RESUMO
OBJETIVOS: avaliar a influência da percepção do cuidado e da proteção materna sobre as práticas de aleitamento materno em lactentes no terceiro mês de vida.
MÉTODOS: estudo longitudinal, com pares mães-lactentes distribuídos em cinco grupos de diferentes condições clínicas gestacionais. O recrutamento ocorreu no período de 2011 a 2016 em três hospitais da rede pública de saúde de Porto Alegre, Brasil. Foram utilizados o Parental Bonding Instrument e o Edinburgh Postpartun Depression Scale. O aleitamento materno exclusivo e continuado foi analisado por questionários. Na análise de dados foram utilizados os testes de ANOVA com post-hoc de Tukey, Kruskal-Wallis com post-hoc de Dunn e Qui-quadrado.
RESULTADOS: foram investigados 209 pares mães-lactentes. Entre aqueles que não praticaram o aleitamento materno foi observadouma menor percepção de cuidado materno, uma maior percepção de proteção materna e ummaior escore de depressão pós-parto (p=0,022, p=0,038 e p<0,001, respectivamente) quandocomparados aos pares mães-lactentes que praticaram. O grupo controle teve significativamente maior percepção do cuidado materno quando comparado ao grupo com diabetes mellitus (p=0,006) enquanto a percepção de proteção materna e a depressão pós-parto não apresentaram diferenças entre os cinco grupos intrauterinos (p>0,05).
CONCLUSÕES: a percepção de cuidado e proteção materna e asintomatologia depressiva pós-parto influenciaram o aleitamento materno aos três meses. É possível assumir um efeito transgeracional no aleitamento materno, sugerindo a existência de um modelo complexo relacionado à saúde mental numa amostra de mulheres que tinham diferentes antecedentes de condições clínicas gestacionais.
Palavras-chave:
Comportamento materno, Aleitamento materno, Estudo longitudinal, Depressão
ABSTRACT
OBJECTIVES: to evaluate the influence of perception of care and maternal protection on breastfeeding practices on the infants' third month of life.
METHODS: longitudinal study with mother-infant pairs distributed in five groupsof gestational clinical conditions. The recruitment occurred in the period 2011 to 2016 at three hospitals in the public health systems in Porto Alegre, Brazil. The Parental Bonding Instrument and the Edinburgh Postpartum Depression Scale were assessed. Exclusive and prolonged breastfeeding were analyzed by questionnaires. Data were analyzed by one-way ANOVA with Tukey's post-hoc test, Kruskal-Wallis with Dunn's post-hoc test, or Pearson's chi-squared test. The significance was set at 5%.
RESULTS: 209 mother-infant pairs were investigated. Among those who did not practice breastfeeding, a lower perception of care, a higher perception of maternal protection, and a higher score of postpartum depression were observed (p=0.022, p=0.038, and p<0.001, respectively), when compared to peers who practiced. The control group had a significantly higher perception of care when compared to thediabetes mellitus group (p=0.006), and the perception of maternal protection and postpartum depression had no differences between the intrauterine groups (p>0.05).
CONCLUSIONS: the perception of care and maternalprotection and the postpartum depressive symptomatology influenced breastfeeding at three months. It is possible to assume a transgenerational effect on breastfeeding, suggesting the existence of a complex model related to mental health in a sample of women who had different backgrounds of gestational clinical conditions
Keywords:
en_v23e20200278.pdf
IntroduçãoA Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou práticas de aleitamento materno exclusivo (AME) para seis meses de idade com aleitamento materno de forma continuada (AM) até dois anos ou mais.
1 Enquanto isso, no Brasil, mesmo considerando esta forte recomendação, sabe-se que o AME em crianças de zero a seis meses era cerca de 41% em todas as capitais, enquanto a prevalência do AM em crianças de nove a 12 meses de idade era de 58,7%.
2 O aleitamento materno é a primeira prática de alimentação a ser encorajada para promover efeitos positivos a curto e a longo prazo na saúde, nutrição e desenvolvimento da criança, na saúde da mulher e na sociedade.
1As evidencias mostraram que a iniciação e a manutenção das práticas do AM estão associadas a múltiplos fatores, enfatizando os elementos contextuais e aqueles relacionados às características sociodemográficas maternas, ao tabagismo materno, às condições maternas durante a gravidez e a separação da díade, entre vários outros aspectos que interagem entre si.
