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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Prevalência do aleitamento materno entre povos Indígenas da Tríplice Fronteira: Brasil, Argentina e Paraguai

Bianca da Silva Alcantara Pereira1; Adriana Zilly2 ; Juliana Cristina dos Santos Monteiro3; Nayara Gonçalves Barbosa4 ; Flávia Azevedo Gomes-Sponholz5

DOI: 10.1590/1806-9304202300000237 e20200237

RESUMO

OBJETIVOS: verificar a prevalência do aleitamento materno e estado nutricional de crianças de origem indígena até dois anos de idade na região de tríplice fronteira: Brasil, Argentina e Paraguai.
MÉTODOS: foram analisados dados do Sistema de Vigilância Nutricional e Alimentar Indígena, sendo um estudo transversal e descritivo. A pesquisa foi realizada em 2018, com dados referentes à 2017. Foram incluídos registros de crianças indígenas de zero a dois anos de idade, de ambos os sexos. Os dados foram extraídos do mapa de acompanhamento de crianças indígenas. Foi avaliada a prevalência do aleitamento materno e alimentação complementar.
RESULTADOS: a prevalência de aleitamento materno exclusivo em menores de seis meses foi de 93,4% e do aleitamento materno complementado foi de 6,5%. A prevalência do aleitamento materno complementado após seis meses foi de 71,6% e do aleitamento materno exclusivo após seis meses foi de 28,3%. Com relação à classificação de peso para a idade, 80,5% dos registros mostraram crianças com peso adequado para a idade. Em relação aos benefícios sociais, 30,3% das famílias acumulavam dois tipos de benefícios sociais.
CONCLUSÕES: a prevalência de aleitamento materno exclusivo foi alta e superam prevalência nacional no primeiro semestre de vida, não houve desmame precoce.

Palavras-chave: Aleitamento materno, Serviços de saúde do indígena, Desmame, Saúde pública

ABSTRACT

OBJECTIVES: to verify the prevalence of breastfeeding and the children's nutritional status of indigenous origin up to two years of age in the triple frontier region: Brazil, Argentina and Paraguay.
METHODS: data from the Sistema de Vigilância Nutricional e Alimentar Indígena (Indigenous Food and Nutrition Surveillance System) were analyzed, being a cross-sectional and descriptive study. The survey was carried out in 2018, with data referring to 2017. Registrations of indigenous children of both sexes,aged zero to two years old were included. Data were extracted from the indigenous children's follow-up map. The prevalence of breastfeeding and complementary feeding was evaluated.
RESULTS: the prevalence of exclusive breastfeeding in children under six months of age was 93.4% and complementary breastfeeding was 6.5%. The prevalence of complementary breastfeeding after six months was 71.6% and exclusive breastfeeding after six months was 28.3%. Regarding social benefits, 30.3% of the families accumulated two types of social benefits.
CONCLUSIONS: the prevalence of exclusive breastfeeding was high and surpassed the national prevalence in the first semester of life, there was no early weaning.

Keywords: Breastfeeding, Indigenous health services, Weaning, Public health

Introdução

O leite materno é o alimento adequado para o crescimento e o desenvolvimento saudável de lactentes. A recomendação é que a mãe amamente por dois anos ou mais, sendo de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida.1 Não são verificados benefícios em introduzir alimentos antes dos seis meses; ao contrário, há prejuízos importantes à saúde da criança, como maior número de diarreias, desidratação, deixando-a suscetível a doenças respiratórias.1

A promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno (AM) é uma preocupação mundial e estratégias vêm sendo criadas para o sucesso dessa prática, contudo, ainda há variações significativas na prevalência do AM ao redor do mundo.2 A recomendação para a prática da amamentação é mundial, independentemente da origem étnica ou social, sendo ímpar na saúde das crianças em países em desenvolvimento.2

Assim como as demais crianças do mundo, as crianças indígenas são acometidas por agravos resultantes do desmame precoce.3 Especificamente no Brasil, devido aos determinantes sociais da saúde desfavoráveis, a população indígena tem ficado exposta a riscos para sua saúde.

