RESUMO
OBJETIVOS: analisar a magnitude e distribuição temporal da sífilis congênita, segundo características sociodemográficas e pré-natal, nos três municípios mais populosos da Baixada Fluminense do RJ (2015-2024).
MÉTODOS: estudo ecológico de série temporal. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Incidências e tendência temporal foram calculadas considerando variáveis sociodemográficas e pré-natal. Para análise temporal, utilizou-se o programa Joinpoint Regression.
RESULTADOS: registraram-se 8961 casos de sífilis congênita. Belford Roxo apresentou a maior incidência, atingindo em 2024, 28,5/1000 NV, seguido por Duque de Caxias - 24,1, e Nova Iguaçu - 9,7, com estagnação das taxas no primeiro e crescimento nos dois últimos municípios, de 2015 a 2021, com redução nos últimos anos, sem reversão da magnitude do agravo. Observou-se influência da pandemia de COVID-19, com pontos de inflexão em 2021. Identificaram-se desigualdades na magnitude e tendência da sífilis congênita, predominando maiores incidências e estabilidade e/ou crescimento entre adolescentes, pardas e com baixa escolaridade. Mulheres que não realizaram pré-natal apresentaram incidências mais elevadas, estacionárias ou crescentes.
CONCLUSÃO: as incidências de sífilis congênita se mostraram elevadas, desiguais e predominantemente estacionárias ou crescentes, principalmente em grupos mais vulneráveis. É necessário oferecer um pré-natal mais equânime e qualificado nesses municípios.
Palavras-chave:
Sífilis congênita, Mensuração das desigualdades em saúde, Cuidado pré-natal, Sistemas de informação em saúde, Estudos de séries temporais
ABSTRACT
OBJECTIVES: to analyze the magnitude and temporal distribution of congenital syphilis, according to sociodemographic characteristics and prenatal care in the three most populous municipalities of Baixada Fluminense-RJ (2015-2024).
METHODS: ecological time series study. Data from the Notifiable Diseases Information System and the Live Birth Information System. Incidences and temporal trends were calculated considering sociodemographic and prenatal variables. For temporal analysis, the Joinpoint Regression program was used.
RESULTS: 8961 cases of congenital syphilis were registered. Belford Roxo presented the highest incidence, reaching 28.5/1,000 LB in 2024, followed by Duque de Caxias -24.1, and Nova Iguaçu - 9.7, with stagnation in the rates in the first and growth in the last two, from 2015 to 2021, with a reduction in recent years, without reversing the magnitude of disease. COVID-19 pandemics altered trends, with joinpoints in 2021. Inequalities in the magnitude and trend of CS were identified, with higher incidences and stability/increase among adolescents, brown women, and those with low education. Women who did not undergo prenatal care had higher incidences, stable or increasing.
CONCLUSION: the incidences of CS were high, uneven and predominantly stationary or increasing, especially in more vulnerable groups. It is necessary to offer more equitable and qualified prenatal care in these municipalities.
Keywords:
Congenital syphilis, Measuring health inequalities, Prenatal care, Health information systems, Time series studies
IntroduçãoA sífilis é uma infecção bacteriana sistêmica, crônica, curável e exclusiva do ser humano, que persiste como um importante agravo na saúde pública brasileira e mundial.
1,2 A transmissão por via placentária pode ocorrer em qualquer momento da gestação ou estágio clínico da doença da gestante inadequadamente tratada. A sífilis congênita (SC) acarreta importante morbimortalidade principalmente nos menores de um ano,
2 sendo um evento sentinela da qualidade da atenção pré-natal ofertada.
1-3A SC é alvo recorrente de políticas públicas no Brasil.
3 No entanto, o país continua distante da meta proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de ≤0,5 casos/1000 nascidos vivos (NV).
3 Em 2023, o Brasil atingiu a incidência de 9,9/1000 NV, 20 vezes o valor recomendado.
1 Foram registrados, no mesmo ano, 25.002 casos de sífilis congênita, sendo a maior taxa de incidência registrada no estado do Rio de Janeiro (ERJ), que alcançou 18,5/1000 NV, seguido dos estados de Tocantins, Roraima e Espírito Santo.
1No ERJ, as maiores incidências são observadas na região Metropolitana I, que, além da capital, agrega municípios periféricos, com diferentes perfis populacionais.