3A saúde mental materna tem uma relação positiva com alguns tipos de comportamento de cuidado,
4 que podem ter consequências sobre a interação da mãe-lactente, o temperamento infantil, o sono, o desenvolvimento mental, a saúde e a internalização de comportamento, por exemplo.
5 Especificamente, situações que prejudiquem o bem-estar mental materno, como a depressão pós-parto, foi um fator de risco para a interrupção precoce e parcial do AME, para a redução da duração do AM e para a introdução precoce da fórmula infantil, implicando um maior risco à saúde da criança.
6 Há evidências detransmissão intergeracional do comportamento parental, com relato de parentalidade das avós associada com a parentalidade observada em mães,
7 interagindo com o crescimento fetal e afetando as habilidades de cuidado dos netos aos 18 meses de idade.
8Além disso, outros estudos concluíram que o estilo de cuidado parental exercido durante a infância interfere negativamente na vida de seus filhos, refletindo sintomas pré e pós-natais de depressão e ansiedade.
9 Mais recentemente, devido à pandemia de covid-19, indivíduos com alto e baixo controle de cuidados sofreram mais com o confinamento e, com isso, houve aumento dos níveis de ansiedade e depressão.
10Apesar das extensiva pesquisa sobre os fatores acima mencionados, a relação entre a percepção de cuidado e proteção materna, bem como depressão materna pós-parto com AM, foi pouco investigada. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo investigar a influência da percepção dos cuidados e proteção materna e depressão pós-parto nas práticas de AM no terceiro mês em uma amostra de mulheres pós-parto com diferentes antecedentes de condições clínicas gestacionais.
MétodosEste estudo observacional longitudinal é parte de um projeto de pesquisa intitulado "Impacto das Variações Ambientais Perinatal nos Primeiros Seis Meses de Vida" - a Coorte de Nascimentos IVAPSA, que visava avaliar a influência de ambientes intrauterinos adversos, resultantes de diferentes condições clínicas gestacionais sobre o crescimento, comportamento e neurodesenvolvimento na infância. O protocolo do estudo foi publicado, assim como alguns resultados preliminares.
11O recrutamento dos participantes ocorreu no período de 2011 a 2016 em três hospitais públicos, referências para atendimento pré-natal e perinatal de gestações de alto risco pelo sistema público de saúde em Porto Alegre, capital do estado no extremo sul do Brasil. As características socioeconômicas das gestantes atendidas nesses hospitais são muito semelhantes.
A amostra foi dividida em grupos de ambientes intrauterinos adversos, de acordo comas condições clínicas durante a gravidez, considerando os seguintes critérios:
1) grupo de fumantes: mães que relataram ter fumado durante a gravidez, independentemente da duração da exposição ou do número de cigarros fumados. O consumo de cigarro após a gravidez não foi investigado.
2) grupo de diabetes mellitus (DM): mães que relataram um diagnóstico de DM (gestacional, tipo 1 e 2). A informação foi confirmada nos registros hospitalares.
3) grupo de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG): recém-nascidos a termo que estavam abaixo do quinto percentil da curva de referência, devido à restrição do crescimento intrauterino (RCI).
4) grupo de controle: mães sem características mencionadas anteriormente e cujos recém-nascidos não eram PIG.
Para este estudo, os participantes de cada grupo tinham exclusivamente aquelas condições clínicas gestacionais previamente definidas. Todas as mães eram residentes em Porto Alegre. A amostra não incluiu mães HIV-positivas, com gestação múltipla, parto prematuro (idade gestacional <37 semanas) ou que tiveram recém-nascidos com malformações congênitas ou que necessitavam de hospitalização precoce.
O recrutamento inicial e a entrevista foram realizados dentro de 24 a 48 horas após o parto no alojamento conjunto dos hospitais. Depois disso, ocorreram quatro avaliações: no 7º e 15º dia e no 1º e 3º mês após o nascimento. Três dessas entrevistas e avaliações foram realizadas em visitas domiciliares (7º e 15º, 3º mês), enquanto a de um mês foi no Centro de Pesquisa Clínica (CPC) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Em todas as entrevistas, as mães foram lembradas sobre a próxima e orientadas a retornar ao CPC ou receber as entrevistadoras em seu domicílio. Antes da coleta de dados, supervisores clínicos e entrevistadores (estudantes de graduação e pós-graduação em biomedicina, medicina, enfermagem, nutrição e fisioterapia) foram treinados e certificados pelos coordenadores do estudo para garantir a padronização nas entrevistas e avaliações.