O acelerado processo de mudanças socioculturais e econômicas e o contato com a sociedade urbana repercutem diretamente nos hábitos alimentares e na condição nutricional da etnia indígena.4 Decorrente do abandono das atividades de subsistência, da redução da variabilidade alimentar e da dependência de produtos industrializados, essa população encontra-se em alta vulnerabilidade para desnutrição proteico-energética, bem como outras carências nutricionais, especialmente em crianças, com o agravante da prevalência das doenças infectoparasitárias.5

O AM, enquanto uma prática social, tem sofrido modificações através dos tempos. Devido à sua complexidade e importância para a saúde materno-infantil, constantemente exige novas abordagens sobre o tema afim de compreender os impactos de diferentes contextos sociais e educacionais na prática.4

Chamam a atenção para a falta de estudos e dados oficiais a respeito de populações indígenas brasileiras, conferindo-lhes "[...] uma danosa invisibilidade demográfica e epidemiológica".6 Em 2018, o Ministério da Saúde definiu a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa, presente em duas edições da agenda consecutivamente. A saúde dos povos indígenas é o primeiro tópico abordado na subagenda de pesquisa em saúde. Dentro deste tema o primeiro assunto abordado são inquéritos nutricionais e alimentares: identificação de hábitos alimentares, desnutrição, obesidade, anemia e hipovitaminose A. Além do tema a respeito do AM ser pouco conhecido, o assunto é prioridade definida pelo Ministério da Saúde, citada nas duas edições do documento.7

Na pesquisa "I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas", foi dado destaque às deficientes condições de saneamento verificadas nas aldeias, à elevada prevalência de desnutrição crônica, anemia, diarreia e infecções respiratórias agudas na criança, e à emergência de doenças crônicas não transmissíveis na mulher.8 Quando comparadas a outras crianças, as crianças indígenas estão em maior número abaixo da linha da pobreza e que somente o pertencimento ao povo indígena já as coloca em situação de maior vulnerabilidade.9-10

Considerando as diversas realidades sanitárias refletidas em indicadores de saúde elaborou-se esta pesquisa, que pode contribuir para a geração de evidências e consequentemente de políticas públicas e estratégias para a redução da desnutrição infantil em indígenas.11

Nessa direção, torna-se essencial conhecer as práticas de AM e de alimentação complementar na população de crianças indígenas. O presente estudo teve como objetivo verificar a prevalência do AM e estado nutricional de crianças de origem indígena até dois anos de idade na região de tríplice fronteira: Brasil, Argentina e Paraguai.

Métodos

Estudo transversal, descritivo com abordagem quantitativa, realizado com dados secundários do banco de dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena (SISVAN-I) do Distrito Sanitário de Saúde Especial Indígena litoral sul. O estudo foi realizado no ano de 2018, com dados do ano de 2017.

O cenário do estudo contempla seis municípios no estado do Paraná, Brasil que fazem fronteira com Paraguai e Argentina, a saber: São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia, Guaíra, Terra Roxa, Santa Helena e Diamante do Oeste. Há um total de 17 aldeias localizadas nesses municípios: Ocoy, TekoháAñetete, Vy'a Renda, Aty-Miri, TekohaItamara, Marangatu, Jehy, Y'hovy, Araguajy, Porã, Miri, Yvyraty Porã, Guarani, Taturi, Poha Renda, Karumbei e Nhamboete. Essa região é uma interseção no espaço geográfico conhecida por tríplice fronteira, com grande fluxo de pessoas e bens. Aproximadamente 120 mil habitantes transitam na região, o que faz alguns municípios terem populações flutuantes. A região tem por característica a migração populacional, de acordo com vantagens econômicas dos municípios, como educação e melhores condições de vida, mas principalmente acesso ao sistema de saúde brasileiro.

A população do estudo foi composta por registros de crianças indígenas de zero a dois anos de idade, de ambos os sexos, cadastradas no SISVAN-I, em 2017, nos municípios incluídos no estudo. Os dados foram extraídos do mapa de acompanhamento de crianças indígenas, coletados no ano de 2018 diretamente do SISVAN-I.

Os critérios de inclusão foram os registros de crianças com idade entre zero e dois anos, que estivessem cadastradas no SISVAN-I no ano de 2017 e que vivessem em aldeias indígenas. Participaram do estudo 435 crianças. Os dados foram obtidos dos registros das crianças nos seguintes momentos: aos 15 dias de vida, aos dois, quatro, seis, nove, 12, 18 e 24 meses, perfazendo um total de 1.766 registros.

