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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
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EDITORIAL


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Dopplervelocimetria da artéria oftálmica e predição da pré-eclâmpsia

Alex Sandro Rolland Souza1,2,3; Gustavo Fonseca de Albuquerque Souza1; Silvia Loreto Faquini1

DOI: 10.1590/1806-9304202500000320 e20250320

As síndromes hipertensivas na gravidez são a principal causa de morte materna no mundo, particularmente nos países em desenvolvimento. Compreender a pré-eclâmpsia (PE) para além da insuficiência placentária é um passo crucial na obstetrícia contemporânea. Cada vez mais se reconhece o papel da disfunção endotelial sistêmica e da hiperperfusão cerebral na gênese da doença.1 No sistema nervoso central, a falha nos mecanismos de autorregulação vascular favorece o hiperfluxo e o edema cerebral, fatores intimamente associados às crises convulsivas da eclâmpsia. Nesse contexto, métodos capazes de refletir indiretamente o estado da perfusão cerebral ganham relevância clínica.1 A dopplervelocimetria da artéria oftálmica emerge, assim, como alternativa promissora, já que o seu índice de resistência (IR) pode funcionar como marcador indireto da hemodinâmica cerebral.2

Estudos iniciais sugeriram reduções significativas no IR da artéria oftálmica em gestantes com PE, tanto precoce quanto tardia, em comparação com normotensas.3,4 No entanto, a performance diagnóstica se mostrou limitada, com baixa sensibilidade e especificidade após análise pela curva Receiver Operating Characteristic (ROC).4 Tais limitações refletem desafios inerentes à heterogeneidade da pré-eclâmpsia, marcada por múltiplos mecanismos fisiopatológicos e apresentações clínicas distintas, além das dificuldades relacionadas ao tamanho amostral e ao momento da avaliação.

Apesar disso, as investigações não pararam. Trabalhos prospectivos com amostras intermediárias apontaram resultados divergentes, enquanto alguns reforçaram o papel da dopplervelocimetria da artéria oftálmica como ferramenta preditiva, outros não demonstraram benefício.5-7 Mais recentemente, estudos multicêntricos robustos, coordenados pela Fetal Medicine Foundation (FMF), trouxeram evidências mais consistentes. Observaram que a relação entre o segundo e o primeiro pico da velocidade sistólica da artéria oftálmica se destaca como um índice com relevância estatística na predição da PE, sobretudo nas formas de início precoce.8-10 Ainda que a adição desse parâmetro à triagem com dados clínicos e demográficos tenha aumentado de forma modesta a taxa de detecção, o achado reforça a necessidade de não descartarmos a artéria oftálmica desse debate.

Nesse sentido, a FMF avançou sua diretriz de predição da PE e está incorporando explicitamente a dopplervelocimetria da artéria oftálmica com curvas de normalidade para diferentes idades gestacionais. Essas curvas — fundamentadas em grandes coortes prospectivas — permitem comparar valores observados com valores esperados segundo percentis específicos para cada ponto da gestação, o que viabiliza detecção de desvios precoces no índice de pico sistólico (relação entre segundo e primeiro pico) e possibilita uma avaliação mais padronizada do risco de PE.9,10 Com isso, o FMF propõe que, além dos marcadores clínicos e biofísicos já estabelecidos, a curva de normalidade da artéria oftálmica integre os protocolos de rastreio no primeiro, segundo e terceiro trimestres, como ferramenta auxiliar de estratificação de risco.

No ano de 2025 a FMF introduziu a dopplervelocimentria da artéria oftálmica materna para predição da pré-eclâmpsia em seu programa de cálculo do risco materno, o qual utiliza vários parâmetros como características maternas (idade, índice de massa corpórea, raça e tabagismo), dados da gestação atual (gravidez espontânea, múltipla e idade gestacional), antecedentes maternos clínicos e obstétricos, número de partos anteriores e suas características, dados da ultrassonografia, pressão arterial média, dopplervelocimetria da artéria uterina (índice de pulsatilidade) e marcadores bioquímicos [fator de crescimento placentário (PLGF) e fator solúvel de tirosina quinase-1 (sFLT-1)].11 Esse cálculo do risco é fundamental para que medidas preventivas sejam realizadas, quando demostrar uma gestante de alto risco para pré-eclâmpsia, mesmo quando não for possível a realização da dopplervelocimetria da artéria oftálmica, por ausência de um profissional habilitado, devendo ser utilizado os parâmetros disponíveis. Destaca-se a necessidade de padronização da técnica de mensuração dopplervelocimétrica da artéria oftálmica, dos cuidados com sua realização e do treinamento dos profissionais.

Dessa forma, a mensagem que emerge atualmente é que há um potencial inexplorado na análise do padrão de fluxo da artéria oftálmica. A relação entre o segundo e primeiro pico sistólico não deve ser vista apenas como mais um índice entre tantos, mas como uma janela para compreender a interação entre perfusão cerebral e risco de pré-eclâmpsia. Cabe à comunidade científica avançar com estudos mais amplos e padronizados, capazes de confirmar, ou refutar, o papel definitivo desse marcador. O debate está aberto, e talvez estejamos apenas no início da incorporação da artéria oftálmica como peça-chave na predição da pré-eclâmpsia, porém até o momento não existe evidência de que a dopplervelocimatria da artéria oftálmica possa ser utilizada como único marcador de risco de pré-eclâmpsia.


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À convite da Editora Chefe: Lygia Vanderlei

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