RESUMO
OBJETIVOS: identificar a prevalência e os fatores associados ao início precoce da amamentação na primeira hora de vida do bebê no extremo sul do Brasil.
MÉTODOS: estudo transversal com 2.101 nascimentos ocorridos em uma cidade do sul do país em 2019, através da aplicação de questionário às puérperas nas primeiras 48 horas pós-parto, contendo variáveis sociodemográficas, clínicas, psicossociais e obstétricas do período pré-gestacional até o pós-parto imediato. Foi conduzida análise univariada para descrever a amostra e calcular a prevalência do desfecho. Na análise bivariada, o teste qui-quadrado foi utilizado para exposições categóricas e o teste t-Student para as numÉricas. Para análise multivariada, um modelo hierárquico de redução por regressão logística binária (eliminação retrógrada) foi aplicado ao nível de significância de 5%.
RESULTADOS: 74,2% da amostra realizou amamentação na primeira hora de vida. Houve associação estatisticamente significativa entre amamentação na primeira hora de vida com nascer em Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) (p≤0,001) e parto normal (p≤0,001).
CONCLUSÕES: os resultados evidenciam a importância de medidas que incentivem o suporte à amamentação ainda na sala de parto, especialmente em casos de cesarianas e condições que possam dificultar o início precoce do aleitamento, como nas maternidades sem IHAC.
Palavras-chave:
Aleitamento materno, Recém-nascido, Cuidado do lactente, Assistência perinatal
ABSTRACT
OBJECTIVES: to identify the prevalence and factors associated with breastfeeding in the first hour of a baby's life in Southern Brazil.
METHODS: cross-sectional study with 2.101 births that occurred in a city in the South of the country in 2019, through the application of a questionnaire to puerperal women in the first 48 hours post-partum, containing variables on sociodemographic, clinicals, psychosocial, and obstetric from the pre-gestational period to the immediate post-partum. Univariate analysis was conducted to describe the sample and calculate the prevalence of the outcome. In the bivariate analysis, the chi-square test was used for categorical exposures and the Student's t-test for numericals. For multivariate analysis, a hierarchical reduction model by binary logistic regression (backward elimination) was applied at a significance level of 5%.
RESULTS: 74.2% of the sample carried out was breastfeeding in the first hour of life. There was a statistically significant association between breastfeeding in the first hour of life and birth in a Baby-Friendly Hospital Initiative (BFHI) (p≤0.001) and normal delivery (p≤0.001).
CONCLUSIONS: the results highlight the importance of measuring to still encourage breastfeeding support in the delivery room, especially in cases of cesarean deliveries and conditions that may hinder early initiation of breastfeeding, such as in the maternity hospitals without BFHI.
Keywords:
Breastfeeding, Newborn, Infant care, Perinatal care
IntroduçãoA amamentação na primeira hora de vida é preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das recomendações a serem seguidas imediatamente após o nascimento.
1 De acordo com esse órgão, recém-nascidos sem complicações devem ser mantidos em contato pele a pele com suas mães e serem estimulados a amamentar durante a primeira hora de vida, visando promover a amamentação exclusiva e reduzir a mortalidade neonatal. Estudos apontam que a amamentação na primeira hora após o nascimento é capaz de reduzir em até 13% a mortalidade neonatal
2. Essa é uma importante questão para a saúde pública, especialmente no Brasil, onde mais da metade das mortes de crianças com menos de um ano de idade ocorre no período neonatal, e metade delas acontece durante a primeira semana de vida.
2A amamentação na primeira hora contribui para estabelecer o aleitamento materno exclusivo.
3,4,5 Observa-se que, logo após o nascimento, os neonatos apresentam uma maior aptidão para buscar espontaneamente a região do mamilo e iniciar a amamentação, uma vez que o bebê fica mais ativo e acordado antes do primeiro sono.