As variáveis do estudo foram divididas em quatro grupos, sendo (i) variáveis relativas ao atendimento da criança: data do atendimento; tipo de atendimento (primeira visita ou retorno), sexo da criança, data de nascimento e idade; (ii) variáveis relativas ao estado nutricional: peso (medida da massa corporal) e estatura (medida de altura); classificação de P/I (razão peso e idade definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como peso adequado, baixo peso, baixo peso e peso elevado), (iii) variáveis relativas à alimentação: situação do AM (aleitamento materno exclusivo (AME), aleitamento materno predominante, alimentação complementar; e não recebe leite materno) e (iv) variáveis associadas: benefícios sociais governamentais (Bolsa família - atual Auxilio Brasil, Programa Leite e Cesta Básica).

As análises utilizaram estatística descritiva, por meio de frequências relativas, absolutas e percentuais das variáveis descritivas independentes: classificação de peso e benefícios sociais. Para a variável resposta do estudo - aleitamento materno exclusivo assumiu-se a distribuição binomial. Em todos os ajustes e testes foi realizado o teste de coeficiente de determinação R², e adotado o nível de significância ou variância de 5% (α = 0,05) e o programa utilizado foi o R (R Core Team, 2018) versão 3.5.3.

O projeto foi autorizado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena e Distrito Sanitário Interior Sul e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos CAAE 91104918.6.0000.5393.

Resultados

O presente estudo avaliou 1.766 registros provenientes do acompanhamento nutricional de 435 crianças indígenas de zero a dois anos de idade, pertencentes à etnia Guaraní. Do total, 224 (51,49%), crianças eram do sexo feminino e 211 (48,51%) do sexo masculino. A Reserva Ocoí possuía o maior número de crianças (n=87; 20,0%), seguidas pelas aldeias Marangatu (n=46; 10,5%) e Jehy (n=40; 9,2%).

Em relação aos benefícios sociais, 30,3% das famílias acumulavam dois tipos de benefícios sociais - Bolsa Família e Cesta Básica.

Com relação à classificação de peso para a idade segundo a OMS, 1.423 (80,5%) registros mostram crianças com peso adequado para a idade, 38 (2,1%) com baixo peso, oito (0,4%) com muito baixo peso e nove (0,5%) com peso elevado. Ainda, 41 (2,3%) registros mostraram que as famílias das crianças mudaram de domicílio ou estavam ausentes no momento da pesagem e 247 (13,9%) registros de crianças que não foram pesadas ou estavam sem acompanhamento, estes últimos são desconhecidos os motivos para não realização da aferição do peso.

No que diz respeito à amamentação nos primeiros seis meses de vida a prevalência de AME foi de 93,4% e do aleitamento materno complementado foi de 6,5%. Entre seis meses e dois anos de vida, a prevalência do AME foi de 28,3% e do aleitamento materno complementado foi de 71,6%. É importante salientar que foi verificada a continuidade do AME após os seis meses de vida. No sétimo mês de vida houve 25 (53,2%) registros de crianças em AME, no oitavo mês 12 registros (27,3%), no nono mês de vida 9 registros (16,1%), no décimo mês de vida 9 (15,8%), décimo primeiro mês 6 (12,5%), no décimo segundo 3 (5,6%), no décimo terceiro 2 (3,4%), no décimo quarto 1 (1,9%), décimo quinto 1 (1,6%), décimo sexto 3 (4,9%), décimo sétimo 1 (1,5%), décimo oitavo 2 (3,0%), décimo nono 1 (1,5%), vigésimo não houve crianças em AME, porém no vigésimo primeiro mês novamente ocorre registro no valor de 1 (1,7%) e vigésimo segundo 1 (1,4%), por fim nos dois últimos meses de análise o AME fica totalmente ausente.

Discussão

Detectou-se nos primeiros seis meses de vida a prevalência do AME de 93,4% e o aleitamento materno complementado de 6,5%, em consonância com o perfil de AME praticado por determinados povos indígenas como os Nam Qom na Argentina.12 Entretanto, são relatadas menores prevalências de AME até os seis meses na população indígena do Equador (54,4-78,2%),11,13 Canadá (57,9%),14 e na Amazônia Ocidental Brasileira (35,0%).

