Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Qualidade dos menus infantis em shoppings centers do Brasil

Janaína Guimarães Venzke1; Giulia Antonietti Aranalde2; Ana Luiza Sander Scarparo3; Ada Rocha4

DOI: 10.1590/1806-9304202300000054 e20220054

RESUMO

OBJETIVOS: caracterizar a disponibilidade e a qualidade nutricional dos menus infantis nos restaurantes e e stabelecimentos de fast-foods em Shoppings Centers no Brasil.
MÉTODOS: trata-se de um estudo observacional e transversal. Os dados foram coletados nos websites de cada estabelecimento e em aplicativos de vendas de alimentos, com questionário composto por duas seções: Caracterização do estabelecimento e caracterização do menu infantil. A coleta dos dados ocorreu em dez capitais distribuídas nas cinco regiões do Brasil.
RESULTADOS: foram avaliados 116 menus infantis. Maior número de estabelecimentos foi classificado como restaurante do que fast-food. Os métodos de cocção mais utilizados nos pratos principais foram grelhados (n=236, 64%) e cozidos (n=74, 20%), e nos acompanhamentos foram cozidos (n=204, 53%) e fritos (n=109, 28%). Apenas 40% (n=46) dos menus continham hortaliças. Menos de 10% (n=sete) ofertavam fruta como sobremesa; 31% (n=36) constavam bebida inclusa no menu infantil; 22% (n=25) ofereciam brindes associados ao menu. Apenas 32 (28%) estabelecimentos apresentavam a combinação feijão e arroz.
CONCLUSÃO: a maioria das opções ofertadas às crianças era de baixa qualidade nutricional, com pouca oferta de hortaliças, frutas e do tradicional feijão e arroz. As bebidas incluídas nos menus, a maioria açucaradas, podem contribuir para uma elevada ingestão energética. Constata-se a necessidade de disponibilizar opções saudáveis e incentivar essas escolhas.

Palavras-chave: Nutrição da criança, Qualidade dos alimentos, Valor nutritivo, Serviços de alimentação

ABSTRACT

OBJECTIVES: characterize the availability and assess the nutritional quality of children's menus offered in regular and fast food restaurants in Brazilian malls.
METHODS: this is an observational and cross-sectional study. Data were collected on the websites of each restaurant and in food sales applications, with a questionnaire consisting of two sections: characterization of the restaurant and characterization of the children's menu. Data collection took place in ten capitals in the five regions of Brazil.
RESULTS: 116 children's menus were evaluated. The study identified a higher number of regular (n=70, 60%) than fast-food (n=46,40%) restaurants. The cooking methods most used in the main dishes were grilled (n=236, 64%) and boiled (n=74, 20%), and in the side dishes were boiled (n=204, 53%) and fried (n=109, 28%). Only 40% (n=46) of the menus contained vegetables. Less than 10% (n=seven) offered fruit as dessert, 31% (n = 36) had drinks included in the children's menu and 22% (n=25) offered gifts associated with the menu. Only 32 (28%) restaurants had the combination of beans and rice.
CONCLUSION: most of the options offered to children were of low nutritional quality, with low offer of vegetables, fruits and the traditional beans and rice. The beverages included in the menus, most of them sugary, can contribute to a high-energy intake. There is a need to provide healthy options and encourage these choices.

Keywords: Child nutrition, Food quality, Nutritive value, Food service

Introdução

Há várias décadas que o Brasil enfrenta um cenário marcado pelo aumento do sobrepeso e da obesidade, em todas as faixas etárias, sendo um dos problemas de saúde pública mais prementes, por ser um fator de risco para ampla gama de doenças crônicas.1,2 Os dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), de 2020, apontam que 15,9% das crianças menores de cinco anos e 31,8% das crianças entre cinco e nove anos tinham excesso de peso segundo Índice de Massa Corporal (IMC).3

