Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma

Licença Creative Commons

ARTIGOS ORIGINAIS


Acesso aberto Revisado por pares
0
Visualização

Avaliação da implantação do fornecimento de leite humano para prematuros em unidade de terapia intensiva neonatal

Marianni Matos Pessoa dos Reis1; Denise Cavalcante Barros2; Santuzza Arreguy Silva Vitorino3

DOI: 10.1590/1806-9304202300000191 e20220191

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar o fornecimento de leite humano de forma exclusiva aos prematuros em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e a influência dos contextos externo e organizacional no grau de implantação dessa intervenção.
MÉTODOS: trata-se de uma avaliação de implantação com análise dos contextos externo (situação sociodemográfico das mães, rede de apoio e marketing da indústria) e organizacional (pertencente à unidade hospitalar). Para definir o grau de implantação, foi utilizada a Matriz de Análise e Julgamento, considerando a dimensão conformidade, e as subdimensões disponibilidade e qualidade técnico-científica. Os dados utilizados foram obtidos por meio de entrevistas, questionários semiestruturados e análise de documentos da instituição.
RESULTADOS: o grau de implantação da intervenção foi de 80,74%, mostrando-se satisfatório, com destaque para a subdimensão qualidade técnico-científica.
CONCLUSÕES: o sucesso no fornecimento de leite humano está atrelado às políticas públicas, ao apoio e orientações oferecidos às mães na unidade hospitalar, disponibilidade de rede de apoio, conhecimento das mães acerca dos benefícios do aleitamento materno, infraestrutura adequada e disponibilidade de insumos. Os prematuros estarem internados em hospital amigo da criança contribuiu para a implantação da intervenção.

Palavras-chave: Leite humano, Recém-nascido prematuro, Unidade de terapia intensiva neonatal, Serviços de saúde materno-infantil, Avaliação em saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to assess the supply of human milk exclusively to prematures in a Neonatal Intensive Care Unit and the influence of external and organizational contexts on the degree of implementation of this intervention.
METHODS: this is an implementation evaluation with analysis of the external context (sociodemographic situation of mothers, support network and industry marketing) and organizational context (belonging to the hospital unit). To define the degree of implementation, the Analysis and Judgment Matrix was used, considering the compliance dimension, and the availability and technical-scientific quality sub-dimensions. The data used were obtained through interviews, semi-structured questionnaires and analysis of documents from the institution.
RESULTS: the degree of implementation of the intervention was 80.74%, proving to be satisfactory, with emphasis on the technical-scientific quality sub-dimension.
CONCLUSIONS: the success in the supply of human milk is linked to public policies, the support and guidance offered to mothers in the hospital unit, presence of a support network, knowledge of mothers about the benefits of breastfeeding, adequate infrastructure and availability of supplies. The prematures being hospitalized in a child-friendly hospital contributed to the implementation of the intervention.

Keywords: Human milk, Premature newborn, Neonatal intensive care unit, Maternal-child health services, Health evaluation

Introdução

O Aleitamento Materno Exclusivo (AME) é reconhecido mundialmente como a prática que confere maiores benefícios aos bebês prematuros, definidos como aqueles nascidos antes das 37 semanas gestacionais, sendo a maneira natural de fornecer os nutrientes essenciais para o crescimento e desenvolvimento saudável. 1-3

Os estudos evidenciam que prematuros de baixo peso, em uso de leite materno, apresentam menor tempo de internação hospitalar, melhor prognóstico para o desenvolvimento neurológico, menor risco de desenvolver enterocolite, diminuição da perda de peso e aumento da sobrevida, em relação àqueles amamentados com fórmulas nutricionais. 4

Diante dos benefícios do leite humano (LH) e com o intuito de reduzir os índices de mortalidade infantil no país, várias ações foram desenvolvidas a fim de promover, proteger e apoiar a amanentação, como a criação das Normas Brasileiras de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL), através da Lei nº 11.265/2006,5 criação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR), Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), Implantação do Método Canguru, publicação da Portaria nº 930/2012,6 garantindo livre acesso aos pais junto ao recém-nascido (RN) internado, durante 24 horas, dentre outros. 7

Apesar da importância da amamentação, o nascimento de um recem-nascido prematuro (RNPT) pode impor várias barreiras a esta prática. Destaca-se o atraso no início da produção láctea, dificuldades nas técnicas de extração, falta de apoio dos profissionais de saúde e separação do binômino. 8,9 Outros fatores como a situação socioeconômica da mulher, infraestrutura da unidade, organização do processo de trabalho dos serviços de saúde e o marketing da indústria de alimentos infantis também podem contribuir para o desmame precoce na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). 10,11

Assim, estratégias para fortalecer à amamentação devem ser implantadas e monitoradas pela instituição, por meio da avaliação dos processos de trabalho e dos serviços prestados.