O reconhecimento do leite materno como melhor alimento para a criança foi identificado em 98% das mães indígenas Maias, no México.15 Embora o AM seja considerado parte da cultura dos povos indígenas, sabe-se que o colonialismo influenciou negativamente a transmissão do conhecimento ancestral das mulheres acerca da amamentação.16 Detecta-se a tendência de aumento do uso de fórmulas na alimentação de crianças indígenas ao longo dos anos.15 Em crianças indígenas menores de seis meses observa-se o aleitamento misto em 32,7% e o uso de fórmulas em 12,9%,13 com o consumo de água em 42,1%, 15,8% comida de sal e 11,1% preparados típicos.17

Há relatos na literatura que as mulheres indígenas com maior escolaridade,14 mais idade15 e melhores condições econômicas apresentam a tendência de manter o AME.11 Em relação à via de parto, há divergência entre os estudos, com a identificação de início tardio do AM em mulheres que foram submetidas à cesariana, em relação às mulheres que tiveram parto vaginal; e maior uso de fórmulas lácteas,15 enquanto em outras casuísticas relata-se que a cesariana não influencia no AME em mulheres indígenas.12,15 Também, relata-se que a etnia pode influenciar no desmame precoce.17

Apesar de suas singularidades e especificidades, a população indígena da América Latina, de modo geral, apresenta maiores índices de AM em relação à população geral de referência.18

Segundo as orientações da OMS é considerado muito bom indicador de AME na faixa de 90 a 100%, bom de 50 a 89%, razoável de 12 a 49% e ruim de 0 a 11%.19 O que confirma a relevância e importância ao registrar uma prevalência de ame média acima de 90% e divergente da realidade do restante do Brasil.

No que se refere ao objetivo principal deste estudo, as prevalências de AME foram altas e superam as pesquisas nacionais em mais de 40% no primeiro semestre de vida, no segundo semestre de vida o AME prolongado ou complementado dominou estatisticamente, não houve lactentes desmamados precocemente. O aleitamento complementado perdurou durante os vinte quatro meses conforme o recomendado pela OMS, o que impactou na expressão de um número pequeno de crianças em baixo peso, mesmo sendo continuado numa faixa etária que não é indicada.

Em nosso estudo a prevalência do AME foi superior às prevalências observadas em três pesquisas de abrangência nacional sobre a mesma temática. Nessas pesquisas, encontrou-se uma prevalência de 36,0% em 2006, 41,0% em 2009 e 37,1% em 2013.20

A duração do AM em mulheres indígenas varia de 1 a 72 meses, relata-se a prevalência do aleitamento materno complementado de 71,6% no período do sexto até o vigésimo quarto mês de vida.15 No Brasil, o aleitamento complementar em povos indígenas foi de 53,7% no período de 6 a 12 meses e de 41,8% de 12-24 meses.21

Detecta-se que alimentação complementar se inicia em média de 23 semanas,12 e a continuidade do AM em crianças de 6-12 meses pode chegar a 99,3%11. O desmame em determinadas populações indígenas pode ocorrer no período inferior a dois anos, com média de 11,4 meses,17 enquanto em outras, ocorre em torno de 30 meses de idade.12

O déficit na complementação da dieta na infância foi detectado no presente estudo, com a continuidade do AME após o sexto mês de vida até o vigésimo quarto em cerca de um terço das crianças (28,3%). Denota-se que a alimentação complementar na maioria dessas populações é comprometida, com baixa diversidade de alimentos e parcela expressiva das crianças indígenas não recebem o mínimo aceitável de alimentos diariamente.18 Um estudo no Equador demonstrou que apenas cerca de um terço (32,5%) das crianças indígenas receberam uma dieta com adequada diversidade de alimentos.11 Na região da Amazônia Ocidental Brasileira foi observado que 79,2% das crianças de 6 a 12 meses recebiam o leite materno, entretanto, o percentual de consumo de alimentos complementares foi baixo.17

As práticas de alimentação complementar em crianças indígenas são influenciadas pelas condições socioeconômicas, observa-se menor diversidade da dieta de crianças residentes na zona urbana e em situação de pobreza e maior probabilidade de déficit estatutal (DE) entre aquelas que não recebem a quantidade mínima de refeições diárias.11 Ademais, crianças indígenas de mães viúvas ou divorciadas apresentavam menor prevalência de refeições mínimas diárias em relação às crianças de mães que possuíam um companheiro. A menor ingestão de ferro na dieta infantil associou-se com piores condições socioeconômicas, mãe adolescente e com menor escolaridade.11

No presente estudo, a maioria dos registros apontou que as crianças indígenas estão com o peso adequado para a idade, porém 13,9% dos registros apontaram a falta de peso das crianças ou falta de acompanhamento das mesmas e 2,3% haviam mudado de domicílio ou estavam ausentes no momento da pesagem. A identificação de problemas relacionados ao crescimento e desenvolvimento das crianças indígenas propiciam a descontinuidade das ações, e a impossibilidade de planejamento, implementação e avaliação de medidas de intervenção, considerando o cenário agravante de elevadas prevalências de déficits nutricionais no segmento infantil.22