Para este estudo, as variáveis maternas avaliadas foram idade (anos), etnia (branca ou não), escolaridade (anos), estado civil (casada e vive com companheiro ou sem companheiro ou separada), gravidez desejada (sim ou não) e índice de massa corporal pré-gestacional (IMC, Kg/m²). As variáveis de assistência pré-natal e perinatal utilizadas foram consultas de pré-natal (número) e tipo de parto (cesariana ou vaginal). As variáveis do recém-nascido incluíram peso (g), comprimento (cm) e perímetro cefálico (cm) ao nascer e sexo (masculino ou feminino).
O aleitamento materno exclusivo e continuado foram analisados desde o nascimento até três meses por questionários estruturados aplicados no pós-parto imediato e durante as entrevistas subsequentes que ocorreram em: sete dias, 15 dias, um mês e três meses. O período de alimentação da criança foi registrado usando um recordatório alimentar de 24 horas.
A classificação do AME excluía todos os outros sólidos ou líquidos além do leite humano, exceto suplementos de vitaminas e minerais, sais de reidratação oral ou medicamentos em solução oral ou xarope. Assim, as crianças que receberam apenas leite materno foram consideradas AME. O grupo de aleitamento materno continuado incluiu crianças que receberam, além do leite materno, água, bebidas à base de água, chás, infusões, água com açúcar, suco de frutas e/ou qualquer outro alimento sólido-líquido.
12A avaliação da percepção do cuidado e da proteção materna foi realizada durante a entrevista domiciliar de três meses, utilizando o
Parental Bonding Instrument (PBI),
13 com adaptação transcultural para a língua portuguesa.
14 Os coeficientes de consistência interna para avaliação do vínculo materno foram 0,91 (cuidado) e 0,87 (proteção)
15. Esse questionário de 25 itens autorrelatados examina retrospectivamente o estilo de criação materna durante os seus primeiros 16 anos de vida, do ponto de vista do sujeito, em uma escala
Likert de 4 pontos de 0 a 3. Os 12 itens da escala cuidados permitem uma pontuação máxima de 36, indicando afeto, compreensão, proximidade e apoio emocional dos pais, e uma pontuação mínima de 0, indicando frieza, indiferença e rejeição emocional dos pais. O ponto de corte para a escala de cuidados utilizada foi 27. Na escala de proteção, uma pontuação máxima de 39 é indicativa de intromissão dos pais, controle e prevenção de comportamento independente, enquanto uma pontuação mínima de 0 sugere incentivo de autonomia e independência. O ponto de corte para a escala de proteção utilizada foi 13,5.
A presença de sintomas depressivos no período pós-natal foi investigada pela Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo (EPDS),
16 um questionário de autorrelato de 10 itens, aplicado também durante a entrevista domiciliar de três meses. As mães foram convidadas a descrever seu humor durante os sete dias anteriores em uma escala de 0 a 3, compontuação mais alta indicando sintomas depressivos pós-parto. Para a população brasileira, uma versão em língua portuguesa validada considerou o ponto de corte no valor igual ou superior a 10 como positivo para sintomatologia depressiva, com 82,6% de sensibilidade e 65,4% de especificidade.
17A amostra inicial foi baseada no tamanho do efeito de 0,5 desvios padrão (DP) de diferença entre o escore z médio do peso, nível de significância de 5% e poder do teste de 80%. Foi calculado 72 pares mãe-lactente por grupo e 144 pares no grupo controle, somando um total de 432 pares. Estimando uma perda de seguimento de 20%, o tamanho da amostra final consistiu em 521 pares mãe-lactente
11. Para este estudo, foi estimado um número de amostra de 200 pares mãe-lactente, considerando um tamanho de efeito de 0,25 e um poder de teste de 80%. Este cálculo foi realizado no programa G Power
® versão 3.1.9.
As variáveis contínuas foram representadas por média ± (DP) ou mediana e intervalo interquartílico (IR) (mediana p25, p75), conforme o caso. As variáveis categóricas foram apresentadas comoa frequência absoluta (n) e relativa (%). Os dados paramétricos contínuos foram analisados pela análise de variância unidirecional (ANOVA) com o teste
post-hoc de Tukey, enquanto os dados contínuos não paramétricos foram analisados pelo teste de Kruskal-Wallis com teste
post-hoc de Dunn. O teste qui-quadrado de Pearson foi usado para variáveis categóricas. As análises finais foram ajustadas para sexo do lactente, peso ao nascer e sintomas depressivos pós-parto, variáveis relacionadas aos desfechos de comportamento. O nível de significância foi definido em 5% (
p<0,05) para todos os testes. As análises estatísticas foram conduzidas a nível individual no IBM SPSS (PASW)
® versão 18.0.