Na saúde pública a avaliação tem como principal propósito dar suporte aos processos decisórios no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), subsidiando a identificação de problemas e a reorientação de ações e serviços desenvolvidos pela instituição. 12

Avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Na análise de implantação, é possível medir a influência dos fatores contextuais nos efeitos e no grau de implantação da intervenção. 13

Ante ao exposto, à medida que se conhecem os fatores que podem contribuir para o desmame precoce, intervenções mais eficazes podem ser direcionadas a fim de mitigar tais fatores, favorecendo o sucesso do aleitamento materno (AM). O objetivo desta pesquisa é avaliar o fornecimento de LH de forma exclusiva aos prematuros em uma UTIN e a influência dos contextos externo e organizacional no grau de implantação dessa intervenção.

Métodos

Trata-se de uma avaliação de implantação com análise dos contextos externo e organizacional, cujo desenho é um estudo de caso único, com único nível de análise, transversal e com triangulação de dados, combinando métodos e fontes de coleta de dados qualitativos e quantitativos.

Para a escolha do caso, a amostra foi de conveniência e o critério de inclusão foi ser credenciado pela IHAC. Como a pesquisadora principal já desempenhava suas atividades no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), esta unidade foi escolhida para o desenvolvimento deste estudo.

A coleta de dados foi realizada na UTIN do HMIB, unidade credenciada pela IHAC desde 1996, no período 01/10/2020 a 30/11/2020 utilizando-se um instrumento semiestruturado. De acordo com a rBLH-BR, o Distrito Federal é reconhecido nacionalmente pela capacidade de captação de LH, sendo o único lugar no mundo com 100% de cobertura de Bancos de Leite e postos de coleta nas unidades públicas e privadas de saúde com UTIN, tornando-se referência em coleta e distribuição de LH. 14

O grau de implantação da intervenção foi avaliado por meio da matriz de análise e julgamento (MAJ), cujos indicadores foram elaborados a partir do modelo lógico da intervenção e da dimensão conformidade, com as subdimensões disponibilidade e qualidade técnico-científica, para avaliar a implantação da estrutura disponível e das ações voltadas para a oferta exclusiva de LH. O modelo lógico, representado na Figura 1, foi construído com base no material técnico e normativo da intervenção (Tabela 1).


 







Foram elaboradas duas MAJ, uma para cada subdimensão, sendo que o total das matrizes serviu de base para o cálculo do julgamento do grau de implantação, obedecendo aos seguintes pontos de corte: ≥80% implantada; 40-79,9% parcialmente implantada; ≤39,9% implantação crítica. Foi calculado o percentual de adequação de cada indicador, a partir da fórmula: (PA x 100)/PE, onde PA representa a pontuação alcançada e PE à pontuação esperada.

Os dados utilizados nesta pesquisa para responder às MAJ foram coletados a partir de fontes primárias (entrevista e instrumento semiestruturado), além da análise de documentos da instituição.

A seleção dos participantes foi realizada conforme os seguintes critérios de inclusão: profissionais de saúde que atuam na UTIN do HMIB e que realizam atividades relacionadas à assistência ao prematuro; chefias do Banco de Leite Humano (BLH) e do setor de Nutrição; prematuros com idade gestacional menor do que 37 semanas, com admissão na UTIN nas primeiras 48 horas de vida e permanência mínima de 48 horas na unidade; mães com idade ≥18 anos e que esteja com o seu filho internado na UTIN. Como critérios de exclusão, considerou-se: profissionais que se recusaram a participar da pesquisa e que não realizavam assistência direta ao prematuro; RNPTs malformados, abandonados ou que foram a óbito durante a internação; a negativa da mãe em participar do estudo e óbito materno.