As mudanças no comportamento alimentar são relatadas regularmente como um dos principais fatores dessa epidemia. Além dos determinantes biológicos, a forte influência do ambiente no desenvolvimento da obesidade infantil também deve ser considerada, e medidas que incidam no ambiente alimentar devem ser desenvolvidas e apoiadas.1

O consumo infantil de refeições em restaurantes e estabelecimentos de fast-foods tem sido associado a uma maior ingestão energética diária, de gordura saturada, sódio e açúcar, causando especulações de que comer fora do lar pode ser um fator importante na prevalência de obesidade infantil.4 Uma das causas destas associações é que as pessoas subestimam o conteúdo energético dos alimentos do restaurante, e geralmente, não têm acesso imediato à informação nutricional no momento da compra.5

Com o objetivo de promover e contribuir com a formação dos hábitos alimentares saudáveis, a partir de melhores escolhas alimentares, o Ministério da Saúde (MS) lançou O Guia Alimentar para as Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos. Entre os doze passos para uma alimentação saudável para as crianças, o Guia recomenda que seja ofertada uma alimentação adequada e saudável também fora de casa e que os responsáveis sejam críticos com relação à publicidade vinculada à alimentação, visto que a função essencial é aumentar a venda de produtos.6

Observa-se que muitos restaurantes e estabelecimentos de fast-foods oferecem recompensas, como brinquedos, na escolha de alimentos menos saudáveis, como batata-frita, refrigerante e hambúrguer.7 De acordo com Karageorgiadis,8 no "combo" oferecido pelas empresas, o brinde que acompanha o alimento, caracteriza-se por ser exclusivo (não vendido em outro lugar), com disponibilidade de oferta determinada por um período, e, na maior parte das vezes colecionáveis e associados a uma temática (personagem de filme, desenho animado ou história infantil). A autora sinaliza que a distribuição de brinquedos associados a alimentos, conhecida com "venda casada", interfere nos hábitos alimentares das crianças, transformando a atitude básica e necessária de se alimentar, em uma atitude consumista: estimulando o desejo de comer determinado alimento para adquirir "de graça" o brinde que completa a coleção.

Sendo assim, os restaurantes constituem ambientes que podem influenciar positiva ou negativamente o consumo alimentar entre as crianças. As boas escolhas alimentares em restaurantes têm o potencial de melhorar a qualidade da dieta e atenuar o consumo excessivo de energia contribuindo para moldar hábitos alimentares mais saudáveis.7

Nesse contexto, o objetivo do estudo foi caracterizar a disponibilidade e avaliar a qualidade nutricional dos menus infantis oferecidos nos restaurantes e estabelecimentos de fast-foods em shoppings centers do Brasil.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional de desenho transversal. A coleta de dados ocorreu entre setembro de 2020 e junho de 2021 em restaurantes e estabelecimentos de fast-foods de shopping centers, que ofereciam o serviço de restaurantes ou gastronomia para os clientes, localizados em duas capitais de cada uma das cinco regiões do Brasil, escolhidas de forma aleatória.

Definiu-se como restaurantes os estabelecimentos que ofertam serviços completos e, em geral, com cardápios mais variados, e estabelecimentos de fast-food os serviços rápidos, de conveniência, conforme classificação empregada pelo U.S. Department of Commerce Economics and Statistics Administration (2000).9

Foram excluídos do estudo os restaurantes e estabelecimentos de fast-foods encontrados na busca realizada no site de hospedagem Google® mas que por alguma razão não estavam funcionando e aqueles que não apresentaram a opção menu infantil em seus cardápios. E, também, as redes de estabelecimentos que se repetiram na capital e na região.

A Figura 1 exibe um diagrama com o fluxo para identificação e seleção dos estabelecimentos analisados no estudo. A busca encontrou 1.049 restaurantes e estabelecimentos de fast-foods e 338 possuíam menu infantil.

 



Dos estabelecimentos encontrados com menu infantil, algumas redes de estabelecimentos de fast-foods se repetiram entre todas as regiões do Brasil, sendo elas ''Bob's®'', ''Burger King®'', ''Giraffas®'' e ''McDonald's®''. O menu infantil desses estabelecimentos de fast-foods não se diferenciava conforme a região.