O baixo peso para idade varia de 5,9 a 57,5% das crianças indígenas brasileiras,10,22 superior aos achados desse estudo. Possivelmente, a alta prevalência do AME associou-se com o peso adequado para idade nessa população indígena pertencente à tríplice fronteira. Uma vez que o AM apresenta um efeito protetor para o baixo peso em crianças indígenas menores de 12 meses.10

Na atualidade observa-se um processo de transição nutricional em povos indígenas, com evidências de desnutrição, anemia e excesso de peso concomitantes,23,24 com a inserção de alimentos ultra processados na alimentação de crianças indígenas de 6 a 12 meses em 52,6%.17 Em comunidades indígenas brasileiras a prevalência de excesso de peso das crianças varia de 7,7-15,1%,24,25 superior ao detectado no presente estudo (0,5%).

O déficit estatural nas crianças indígenas varia de 12,4 a 80,5% no Brasil,11,18,22,24 em 26,8% no equador,11 12,1% no Suriname18 e 61,4% na Guatemala.18 Ao considerar o território brasileiro, observa-se maior DE e baixo peso para a idade em crianças da população indígena da região Norte.11,22

Os indicadores de baixo peso e DE, associam-se fortemente com as iniquidades sociais,18,22 condições de extrema pobreza, moradia precária, falta de saneamento básico; residência em áreas rurais, anemia materna, baixo peso ao nascer, e a presença de quatro ou mais crianças no domicílio.10,11

Nessa direção, ao considerar as condições de vulnerabilidade e insegurança alimentar das crianças indígenas, destaca-se a relevância dos programas de transferências de renda. No Brasil, o Programa Bolsa Família, instituído em 2004, foi apresentado como alternativa para promover a ruptura do ciclo de pobreza e agravos nutricionais que afeta direta e indiretamente segmentos populacionais mais vulneráveis,26 como as crianças indígenas. De acordo com as diretrizes do Programa, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças é fundamental para o recebimento/manutenção do benefício.22 Assim, o inadequado acompanhamento do estado nutricional das crianças indígenas, conforme identificado no presente estudo, pode acarretar a suspensão deste benefício fundamental para a superação de situações de vulnerabilidade em segmentos da população brasileira que se encontram em situação de pobreza ou de extrema pobreza.22

Apesar de relevância do incentivo e melhoria da renda através de benefícios sociais, estes não foram suficientes para impactar na alimentação das crianças indígenas. Deve-se ressaltar a importância da terra para o indígena, como meio de subsistência e fonte para um aporte nutricional adequado, que garanta a variabilidade alimentar e proteção de hábitos e tradições pertencentes àquela cultura.

O estudo apresenta limitações por ter sido realizado a partir da consulta de dados secundários do SISVAN-I. Entretanto, contribui para o avanço no conhecimento do perfil alimentar das crianças de origem indígena, das práticas de AM e da alimentação complementar realizadas na região da Tríplice Fronteira, com a identificação de vulnerabilidades como a continuidade do AME mesmo após os seis meses de vida da criança que possivelmente reflete as dificuldades na transição nutricional e na oferta adequada de alimentos para as crianças, além da descontinuidade do acompanhamento nutricional infantil indígena. É pertinente a promoção e proteção do AM e da alimentação complementar das crianças indígenas e a efetivação de políticas públicas e quebra da linha histórica da danosa invisibilidade da saúde indígena, seja na região da Tríplice Fronteira ou em qualquer outra área do Brasil, considerando as vulnerabilidades dessa população. Novos estudos são necessários para compreender a situação nutricional de crianças indígenas.

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Recebido em 14 de Março de 2022
Versão final apresentada em 5 de Setembro de 2022
Aprovado em 21 de Setembro de 2022

Editor Associado: Aurélio Costa

Agradecimentos: Agradecemos à CAPES e Fundação Araucária pelo apoio financeiro.

Contribuições dos autores: Pereira BSA e Gomes-Sponholz FA: elaboração do artigo, análise e interpretação dos dados, escrita, revisão crítica do conteúdo e elaboração da versão final do manuscrito. Zilly A, Monteiro JCS e Barbosa NG: escrita, revisão crítica do conteúdo e elaboração da versão final do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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