O instrumento para a coleta de dados contemplava quatro fases, sendo que as primeiras três fases foram realizadas no mês de outubro/2020 e a quarta fase no mês de novembro/2020:

Fase I

Consulta aos mapas de dietas de 53 RNPTs internados na UTIN, contemplando os seguintes dados do prontuário: sexo; idade gestacional; peso ao nascer; início do AM (< 24h, de 24 a 48h ou > 48 horas do nascimento); terapia nutricional (LH, fórmula infantil e fortificante); via de administração; justificativa para uso de fórmula infantil.

Fase II

Entrevistas semiestruturadas com as mães dos RNPTs, sendo 11 mães nutrizes e nove mães nutrizes-diaristas. As mães nutrizes foram consideradas como sendo aquelas que conseguiam um leito na unidade para permanência 24 horas/dia, enquanto as mães nutrizes-diaristas passavam o dia na unidade e retornavam para as suas residências ao final do dia. Cada mãe que autorizou a gravação da entrevista foi identificada com a letra M e o número da entrevista (M1, M2, M3…) para manter o anonimato das participantes.

As variáveis coletadas nas entrevistas foram: dados sociodemográficos (idade, estado civil, escolaridade, renda familiar e profissão); realização do pré-natal; disponibilidade de rede de apoio; informações sobre o AM (orientação, técnicas de extração, dificuldades e facilidades durante a amamentação/ extração, contato pele a pele, acesso à UTIN e tipo de alimentação do RN); infraestrutura da unidade (local para extração do leite, alimentação fornecida para as mães, espaço físico e acomodações).

Fase III

Aplicado instrumento online com 51 profissionais de saúde da UTIN, chefia do BLH e da Nutrição utilizando-se a ferramenta Google Forms, por meio de link enviado pelo WhatsApp, cujos resultados quantitativos foram gerados automaticamente. Do total de profissionais de saúde da UTIN que responderam ao questionário, 31,4% eram médicos, 25,5% técnicos de enfermagem, 21,6% enfermeiros, 11,8% fisioterapeutas e 9,8% fonoaudiólogos.

Os profissionais de saúde da UTIN foram questionados quanto às condições da infraestrutura para o acolhimento das mães, contato pele a pele, acesso livre das mães à UTIN conforme previsto na Portaria 930/2012,6 conhecimento da política de AM do HMIB, se já haviam sido capacitados pelo curso da IHAC, facilitadores e barreiras da amamentação de prematuros na unidade, realização de ações de orientação e estímulo à amamentação, dificuldades na prescrição de LH e motivos para a prescrição de fórmula infantil, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). 15

A chefia de Nutrição respondeu ao instrumento referente à alimentação fornecida às mães dos RNPTs e a presença de fórmula infantil e fortificante na unidade. A chefia do BLH respondeu quanto à presença de LH; infraestrutura; dificuldades em manter os estoques abastecidos; orientação quanto à amamentação/extração. Também foi questionado sobre ao impacto da pandemia da COVID-19 nos estoques de LH.

Fase IV

Realizada análise de documentos da instituição que contemplou a análise dos registros de desabastecimento do LH, fortificante e fórmula infantil; e análise da política de AM da UTIN.

Os dados quantitativos coletados nas entrevistas e consulta aos mapas de dietas foram compilados em planilha eletrônica do programa Excel versão 2007. Com relação aos dados qualitativos, as entrevistas gravadas foram transcritas e agrupadas por assunto, sendo as falas das mães utilizadas para confirmar e esclarecer os achados quantitativos. As respostas às perguntas abertas foram classificadas por categoria, sendo realizada análise de conteúdo. 16

A análise do contexto externo e organizacional foi realizada conforme a Tabela 2. O contexto externo foi descrito a partir das entrevistas com as mães, sendo possível identificar as facilidades e barreiras no processo de amamentação, aspectos sociodemográficos como escolaridade, estado civil e situação empregatícia da mulher e disponibilidade de rede de apoio familiar. O marketing da indústria foi avaliado por meio da aplicação do instrumento online com os médicos prescritores da UTIN.


 



O contexto organizacional foi descrito com base em aspectos referentes à estrutura física da unidade, como local privativo para ordenha mamária, alimentação adequada durante a permanência na unidade e acomodações para a permanência 24hs das mães no hospital; presença do LH, fortificante e fórmula infantil; capacitação dos profissionais de saúde; conhecimento dos profissionais com relação às práticas voltadas para a promoção, proteção e apoio ao AME; e ações de orientação e estímulo à amamentação.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (CAAE: 35533320.6.0000.5240) e da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (CAAE: 35533320.6.3001.5553).