Após a exclusão dos estabelecimentos que se repetiam por região ou por cidade, obteve-se uma amostra de 116 restaurantes e estabelecimentos de fast-foods com menu infantil analisados.

A coleta de dados foi realizada nos websites de cada restaurante e estabelecimento de fast-food e em aplicativos de vendas de alimentos, a partir da informação que estava publicamente disponível para os consumidores.

O levantamento de dados foi realizado de forma criteriosa e cada estabelecimento avaliado individualmente por duas pesquisadoras devidamente treinadas. As discordâncias, dúvidas e dificuldades na classificação das variáveis foram discutidas e definidas em conjunto com os autores.

Os dados foram coletados utilizando o instrumento validado Questionário para Caracterização dos Menus Kids em Restaurantes aplicado em Portugal, disponibilizado pelos pesquisadores para ser utilizado de forma colaborativa no Brasil10 e adaptado para o Brasil. O instrumento era constituído por duas seções: A: Caracterização e localização do estabelecimento, B: Características do Menu Infantil.

O estabelecimento foi classificado conforme a tipologia do menu ofertado que pode se definir por: comida típica de determinado estado ou país, patrimônio cultural e identidade étnica ou culinária; comida tradicional, aquela que não apresenta elemento clássico ou típico e, em geral, segue a tradição regional; outros, para estabelecimentos que não identificam a autenticidade dos menus conforme elementos tangíveis (ingredientes), não possuem identidade étnica ou culinária, ou que combinam mais de uma tipologia.9,10

Quanto às características do menu infantil foram coletadas as seguintes informações: números de opções; itens que o compõem (carne/pescado/ovo, arroz/batata/massa, hortaliças cruas ou cozidas, sobremesa doce, fruta); presença de algum brinquedo colecionável ou brinde comercial associado (não/sim, se sim, qual); oferta de bebida; exibição de informação sobre alergênicos (não/sim) e se o menu infantil tem informação nutricional (não/sim).

A qualidade nutricional dos menus infantis dos restaurantes e estabelecimentos de fast-foods foi avaliada comparando os dados coletados por meio do instrumento de coleta e classificados conforme métodos de cocção, presença ou ausência de bebidas e a presença ou ausência de informação nutricional e alergênicos no menu (cardápio).

As variáveis utilizadas no estudo foram: informações nutricionais (Sim ou Não); informações sobre alergênicos (Sim ou Não); oferecimento de brinde comercial ou brinquedo colecionável (Sim ou Não); tipologia (Americano/Árabe/Armênio/Britânico/Francês/ Italiano/Mexicano/Hamburgueria/Japonês/Tradicional/Uruguaio/Frutos do Mar/Outros); métodos de cocção (Assado/Cozido/Cru/Frito/Grelhado/Refogado); tipo de bebidas (Água/Refrigerante/Suco/Outros); opção vegetariana ou vegana (Sim ou Não); sobremesa doce (Sim ou Não); frutas (Sim ou Não).

A análise quantitativa dos dados foi realizada usando o pacote Microsoft Office Excel® e as variáveis descritas em frequências absolutas e relativas.

Resultados

O estudo identificou um maior número de estabelecimentos classificados como sendo do tipo restaurante do que como estabelecimento de fast-food e estes foram classificados de acordo com a sua tipologia, observando-se um maior número de estabelecimentos do tipo tradicional, seguido de hamburgueria. Houve apenas cinco estabelecimentos do tipo "frutos do mar" distribuídos entre as regiões centro-oeste, sudeste e sul do Brasil (Tabela 1).

 



Os produtos oferecidos no menu como prato principal mais frequentes foram o frango grelhado ou empanado (60%), a carne bovina grelhada ou empanada (57%), hambúrguer/cheeseburger (44%), as massas (25%) e o peixe grelhado ou empanado (16%).