5 A sucção da mama estimula a secreção dos hormônios prolactina e ocitocina, que induzem a produção e ejeção do leite. Esses hormônios contribuem para a continuidade da amamentação e a diminuição do estresse provocado pelo parto, auxiliam na contração do útero, na prevenção de hemorragias e estimulam comportamentos protetivos, facilitando a vinculação e o apego.
3,6,7 A amamentação na primeira hora pós-parto ajuda ainda a prevenir a hipotermia e estabiliza a função cardiorrespiratória do recém-nascido,
5 além de reduzir a morbidade infantil por infecções respiratórias e diarreia.
6,8A prática integra o Passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), que preconiza o adiamento de procedimentos de rotina para garantir o contato contínuo e direto pele a pele.
9,10 Apesar dos benefícios amplamente reconhecidos, dados mostram que menos da metade dos recém-nascidos no mundo iniciam a amamentação na primeira hora de vida.
10,11 As maiores prevalências da amamentação na primeira hora de vida estão associadas ao parto normal,
12,13,14 nascer em IHAC,
12 ter realizado pré-natal adequado,
15 peso ao nascer maior que 2500g,
15 APGAR maior que 7
15 e contato pele a pele.
13,16Estudos internacionais apontam grande variabilidade na prevalência da prática, de 9,1%
17 a 92,6%,
18 refletindo diferenças culturais, institucionais e de políticas de saúde. Embora os fatores biológicos e institucionais sejam frequentemente explorados, há carência de dados sobre aspectos sociais, culturais e psicológicos — incluindo a influência da ansiedade materna — na realização da amamentação precoce.
19,20,21Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo identificar a prevalência e os fatores associados à amamentação na primeira hora de vida em dois hospitais do extremo sul do Brasil.
MétodosForam utilizados dados provenientes de um estudo maior intitulado "Estudo Perinatal", de delineamento transversal censitário realizado no município de Rio Grande, no extremo sul do país, na faixa litorânea entre as lagoas Mirim e dos Patos e o Oceano Atlântico. Sua economia é centrada no comércio, agronegócio, atividades pesqueiras e indústrias de fertilizantes. O município possui uma população estimada em 191 mil habitantes e conta com dois hospitais gerais, sendo um deles 100% ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS), e o outro conta com dois prédios hospitalares com parte pública e parte privada.
Entre 2007 e 2019, a cada três anos, foram realizados em Rio Grande (RS) inquéritos perinatais que avaliam a assistência à gestação, ao parto e ao pós-parto. Esses estudos de base populacional, conduzidos com metodologia padronizada, incluíram todos os nascimentos ocorridos no município ao longo de um ano completo e investigaram aspectos clínicos, psicossociais e obstétricos desde o período pré-gestacional até o pós-parto imediato. Diferentemente de sistemas de informação rotineiros, como o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), os inquéritos forneceram dados primários mais detalhados, permitindo a análise de aspectos não capturados rotineiramente. Além disso, a realização periódica permitiu monitorar tendências de diversos indicadores relacionados à saúde materno-infantil ao longo do tempo.
22O presente estudo analisou os dados referentes ao inquérito do ano de 2019. Para serem incluídas no estudo, as mães deveriam residir na zona urbana ou rural do município, e recém-nascidos com peso igual ou superior a 500 gramas ou idade gestacional mínima de 20 semanas. Os dados foram coletados a partir de questionário padronizado aplicado às puérperas, face a face, ainda no hospital nas primeiras 48 horas do pós-parto, entre 1o de janeiro e 31 de dezembro de 2019. No total, 2.314 partos foram realizados no período.
A aplicação do questionário era realizada em visitas às maternidades, incluindo finais de semana, por entrevistadores previamente treinados. Diariamente, verificavam-se os nascimentos do dia anterior por meio de prontuários, e as puérperas elegíveis eram entrevistadas. Foram utilizados
tablets para aplicação dos questionários, através do aplicativo REDCap (
Research Electronic Data Capture).