ResultadosUm total de 209 pares de mãe-lactente foram incluídos neste estudo. A mediana da idade materna foi de 25,00 [20,00-31,00] anos e 54,5% (n=114) dos recém-nascidos eram do sexo feminino. Três meses após o parto, 139 mães (66,5%) não faziam AME, 41 (19,6%) faziam e 29 (13,9%) não ofereciam mais leite materno. Considerando os ambientes intrauterinos, o grupo de controle apresentou a menor frequência de lactentes desmamados (11,5%; n=26), enquanto o grupo PIG teve a maior (19,0%; n=7). Não houve diferençasentre os grupos com ambientes intrauterinos adversos (
p>0,05) (dados não apresentados).
A Tabela 1 mostra as características sociodemográficas e perinatais maternas dos diferentesambientes intrauterinos adversos de acordo com as condições clínicas gestacionais. As mãesdo grupo PIG tinham significativamente a menor mediana de idade quando comparadas ao grupo de DM (
p=0,035); e o menor IMC pré-gestacional, quando comparado ao grupo de fumantes e grupo de DM (
p<0,001). Enquanto o grupo de fumantes teve significativamente o menor número de consultas de pré-natal quando comparado ao grupo de DM (
p<0,001), ele teve mais mulheres sem companheiro ou separadas, quando comparados a todos os grupos (
p<0,001) e teve também mais mulheres sem gravidez desejada, quando comparada ao grupo de DM e de controle (
p=0,019). Como esperado, os recém-nascidos do grupo PIG tinham peso de nascimento significativamente menores, comprimentos menores e perímetros cefálicos menores do que outros grupos (
p<0,001). Em todos os grupos, a média de percepção de cuidados maternos (±DP) foi de 25,58±7,75, e foi observado que o grupo de controle teve uma pontuação de escore significativamente maior quando comparado ao grupo de DM (
p=0,006). O escore médio percebido de proteção materna foi 17,50±7,66 e o escore médio de EPDS materno foi 4 [2-8], ambas variáveis sem diferenças entre os diferentes grupos de ambiente intrauterino (
p=0,201 e
p=0,230, respectivamente). Em todas as amostras, 14,3% (n=30) das mães tiveram escore EPDS igual ou superior a 10.
A Tabela 2 mostra uma análise não ajustada das práticas de AM e das variáveis maternas e do lactente. Na amostra geral, observou-se que os níveis de percepção de cuidado materno, a proteção percebida pela mãe e os escores EPDS foram estatisticamente diferentes entre os grupos que praticavam o AM. As duplas mãe-lactente apresentadas no grupo não amamentado tiveram tiveram a menor percepção de cuidados e de escores de EPDS, quando comparados ao grupo amamentado (exclusivo ou continuado) (
p=0,022 e
p<0,001, respectivamente). Ao contrário, no grupo não amamentado houve mães que tiveram a maior proteção materna, também quando comparadas ao grupo amamentado (
p=0,038). Considerando os grupos com ambiente intrauterino adverso, no grupo de fumantes observou mais lactentes do sexo feminino do que masculino em AM continuado, quando comparado ao grupo AME (
p=0,021). No grupo SGA, o grupo não amamentado apresentou escores de proteção materna significativamente mais altos quando comparados ao grupo AME (
p=0,028). No grupo controle foi observado significativamente a menor percepção de cuidados e a maior pontuação EPDS no grupo não amamentado quando comparado ao grupo BF (
p<0,001) (
p<0,001).
Na análise ajustada por sexo do lactente e peso ao nascer, a Tabela 3 mostra a mesma tendência confirmada nos resultados da Tabela 2. Em todos os grupos, foi observado um papel significativo de percepção de cuidados e proteção maternas nas práticas de AM em geral (
p=0,018 e
p=0,042, respectivamente). Entretanto, esses efeitos não foram significativos após o ajuste para a pontuação do escore EPDS, seguindo a mesma tendência dos resultados (
p=0,052 e
p=0,070, respectivamente). Não houve diferenças entre os ambientes intrauterinos adversos (
p>0,05).