Resultados

O grau de implantação do fornecimento de LH de forma exclusiva para prematuros foi de 80,7%, percentual considerado satisfatório, com destaque para os indicadores de processo.

O primeiro conjunto de resultados diz respeito à caracterização do grau de implantação para a subdimensão disponibilidade, que leva em consideração os indicadores de estrutura (componente insumo), conforme Tabela 3. A implantação do componente insumo foi de 77,0%, considerado parcialmente implantado. A disponibilidade de LH do BLH e de fortificante, e a infraestrutura para o acolhimento das mães com foco para as acomodações foram os insumos que apresentaram menores percentuais de adequação (50% e 20%, respectivamente).


 



No momento da aplicação do questionário, os estoques de LH, fortificante e fórmulas infantis estavam abastecidos. Porém, nos últimos 12 meses, faltou em algum momento ou houve algum período crítico de desabastecimento de fortificante e LH. Na ausência do LH, foi recomendado que "Bebês com 25 ml de dieta prescrita por horário, pesando mais que 1850 gramas, usar fórmula para prematuro".

Dentre as dificuldades encontradas em manter os estoques de LH abastecidos, a chefia do BLH relatou a falta de manutenção de equipamentos e falta de recursos humanos. Apesar dos estoques estarem abastecidos, os RNPTs não recebiam todo o volume de LH que necessitavam. Essa afirmação é confirmada pela fala de uma mãe da UTIN em que seu bebê usava fórmula.

Com relação às acomodações, este item, que foi considerado apenas 20% implantado, foi avaliado tanto pelas mães quanto pelos profissionais da UTIN. Do total de mães, 25% consideraram as acomodações como ótimas; 50% relataram serem boas e 25% ruins. As principais queixas/insatisfações das mães nutrizes foram com relação aos leitos que ocupavam: inadequação quanto à limpeza, tamanho e falta de ventilação, além da ausência de uma lavanderia para lavar e secar as roupas das mães e dos bebês.

As mães nutrizes-diaristas apontaram inadequações nos banheiros (falta de banheiro privativo, aspecto ruim, banheiros quebrados e longe da UTIN), cadeiras (quebradas e em quantidade insuficiente) e falta de local para tomarem banho e para descanso.

A idade das mães variou de 18 a 41 anos, com média de 29 anos (desvio-padrão = 7,7); 50% delas eram "do lar"; 40% apresentaram ensino médio completo; 75% eram casadas ou em união estável, com renda familiar média de um a dois salários-mínimos. Em relação à gestação atual, todas realizaram o pré-natal, com média de 8 consultas. As mães entrevistadas relataram possuir rede de apoio para ajudarem no cuidado com o bebê e outros filhos sendo que 100% podiam contar com, pelo menos, um membro da família e 10% também podiam contar com amigos.

De acordo com os profissionais, apenas 7,8% consideraram o espaço físico e as acomodações adequadas e suficientes para atender todas as mães dos prematuros da UTIN.

Com relação à caracterização do grau de implantação para o índice de Qualidade Técnico-científica, levou-se em consideração os indicadores de processo (componente atividades), conforme representado na Tabela 4.


 



A implantação do componente atividade foi de 84,4%, sendo considerada adequada. Apenas dois itens apresentaram valores ≤50% de adequação.

O acesso livre à UTIN foi relatado por 75% das mães e por 58,8% dos profissionais de saúde, mostrando divergências entre as respostas.

Dos principais motivos para a prescrição de fórmula infantil na UTIN, os médicos informaram a falta de leite no BLH e as patologias que impossibilitam o uso como intolerância, erro inato do metabolismo, alergia à proteína do leite de vaca e RN cirúrgico; 66,7% souberam relatar pelo menos três razões médicas aceitáveis para o uso de fórmula.

O volume elevado de LH demandado por criança foi relatado como sendo um dos motivos para a prescrição de fórmula infantil e uma das principais dificuldades na prescrição de LH proveniente do BLH, além da desinformação da equipe, falta de orientação no manejo e durabilidade do leite (8,3% cada).

A terapia nutricional predominante ao longo da internação foi o leite materno/LH exclusivo, totalizando 88,6%.