4 Nesta região, são encontrados estudos principalmente sobre a capital, Rio de Janeiro, que mostram elevadas e crescentes taxas de SC, chegando a uma incidência de 18,6/1000 NV em 2020.
5 A população mais atingida é aquela com maior vulnerabilidade social (pretas, adolescentes, com baixa escolaridade e que não realizaram o pré-natal) e ocorre uma concentração geográfica na zona central, norte suburbana e oeste da cidade, em locais com piores condições de vida.
5,6Na região metropolitana II, São Gonçalo, o segundo município mais populoso do ERJ, apresentou taxas ascendentes entre 2010 e 2018, alcançando 41,6/1000 NV em 2018;
7 e Niterói, município com o 7º maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do país, também teve tendência crescente do agravo (16%/ano), atingindo 23,2 casos/1000 NV em 2016.
8Alguns estudos recentes têm avaliado a evolução da SC com análise de séries temporais, em nível local e nacional.
7-10 Todos mostram evolução crescente do agravo, com diferenças na magnitude. Não foram encontrados artigos de base populacional sobre SC em municípios da Baixada Fluminense situada na periferia da região Metropolitana I do ERJ e que apresentam grande contingente populacional.
O objetivo deste estudo é descrever a magnitude e as características epidemiológicas da SC e analisar sua distribuição temporal, segundo características sociodemográficas e pré-natal, nos três municípios mais populosos da Baixada Fluminense.
MétodosFoi realizado um estudo ecológico de série temporal. A população estudada foi a dos três municípios que correspondem, segundo o Censo de 2022, a 58% da população da Baixada Fluminense (Guapimirim, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Queimados, Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí). O município de Duque de Caxias apresenta 808.152 habitantes e IDHM de 0,711. Nova Iguaçu tem 785.882 habitantes e IDHM de 0,713. Por último, Belford Roxo possui 483.087 habitantes e IDHM de 0,684.
11 A cobertura da atenção básica (AB) em 2020, segundo o site e-gestor AB da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, correspondeu, respectivamente, nos municípios de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Belford Roxo, a 45,4%, 69,5% e 32,1%.
12Utilizaram-se dados secundários relativos aos casos confirmados de SC, de 2015 a 2024, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), acessado a partir da página da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro.
13 O SINAN é um sistema universal, que reúne e processa as informações das fichas de notificação/investigação no país.
Para fins de cálculo de base populacional, a fonte foi o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).
13 Este sistema de informações, também universal, é alimentado pelas declarações de nascido vivo (DN).
Para o cálculo da incidência da SC, foi utilizado o número de casos novos confirmados por ano, dividido pelo número de nascidos vivos do mesmo ano vezes 1.000. Foram calculadas as taxas de forma global e segundo variáveis sociodemográficas. As variáveis analisadas, provenientes do SINAN e do SINASC, foram: idade materna, categorizada em adolescentes (até 19 anos), 20 a 34 anos e 35 anos ou mais; escolaridade materna, categorizada em baixa (menos de oito anos de estudo), média (oito a onze anos) e alta (doze anos ou mais); cor da pele/raça, categorizada segundo os campos da DN e da ficha de notificação de SC em branca, preta, amarela, parda e indígena; pré-natal, categorizado de forma dicotômica (realizado ou não).
Adicionalmente, foram descritas frequências relativas das variáveis clínicas da ficha de notificação, da seguinte forma: momento do diagnóstico (durante o pré-natal, no parto ou curetagem, após o parto ou não realizado); tratamento materno (adequado, inadequado ou não realizado); tratamento do parceiro (sim ou não).
A análise de tendência temporal foi realizada por município e por faixa etária, escolaridade, cor/raça da mãe e realização do pré-natal, mantendo os estratos descritos acima. Foi utilizado o programa
Joinpoint Regression (
National Cancer Institute, Bethesda, Maryland, USA), versão 5.3.0.0, que permite ajustar uma série de linhas de tendência e seus pontos de junção em uma escala logarítmica.
14 Há um ponto de junção quando o sentido se inverte ou há diferentes padrões de tendência e, portanto, os períodos são analisados separadamente. Caso não haja mudança, o período é analisado de forma integral. A partir desses períodos identificados, são estimados e testados os percentuais de mudança anual (mudança percentual anual - MPA) e são determinados seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). O teste de significância é o
Monte Carlo Permutation Method.