Como acompanhamento, a opção de batata frita foi a mais frequente, sendo ofertada em 78% dos estabelecimento. Outra opção que apareceu com frequência foi o arroz branco (57%), seguido do feijão (28,0%) e da salada (27,0%), sendo a maioria dos ingredientes alface, tomate, cenoura e repolho. A opção de purê de batata estava presente em 23% dos estabelecimentos.

Apenas 40% dos menus ofereceram hortaliças adicionadas à refeição e 28% apresentavam a combinação feijão e arroz como opção (Tabela 2).

 



Em 20 estabelecimentos verificou-se a presença de pescado, sendo a opção principal filé de peixe grelhado (65%), seguido de peixe empanado frito (50%). Um dos estabelecimentos japoneses oferecia sushi (sashimi de salmão - preparação crua e hot-filadélfia - preparação frita) em seu menu infantil. Os outros restaurantes japoneses ofertavam preparações como yakisoba, arroz japonês, carne, frango e peixe.

Nenhum restaurante ou estabelecimento de fast-food apresentou opção vegetariana e/ou vegana no menu infantil (Tabela 2).

Observa-se, na Tabela 2, que 15 estabelecimentos ofereceram sobremesa doce como parte do menu infantil. As opções de sobremesa disponibilizadas foram: milkshake; sorvete com calda; ''Danoninho®''; ''Kinder Ovo®''; e mini churros com doce de leite. Apenas dois estabelecimentos, um restaurante e um de fast-food, que se repetiram entre as regiões, ofereciam fruta (maçã ou fruta da estação) como sobremesa, sendo que o restaurante ofertava a fruta ou uma sobremesa doce.

Verificou-se que 31% dos estabelecimentos continham bebidas incluídas no preço do menu (Tabela 2). A opção mais frequente era o suco natural (de laranja ou não especificado) e o industrializado, seguido do refrigerante. A água foi ofertada somente no ''McDonald's®''. Outras opções de bebida observadas nos menus foram a água de coco e o chá gelado.

Quanto às ofertas associadas aos menus infantis, identificou-se que 22% dos estabelecimentos pesquisados contavam com brindes associados (Tabela 2), todos brinquedos colecionáveis.

Detectaram-se mais estabelecimentos que disponibilizavam informações nos menus referentes aos alergênicos (31%) do que informações nutricionais (26%) (Tabela 2). Ressalta-se que apenas uma rede de restaurantes, presente nas regiões Norte e Sudeste, disponibilizava as fichas técnicas das preparações com informação nutricional completa no site da empresa.

No que se refere aos principais métodos de cocção utilizados nas preparações destinadas aos menus infantis (Tabela 3), observou-se que 64% das opções ofertadas para o prato principal eram grelhadas, distribuídas entre as opções de bifes (bovino/frango), filés de peixe e hambúrgueres. Com percentagens inferiores (20%) constatou-se as opções de prato principal cozidas, sobretudo preparações com massas, normalmente acompanhadas de molhos à base de gordura (queijos), seguidas da preparações fritas (11%) e dos assados (5%). No que diz respeito aos acompanhamentos, o método de cocção mais utilizado foi o cozimento (53%), que corresponde as preparações arroz, purê de batata e massas, seguido da fritura (28%), utilizado na cocção de batata, polenta e ovo.

 



A oferta de alimentos crus foi encontrada em 11% das opções e referiu-se às saladas como alface, tomate, cenoura, repolho e o sashimi de salmão.

Discussão

A oferta alimentar dos menus infantis estudados caracteriza-se por frango e carne vermelha, hambúrgueres e cheeseburgers, batata frita e arroz branco, associada à inexistência ou baixa oferta de hortaliças, de frutas, de leguminosas e de cereais integrais. Diferentes estudos demonstram que este tipo de oferta está associado a valores elevados de gordura saturada e trans, sódio e açúcar, coincidindo com a alta densidade energética e baixa densidade de fibras e micronutrientes.4,11,12 Ainda, relatam que as refeições destinadas às crianças, em restaurantes e estabelecimentos de fast-foods são de baixa qualidade nutricional, com alimentos ricos em gordura e que a maioria fornece pouca fruta, hortaliças, leguminosas ou opções com baixo teor de gordura.4,11,12,13