DiscussãoA percepção de cuidado e proteção materna mostrou uma influência sobre as práticas do AM três meses após o parto, bem como sintomas depressivos maternos. A partir dessas percepções maternas, é possível supor um impacto transgeracional sobre a saúde e o padrão de doença por meio do comportamento materno e da saúde da criança. Os resultados também mostraram que esta associação pode ser encontrada em todos os grupos, independente de diferentes exposições adversas intrauterinas.
Neste estudo foi identificada uma menor prática de AME e de forma continuada. As evidências mostram que a iniciação, exclusividade, duração e cessação do AM dependem de uma ampla gama de fatores maternos, infantis, sociais e ambientais.
3,22 Pesquisas sobre a mesma amostra indicamuma iniciação tardia do AM, uma interação aditiva entre o excesso de peso/obesidade pré-gestacional materna e o diabetes melittus gestacional.
4Neste estudo, encontrou-se que as mães do grupo PIG tinham valores de IMC pré-gestacional e de idade mais baixos, presumivelmente para mecanismos de restrição de seus descendentes, tais como deficiências em nutrientes, falta de expansão do volume plasmático, infecção ou outros problemas não identificados.
18 Além disso, como esperado, os recém-nascidos PIG tinham pesos de nascimento significativamente menores peso de nascimento, de comprimentos e de perímetros cefálicos comparativamente aos outros grupos. Além dessas características de nascimento, publicações anteriores desse mesmo grupo de pesquisa encontraram diferentes padrões de concentrações hormonais no leite materno de mães de recém-nascidos PIG, quepodem estar envolvidos no rápido ganho de peso desses recém-nascidos no primeiro mês de vida.
19 E também descobriram que os recém-nascidos PIG tiveram um impacto maior na trajetória de crescimento nos primeiros seis meses de vida.
20 Da mesma forma, verificou-se que as mães do grupo de fumantes tiveram um menor número de consultas pré-natais, mais mulheres solteiras ou separadas e com gravidez indesejada, demonstrando um ambiente de vulnerabilidade social.Com relação ao PBI, observou-se que o grupo controle apresentou escores mais altos na percepção dos cuidados maternos quando comparado com grupo de DM. Um estudo transversal realizado com 71 pares mãe-lactente revelou que os sintomas depressivos maternos (medidos por EPDS) e a percepção da qualidade do cuidado paterno (medida pelo PBI) explicaram esse tipo de sintoma em lactentes. Assim, uma boa percepção materna pode permitir a formação de um vínculo de qualida de entre mãe e lactente
21, o que pode ter um impacto positivo no manejo das doenças maternas.
Como já revisado na literatura, este foi o primeiro estudo para avaliar a relação entre a percepção dos cuidados e a proteção materna nas práticas de AME aos três meses pós-parto, permitindo-nos supor uma possível influência desses fatores na alimentação infantil.As mães que estavam no grupo que não amamentou até o terceiro mês após o parto tiveram a menor percepção de cuidados, a maior pontuação de EPDS e a maior proteção materna quando comparadas ao grupo que amamentou. Dados coletados de uma coorte de 1.226 mulheres que iniciaram o AME mostraram que pontuações mais baixas no risco de depressão pós-parto (medidas pelo EPDS) estavam significativamente associadasàs práticas de AME, com duração de 4 meses ou mais, com maior depressão e sintomas depressivos reduzindo tanto o AME quanto o não exclusivo.
22 Com o aumento dos níveis de ansiedade e depressão nos tempos atuais, agravados pela pandemia de covid-19,
10 é importante observar o reflexo que ela pode ter nos níveis de amamentação. Há uma grande quantidade de evidências mostrando a influência significativa das experiências parentais individuais no comportamento
8. Além disso, há evidências de que algumas características de cuidados maternos podem ser transmitidas persistentemente através das gerações
23 e influenciar os resultados na prole.
24 Da mesma forma, é bem conhecido que fatores psicológicos podem influenciar a decisão materna de amamentar e continuar o AM,
25 enquanto as atitudes em relação ao AM e depressão pós-parto podem ser associadas às práticas de AME.
22 Os resultados do presente estudo acrescentaram uma nova perspectiva a esta questão, mostrando que a percepção sobre o comportamento materno (cuidado e proteção) pode ser influenciada pela geração anterior, de tal forma a modificar as práticas de AM.