14O trabalho foi desenvolvido como parte do projeto "Desigualdades nos indicadores de saúde da mulher e da criança no Estado do Rio de Janeiro" aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, parecer nº. 6.592.725, de 19 de dezembro de 2023.
ResultadosEntre 2015 e 2024, foram notificados 8.961 casos de sífilis congênita (SC) nos três municípios, com Nova Iguaçu apresentando o maior número absoluto (Tabela 1). As características das mães foram semelhantes: 23–27% adolescentes, mais de 30% com baixa escolaridade, predominância de pardas e alta realização de pré-natal (>70%). Entretanto, menos da metade recebeu o diagnóstico na gestação, com destaque para Nova Iguaçu (31,3%). O tratamento adequado foi registrado em menos de 7% das gestantes, e o tratamento dos parceiros, em menos de 12%.
As taxas de SC variaram de 20,3 a 24,1/1.000 NV em Duque de Caxias (estabilidade); de 15,4 a 28,5/1.000 NV em Belford Roxo e de 10,8 a 9,7/1.000 NV em Nova Iguaçu, ambos com aumento até 2021 e queda subsequente (Tabelas 2, 3 e 4; Figura 1).
Em todos os municípios, as adolescentes apresentaram as maiores taxas, com tendência de crescimento inicial seguida de redução ou estabilidade. Mulheres de 20-34 anos mostraram padrão semelhante em Belford Roxo e Nova Iguaçu; nas ≥35 anos, houve aumento apenas em Belford Roxo até 2021.
As maiores taxas de SC ocorreram entre mães com baixa escolaridade. De 2015 a 2023, observou-se queda em Duque de Caxias, estabilidade em Nova Iguaçu e aumento seguido de queda em Belford Roxo. A média escolaridade apresentou tendência crescente nos três municípios até 2021, com posterior declínio. As mulheres com alta escolaridade mantiveram taxas muito baixas.
Quanto à raça/cor, pretas e pardas concentraram as maiores taxas, com exceções pontuais. As mulheres brancas mostraram queda em Duque de Caxias (2022–2024), estabilidade em Nova Iguaçu e aumento seguido de queda em Belford Roxo. Para pretas, houve queda contínua em Duque de Caxias, estabilidade em Nova Iguaçu e variação em Belford Roxo. Pardas apresentaram estabilidade em Duque de Caxias e padrão de aumento até 2020/2021 seguido de queda nos demais.
As gestantes sem pré-natal apresentaram taxas de SC muito mais elevadas (acima de 200/1.000 NV em alguns anos), com tendência de aumento recente em Duque de Caxias e Belford Roxo e estabilidade em Nova Iguaçu. Entre as que fizeram pré-natal, houve crescimento até 2021 em Belford Roxo e Nova Iguaçu, seguido de queda, e estabilidade em Duque de Caxias.
DiscussãoO presente estudo mostrou que, nos três maiores municípios da Baixada Fluminense, a SC teve incidências elevadas, desiguais e predominaram valores estacionários e crescentes. Embora tenha havido tendência decrescente nos municípios de Belford Roxo e Nova Iguaçu, de 2021 a 2024, não foi suficiente para reverter a magnitude do agravo.
As taxas de Belford Roxo e Duque de Caxias em 2024 foram mais elevadas que as identificadas no município do Rio de Janeiro,
5 todos na região metropolitana 1 do estado do RJ. Estas taxas também foram superiores às de Niterói, na região metropolitana 2.
8 Os três municípios analisados responderam por 20% dos casos de SC no estado em 2024.
De acordo com o Índice de Progresso Social Brasil 2025, que analisa indicadores abrangentes de qualidade de vida, Belford Roxo e Duque de Caxias, entre os municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes, apresentaram o segundo e terceiro piores desempenhos. Entre os indicadores com pontuação mais baixa estão cuidados médicos e escolaridade, já mostrando a vulnerabilidade social e de acesso à saúde destes municípios.
15Adolescentes tiveram maiores taxas que outras faixas etárias nas três cidades e tendência predominantemente crescente. As elevadas taxas e o crescimento neste grupo podem ser explicadas por um somatório de fatores. A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) registrou redução no uso de preservativos no período de 2009 a 2019, de 72,5% para 59%.