A oferta alimentar, nos estabelecimentos avaliados, não cumpre com as principais recomendações alimentares propostas pelo Guia Alimentar para as Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos6 e pelo Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB).2 Estudo realizado em restaurantes de shopping centers de quatro cidades da Baixada Santista de São Paulo, concluiu que a elaboração dos cardápios infantis necessitava de um acompanhamento mais rigoroso para a adequação das preparações às recomendações dos Guias.13

Outro dado encontrado foi a maior oferta de opções de carne vermelha e frango comparada com pescado e nenhuma alternativa de preparação vegetariana/vegana como fonte de proteína. Estudo multicêntrico realizado por Viegas et al.12 avaliou 192 menus infantis em Portugal (46 menus), Chile (66 menus), Hungria (15 menus), Croácia (10 menus) incluindo o Brasil (57 menus), e também observou, em todos os países estudados, que havia maior oferta de carnes vermelhas e menor oferta de peixes, com uma tendência a preparações fritas. O consumo de carne é associado à fonte adequada e eficiente de proteína, sendo uma cultura já estabelecida e podendo resultar na baixa oferta de pescado.14 O GAPB desmistifica a ideia da carne como única fonte de proteína.2,15

Um dado preocupante foi a pouca oferta de hortaliças nos menus dos estabelecimentos, uma vez que o consumo desses alimentos pela população infantil é baixo. Cabe lembrar que estímulo ao consumo deve ser realizado em diversos contextos, como em casa, nas escolas e nos restaurantes, para garantir um aporte adequado,2,7,13 assim como para contribuir com a formação dos hábitos alimentares. O baixo consumo de hortaliças, associado à alta ingestão de proteína de origem animal, de gordura saturada e do açúcar, contribui para o aumento do sobrepeso e obesidade, um problema de saúde mundial.4,12,14,15,16

O elevado consumo de bebidas açucaradas pela população infantil é mais uma preocupação.17 Neste estudo, apenas um estabelecimento (que se repetiu entre as regiões) apresenta água como opção, os outros oferecem alternativas ricas em açúcar, como refrigerantes, sucos e chás. Alguns autores associam o consumo destes tipos de bebidas a obesidade, doença cardiovascular, diabetes tipo 2, entre outras patologias.17,18 Além disso, segundo Alcatraz et al. ,18 o consumo dessas bebidas é responsável por mais de 721 mil casos de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes no Brasil. Disponibilizar estas bebidas a parte do menu, com um valor extra, seria uma forma de limitar o consumo e promover a ingestão de água.10

Nos menus analisados, chamou atenção a maior oferta de sobremesa doce do que de frutas. Estudos mostraram que os açúcares adicionados podem aumentar o risco de hipertensão arterial sistêmica e triglicerídeos elevados em crianças.19,20 Estas sobremesas doces, por serem industrializadas, também são ricas em gordura trans, com elevado valor energético, o que também é um fator de risco para doenças crônicas, inclusive a obesidade.21 A baixa oferta de frutas requer atenção e exige ações para o aumento desse consumo, uma vez que as frutas são essenciais para o desenvolvimento infantil e um fator protetor contra o desenvolvimento da obesidade.2

Vinte e cinco estabelecimentos ofereciam brindes colecionáveis associados a um "combo" promocional infantil. Essa opção, por despertar o desejo de aquisição do brinquedo ou de toda a coleção, pode se tornar a principal razão para a compra. Associado a isso, está o estímulo ao consumo habitual e excessivo de produtos industrializados e ultraprocessados com baixa qualidade nutricional, altos teores de sódio, açúcar e gorduras, visto que na maioria das vezes estes produtos compõem o "combo".10 Há vários caminhos promissores como a associação de um brinde à escolha de uma opção saudável.12 Um exemplo disso é a lei do condado de Santa Clara (Estados Unidos), que restringe a distribuição de brinquedos com refeições que não atendam aos critérios nutricionais.22 Ademais, um estudo com 337 crianças realizado em Ontário no Canadá, mostrou que quando os brinquedos são oferecidos apenas com as refeições que atendem aos critérios nutricionais, há uma propensão para escolherem as opções mais saudáveis.23