As evidências mostraram que a depressão materna pode interagir com a percepção dos cuidados maternos de uma forma complexa para influenciar as práticas de AME em um modelo transgeracional, considerando que o vínculo materno inadequado está positivamente correlacionado com sintomas depressivos.
25 Portanto, o estilo de cuidado parental percebido durante a infância pode ter um impacto na prole na próxima geração, refletindo sobre os resultados comportamentais das crianças
8 e as doenças crônicas na vida adulta.
26Entre as mães do grupo de PIG, aquelas que não amamentaram apresentaram resultados mais baixos de cuidados e mais altos de EPDS no terceiro mês pós-parto. Maus cuidados e superproteção durante a infância e adolescência estão associados a desfechos desfavoráveis na vida adulta.
26 No Canadá, um estudo transversal aninhado dentro de uma coorte de seguimento pré-natal descobriu que as crianças nascidas PIG, cujas mães relataram ter recebido poucos cuidados maternos durante sua infância apresentaram pontuações mais baixas nos cuidados e na construção da atenção aos 18 meses de idade, sugerindo uma complexa transmissão transgeracional.
8 Um estudo de coorte sugere que os cuidados parentais promoveram a saúde mental em adultos nascidos com peso normal e não tiveram o mesmoefeito protetor em sobreviventes com peso extremamente baixo ao nascer.
27Em relação à qualidade do cuidado emocional dos pais, um estudo sugere que um maior cuidado materno (medido pelo PBI), representa uma menor taxa de sintomas depressivos maternos, reduzindo a prevalência de tabagismo materno e diminuindo o risco de algumas doenças na vida adulta.
28 Outros estudos também relataram que um maior cuidado materno resulta em menos dificuldade para identificar e descrever sentimentos
29 (medido pelo PBI), enquanto uma maior percepção de proteção resulta em maior dependência e atitudes disfuncionais e uma maior prevalência de dor crônica
30 (medida por testes de psicopatologia geral).
Os pontos fortes deste estudo incluem ser o primeiro a avaliar os potenciais relações entre a percepção do cuidado e a percepção materna e as práticas de proteção das de AM, caracterizando estas relações como comportamento transgeracional. Além disso, todos os instrumentos utilizados no estudo foram validados para a língua portuguesa corrente no Brasil e têm um histórico de uso em diversos países e culturas sem mudanças significativas nos resultados medidos pelo construto, bem como boas propriedades psicométricas e estabilidade ao longo dos anos. Em termos de medição de resultados pelo questionário PBI, houve uma ampla gama de resultados para a percepção da proteção e dos escores de cuidado, dependendo principalmente da idade, sexo e antecedentes sociais dos participantes. Nesse sentido, todos os participantes deste estudo apresentaram características socioeconômicas muito semelhantes, evitando possíveisvieses.
Este estudo é limitado pelo tamanho de sua amostra porque algumas mães foram perdidas no acompanhamento aos três meses pós-parto e não puderam ser incluídas na análise final. O tamanho da amostra pode ter influenciado a análise de ambientes intrauterinos adversos ao comparar os escores de percepção dos cuidados maternos e os, de proteção. Assim, ao preencher o PBI, tivemos o relato das mães sobre a percepção dos cuidados de suas mães, embora não tenhamos conseguido obter informações relatadas pelas próprios avós.
Esta pesquisa mostrou um possível impacto transgeracional da percepção do cuidado e proteção materna nas práticas de AM no terceiro mês de vida do lactente, atuando num modelo complexo dos transtornos mentais juntamente com sintomas depressivos maternos pós-parto. Estes resultados podem levar a novos conhecimentos sobre a prevenção do desmame e ser usado para propor novas intervenções em termos de aconselhamento e recomendações comportamentais durante a assistência pré-natal.
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Recebido em 10 de Julho de 2020
Versão final apresentada em 25 de Outubro de 2022
Aprovado em 16 de Fevereiro de 2023
Editor Associado: Aurélio Costa
Contribuição dos autores: Matos S, Bernardi JR e Werlang IC: responsáveis pela coleta de dados e pela redação do artigo. Guimarães LSP: responsável pelas análises estatísticas. Homrich da Silva C: responsável pela revisão final do artigo. Goldani MZ: responsável pelo desenho do estudo e coordenou a coorte IVAPSA.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declararam não haver conflito de interesse.