O questionário contemplou variáveis sociodemográficas, psicossociais e história médica obstétrica. As variáveis utilizadas para descrever a amostra foram: idade materna, escolaridade, cor da pele, situação conjugal, renda familiar, percepção do suporte paterno na gestação, sintomatologia ansiosa, tabagismo na gestação, consumo de álcool na gestação, paridade, via de parto, gestação planejada, consultas pré-natais, informações sobre amamentação, APGAR no 5º minuto e parto em IHAC.
A variável de desfecho é a amamentação na primeira hora de vida. Os dados foram coletados através da pergunta "Com quantas horas de vida a sra. colocou o bebê no peito?". A resposta a esta pergunta foi registrada de forma numérica e, posteriormente, a variável foi operacionalizada na forma dicotômica. As categorias foram definidas da seguinte forma: "Até uma hora de vida do bebê" e "Mais de uma hora de vida".
O constructo global de ansiedade foi avaliado por meio do instrumento
General Anxiety Disorder-7 (GAD-7), cuja validação para a língua portuguesa foi realizada por Moreno
et al.
21 A aplicação cuidadosa e padronizada do GAD-7 no período perinatal visa entender melhor a relação entre ansiedade materna e a amamentação precoce, pois é um instrumento que avalia sintomas de ansiedade e tem sido amplamente utilizado em pesquisas científicas devido à sua brevidade, confiabilidade e por ser autoaplicável. Ele é composto por sete questões com uma escala do tipo
Likert, variando de zero a três, onde zero significa "nenhuma vez" e três significa "quase todos os dias". A pontuação total varia de zero a 21, medindo a frequência de sinais e sintomas de ansiedade nas últimas duas semanas. Um escore igual ou superior a 10 indica um resultado positivo para sinais e sintomas de transtornos de ansiedade.
Quanto ao tratamento dos dados, a dupla digitação e revisão do banco de dados foram realizadas por meio do programa SPSS versão 18.0. [SPSS Inc. Lançado em 2009. Estatísticas PASW para
Windows, versão 18.0. Chicago: SPSS Inc.]. As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas (n) e relativas (n%) e as comparações intragrupos foram feitas pelo teste qui-quadrado com análise de resíduos ajustados.
A análise multivariada foi realizada através de regressão logística, a partir de um modelo hierárquico de análise (Figura 1), utilizando o processo de seleção para trás e considerado valor
p≤0,20 para manter as variáveis no modelo. Como resumo da variação da proporção de não amamentar na primeira hora após o parto explicada pelo modelo, foram calculados o coeficiente de regressão final (B),
odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). O nível de significância adotado para todas as análises foi fixado em 5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande sob o número 278/2018, CAAE: 03488918.4.0000.5324, em 19 de dezembro de 2018.
A Figura 1 mostra o modelo hierárquico de regressão logística binária. Referencial teórico dos fatores de risco para não amamentar na primeira hora após o parto estruturado em blocos hierárquicos.
ResultadosUm total de 2.314 partos foram realizados no ano de 2019. Na amostra do estudo, 213 (9,2%) foram excluídos por apresentarem complicações que impediram a amamentação na primeira hora do nascimento: mães com diagnóstico de HIV (n=41), recém-nascidos internados em unidade de cuidados intermediários (n=5), recém-nascidos internados em unidade de terapia intensiva (n=129) e outros motivos (n=23). Ainda houve a exclusão por não obter acesso às informações necessárias (n=15 perdas). Assim, 2.101 nascimentos foram incluídos nas análises finais, sendo classificados como recém-nascidos amamentados (n=1.559, 74,2%) ou não amamentados (n=542, 25,8%) na primeira hora após o parto (Figura 2).