No quesito infraestrutura, a unidade disponibilizava oito leitos para as mães permanecerem na unidade por 24 horas e alimentação durante a estadia no hospital. Porém a falta de leitos disponíveis para as mães representou 75% das dificuldades em permanecer na unidade em período integral, por 24 horas. O local para ordenha (dentro da UTIN) foi avaliado como ótimo por 55% das mães, sendo que a principal reclamação foi com relação à privacidade (66,6%).

Com relação à alimentação, 45% das mães relataram como sendo ótima; 35% boa e 20% ruim. Nos relatos, a alimentação ótima foi associada como sendo saudável, balanceada, rica, sendo distribuída em horários regulares. Já a alimentação ruim foi associada com pouca variedade, aparência, sabor e o não seguimento das preferências alimentares.

O apoio dos profissionais de saúde na amamentação foi relatado por 90% das mães. A forma de ajuda mais predominante foi a informação associada à ajuda prática (77,3%), onde o profissional orienta a mãe verbalmente e a ajuda a posicionar o prematuro no seio materno. Dentre as orientações recebidas, as técnicas de extração representaram 90%, seguidas pelos horários das dietas (55%), preparo das mamas (45%) e vantagens do AM (40%).

Ao questionar sobre a amamentação, 95% estavam amamentando/extraindo o leite materno; 60% apresentaram dificuldade no processo de AM, com destaque para a extração (50%). Quanto aos aspectos que tem contribuído para o processo de amamentação, 35% relataram a importância do leite para a saúde do bebê e 50% relataram o apoio dos profissionais de saúde e do BLH.

A aplicabilidade das políticas públicas em prol da amamentação foi verificada por meio da prática do contato pele a pele, sendo relatada por 100% dos profissionais e por 75% das mães. Esta prática é realizada na unidade principalmente durante a dieta (37,25%) e conforme a condição clínica/estabilidade do RN (27,45%).

A política de AM da unidade contemplava os dez passos para o sucesso do AM da IHAC; cuidado amigo da mulher; permanência dos pais e acesso livre junto ao RN. O anexo contemplava ainda as razões médicas aceitáveis para o uso de substitutos do LM e a NBCAL.

De acordo com os profissionais de saúde da UTIN, os facilitadores da amamentação dos prematuros são: estímulo e orientação da equipe (50,9%); acesso livre/presença da mãe (25,4%); Método Canguru/contato pele a pele (15,9%); interação/vínculo mãe e filho (11,7%); início/estímulo precoce (7,8%); condições do RN (5,8%); desejo da mãe (5,8%); capacitação dos profissionais (3,9%); técnica/pega correta (3,9%); número adequado de profissionais na UTIN (3,9%); mais leitos de mãe nutriz (1,9%); mamilo (1,9%); psicológico da mãe (1,9%) e prontidão do bebê (1,9%).

Entre as dificuldades no AM, os profissionais destacaram: condições clínicas do RN (25,4%); ausência da mãe (23,5%); falta de orientação/estímulo/apoio dos profissionais (19,6%); estresse emocional/medo/ansiedade/insegurança das mães (17,6%); falta de informação (13,7%); falta de estrutura/leitos de mãe nutriz (7,8%); falta de vínculo do binômio (3,9%). Os demais representaram apenas 1,9%, sendo eles: ausência do contato pele a pele; resistência da equipe em acordar o bebê; tempo de internação; baixa produção; falta de privacidade e manutenção da lactação.

Discussão

A despeito do elevado grau de implantação encontrado e de sua adequação segundo os parâmetros estabelecidos nesta pesquisa, alguns aspectos que não se mostraram adequados e estão relacionados ao contexto externo e organizacional, podem comprometer a adequada implantação da intervenção.

Em relação ao contexto externo, as facilidades no processo de amamentação encontradas neste estudo estiveram relacionadas com a faixa etária, escolaridade materna, estado civil da mãe, disponibilidade da rede de apoio e ao conhecimento das mães sobre a importância do leite para o bebê. O estudo de Moura et al. 17 evidenciou que o reconhecimento das vantagens do LM para o prematuro foi o principal motivo apresentado pelas mães para amamentarem seus bebês, mesmo diante de várias situações de insegurança, incômodo e desconforto vivenciadas por elas no contexto da hospitalização.

