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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Imunoterapia orofaríngea de colostro em recém-nascidos prematuros e mortalidade neonatal: uma revisão sistemática com metanálise

Jociene Roberto da Silva1; Heli Vieira Brandão2; Michelle de Santana Xavier Ramos3; Tatiana de Oliveira Vieira4; Matheus Gomes Reis Costa5; Camilla da Cruz Martins6; Graciete Oliveira Vieira7

DOI: 10.1590/1806-9304202500000105 e20240105

RESUMO

OBJETIVOS: investigar o efeito da imunoterapia orofaríngea de colostro (IOC) na incidência de morte em recém-nascido pré-termo.
MÉTODOS: trata-se de uma revisão sistemática com metanálise, com protocolo do estudo registrado no PROSPERO. As bases de dados utilizadas foram: Lilacs, Pubmed, Web of Science, Portal CAPES, Scopus, REBEC e Clinical Trial; e, incluídos estudos publicados de 2007 a 2024, sem limitação de idiomas. Foram selecionados ensaios clínicos randomizados que utilizaram IOC em prematuros e apresentaram como desfecho morte. As etapas da revisão consistiram em: produção do protocolo, registro, elegibilidade dos estudos, extração dos dados, avaliação da qualidade dos estudos, síntese dos dados e metanálise. Os softwares utilizados foram: Rayyan e Stata 10.0.
RESULTADOS: foram incluídos 15 estudos para análise qualitativa e quantitativa. No que concerne a avaliação do risco global, os estudos foram considerados como alto risco de viés. Na análise quantitativa, a amostra foi composta por 1.497 prematuros; e, a medida meta-analítica mostrou uma diferença da média de RR= 0,750 (IC95%= 0,582-0,967, sem evidências de heterogeneidade entre os estudos (I2=0,0%; p=0,649).
CONCLUSÃO: a medida meta-analítica sugere um possível efeito positivo da IOC na redução da mortalidade neonatal de prematuros.

Palavras-chave: Imunoterapia, Colostro, Recém-nascido prematuro, Morte perinatal, Metanálise

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate the effect of oropharyngeal colostrum immunotherapy (OCI) on death incidence in preterm newborns.
METHODS: this is a systematic review with meta-analysis, a study protocol registered in PROSPERO. The databases used were: Lilacs, Pubmed, Web of Science, Portal Capes, Scopus, REBEC and Clinical Trial; and, included studies published from 2007 to 2024, without language limitations. Randomized clinical trials that used OCI in premature infants and had death as an outcome, were selected. The review stages consisted of: protocol production, registration, study eligibility, data extraction, study quality assessment, data synthesis and meta-analysis. The software used was: Rayyan and Stata 10.0.
RESULTS: 15 studies were included for qualitative and quantitative analysis. Regarding the assessment of global risk, the studies were considered to have a high risk of bias. In the quantitative analysis, the sample consisted of 1,497 premature infants; and, the meta-analytic measure showed a difference from the mean of RR=0.750 (95%CI=0.582-0.967), without evidence of heterogeneity between studies I2=0.0%; p=0.649 and positive trend in preventing the incidence of death in the intervention group compared to the control group.
CONCLUSION: the meta-analytic measurement suggests a possible positive effect of OCI in reducing neonatal mortality in premature infants.

Keywords: Immunotherapy, Colostrum, Premature newborn, Perinatal death, Meta-analysis