As características sociodemográficas são apresentadas na Tabela 1. Menores idades maternas (até 25 anos) foram associadas à amamentação na primeira hora após o parto (49,6%), enquanto idades entre 26 a 35 anos foram associadas à não amamentação na primeira hora após o parto (52,8%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001). A escolaridade materna até o ensino fundamental foi associada à amamentação na primeira hora após o parto (38,4%), enquanto aquelas com pelo menos o ensino superior foram associadas à não amamentação na primeira hora após o parto (35,1%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001). A maior proporção de mães autodeclaradas negras amamentou na primeira hora após o parto (9,2%), enquanto as mães brancas não o fizeram (81,5%) (teste qui-quadrado,
p=0,007). As mães que não moravam com marido/companheiro apresentaram maior proporção de amamentação na primeira hora após o parto (15,9%), enquanto as que moravam com marido/companheiro não (91,5%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001). Ao categorizar a renda familiar (em dólares americanos) em
tercis, o
tercil mais baixo foi associado à amamentação na primeira hora após o parto (41%), enquanto o tercil mais alto foi associado à não amamentação na primeira hora após o parto (50,8%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001).
As características maternas e obstétricas das participantes estão descritas na Tabela 2. A amamentação na primeira hora de vida esteve associada a diversos fatores. Mães que relataram bom ou muito bom suporte paterno durante a gestação apresentaram maior frequência de amamentação precoce em comparação àquelas com suporte regular ou insatisfatório (
p=0,015). A presença de sintomas de transtorno de ansiedade generalizada esteve associada à menor ocorrência de amamentação na primeira hora (
p=0,041), enquanto o tabagismo durante a gestação se associou negativamente à prática (
p≤0,001).
A realização de menos de seis consultas de pré-natal também se associou à menor prevalência de amamentação na primeira hora (
p≤0,001), assim como a ausência de planejamento gestacional (
p≤0,001). A via de parto foi um dos fatores mais fortemente associados: partos vaginais apresentaram maior frequência de amamentação precoce, enquanto a cesariana esteve associada à menor prevalência (
p≤0,001). Da mesma forma, partos realizados em hospitais credenciados como Amigos da Criança favoreceram a amamentação precoce (
p≤0,001); mães que manusearam o bebê ainda na sala de parto apresentaram maiores taxas de amamentação na primeira hora (
p≤0,001).
A maioria das mães fumantes era multípara (87,7%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001), teve parto vaginal (63,1%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001), deu à luz em IHAC (77,9%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001), apresentou número reduzido de consultas de pré-natal (22,6%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001), não planejou a gravidez (79,9%) e a escolaridade foi até o ensino fundamental (61,1%) (teste qui-quadrado,
p≤0,001) (dados não apresentados).
Foram realizados modelos de regressão para a não amamentação na primeira hora após o parto e fatores associados, sendo excluídas as variáveis menos associadas ao desfecho. Um modelo final hierárquico foi produzido por regressões logísticas múltiplas (conduzidas em três blocos), e foi ilustrado na Figura 1. Dados estatísticos (coeficiente beta,
odds ratio, intervalos de confiança de 95% e valores-
p) do modelo final são apresentados na Tabela 3. Em síntese, a cesárea e o não parto em IHAC aumentaram em 11.705 (IC95%= 8.512 – 16.096) e 9.820 (7.501 – 12.857) vezes, respectivamente, a chance de não amamentar na primeira hora após o parto (modelo de redução de regressão logística binária hierárquica,
p≤0,001 para ambos) (Tabela 3).
DiscussãoEste estudo identificou que 74,2% das mães amamentaram na primeira hora de vida do bebê, e que a evidência observacional corrobora com os achados de outros estudos, na medida em que se verificou que parto cesárea
13,14 e não nascer em IHAC
12 foram os fatores mais consistentes associados a não amamentação na primeira hora de vida.
Iniciativas globais da OMS visam aumentar as taxas de amamentação exclusiva até 2030, focando na saúde das crianças e nos impactos positivos para a economia e a sociedade. As metas incluem que pelo menos 70% das mães amamentaram na primeira hora de vida.