No que se refere ao grau de instrução materna, muitos estudos têm demonstrado que esse fator afeta a motivação para amamentar. Mães com maior grau de instrução tendem a amamentar por mais tempo, talvez pela possibilidade de um maior acesso a informações sobre as vantagens do AM. 18 Além disso, a maioria possuía união estável. Esse resultado é positivo, uma vez que o apoio do companheiro na amamentação tem relação estatisticamente positiva com a manutenção e duração do AM. 19

O marketing das indústrias foi descrito como um dificultador no processo de amamentação evidenciado no contexto externo. Alguns profissionais relataram que se sentem pressionados por empresas de marketing a prescreverem fórmula infantil.

Estudo realizado em oito países pela OMS mostrou que os profissionais de saúde foram relatados como a principal fonte de educação sobre práticas de alimentação infantil, influenciando a decisão sobre a amamentação. Dessa forma, o marketing sistemático das empresas produtoras de fórmulas infantis busca influenciar a compreensão dos profissionais de saúde sobre AM, convencê-los da necessidade de fórmulas e usá-las como canais de marketing. 20

Em relação ao Contexto Organizacional, a presença de LH e do fortificante é fundamental para que a oferta ocorra de forma exclusiva, garantindo melhor desenvolvimento e ganho ponderal dos RNPTs. 1 No presente estudo, os estoques de LH estavam abastecidos, porém bebês que necessitam de volume superior a 30ml/horário tendem a receber fórmula rotineiramente, o que pode ser corroborado com as justificativas dos médicos da UTIN. Isso mostra que, mesmo o LH estando presente, ele não é fornecido em quantidade suficiente, constantemente, para todos os RNPTs.

Em RNPTs de muito baixo peso, o uso de fortificantes proporciona aumento nas taxas de crescimento e ganho de peso. 21 Porém, na ausência deste, fórmulas para prematuro são utilizadas, podendo ser intercaladas com o LH. 22 Logo, a falta do fortificante na unidade pode comprometer a oferta exclusiva do LH, favorecendo o aumento do uso de fórmulas.

Conforme os padrões globais e com os Critérios de Conformidade Relacionados ao Fornecimento de LM de Forma Exclusiva aos RN descritos na estratégia da IHAC, a observação da enfermaria neonatal deve confirmar que pelo menos 80% dos bebês estão sendo alimentados apenas com LM ou leite do BLH, ou, se receberam algo mais, foi por razões médicas aceitáveis. 15 Dessa forma, os resultados deste estudo mostram que a oferta de LH está de acordo com o estabelecido pela IHAC.

Pesquisas vêm demonstrando que, embora possa variar, conforme os contextos social e cultural em que a mulher está inserida, o apoio formal dos profissionais influencia positivamente na iniciação e duração da amamentação, e a ajuda prática parece ser o meio mais efetivo para os profissionais de saúde apoiarem a amamentação. 23

A presença de leitos para as mães dos RNPTs possibilita sua permanência na unidade, favorecendo a oferta de LH para o bebê. Contudo, a quantidade de leitos não foi suficiente para atender todas as mães dos RNPTs, fator que comprometeu a implantação do componente estrutural insumo.

No estudo de Uema et al. ,24 os profissionais referem que a falta de infraestrutura da unidade neonatal é, em parte, responsável pelo insucesso do AM. A falta de acomodações e a dificuldade materna em permanecer na unidade também foram apontadas como fatores decisivos por estes autores, o que reforça a necessidade de atenção quanto a esse aspecto pelo HMIB. Assim, a presença do alojamento conjunto com leitos para as mães em número proporcional ao número de leitos de UTIN é de extrema importância para a promoção do AM na unidade.

A capacitação dos profissionais de saúde sobre a IHAC se mostrou bastante expressiva, onde a grande maioria já havia sido capacitada pela IHAC e tinha conhecimento da política de AM impressa na unidade. Esse fator pode ser visto como positivo, já que os estudos mostram uma menor taxa de adesão ao Passo 2 da IHAC (capacitar toda a equipe de cuidados da saúde nas práticas necessárias para implementar essa política). 25 Anualmente é disponibilizado o cronograma dos cursos da IHAC no hospital, que ocorre todos os meses, com carga horária de 20 e 40 horas, sendo recomendado que cada profissional realize o curso pelo menos a cada cinco anos.

Diante dos dados apresentados, as principais dificuldades do contexto organizacional que interferem no processo de amamentação estão relacionadas com o volume de leite proveniente do BLH e estoques baixos, infraestrutura da unidade como a falta de leitos disponíveis para permanência 24hs, local inadequado para descanso das mães diaristas na unidade, falta de privacidade na extração do LH na UTIN e as técnicas de extração. O estudo de Gianni et al. 2 também identificou a extração como um dos fatores que dificultam a amamentação de prematuros.