16 Com isso, aumentam os riscos de gravidez precoce e de infecções sexualmente transmissíveis; destacando-se que a sífilis adquirida, especialmente, vem crescendo no Brasil incluindo a faixa de 13 a 19 anos.
1 Outro fator contribuinte se relaciona ao acesso e utilização do pré-natal. Embora haja tendência crescente da realização de sete ou mais consultas no Brasil e no estado do RJ,
17 a proporção de assistência pré-natal inadequada é maior entre as adolescentes, sobretudo quando somadas a menor escolaridade, cor preta ou parda e baixa condição socioeconômica.
18-20Para o grupo de mulheres de baixa escolaridade, com taxas mais elevadas em todo o período, a exceção foi Duque de Caxias, onde registrou-se queda do agravo; nos demais municípios, as taxas ficaram estacionárias ou cresceram. Sabe-se que este grupo é vulnerável tanto para inadequação do pré-natal,
19,20 como para infecções sexualmente transmissíveis, notadamente a sífilis.
21 Taxas elevadas e/ou ascendentes de sífilis congênita para este grupo vulnerável também foram relatadas em nível nacional,
9,10 e em outras regiões do estado do RJ.
7,8Quanto à variável cor/raça materna, os resultados deste estudo confirmam a relação entre a ocorrência de SC e a situação de vulnerabilidade social em que se encontram as mães pretas e pardas e seus filhos.
22 Nos três municípios analisados, em 2024, as maiores incidências foram encontradas em mulheres pardas e, apenas em Belford Roxo, brancas superaram a taxa das pretas. Esse padrão foi semelhante aos estudos da população brasileira,
9,22 e de outros municípios da Região Metropolitana do ERJ, como Niterói, São Gonçalo e a cidade do Rio de Janeiro.
5-8A persistência da ocorrência de SC aponta falhas na rede de atenção e baixa qualidade do cuidado no pré-natal.
3,23 Nos municípios da Baixada Fluminense, aproximadamente 75% das mulheres que tiveram o desfecho SC realizaram pré-natal, mas o diagnóstico e o tratamento do agravo foram inadequados em sua maioria. Falhas no pré-natal associadas a elevadas taxas de SC foram observadas em estudos nacionais.
9,10 De forma semelhante, dados mundiais mostram que 88% das gestantes tiveram pelo menos uma consulta de pré-natal, mas entre as mães infectadas com sífilis apenas 51% foram tratados adequadamente.
2No pré-natal, acumulam-se desigualdades que resultam em tratamento inadequado da gestante, como baixa escolaridade, baixa renda e adolescência.
18-20 De acordo com os indicadores de desempenho do Previne Brasil-2022, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Belford Roxo apresentaram, respectivamente, 21%, 55% e 3,0% das gestantes com realização de exames para sífilis e HIV no terceiro quadriênio de 2022. Todos esses valores estão abaixo da meta de 60% e muito distantes da meta recomendada pela OMS e ratificada pelo pacto nacional de eliminação das doenças de transmissão vertical de que pelo menos 95% das gestantes devem ser testadas para sífilis durante o pré-natal.
24,25O tratamento do parceiro é de extrema importância na prevenção de reinfecção da gestante.
2 Estudo em Porto Alegre mostrou que o não tratamento do parceiro apresentou associação estatisticamente significativa com a incidência de SC, e os desfechos de óbito perinatal e neonatal.
26 No presente estudo, foi observado que somente 11% dos casos notificados de SC realizaram o tratamento do parceiro, o que reforça a necessidade da abordagem do parceiro durante o pré-natal para melhor combate à sífilis e às demais infecções sexualmente transmissíveis. Em adolescentes, as dificuldades na atenção ao parceiro podem ser ainda maiores, acrescentando mais um fator para as elevadas taxas nesta faixa etária.
27Independentemente da idade, a retirada da variável "tratamento do parceiro" como critério para tratamento adequado da gestante é contraditória, pois quando o tratamento desses não é feito ou ocorre de maneira inadequada, aumentam as chances de reinfecção e a cadeia de transmissão da sífilis não é interrompida.
26,27Em Belford Roxo, município com piores indicadores analisados, observou-se que a maioria das variáveis com tendência de crescimento apresentou ponto de inflexão em 2021, sugerindo uma possível influência da pandemia de COVID-19. Sabe-se que os serviços de saúde foram significativamente impactados em 2020 e 2021, afetando o controle de várias doenças infecciosas, incluindo a sífilis.