Introdução
A prematuridade é definida quando o nascimento ocorre antes de 37 semanas completas de gestação sendo um sensível marcador de condições de vida e saúde de uma população considerada prioridade em saúde pública.1 A Organização Mundial da Saúde estimou que 152 milhões de crianças nasceram prematuras, na última década, no mundo; e, no ano 2020, cerca de 1 milhão de recém-nascidos pré-termos (RNPT) morreram por complicações da prematuridade.1 Em 2020, no Brasil, foram registrados 308.702 nascimentos prematuros;2 desses, 1.416 morreram devido à prematuridade.3
Ao longo das últimas décadas, vários estudos e estratégias foram desenvolvidos para compreender e reduzir a taxa de mortalidade neonatal no mundo e no Brasil. Uma medida relevante é o aleitamento materno, pois além de suas características nutricionais, apresenta componentes imunobiológicos que desempenham importante papel contra morbidades e mortalidade.4-7 Por sua vez, o colostro se destaca pela riqueza em biofatores imunomoduladores, que estimulam as células dos tecidos linfóides e pode favorecer o amadurecimento do trato gastrointestinal e do sistema imunológico, aspecto de relevância sobretudo para os RNPT, pois apresentam imaturidade imunológica e do tubo digestório.4
O uso do colostro como terapia imunológica - Imunoterapia Orofaríngea de Colostro (IOC) – é uma prática clínica com a utilização do colostro cru em pequenas doses na orofaringe de recém-nascidos prematuros, sobretudo, os de muito baixo peso (RNPT MBP), com fins imunológicos e não nutricionais.6 A IOC está associada à redução de enterocolite necrosante,8-11 pneumonia associada à ventilação mecânica,11,12 sepse de início tardio,10,11 intolerância alimentar,10 tempo para alimentação enteral plena,7,10,11,13 tempo de internamento9,11,14 e recuperação mais rápida do peso ao nascer.10,13
Assim, a IOC previne desfechos clínicos desfavoráveis que contribuem para o incremento da taxa de mortalidade de RNPT. No entanto, há controvérsias na literatura quanto ao efeito positivo da IOC contra a mortalidade neonatal.9,10,15 O atual estudo teve como objetivo averiguar o efeito da IOC na incidência de morte em RNPT, relevante intervenção que previne agravos à saúde de prematuros.
Métodos
Trata-se de uma revisão sistemática com metanálise de estudos que avaliaram o uso da IOC na incidência de morte em RNPT, que seguiram as recomendações do PRISMA 202016 e das "Diretrizes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados".17
Foi realizada uma busca nas bases de dados referidas a seguir: Cochrane Library, Biblioteca Cochrane na BVS, Center for Reviews and Dissemination (CRD), Clinical Queries, PubMed e International Prospective Register of Ongoing Systematic Reviews (PROSPERO), para verificar a existência de protocolos cadastrados com o tema. O protocolo deste estudo tem autoria própria e foi registrado no banco internacional de registro de revisões sistemáticas PROSPERO, sob o número CRD42022313945.
Critérios de inclusão e exclusão de estudos
Como critérios de elegibilidade, considerou-se estudos em humanos, sendo ensaios clínicos randomizados, que utilizaram IOC em RNPT com idade gestacional menor que 37 semanas, tendo como desfecho a incidência de morte, sem limitação de idiomas. Foram excluídos estudos conduzidos em modelo animal e que trataram a intervenção do colostro em outros aspectos que não o óbito. Foram selecionados estudos publicados de 2007 a 2024, com intuito de identificar os primeiros estudos publicados com a temática investigada.
Seleção e elegibilidade dos estudos
As bases de dados utilizadas foram: Lilacs, Pubmed, Web of Science, Portal Capes/MEC, Scopus, Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC) e Clinical Trial. A estratégia de busca foi construída pelos autores, com palavras-chaves, operadores Booleanos, filtros e limitadores usados nas diferentes bases de dados eletrônicas (Tabela 1). A seleção dos estudos em periódicos indexados nas bases citadas foi realizada até o dia 20 de março de 2024, e foram incluídos textos na íntegra e resumos. Adicionalmente, durante a busca, foram identificados outros artigos na lista de referências de estudos publicados e já capturados, que atendiam os critérios de inclusão e que possivelmente não foram capturados pelas estratégias utilizadas.
 


