou-se semelhante à média nacional, porém com variações significativas entre as regiões de saúde. Destacou-se uma maior prevalência na Região Madeira Mamoré, principalmente entre mães com idade acima de 35 anos, baixo nível de escolaridade e solteiras. Também houve uma associação com partos prematuros, baixo peso ao nascer e baixos escores de Apgar em recém nascidos.
Esses resultados ressaltam a importância da vigilância e acompanhamento das MC, bem como a implementação de medidas preventivas e cuidados adequados durante a gestação. A identificação precoce dos fatores de risco e a oferta de suporte adequado às gestantes podem contribuir para a redução da ocorrência de MCs e para o melhor manejo dos casos diagnosticados. Além disso, o estudo destaca a necessidade de investimentos em educação e saúde materno-infantil, especialmente nas regiões com maiores prevalências de MC.
Recomenda-se ampliar o estudo para uma análise mais abrangente dos fatores de risco materno-fetais, incluindo aspectos genéticos, ambientais e infecciosos. Isso permitirá a identificação de medidas efetivas de prevenção e intervenção para reduzir a incidência de MC em Rondônia. Além disso, é importante considerar o acompanhamento a longo prazo dos casos de MC para avaliar o impacto dessas condições na saúde e no desenvolvimento das crianças afetadas, fornecendo informações cruciais para atender suas necessidades de cuidados de saúde e intervenções especificas.
Por fim, é de extrema importância compartilhar os resultados do estudo com profissionais de saúde, gestores públicos e demais envolvidos na área da saúde materno-infantil. A divulgação do conhecimento cientifico será fundamental para embasar decisões na criação e implementação de políticas de saúde direcionadas para a prevenção e tratamento das MC em Rondônia.
Referências
1. European Surveillance of Congenital Anomalies (EUROCAT). European Platform on Rare Disease Registration. [Internet]. 2021 [acesso em 2021 Out 21]. Disponível em: https://eu-rd-platform.jrc.ec.europa.eu
2. Mendes IC, Jesuino RSA, Pinheiro DS, Rebelo ACS. Congenital anomalies and its main avoidable causes: a review. Rev Med Minas Gerais. 2018; 28: e-1977.
3. Figueroa L, Garces A, Hambidge KM, McClure EM, Moore J, Goldenberg R, et al. Prevalence of clinically-evident congenital anomalies in the Western highlands of Guatemala. Reprod Health. 2020 Nov; 17 (Supl. 2): 153.
4. World Health Organization (WHO). WHO methods and data sources for global burden of disease estimates - 2000-2019. Geneva: WHO; 2020. [acesso em 2021 Nov 27]. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/gho-documents/global-health-estimates/ghe2019_daly-methods.pdf?sfvrsn=31b25009_7
5. Toufaily MH, Westgate M-N, Lin AE, Holmes LB. Causes of Congenital Malformations. Birth Defects Res. 2018 Jan; 110 (2): 87-91.
6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise Epidemiológca e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Declaração de Nascido Vivo: manual de instruções para preenchimento. [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2022. 4a ed. [acesso em 2021 Nov 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_nascido_vivo_manual_4ed.pdf
7. Ávila ALA, Mendonça Jr JF, Motta LHR, Nascente Jr REP, Silva TA, Guerra HS. Perfil epidemiológico das puérperas e nascidos vivos no estado de Goiás. Rev Educ Saúde. 2019; 7 (1): 90-9.
8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). População estimada: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente com data de referência 1 de julho de 2018. [Internet]. 2019. [acesso em 2021 Nov 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ro/panorama
9. Santos L. Região de saúde e suas redes de atenção: modelo organizativo-sistêmico do SUS. Ciênc Saúde Colet. 2017; 22 (4): 1281-9.
10. Szumilas M. Explaining Odds Ratios. J Can Acad Child Adolesc Psychiatry. 2010 Aug; 19 (3): 227-9.
11. Vanassi BM, Parma GC, Magalhaes VS, Santos ACC, Iser BPM. Congenital anomalies in Santa Catarina: case distribution and trends in 2010-2018. Rev Paul Pediatr. 2022; 40: e2020331.
12. Reis AT, Santos RS, Mendes TAR. Prevalência de malformações congênitas no município do Rio de Janeiro, Brasil, entre 2000 e 2006. Rev Enferm UERJ. 19 (3): 364-8.
13. Forci K, Alami MH, Bouaiti E, Slaoui M, Mdaghri Alaoui A, Thimou Izgua A. Prevalence of congenital malformations at the "les Orangers" maternity and reproductive health Hospital of Rabat: descriptive study of 470 anomalies. BMC Pediatr. 2020 Jun; 20 (1): 272.
14. Cosme HW, Lima LS, Barbosa LG. Prevalência de anomalias congênitas e fatores associados em recém-nascidos do município de São Paulo no período de 2010 a 2014. Rev Paul Pediatr. 2017; 35 (1): 33-8.