10 O presente estudo mostrou uma prevalência superior a 70%, alinhada com as recomendações da OMS.
Estudos nacionais e internacionais revelaram grandes disparidades na prevalência da amamentação na primeira hora de vida. Países asiáticos e africanos apresentaram menores taxas em comparação aos americanos e europeus. A menor prevalência foi encontrada em um estudo prospectivo de coorte com 695 mães residentes de Jiangyou, na China.
17 Apesar de a amamentação na primeira hora de vida ter sido de apenas 9%, a frequência em aulas pré-natais sobre amamentação e o incentivo da equipe do hospital IHAC foram fatores associados ao início da amamentação logo após o parto.
As maiores prevalências foram observadas nos continentes europeu e americano: 92,6% no estudo conduzido na cidade de Viseu, em Portugal,
18 88,2% na pesquisa realizada na Espanha e em um hospital na Irlanda,
16 85% na cidade de Oulu, na Finlândia,
23 70,2% em QuerÉtaro, no México.
24 Destaca-se que um dos estudos com maior índice de prevalência registrado no Brasil, que alcançou 79,5% foi realizado na região da Tríplice Fronteira.
25 O parto vaginal foi identificado como um fator protetivo para a amamentação na primeira hora em várias dessas pesquisas, assim como neste estudo.
Os resultados de um estudo realizado em Pelotas, no Sul do Brasil,
26 confirmam os achados desta pesquisa, demonstrando a existência de associação entre nascer em um hospital IHAC e o aleitamento precoce. Esse estudo revelou que, para neonatos nascidos em maternidades que não adotam a IHAC, o risco de não mamar na primeira hora aumentou em 42%. Além disso, não mamar na primeira hora elevou o risco de não amamentar exclusivamente ao seio com um mês de vida (RR=1,24,
p=0,01). Também foram encontrados valores inferiores de prevalência de aleitamento precoce, no qual 48,6% dos neonatos foram amamentados na primeira hora em hospitais IHAC, em comparação com 31,7% nas demais maternidades.
Um fato relevante é a possível melhora na prevalência de aleitamento na primeira hora no estado do RS nos últimos anos, visto que o estudo atual obteve uma prevalência significativamente maior (74,2%) em comparação com os estudos realizados há mais de uma década nas cidades de Pelotas
26 (37,8%) e de Porto Alegre
27 (52%).
Na amostra estudada, o índice de mulheres que cursaram ensino superior ou pós-graduação é baixo, apenas 21,7% concluíram o terceiro grau, dado que também é coerente com as faixas de renda familiar das puérperas do estudo. Embora fosse esperado que mulheres com maior escolaridade tivessem mais informações sobre amamentação e apresentassem maiores prevalências de amamentação na primeira hora como demonstrou a pesquisa de Araújo
et al.,
13 este estudo mostrou o oposto, menores níveis de escolaridade estavam associados ao aleitamento precoce. Em decorrência de análises extras sobre cruzamentos entre escolaridade e ter o parto em IHAC ou não, e tipo de parto, a hipótese levantada para esse achado é a de que mulheres com menor escolaridade realizaram mais parto normal e ganharam mais seus bebês em hospitais da IHAC, os quais possuem o treinamento intensificado de equipes para instruir quanto à amamentação e respeito a Hora de Ouro.
14 É importante, ainda, ressaltar que 66,3% da amostra teve seu parto em IHAC na presente pesquisa.
Na análise bivariada, puérperas com sintomas de ansiedade apresentaram menor chance de amamentar na primeira hora de vida, mas essa associação perdeu significância na análise múltipla. Uma revisão sistemática realizada em 2022 por Yuen
et al.20 apontou resultados diversos: alguns estudos mostraram que a amamentação reduz o risco de ansiedade pós-parto, enquanto outros não identificaram tal redução, mostrando a necessidade de novos estudos para esclarecer melhor essa associação.