28 Em um contexto de alta vulnerabilidade socioeconômica, como o de Belford Roxo, esse cenário pode ter contribuído para o aumento dos casos de SC. Essa hipótese é reforçada por estudos nacionais que identificam associação entre baixos níveis de IDHM e maior incidência da doença.
29 No entanto, seria necessário analisar as variações na cobertura pré-natal e de outros fatores no período pré e pandêmico, para corroborar esta hipótese.
Uma avaliação recente em relação aos agravos sífilis gestacional e congênita mostrou que o SINAN ainda tem problemas de completude, principalmente nas variáveis sociodemográficas e tratamento do parceiro, mas vem melhorando nos últimos anos.
30O estudo apresentou limitações relacionadas à incompletude dos dados, especialmente nas variáveis sociodemográficas maternas e de tratamento do parceiro, com altos percentuais de campos ignorados, também observados em outros municípios e em nível nacional. A subnotificação da sífilis congênita e o uso de dados secundários limitaram a análise mais aprofundada das estratégias locais de gestão em saúde.
Em conclusão, a vulnerabilidade sociodemográfica revelou-se um fator relevante para a ocorrência e o aumento da SC na Baixada Fluminense, agravada por falhas no diagnóstico e tratamento. Análises de outros estudos nacionais reforçam a interseccionalidade de raça, escolaridade e idade no desenvolvimento de iniquidades em saúde, destacando desfechos na saúde da mulher e criança.
10,22 No caso da SC, os determinantes sociais exercem seu impacto desde a aquisição da infecção, mais frequente em mulheres de baixa escolaridade e aquelas pardas ou pretas.
21,22 O acesso a um pré-natal adequado, que preveniria a transmissão vertical, por sua vez também é determinado por essas variáveis sociodemográficas. Adolescentes, mulheres pardas e pretas, e aquelas com baixa escolaridade realizam menos consultas, menos exames para sífilis, são menos diagnosticadas no pré-natal e elas e seus parceiros recebem menos tratamento adequado.
3,19,20,22Políticas públicas já estão estabelecidas para o enfrentamento da SC e o país dispõe de um sistema de saúde potente.
3 No nível da gestão local, algumas ações vêm sendo implementadas pelos municípios, como a utilização de testes rápidos de sífilis nas unidades de atenção básica e capacitações para os profissionais.
4 Porém, essas medidas mostraram-se insuficientes, na Baixada Fluminense, já que mesmo entre gestantes com acesso ao pré-natal a incidência de SC manteve-se em alta ou estável. Outras medidas como valorização do tema nos currículos médicos, educação permanente dos profissionais de saúde no diagnóstico e tratamento do agravo, e estratégias para a abordagem e tratamento adequado dos parceiros são prioritárias.
3,23,29 A obrigatoriedade da informação sobre o parceiro poderia ser reincorporada à vigilância do agravo.
23Destaca-se a necessidade de fortalecimento da atenção primária,
3 e o direcionamento de ações preventivas voltadas a mulheres jovens, pretas e pardas, com baixa escolaridade, em populações de municípios situados nas periferias das regiões metropolitanas.
Portanto, para a Baixada Fluminense, é essencial garantir uma assistência pré-natal mais equânime e qualificada, com diagnóstico oportuno e tratamento adequado, além da redução das desigualdades sociais. Essa última medida tem uma ampla perspectiva, dependendo de intersetorialidade e do engajamento da sociedade civil. Para sífilis e outras doenças determinadas socialmente só mudanças efetivas na distribuição de renda e no financiamento da área da saúde poderão assegurar a eliminação destes agravos.
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Contribuição dos autoresPimentel SVT: concepção e desenho do estudo, elaboração do banco de dados, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito.
Bastos VMS e Vasconcelos GQ: elaboração do banco de dados, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito.
Fonseca SC: desenho do estudo, interpretação dos dados, redação do manuscrito.
Kawa H: concepção e desenho do estudo, interpretação dos dados, redação do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Disponibilidade de Dados:Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Recebido em 11 de Outubro de 2024
Versão final apresentada em 15 de Julho de 2025
Aprovado em 15 de Agosto de 2025
Editor Associado: Aurélio Costa