15. Rodrigues RPGTO, Santos AAP, Santos WB, Santos JAM, Oliveira JCS, Teixeira LM, et al. Perfil das malformações congênitas em um estado do nordeste brasileiro. Res Soc Dev. 2020; 9 (12): e40491211298.
16. Luz GS, Karam SM, Dumith SC. Anomalias congênitas no estado do Rio Grande do Sul: análise de série temporal. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22: e190040.
17. Fontoura FC, Cardoso MVLML. Association between congenital malformation and neonatal and maternal variables in neonatal units of a Northeast Brazilian city. Texto Contexto Enferm. 2014; 23 (4): 907-14.
18. Brizot ML, Fujita MM, Reis NSV, Banduki Neto JD, Regina S, Miyadahira S, et al. Malformações Fetais em Gestação Múltipla. Rev Bras Ginecol Obstetr. 2000; 22 (8): 511-7.
19. Harris BS, Bishop KC, Kemeny HR, Walker JS, Rhee E, Kuller JA. Risk Factors for Birth Defects. Obstet Gynecol Surv. 2017 Feb; 72 (2): 123-35.
20. Costa TS, Silva MSO, Souza AES, Carvalho ACS, Paiva CEA, Santos KT, et al. Perfil epidemiológico das malformações congênitas do sistema nervoso central no estado do Pará, Brasil. Braz J Health Rev. 2021; 4 (1): 2765-76.
21. França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença. Rev Bras Epidemiol. 2017; 20 (Suppl. 1): 46-60.
22. Freitas LCS, Nunes AA, Meneguci J, Nascimento Neto GC, Castro SS. Association of congenital anomalies in live births with their obstetric-neonatal and sociodemographic profiles. Texto Contexto Enferm. 2021; 30: e20200256.
23. Gonçalves MKS, Cardoso MD, Lima RAF, Oliveira CM, Bonfim CV. Prevalência e fatores associados às malformações congênitas em nascidos vivos. Acta Paul Enferm. 2021; 34: eAPE00852.
24. Marinho F, Araújo VEM, Porto DL, Ferreira HL, Coelho MRS, Lecca RCR, et al. Microcefalia no Brasil: prevalência e caracterização dos casos a partir do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), 2000-2015. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25 (4): 701-12.
25. Reis LC, Barbian MH, Cardoso-dos-Santos AC, Silva EVL, Boquett JA, Schuler-Faccini L. Prevalence of congenital anomalies at birth among live births in the state of Maranhão from 2001 to 2016: temporal and spatial analysis. Rev Bras Epidemiol. 2021; 24 (Suppl. 1): e210020.
26. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico No 06. Anomalias congênitas no Brasil, 2010 a 2019: análise de um grupo prioritário para a vigilância ao nascimento. Brasília (DF); 2021. (Volume 52). [acesso em 2022 Jul 20]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_6_anomalias.pdf
27. Nascimento B, Silva R, Ferreira A, Silva E, Junior J, Dias L, et al. Impacto ambiental sobre a saúde humana devido à exposição aos agrotóxicos. UNICIÊNCIAS. 2021; 25 (1): 44-56.
28. Dutra LS, Ferreira AP. Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil. Saúde Debate. 2017; 41 (Spe 2): 241-53.
29. Franco TF, Parmejiani RS, Cunha MPL, Miranda A, Marques RC, Guimarães JRD. Characterization and distribution of pesticide use from 2015 to 2019, by health regions in the state of Rondônia (RO), Amazon, Brazil. Rev Bras Ciênc Ambient. 2021; 56 (3): 445-58.
30. Luquetti DV, Koifman RJ. Qualidade da notificação de anomalias congênitas pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc): estudo comparativo nos anos 2004 e 2007. Cad Saúde Pública. 2010; 26 (9): 1756-65.
Recebido em 13 de Setembro de 2022
Versão final apresentada em 5 de Junho de 2023
Aprovado em 7 de Junho de 2023
Editor Associado: Lygia Vanderlei
Agradecimentos: Agradecemos ao Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro (Processo nº 424808/2018-8 e bolsa de estudos para TFF) e aos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Ministério da Saúde por contribuírem para a realização deste trabalho.
Contribuição dos autores: Franco TF: concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, escrita e edição do manuscrito; Marques RC e Buralli RJ: concepção e delineamento do estudo e revisão do manuscrito; Miranda A: concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, revisão do manuscrito; Dórea JG: concepção e delineamento do estudo e revisão do manuscrito; Cunha MPL: concepção e delineamento do estudo, aquisição de financiamento, administração de projetos e recursos e revisão do manuscrito; Guimarães JRD: concepção e delineamento do estudo, aquisição de financiamento, administração de projetos e recursos, supervisão e a escrita e edição do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.