As facilidades identificadas foram o apoio e orientação dos profissionais da UTIN e do BLH, a presença do LH e do fortificante, o acesso livre à UTIN, o contato pele a pele, alimentação fornecida no local, capacitação dos profissionais e conhecimento da política de amamentação da unidade, além da unidade ser credenciada pela IHAC e seguir os dez passos.

Uma das limitações desse estudo foi que a sua realização ocorreu durante a pandemia da COVID-19, o que dificultou a aplicação do instrumento de coleta de dados e afetou indiretamente os estoques de LH, já que as mães não se deslocavam até a unidade para a doação do LH e nem mesmo aquelas com os seus RNPTs internados na UTIN, permaneciam diariamente na unidade para extração.

Em virtude desse cenário, optou-se pela aplicação de instrumento com os profissionais de saúde, de forma a alcançar um maior numero deles, o que se mostrou acertado considerando que foram 51 os respondentes. Este intrumento, no entanto, apresentou limitações, uma vez que a realizaçao de entrevistas proporcionaria informações mais profundas sobre o fornecimento de LH.

O fornecimento de LH para prematuros ocorreu de forma satisfatória, sendo possível realizar a amamentação para a maioria dos prematuros, mesmo diante dos desafios inerentes à prematuridade. Os prematuros estarem internados em hospital amigo da criança foi um fator que contribui para a implantação da intervenção. Assim, pode-se considerar que o sucesso nas práticas de amamentação é influenciado pelas políticas públicas.

As avaliações nos serviços de saúde, desenvolvidas com o envolvimento dos usuários e profissionais de saúde, constitui-se em uma ferramenta importante na identificação de fragilidades, com o intuito de buscar melhorias na execução dos serviços. Dentro desse contexto, conhecer a vivência das mães, dos profissionais e a organização de trabalho da instituição com relação ao fornecimento de LH durante a internação hospitalar, é essencial para a promoção de intervenções que favoreçam a saúde da mulher, da criança, da família e da sociedade.


Referências

1. Lima APE, Castral TC, Leal LP, Javorski M, Sette GCS, Scochi CGS, et al. Aleitamento materno exclusivo de prematuros e motivos para sua interrupção no primeiro mês pós-alta hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. (Porto Alegre) 2019; 40: 8.

2. Gianni ML, Bezze EN, Sannino P, Baro M, Roggero P, Muscolo S, et al. Maternal views on facilitators of and barriers to breastfeeding preterm infants. BMC Pediatrics. 2018; 18 (238): 7.

3. World Health Organization (WHO). Guideline: protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva: WHO; 2017. [acesso em 2022 mar 5]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550086

4. Gomes ALM, Balaminut T, López SB, Pontes KAES, Scochi CGS, Christoffel MM. Aleitamento materno de prematuros em hospital amigo da criança: da alta hospitalar ao domicílio. Rev Rene. 2017; 18 (6): 810-7.

5. Brasil. Lei n°. 11265, de 3 de janeiro de 2006. Regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos. Brasília (DF): DOU de 4 jan 2006. [acesso em 2020 jun 8]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11265.htm

6. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 930, de 10 de maio de 2012. Define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [acesso em 2020 ago 30]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0930_10_05_2012.html#:~:text=Define%20as%20diretrizes%20e%20objetivos,%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20(SUS).

7. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Bases para a discussão da Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno Brasília (BR): Ministério da Saúde, 2017. [acesso em 2020 ago 17]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/bases_discussao_politica_aleitamento_materno.pdf

8. Nyqvist KH, Häggkvist AP, Hansen MN, Kylberg E, Frandsen AL, Maastrup R, et al. Expansion of the Ten Steps to Successful Breastfeeding into Neonatal Intensive Care: Expert Group Recommendations for Three Guiding Principles. J Hum Lact. 2012 Aug; 28 (3): 289-96.

9. Bujold M, Feeley N, Axelin A, Cinquino C, Dowling D, Thibeau S. Expressing human milk in the NICU. Adv Neonatal Care, 2018; 18 (1): 38-48.

10. Cruz MR, Sebastião LT. Amamentação em prematuros: conhecimentos, sentimentos e vivências das mães. Distúrbios Comun. (São Paulo) 2015; 27 (1): 76-84.