Embora 70,2% das puérperas tenham relatado não ter recebido informações sobre amamentação no pré-natal, não houve associação significativa com o desfecho. Esse resultado é similar a um estudo indiano
28 com 150 puérperas, onde apenas 26% iniciaram a amamentação na primeira hora, apesar de 71,3% terem recebido orientação pré-natal. Isso pode indicar que é necessário aprimorar a qualidade do aconselhamento e investir em políticas de educação em saúde para impactar a amamentação na Hora de Ouro.
Outras pesquisas
13,14 revelaram que mulheres submetidas à cesariana têm maior risco de não realizar amamentação precoce, um achado que também foi identificado na presente pesquisa. Isso pode ser atribuído à separação precoce entre mãe e bebê, frequentemente associada às cesáreas, como demonstrado pelo inquérito nacional Nascer Brasil
14 que apontou altos índices de separação precoce nessas situações. É essencial garantir apoio à amamentação na primeira hora, especialmente para mães com cesárea, promovendo um início bem-sucedido do aleitamento.
O apoio do pai como "excelente" foi mais frequentemente relatado em partos cesarianos, indicando seu potencial para promover o aleitamento precoce nesta via de parto. Investir no envolvimento dos pais pode compensar a menor taxa de amamentação na primeira hora em cesáreas, desconstruindo a ideia de que a amamentação é responsabilidade exclusiva materna.
Os achados deste estudo reforçam a necessidade de superar barreiras persistentes à amamentação na primeira hora de vida, mesmo em instituições certificadas pela IHAC. Estudos brasileiros apontam que, em muitas maternidades, inclusive as credenciadas, rotinas hospitalares ainda dificultam a vivência plena da Hora de Ouro.
14 Em uma pesquisa com 415 binômios mãe-bebê em Natal, mais da metade dos recém-nascidos recebeu fórmula infantil na primeira hora de vida, muitas vezes sem prescrição médica.
29 Outro estudo na Paraíba revelou que apenas 9,3% das puérperas conseguiram manter contato pele a pele contínuo por mais de 30 minutos, como recomendado.
30Uma limitação importante deste estudo foi a ausência de dados específicos sobre a duração e efetividade do contato pele a pele, o que inviabilizou sua análise principal. Além disso, o delineamento transversal impede a inferência de causalidade entre as variáveis. A maioria das evidências revisadas possui natureza observacional e limitações metodológicas, o que reforça a urgência por estudos primários mais robustos no contexto perinatal. Ainda assim, por ter sido realizado antes da pandemia de COVID-19, o estudo contribui como linha de base para análises comparativas futuras.
Na seleção da literatura, priorizaram-se estudos locais com desfechos perinatais semelhantes, para garantir comparabilidade. O estudo nacional Nascer Brasil foi incluído como referência complementar de abrangência nacional.
14A associação entre nascimento em Hospital Amigo da Criança e amamentação precoce foi significativa, evidenciando a eficácia de práticas como o Passo 4 da IHAC
8. Embora 66,3% dos partos do estudo tenham ocorrido em hospitais credenciados, os dados apontam a necessidade de expandir essas práticas para hospitais privados e não IHAC.
Apesar de avanços regionais, os indicadores ainda estão abaixo das metas da OMS. O parto em hospital não IHAC e a cesariana mostraram-se associados à não amamentação precoce. Fortalecer políticas de promoção do aleitamento, especialmente para partos fora da IHAC e cesáreas, é fundamental para qualificar a assistência, garantir direitos e favorecer a saúde física e emocional do binômio mãe-bebê.
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Contribuição dos autores: Teixeira DCL: planejamento do manuscrito, revisão de literatura, análise de dados, redação do manuscrito; Santos DB: coorientação do manuscrito, redação do manuscrito; Corrêa ML: análise de dados, redação do manuscrito; Garcia MO: revisão de literatura e tabelas do manuscrito; Prietsch SM: orientação da pesquisa, supervisão da redação do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Disponibilidade de Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Recebido em 19 de Fevereiro de 2024
Versão final apresentada em 28 de Abril de 2025
Aprovado em 5 de Maio de 2025
Editor Associado: Karla Bomfim