A seleção dos estudos foi realizada por dois revisores de forma independente (JRS e CCM), com a combinação de descritores que compõem o acrônimo PICO deste estudo (P – Recém-nascido prematuro, I – IOC, C – Recém-nascido prematuro não tratado com IOC (delimitado por ensaio clínico) e O – Mortalidade entre prematuros) (Tabela 1); e, auxílio do aplicativo Rayyan para eliminar duplicatas e verificar concordância entre revisores. Em seguida, foi realizado leitura do título e do resumo para selecionar referências e descartar aquelas que não se enquadraram nos critérios de elegibilidade estabelecidos para esta revisão. Por fim, os dois revisores fizeram leitura na íntegra dos artigos selecionados.
Para artigos não disponíveis nas bases de dados, foi realizado contato com os autores; e, caso o título fosse sugestivo de inclusão do desfecho pesquisado, mas se o resumo não estivesse disponível, o artigo permaneceria no aplicativo e passaria para a fase de leitura completa do texto. Caso houvesse discordância entre os revisores quanto ao julgamento da elegibilidade do artigo, um terceiro revisor (MSXR) foi requerido para avaliação final.
Extração dos dados e avaliação da qualidade dos estudos
A extração e consolidação dos dados foi feita em um quadro estruturado no Excel, com as seguintes informações: tipo de publicação, autor, ano de publicação, título do artigo, objetivo, método de análise, resultados, duração de seguimento, conclusões, revista, Qualis da revista, ano da pesquisa, financiamento da pesquisa, tipo de financiamento, país do estudo, continente do estudo, análise estatística dos estudos como: RR bruta, p-valor, RR ajustada. Critérios de inclusão e exclusão, tamanho da amostra, idade média dos participantes, descrição da intervenção e controle, tempo de IOC, variáveis confundidoras e o desfecho do estudo.
A qualidade metodológica dos estudos selecionados foi avaliada usando o instrumento de risco-de-viés recomendado pela Cochrane Collaboration, para ensaios clínicos randomizados, Cochrane risk-of-bias tool for randomized trials (RoB 2),18 no que diz respeito aos potenciais vieses agrupados em cinco domínios (risco de viés decorrente do processo de randomização, risco de viés no cegamento dos participantes e equipe referente à alocação ou aderência, incompletude dos dados referentes aos desfechos, risco de viés na avaliação da medida de desfecho e risco de relato seletivo dos desfechos). Um risco de viés global foi apresentado para cada domínio em: alto (quando pelo menos um domínio foi julgado como de alto risco de viés), algumas preocupações (quando pelo menos um domínio suscitou algumas preocupações) e baixo (quando todos os domínios foram de baixo risco).
Metanálise
Foram incluídos na metanálise todos os estudos publicados que atenderam aos critérios de inclusão; e, por se tratar de temática nova, percebeu-se poucos estudos abordando a associação investigada. A heterogeneidade estatística foi avaliada por meio do i-quadrado (I2) da medida de associação global para identificação da magnitude do indicador e, em seguida, realizou-se a metanálise. As medidas de associação estimadas foram o risco relativo e seus respectivos intervalos de confiança de 95%, obtidas com a análise de efeito fixo por meio do método de Mantel-Haenszel para variáveis binárias usando o pacote estatístico STATA 16.0. Feita análise de sensibilidade pelo risco de viés e verificado o valor da evidência e a força das recomendações com a abordagem de Avaliação, Desenvolvimento e Avaliação da Classificação de Recomendações (GRADE).
Resultados
Foram capturados 399 estudos nas bases de dados e mais cinco estudos identificados por busca ativa da lista de referência dos estudos; do total, quinze foram selecionados para compor a revisão sistemática e metanálise, conforme observado no diagrama de fluxo de entrada e saída dos estudos apresentado na Figura 1. Os dados extraídos dos 15 estudos da revisão sistemática estão na Tabela 2.
 



 


Características dos estudos selecionados
Os estudos de ensaio clínico randomizado selecionados foram publicados no período de 2007 a 2024, nos continentes americano (5), africano (1) e asiático (9). A intervenção utilizada foi a IOC, e os grupos controles utilizaram água destilada, fluidos parenterais exclusivos, cuidados de rotina ou regime alimentar padronizado nas respectivas unidades neonatais. As vias de oferta da intervenção relatadas nos estudos foram: lavagem gástrica,19 gotejamento com seringa8,20-31 ou higiene oral com swab.32
Ressalta-se que todos os estudos tiveram como objetivo avaliar a eficácia da IOC em desfechos relacionados a alguma condição de saúde de recém-nascidos, sendo que quatro apresentaram o desfecho morte de forma primária23,29,31,32 e onze de forma secundária.8,19-22,24-28,30 Nenhum dos estudos utilizados encontrou resultado estatisticamente significativo para a investigação do desfecho morte, sendo que quatro destes estudos não referiram valor de p.22,25,28,31 Ademais, quatorze estudos foram publicados na forma de artigo científico em periódicos e um dos estudos foi um resumo apresentado no congresso da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição.31
A avaliação do risco de viés dos estudos, ocorreu por meio da ferramenta RoB 2 da Cochrane (Figura 2) e demonstrou que três estudos apresentaram baixo risco;23,26,32 dois despertam alguma preocupação24,25 e dez dos quinze estudos apresentam alto risco de vieses.8,19-22,27,28,30
 


O julgamento do risco de viés foi avaliado em risco global como alto risco de viés, em virtude da incompletude dos dados referentes aos desfechos (Domínio 3) e do risco de viés na avaliação da medida de desfecho (Domínio 4) apresentados pelos artigos. Soma-se a este fator a diversidade de protocolos de IOC entre todos os estudos e as disparidades nos tamanhos das amostras. Verificou-se também, insuficiente descrição da randomização, ocultação e alocação das amostras ou até mesmo não foram descritas.8,21,22,28,30,31 Todos os estudos afirmaram que o tratamento foi alocado aleatoriamente; no entanto, cinco estudos21,22,25,28,31 não especificaram o método usado para gerar a sequência aleatória. Da mesma forma, seis estudos não mencionaram métodos de ocultação de alocação;8,19,25,27,29,31 desses, três relataram que o cegamento da intervenção não era aplicável devido à natureza da intervenção;8,25,29 e, um estudo, apesar de apresentar a ocultação da alocação, não referiu o cegamento.30 Dentre os estudos, seis foram cegados para condução da IOC.20,22-24,26,32
Foram identificadas prováveis fraquezas metodológicas na maioria dos estudos incluídos, quando avaliados pelo RoB 222,25-30 (Figura 2). A qualidade dos estudos incluídos nesta metanálise está apresentada graficamente com porcentagens para cada domínio e o resultado de cada avaliação do RoB 2 (Figura 2).
Metanálise
A metanálise demonstrou influência positiva da administração da IOC na diminuição da incidência de óbito em RNPT (Figura 3). O tamanho total da amostra foi de 1.497 participantes. O efeito na taxa de mortalidade por todas as causas entre os grupos foi realizado com amostra total de 197 óbitos em RNPT entre as amostras de intervenção (83) e de controle (114) somadas. Todos os estudos apresentaram óbito entre as amostras de intervenção e controle, exceto, os estudos de Sohn et al.25 e Romero-Maldonado et al.,22 que não apresentaram óbito no tratamento; e, ausência de óbito no grupo controle foi verificado nos artigos de Rodriguez et al.20 e Easo et al.24
 


O teste de heterogeneidade entre os estudos mostrou um I2=0,0%. O teste Q apresentou um p=0,649, que aceita a hipótese nula de homogeneidade dos estudos, com isso podemos optar por uma metanálise de efeito fixo. A medida meta-analítica dos estudos foi de RR= 0,750 (IC95%=0,582-0,967), demonstrando que houve efeito protetivo da IOC na incidência de óbito em RNPT entre os grupos de intervenção e controle. A análise foi dominada por três estudos27,29,30 que apresentaram um peso de 53,81%. O gráfico demonstra que existe efeito da intervenção de IOC na prevenção de morte em RNPT.
Feita análise de sensibilidade pelo risco de viés, omitindo-se três estudos20,22,24 que se apresentavam nos extremos das distribuições dos resultados (outliers) do florest plot; e, dois deles20,24 com menor peso na análise final. Observou-se que os dados não se modificaram, com a manutenção da homogeneidade (I2=0,0%, p=0,835) e medida metanalítica de RR= 0,750 (IC95%=0,58-0,98), bastante semelhante à da análise final.
O valor da evidência e a força das recomendações foi verificado com a abordagem de Avaliação, Desenvolvimento e Avaliação da Classificação de Recomendações (GRADE), e concluiu-se que o ranqueamento dos estudos utilizados nesta metanálise, sendo eles ensaios clínicos randomizados, torna a evidência, a priori, classificada como de moderada confiança. Assim, é provável que pesquisas adicionais tenham um impacto importante na nossa confiança na estimativa do efeito; e, acreditamos que futuramente possam alterar a estimativa para alta confiança em favor do tratamento.
Discussão
O atual estudo, composto por 1.497 RNPT, demostrou tendência de efeito positivo da IOC na redução da mortalidade em prematuros, mediante síntese estatística de resultados numéricos de 15 ensaios clínicos randomizados, estudos primários que integraram essa metanálise.8,19-32
O achado desta metanálise é confirmado com recente ensaio clínico conduzido por Martins et al.11 e duas outras metanálises recentemente publicadas.10,33 Entretanto, as metanálises de Huo et al.,12 Peng et al.9 e Slouha et al.34 não observaram a redução da incidência de morte no grupo tratamento em comparação ao controle.
Vale ressaltar que, dentre os estudos avaliados, ficou demostrado efeito positivo da IOC sobre diversos eventos que contribuem para agravos à saúde e morte neonatal, como: sepse de início tardio,19,22,26,28 intolerância alimentar,28 menor tempo para obtenção da alimentação enteral plena,20,27 redução significativa no tempo de uso de fluídos parenterais,19 menor tempo de internação8,19,20,27,32 e menor tempo para recuperação do peso de nascimento.20 Encontrou-se também benefícios imunológicos, como: maiores níveis de IgA,20,22 inibição da secreção de citocinas inflamatórias,26 aumento dos níveis circulantes de fatores imunoprotetores26 e instalação de microbiota oral benéfica,25 quando comparados os respectivos grupos intervenção, que fizeram uso de IOC, com os controles.
Os achados dos estudos reforçam a plausibilidade biológica da IOC na redução da incidência de mortes neonatais, uma vez que ficou demonstrado efeito protetor dessa intervenção contra diversos distúrbios clínicos que contribuem para óbitos dos RNPT, sobretudo para aqueles de muito baixo peso. A Organização Mundial da Saúde ressalta que, para a redução da mortalidade em prematuros, é preciso a prevenção de patologias de cunho infeccioso e de cuidados com a nutrição adequada, por serem importantes fatores de risco para esta população,1 que apresenta, dentre as suas vulnerabilidades, a imaturidade imunológica e do tubo digestório.5,35
Os resultados contribuem também o conhecimento prévio do valor e importância do colostro nos primeiros dias de vida. Pois, quando o recém-nascido a termo é amamentado diretamente no peito, o tecido linfóide da orofaringe pode absorver os componentes imunoativos do colostro, favorecendo assim proteção imunológica. Para os prematuros, que não podem ser alimentados por via oral, a proteção imunológica do colostro pode ser efetivamente fornecida pela administração de colostro orofaríngeo.5,35,36 RNPT, que receberam colostro orofaríngeo, apresentaram níveis mais baixos de fatores pró-inflamatórios (IL-6, IL-8, TNF-α e IFN-γ) e níveis mais elevados de fatores antiinflamatórios (IL-10), indicando que esta via de administração exerce um papel ativo na regulação imunológica dos prematuros,36 proporcionado pelo contato de biofatores protetores presentes no colostro com o tecido linfoide da orofaringe dos prematuros.5,35,36
Os resultados dos 15 estudos, que compuseram essa metanálise, demostraram também que a IOC é um procedimento seguro para os RNPT.8,19,21,28,30 Ademais, a IOC, por ser um procedimento simples, viável e de baixo custo, pode ser utilizada como medida de prevenção primária, estratégia que pode contribuir para amenizar os fatores de risco inerentes à prematuridade, a exemplo de imaturidade do sistema imunológico,20,22,25,26 imaturidade do tubo digestório,5,35 atraso no início da alimentação enteral4,20,27 e tempo de internação.8,19,22,27,32
Averiguamos ausência de padronização quanto a técnica de administração da IOC. Uma vez que, a maioria dos estudos (13) realizou protocolo de administração do colostro por via orofaríngea; no entanto, o estudo realizado por Patel e Shaikh19 utilizou a lavagem gástrica com leite da própria mãe, e, o estudo de Jain et al.32 ministrou o colostro através de higiene oral com swab. O volume, a frequência e a duração das aplicações diárias foram diferentes entre os protocolos, variando na quantidade de 0,1 a 0,3 mL; frequências de oferta a cada duas, três, quatro, seis ou oito horas; e duração mínima da intervenção por até 48 horas e máxima até o início da alimentação enteral. Dos quinze estudos, predominou o protocolo de intervenção de 0,2 mL, a cada duas horas por até 48 horas, podendo se estender até o início da alimentação oral em cinco estudos.21-23,25,27 Diferentemente, os dados encontrados por Fu et al.10 sugerem que a aplicação apropriada de colostro deve ter frequência de administração a cada quatro horas e duração do tratamento entre oito a dez dias. Existe concordância entre os estudos quanto aos benefícios do início precoce da intervenção.
Um quesito fundamental em uma metanálise é a garantia de homogeneidade em relação aos aspectos clínicos e metodológicos, entre os estudos individuais que compõem os dados da revisão sistemática. Averiguamos que o teste de heterogeneidade, entre os estudos incluídos na metanálise, demonstrou não heterogeneidade, ou seja, os estudos individuais avaliados apresentaram homogeneidade e consistência dos resultados entre si.
Quanto às limitações, a principal é a inerente à metodologia das metanálises, pois se fundamenta em estudos primários publicados, que podem apresentar restrições metodológicas. Essa limitação está em consonância com estudos semelhantes que empregam a mesma metodologia. Por outro lado, os diferenciais desta investigação, são: ter avaliado especificamente, a influência da IOC na incidência de óbito entre os RNPT, estratégias de pesquisa sistematicamente seguidas, através de protocolo validado pelo PROSPERO, inclusão de 15 ensaios clínicos randomizados, com homogeneidade e consistência dos resultados entre si, perfazendo a amostra de 1.497 RNPT; medidas essas que podem contrabalançar as limitações inerentes aos estudos em que se baseia.
Conclusão
Conclui-se que a análise quantitativa dos 15 estudos primários, composto por 1.497 RNPT, incluídos na revisão sistemática com metanálise, confirmou o pressuposto do efeito positivo da IOC na redução da mortalidade neonatal de RNPT. No entanto, são necessárias novas pesquisas primárias, com poder estatístico superior, para comprovação desse e de outros benefícios correlacionados a IOC. Os resultados deste trabalho podem fornecer base para implementação clínica da IOC em unidades neonatais, como modo de prevenção de óbitos neonatais, bem como pode embasar estudos futuros. Todos os caminhos fortalecem o uso da IOC para os RNPT, medida segura, simples e de fácil implementação.
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Contribuição dos autores: Silva JR, Brandão HV, Ramos MSX, Costa MGR e Martins CC: concepção, análise e interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito. Vieira TO e Vieira GO: desenho do estudo e revisão crítica do manuscrito. Silva JR é o pesquisador responsável pelo estudo, trabalhando desde a concepção até a redação e revisão da versão final. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.


Recebido em 22 de Abril de 2024
Versão final apresentada em 2 de Dezembro de 2024
Aprovado em 3 de Dezembro de 2024

Editor Associado: Gabriela Sette

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