11. Benoit B, Semenic S. Barriers and Facilitators to Implementing the Baby-Friendly Hospital Initiative in Neonatal Intensive Care Units. JOGNN, 2014; 43 (5): 614-24.

12. Oliveira AEF, Reis RS. Gestão pública em saúde: os desafios da avaliação em saúde. São Luís: Edufma, 2016. 57 p. [acesso em 2022 nov 14]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/7411/1/GP5U2.pdf

13. Hartz ZMA. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1997. [acesso em 2022 nov 14]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/3zcft

14. Moura R. Bancos de leite do DF viram referência para os Brics. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2019. [acesso em 2020 jul 2]. Disponível em: https://rblh.fiocruz.br/bancos-de-leite-do-df-viram-referencia-para-os-brics

15. Fundo das Nações Unidas para a Infância, Organização Mundial da Saúde (OMS). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Módulo 2: fortalecendo e sustentando a iniciativa hospital amigo da criança: um curso para gestores. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. [acesso em 2020 jul 2]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo2.pdf

16. Souza JR, Santos SCM. Análise de conteúdo em pesquisa qualitativa: modo de pensar e de fazer. Pesq Debate Educ. 2020; 10 (2): 1396-1416.

17. Moura LP, Oliveira JM, Noronha DD, Ribeiro JD, Torres V, Oliveira KCF, et al. Percepção de mães cadastradas em uma Estratégia Saúde da Família sobre aleitamento materno exclusivo. Rev Enferm UFPE. 2017; 11 (Supl. 3): 1403-9.

18. Muller FS, Silva IA. Representações sociais de um grupo de mulheres/nutrizes sobre o apoio à amamentação. Rev Latino-am Enferm. 2009; 17 (5): 8.

19. Santiago LA, Hissayassu SAY, Comuni PMD. Principais Fatores de Risco para a Manutenção do Aleitamento Materno Exclusivo no Brasil e EUA. Rev Contexto Saúde. 2019; 19 (37): 11-9.

20. World Health Organization (WHO). How the marketing of formula milk influences our decisions on infant feeding; 2022. [acesso em 2022 nov 14]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240044609

21. Filho JVB, Pereira RJ, Castro JGD. Efeitos do uso de fortificante do leite humano em recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso. Ciênc Cuid Saúde. 2016; 15 (3): 429-35.

22. Gonçalves AB, Jorge SM, Gonçalves AL. Comparação entre duas dietas à base de leite humano em relação ao crescimento e à mineralização óssea de recém-nascidos de muito baixo peso. Rev Paul Pediatr. 2009; 27 (4): 395-401.

23. Pinto SL, Barruffini ACC, Silva VO, Ramos JEP, Junqueira IC, Borges LL, et al. Avaliação da autoeficácia para amamentação e seus fatores associados em puérperas assistidas no sistema público de saúde no Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2021; 21 (1): 97-105.

24. Uema RTB, Tacla MTGM, Zani AV, Souza SNDH, Rossetto G, Santos JCT. Insucesso na amamentação do prematuro: alegações da equipe. Semina Ciênc Biol Saúde. 2015; 36 (1): 199-208.

25. Jesus PC, Oliveira MIC, Fonseca SC. Repercussão da capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno sobre seus conhecimentos, habilidades e práticas hospitalares: uma revisão sistemática. J Pediatr (Rio J. ) 2016; 92 (5): 436-50.

26. Gaíva MA, Scochi CGS. A participação da família no cuidado ao prematuro em UTI Neonatal. Rev Bras Enferm. 2005; 58 (4):444-8.

27. Serra SOA, Scochi CGS. Dificuldades maternas no processo de aleitamento materno de prematuros em uma UTI neonatal. Rev Latino-Am Enferm. 2004; 12 (4): 597-605.

Recebido em 24 de Junho de 2022
Versão final apresentada em 14 de Dezembro de 2022
Aprovado em 31 de Dezembro de 2022

Editor Associado: Luciana Dubeux

Agradecimentos: Ao mestrado profissional em avaliação em saúde da ENSP/Fiocruz e aos profissionais, gestores e usuários do HMIB envolvidos na pesquisa.

Contribuição dos autores: Reis MMP: coleta e análise dos dados, interpretação e redação inicial do manuscrito. Barros DC e Vitorino SAS: delineamento e coordenação do estudo e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Copyright © 2024 Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por: