RESUMO
OBJETIVOS: avaliar as repercussões da maternidade em pacientes privadas da liberdade.
MÉTODOS: revisão integrativa a partir de pesquisa nas bases de dados eletrônicas: Medline (PubMed), LILACS, SciELO e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), sendo usada como estratégia de busca: ("Prisons"[Majr] AND "Pregnancy"[Mesh]), a partir de 2016.
RESULTADOS: a pesquisa finalizou com 33 referências bibliográficas, sendo o maior nível de evidência de estudos de coorte, que demonstram a precarização na assistência de saúde ofertada a essas gestantes. Foram identificados três grupos principais de RESULTADOS: pré-natal de baixa qualidade, indicadores de saúde maternos e neonatais negativos e as questões emocionais envolvidas na realidade carcerária durante o período de gestação e puerpério.
CONCLUSÕES: a assistência pré-natal apresenta falhas que influenciam nos indicadores de saúde maternos e neonatais. Além disso, a estrutura precária do sistema prisional interfere diretamente na saúde emocional dessas mulheres
Palavras-chave:
Saúde da mulher, Prisões, Saúde pública, Gravidez, Estresse psicológico
ABSTRACT
OBJECTIVES: to evaluate the repercussions of motherhood on patients deprived of their liberty.
METHODS: integrative review based on research in electronic databases: Medline (PubMed), LILACS, SciELO and Nursing Database (BDENF), using the following search strategy: ("Prisons" [Majr] AND "Pregnancy" [ Mesh]), as of 2016.
RESULTS: the research ended with 33 bibliographic references, being the highest level of evidence from cohort studies, which demonstrate the precariousness of health care offered to these pregnant women. Three main groups of results were identified: low quality prenatal care, negative maternal and neonatal health indicators in relation to the general population and the emotional issues involved in prison reality during the period of pregnancy and puerperium.
CONCLUSIONS: prenatal care has flaws that influence, in some way, the maternal and neonatal health indicators. In addition, the precarious structure of prison system directly interferes with the emotional health of these women.
Keywords:
Women's health, Prisons, Public health, Pregnancy, Stress psychological
IntroduçãoO Brasil contém a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com 37,2 mil mulheres presas, o que corresponde a 4,9% da população prisional de todo o país, segundo o último levantamento do sistema de informações estatísticas do Sistema Penitenciário Brasileiro (Infopen), divulgado em dezembro de 2019. Delas, 38,3% cumprem pena em regime fechado e 50,94% respondem por tráfico de drogas.
1 Essas mulheres, em sua maioria, apresentam perfil delimitado, sendo jovens (idade entre 18 e 29 anos), 63,6% pretas ou pardas, 58,4% solteiras e 44,4% com ensino fundamental incompleto.
2,3 Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional, em abril de 2020 havia um total de 208 grávidas e 44 puérperas em todas as 27 unidades federativas. Já em relação às presas provisórias, 77 grávidas e 20 puérperas.
4A gestação é um período delicado da vida da mulher marcado por mudanças tanto físicas, quanto psicológicas e sociais.
5 Para aquelas que vivenciam esse momento em situação de privação da liberdade, tornam-se ainda mais intensos alguns sentimentos que acompanham a gravidez.
6Toda mulher deve ser acolhida e receber assistência pré-natal adequada pela equipe de saúde desde a descoberta de sua gravidez, com solicitação de exames laboratoriais necessários, imunizações, orientações e com a realização de, no mínimo, seis consultas de pré-natal e duas consultas puerperais, com a distribuição destas consultas pré-natais ocorrendo, preferencialmente, uma no primeiro trimestre da gestação, duas no segundo e três no terceiro.
7,8 As consultas puerperais devem, idealmente, ocorrer na primeira semana após o parto e entre o 30º a 42º dias pós-parto.
8 Apesar das gestações de mulheres encarceradas serem consideradas de alto risco pela vulnerabilidade da realidade em que vivem,
5 com presídios superlotados, condições estruturais insalubres e alimentação inadequada, a assistência pré-natal para essa população deixa a desejar,
9 o que acaba por favorecer resultados negativos dos principais indicadores de saúde maternos e neonatais.
10Os Ministérios da Saúde e da Justiça definiram diretrizes relacionadas à prevenção e à assistência à saúde da pessoa privada de liberdade, oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) através do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), substituído pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional de 2014.
11 No entanto, por mais que a PNSSP seja considerado um avanço para a saúde, a abordagem no que tange as questões voltadas para a saúde da mulher gestante ainda é precária.
12Percebe-se, então, que ser mulher privada de liberdade é uma condição complexa que amplifica a situação de vulnerabilidade dessa parcela feminina da sociedade, principalmente em se tratando de gestantes e puérperas, uma vez que são mulheres facilmente afetadas pela inadequação das estruturas de estabelecimentos penais e pela dificuldade de acesso a serviços de saúde com assistência de qualidade.
Desse modo, esta revisão integrativa tem como principal objetivo trazer informações sobre as repercussões da maternidade em pacientes privadas de liberdade, analisando o pré-natal, descrevendo os principais indicadores de saúde maternos e neonatais e avaliando as repercussões emocionais do encarceramento na gravidez e no puerpério.
MétodosPara produzir esta revisão foi realizada ampla pesquisa na literatura médica utilizando as bases de dados eletrônicas: Medline (PubMed), LILACS, SciELO e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), sendo usada a seguinte estratégia de busca: ("Prisons"[Majr] AND "Pregnancy"[Mesh]). A pesquisa foi finalizada em abril de 2021 e incluiu artigos publicados a partir de 2016. Foram selecionados artigos que tivessem como foco o processo de gestar dentro da unidade carcerária, no que diz respeito ao pré-natal, parto e puerpério, além de artigos que descrevessem as questões emocionais femininas envolvidas nesta realidade. Foram utilizados como critérios de exclusão artigos não originais (pontos de vista ou debates) e os que não estavam nos idiomas selecionadas (português, inglês, espanhol e francês).
Na leitura do texto completo de cada artigo identificado para inclusão na revisão, como parte do processo de extração de dados, foram aplicadas escalas de avaliação da qualidade de cada estudo selecionado. Como as questões relativas às repercussões da maternidade em mulheres privadas da liberdade não envolvem comparação de tratamentos, o maior nível de evidência foi constituído por estudos de coorte prospectivo, seguido de coorte retrospectivo, série de casos e estudos transversais.
13Os parâmetros para avaliação dos estudos foram o desenho do estudo, o poder amostral e a verificação do efeito preditor de variáveis através de análise multivariada.
ResultadosNo Pubmed foram encontrados 18 artigos e nas outras bases de dados mais 82 artigos, totalizando 100 artigos. Após remoção de 22 duplicações e a leitura de títulos e resumos, restaram 40 artigos com texto completo que foram lidos e analisados, excluindo mais 26 artigos de acordo com os critérios informados. A pesquisa finalizou com 14 artigos originais selecionados a partir da busca em bases de dados.
A síntese dos artigos originais foi descrita na Tabela 1, sendo observadas as repercussões da gestação em mulheres privadas da liberdade, principalmente relacionada ao campo psíquico feminino, além de analisar os indicadores de saúde materno e neonatais afetados pelo quadro de encarceramento.
Entre os artigos incluídos, dois eram coortes retrospectivos, nove eram estudos qualitativos, dois eram estudos transversais e um era série de casos.
Os resultados dos estudos selecionados convergem para a demonstração da precarização na assistência de saúde ofertada às mulheres grávidas em situação de privação da liberdade. Foram identificados três grupos principais de RESULTADOS: pré-natal de baixa qualidade, indicadores de saúde maternos e neonatais negativos em relação à população geral e as questões emocionais envolvidas na realidade carcerária durante o período de gestação e puerpério.
As variáveis observadas nos diversos estudos foram: desfechos maternos e neonatais, tipo de parto, peso ao nascer, parto prematuro, Apgar, síndrome de abstinência neonatal, práticas de cuidado ao filho, separação de mãe e filho, percepções de cuidado à saúde e ambiente.
Os estudos com baixo poder amostral (<80%) ou sem indicação de poder foram considerados de baixo nível de evidência. Assim sendo, o estudo de Ramirez
et al.
15 foi o de maior evidência por ser coorte retrospectivo com bom poder estatístico e com análise de efeito preditor de variáveis. Os estudos de Sufrin
et al.
20,21 também apresentaram bom poder amostral, entretanto o desenho transversal e a ausência de análise multivariada diminuem seu nível de evidência.
A qualidade do pré-natal no sistema carcerárioEm relação à qualidade do pré-natal, Santana
et al.
25 desenvolveram um estudo qualitativo no Conjunto Penal Feminino do Complexo Penitenciário da Mata Escura na cidade de Salvador, com a participação de dez gestantes em situação de privação da liberdade. Observou-se, por meio das entrevistas, que todas as mulheres compartilhavam da opinião de que a qualidade da assistência pré-natal prestada era insatisfatória, com relatos de consultas muito técnicas, centradas unicamente nas questões clínico-obstétricas, resultando em um sentimento geral de desamparo e insegurança. Além disso, todas as participantes afirmam não terem tido qualquer contato com a enfermagem durante suas consultas pré-natais, o que, também, fragilizaria a assistência prestada durante a gravidez. Matos
et al.
22 e Leal
et al.
27 ainda acrescentam que, além do número de consultas serem insuficientes e os exames e condutas realizadas apresentarem fragilidades, há obstáculos que impedem o fácil acesso destas mulheres aos serviços de saúde, seja pela falta de estrutura das unidades carcerárias, seja pela negação do próprio sistema em suprir as necessidades particulares gestacionais.
Indicadores de saúde maternos e neonatais em realidade prisionalNo que diz respeito aos principais indicadores de saúde maternos e neonatais, temos o tipo de parto, peso ao nascer, prematuridade, aborto, admissão em UTI neonatal e índice de Apgar. Ramirez
et al.
15 e Sufrin
et al.
20,21 demonstraram que estes indicadores, quando analisados em mulheres carcerárias, são negativos em comparação à população em geral, podendo o fato estar parcialmente relacionado aos cuidados pré-natais deficitários, alimentação e abrigo inadequado. Além disso, observou-se menor número de cesáreas neste grupo de gestantes privadas de liberdade.
Questões emocionais da maternidade no sistema carcerárioHá grande apelo emocional nos estudos que observam sentimentos de gestantes e puérperas em privação de liberdade, principalmente pela situação mais delicada dessas mulheres que precisam viver a maternidade em uma realidade hostil. Muitos relatos trazem a narrativa do medo e sensação de impotência, da busca pelo isolamento como tentativa de proteção, da negação da gravidez por receio de ter um filho em ambiente prisional e a ausência de status de prisioneira grávida, o qual, teoricamente, asseguraria não só os direitos das mães e das crianças, como também maior segurança durante o processo de gestar, como bem descrito por Abbott
et al.
18 e Fochi
et al.
23 Além disso, a queixa da falta de uma rede de apoio, com o distanciamento da família, também é muito presente durante as entrevistas.
23DiscussãoOs resultados encontrados permitem analisar aspectos importantes da vida materna na realidade carcerária, principalmente no que diz respeito ao pré-natal, aos indicadores de saúde e à saúde emocional.
A oferta da assistência pré-natal de qualidade, com profissionais de saúde bem treinados e capacitados, tem como principal objetivo prevenir complicações durante a gestação e parto, o que está de acordo com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. A gestante carcerária deve ser encaminhada para unidade prisional que disponha de equipe profissional e estrutura que permita o adequado acompanhamento da gestação. O parto, por sua vez, deve ocorrer na unidade hospitalar da penitenciária ou na rede de saúde pública.
28 Silva
et al.
17 ressaltam que as mulheres encarceradas têm dificuldades no acesso ao exame de gravidez, sendo o resultado positivo pré-requisito para que sejam transferidas para celas especiais destinadas a grávidas, puérperas e recém-nascidos. O atraso na realização de testes e diagnóstico acaba por prejudicar a adequada assistência pré-natal.
Nos estudos analisados, a maioria das detentas compartilham da opinião de que a assistência pré-natal na prisão é insatisfatória, com poucos exames realizados, não administração adequada de medicações para o tratamento de especificidades durante o ciclo gravídico e postura pouco humanizada da equipe de saúde. Além disso, muitas participantes das pesquisas relataram não terem tido contato com a enfermagem durante as consultas e nem recebido instruções sobre a gravidez, sendo o atendimento de pré-natal realizado unicamente por médicos.
22,25,27 Ferreira
et al. ,
26 por outro lado, demonstraram que, apesar da participação ativa da enfermagem na prática do pré-natal (com exames laboratoriais, vacinas e consultas em dia), o atendimento em si ainda era insuficiente no que diz respeito a humanidade, devido, principalmente à questão da mecanização das condutas, tanto por parte dos enfermeiros quanto dos médicos, o que gera nas mulheres a sensação de desamparo.
Entre os estudos que examinaram os indicadores de saúde maternos e neonatais de mulheres em situação de prisão, Ramirez
et al.
15 observaram que as chances de prematuridade, baixo peso ao nascer e pequeno para a idade gestacional eram o dobro em carcerárias, independentemente se essas mulheres estivessem na prisão durante a gravidez ou não, quando comparadas à população em geral. Além disso, a porcentagem de admissão e tempo de permanência em UTI neonatal eram maiores em recém-nascidos de prisioneiras.
Por outro lado, dois estudos onde foram avaliados dados penitenciários dos Estados Unidos entre 2016 e 2017 observaram que a taxa de prematuridade nas unidades avaliadas era menor do que a porcentagem da população do país,
20,21 podendo ser parcialmente explicado pelos cuidados pré-natais, alimentação, abrigo e acesso limitado à substâncias ilícitas, condições as quais podem ser diferentes para mulheres não presas,
14,21 porém a hipótese deve ser considerada com cautela, devido à variabilidade da qualidade do pré-natal das prisões.
20 Alguns estados, isoladamente, apresentaram maior taxa de prematuridade em relação à média nacional, o que sugere que o contexto prisional e as condições de vida antes do encarceramento desempenham papel importante e definidor nos indicadores de saúde maternos e neonatais.
19,20 Em contrapartida, Shlafer
et al.
14 demonstraram raros resultados adversos maternos e neonatais, observando também que mulheres que receberam apoio pré-natal especializado, incluindo acompanhamento de doulas durante o parto, obtiveram resultados finais semelhantes ao do grupo controle de gestantes que seguiram pré-natal padrão e que os resultados adversos de nascimento na amostra do estudo foram inferiores às médias nacionais e estaduais de mulheres que não sofreram privação de liberdade.
Em relação ao tipo de parto dentro da realidade carcerária, os estudos foram unânimes em demonstrar que a via vaginal apresentava as maiores taxas de ocorrência.
14,19,20,29 Além disso, Ramirez
et al.
15 demonstraram não haver significativa diferença nas taxas de cesariana nos grupos prisionais em comparação à população geral.
Outro fator importante verificado nos estudos é a questão emocional da gestante em situação de privação de liberdade. Silva
et al. 17 observaram o sentimento de abandono relatado pelas mulheres, principalmente no momento do parto, pois, na grande maioria dos casos, a família não é contactada, impossibilitando que estejam presentes no momento e ofertem o apoio adequado à mulher e ao recém-nascido. O abandono institucional por parte dos profissionais obstétricos também é citado como um fator negativo no emocional destas gestantes. Muitas prisioneiras afirmam que o convívio entre gestantes e puérperas é fundamental para que se sintam apoiadas e mais seguras, demonstrando, com isso, a importância das celas especiais para essas mulheres no sistema carcerário.
16,17 Relatos a respeito de hierarquização entre detentas, onde aquelas com maior poder aquisitivo pagam outras presas para que cuidem de seus filhos na cela, terceirizando o processo de cuidados, evidencia a reprodução de relações de mercado presentes no extramuros.
16O sentimento crescente de medo e insegurança são relatados com certa constância por mulheres presas, principalmente após o parto, quando a preocupação passa a ser não só consigo mesma, mas também com o bem-estar e segurança do filho. Rebeliões, conflitos com agentes de segurança e desconfiança com outras internas estão entre os principais anseios, desencadeando uma resposta de defesa-vigilância constante. É comum relatos a respeito do desejo em receber o status especial de prisioneira gestante para a própria proteção da vida, uma vez que, na maioria dos casos, as celas são compostas por grávidas e outras mulheres não gestantes.
17,23 As superlotações das celas prejudicam o sono, o repouso e a privacidade, causando irritabilidade, desconforto e sensações de tristeza e isolamento.
23 Além disso, o encarceramento resulta na construção do vínculo da mãe com o filho marcado pelo anseio da separação, seja pela ciência da necessidade de separação obrigatória após alguns meses, seja pela ameaça de separação a qualquer momento devido a problemas disciplinares. O papel estabelecido do que é ser uma boa mãe também leva essas mulheres ao sentimento de culpa e incapacidade, por não conseguirem desempenhar na prisão o papel que acreditam ser o adequado para os filhos e, também, por enxergarem que seus erros acabam afetando a criança, que passa os primeiros meses de vida na realidade penitenciária.
19,23,24Gestantes privadas de liberdade, em geral, são transferidas de unidades prisionais, próximas de suas residências para capitais, acarretando aumento de gastos e desgaste aos familiares para que consigam visitá-las, dificultando a existência de uma rede de apoio adequada. Com isso, as mulheres acabam tornando-se dependentes da administração penitenciária, onde os próprios profissionais das unidades desempenham esse papel, contudo, de forma frágil e inadequada, o que desencadeia sentimentos de incerteza e insegurança, além de esgotamento físico e emocional. Portanto, apesar de a rede de apoio ser fundamental para a puérpera e o recém-nascido, a realidade carcerária resulta na limitação das interações.
16,24Na jurisdição brasileira existe o preceito legal que, nas unidades prisionais, deve haver inclusão de berçário e possibilidade de creche/seção para gestante e parturiente, preconizado pela Lei nº 11.942/09.
30,31 Portanto, mulheres em situação de privação da liberdade e que dão a luz dentro do sistema prisional devem ser encaminhadas para a Unidade Materno-Infantil, permanecendo neste pavilhão até um período mínimo de seis meses de vida do bebê, assegurando o aleitamento exclusivo até a faixa ideal estipulada. Após esse período, a mulher é separada de seu filho e retorna ao pavilhão de origem.
30,32 Não há intervalo de tempo consensual entre as penitenciárias femininas no que diz respeito à permanência da mãe encarcerada com seu filho, mas o tempo máximo é de 1 ano e 6 meses, conforme a resolução n. 4, de 15 de julho de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).
33 A amamentação, direito assegurado pela legislação brasileira, não é sempre garantida no sistema prisional, uma vez que são raras as unidades que ofertam berçário apropriado. Nas prisões exclusivamente femininas, 34% dispõem de celas ou dormitórios para gestantes, 32% têm berçários e 5%, creches. Já nas prisões mistas as taxas caem para 6%, 3% e 0%, respectivamente.
2Entende-se que a presença de berçário e creche no sistema penitenciário são recursos estruturais necessários para garantir os direitos básicos necessários não só à criança, como também à mãe, porém têm sido utilizados como motivo para negar prisões domiciliares, com a justificativa de que o ambiente prisional traria melhor qualidade de vida para essas mulheres que, em grande parte, vivem em condições precárias fora do cárcere.
34 Por outro lado, a atenção ao filho acaba ocorrendo de forma integral, gerando um tipo de hipermaternidade vivida por essas mulheres encarceradas, que resulta no isolamento e sensação de solidão, além da exaustão física e psicológica.
35A principal limitação do estudo foi a opção de utilização de estudos metodologicamente heterogêneos, o que poderia comprometer a validade dos resultados. Entretanto, como os dados não apresentaram desfechos opostos, esse comprometimento não foi significativo. Além disso, a exclusão de artigos poderia levar a viés de publicação. Portanto, mais estudos prospectivos deverão ser realizados para validar os achados.
A complexidade do manejo da gestação, parto e puerpério dentro do sistema carcerário e as falhas na assistência pré-natal influenciam, de certa forma, os indicadores de saúde maternos e neonatais. Além disso, as estruturas prisionais, pensadas majoritariamente para o público masculino, com superlotações e ambientes muitas vezes insalubres, não abrangem as necessidades de gestantes e puérperas. Todos esses fatores influenciam diretamente na saúde emocional das mulheres que vivenciam essa realidade, onde há predomínio do medo, insegurança e tristeza. Torna-se necessário pensar nos direitos femininos nesta realidade de forma mais humanizada, a fim de garantir assistência materna adequada com plenos direitos de acesso à saúde pública de qualidade.
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Recebido em 2 de Julho de 2021
Versão final apresentada em 4 de Agosto de 2022
Aprovado em 15 de Agosto de 2022
Editor Associado: Leila Katz
Contribuição dos autores: Moraes LF: conceitualização, investigação, metodologia, elaboração do rascunho e edição do artigo. Soares LC: metodologia, supervisão, elaboração do rascunho e edição do artigo. Raupp RM: supervisão, elaboração e edição do artigo. Monteiro DLM: conceitualização, análise formal, metodologia, supervisão, elaboração do rascunho e edição do artigo.
Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.