Quanto às informações nutricionais e de alergênicos dos alimentos, encontrou-se que eram disponibilizadas por menos da metade dos estabelecimentos. Por não ser uma prática comum, isso acaba dificultando as escolhas alimentares dos consumidores quando se alimentam fora do lar,5 pois há uma tendência para consumo de alimentos saudáveis quando são disponibilizadas informações nutricionais nos restaurantes.5,24,25 A disponibilização de informação nutricional é obrigatória para alimentos embalados no Brasil e em diversos países, entretanto é facultativa para alimentos comercializados em restaurantes e estabelecimentos de fast-foods.24,25 Embora a informação nutricional e para alergênicos tem-se tornado obrigatória em restaurantes dos EUA desde 2018, em regiões do Canadá desde 2015, na Austrália a partir de 2010 e analisada no Reino Unido, ainda não é uma realidade em países das Américas e da Europa.26

Apesar da combinação feijão e arroz ser muito popular no Brasil e ainda permanecer presente nas refeições dos brasileiros que privilegiam alimentos in natura ou minimamente processados,2,6 a realidade tem mostrado cada vez menos essa prática. Neste trabalho, apenas 28% dos estabelecimentos ofertavam esta opção, dado que corrobora com o estudo de Viegas et al.12 conduzido em cinco diferentes países, que mostra que o Brasil é o único país que oferta a leguminosa nos menus infantis, porém em somente 25% dos menus avaliados.

O GAPB2 e Guia Alimentar para as Crianças Brasileiras6 aconselham o resgate e a valorização da dieta tradicional brasileira, baseada em preparações combinadas de cereais e leguminosas (arroz e feijão), frutas, legumes e verduras e orientam a "dar preferência, quando fora do lar, a locais que servem refeições feitas na hora'', evitando, assim, redes de estabelecimentos de fast-food e o consumo de alimentos ultraprocessados.

À luz da epidemia de sobrepeso e obesidade infantil, melhorar a qualidade nutricional das refeições das crianças é uma prioridade importante. Os esforços também devem considerar formas de incentivar boas escolhas alimentares e possibilitar avaliar o ambiente alimentar pelas famílias, pelos proprietários dos restaurantes e pelos profissionais da saúde. Uma ferramenta simples e de baixo custo como a Kids' Menu Healthy Score (KIMEHS) desenvolvida por Rocha et al.,27 poderia ser uma boa estratégia para educar os consumidores sobre escolhas alimentares saudáveis, influenciar o ambiente alimentar e promover uma padrão alimentar adequado à saúde.

Os resultados deste trabalho sinalizam à necessidade de disponibilizar opções saudáveis nos menus infantis e, ainda, incentivar, informar e permitir avaliar essas escolhas pelos responsáveis pelo oferecimento e pelo consumidor. Esta pode ser considerada uma estratégia de promoção da saúde e um diferencial para o estabelecimento. Neste sentido, a presença de um nutricionista, além de contribuir com a oferta de um alimento seguro, poderá auxiliar significativamente com a elaboração de cardápios, saudáveis, nutritivos, atrativos e, principalmente, saborosos para esse público.


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Recebido em 26 de Maio de 2022
Versão final apresentada em 26 de Outubro de 2022
Aprovado em 8 de Novembro de 2022

Editor Associado: Gabriela Sette

Contribuição dos autores: Venzke JG: concepção, revisão crítica do conteúdo intelectual, interpretação dos resultados, redação do manuscrito.
Aranalde GA e Scarparo ALS: análise, interpretação dos resultados, redação do manuscrito.
Rocha A: concepção, revisão crítica do conteúdo intelectual, redação do manuscrito.

Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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