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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Participação das gestantes em atividades educativas e indicação da maternidade de referência ao parto no pré-natal

Laiza Santos Pimentel Haddad 1; Susana Bubach 2; Andréia Soprani dos Santos 3; Bernardo Lessa Horta 4; Adriana Marchon Zago Cypreste 5; Cíntia Ginaid de Souza 6; Ary Celio de Oliveira 7; Edna Cellis Vaccari Balt 8; Rosiane Ramos Catharino 9; Lícia Baião Duemke 10; Tânia Mara Ribeiro dos Santos 11; Wanêssa Lacerda Poton 12

DOI: 10.1590/1806-9304202400000312 e20220312

RESUMO

OBJETIVOS: analisar os fatores associados à participação das gestantes em atividades educativas e sua indicação à maternidade de referência ao parto durante o pré-natal.
MÉTODOS: estudo longitudinal multicêntrico realizado em três maternidades. Utilizou-se entrevista realizada logo após o parto e os desfechos avaliados foram a participação em atividade educativa no pré-natal e a indicação da maternidade de referência ao parto. Utilizou-se Regressão de Poisson na análise do modelo hierárquico proposto.
RESULTADOS: das 3438 participantes, 23,2% participaram de atividades educativas e 61,2% tiveram o parto referenciadoà uma maternidade. As mulheres com maior renda familiar (RP= 1,36; IC95%= 1,04–1,77), com aumento em um ano na idade (RP= 1,02; IC95%= 1,01–1,04), primeira gestação (RP= 1,84; IC95%= 1,56–2,17) e que praticavam atividade física (RP= 1,28; IC95%= 1,09–1,50) tiveram maior prevalência de participação nas atividades educativas. A indicação da maternidade foi mais frequente entre as mulheres com maior renda familiar (RP= 1,15; IC95%= 1,01–1,30), escolaridade (RP= 1,01; IC95%=1,00–1,02), não tabagistas (RP= 1,31; IC95%= 1,07–1,61) e usuárias de drogas (RP= 1,44; IC95%= 1,17–1,77).
CONCLUSÕES: apesar da ampla cobertura, o pré-natal ainda apresenta falhas nas ações educativas e na indicação da maternidade de referência.

Palavras-chave: Cuidado pré-natal, Educação em saúde, Qualidade da assistência à saúde, Saúde materno-infantil, Assistência perinatal

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate the associated factors in the participation of educational activities and the indication of maternity reference of the birth given for the women during prenatal. Methods: A multicenter longitudinal study was conducted in three maternity hospitals. The interview was carried out soon after the childbirth and the outcomes evaluated were the participation of educational activities during the prenatal and the indication of birth maternity reference. The Poisson regression was used in the analysis of the proposed hierarchical model.
RESULTS: Of the 3438 women, 23.2% participated in the educative activities and 61.2% had the childbirth linked to a reference maternity. The women with higher household income (PR= 1.36; CI95%= 1.04-1.77), increase in age by one year (PR= 1.02; CI95%= 1.01-1.04), first pregnancy (PR= 1.84; CI95%= 1.56-2.17), and who practiced physical activity (PR= 1.28; CI95%= 1.09-1.50) had higher prevalence in the participation on the educational activities. The indication of maternity reference was more frequent between the women with higher household income (PR= 1.15; CI95%= 1.01-1.30), education (PR= 1.01; CI95%= 1.00-1.02), non-smoker (PR= 1.31; CI95%= 1.07-1.61), and drug user (PR= 1.44; CI95%= 1.17-1.77).
CONCLUSIONS: despite the wide coverage, the prenatal still has flaws in the actions of education and in the indication of the reference maternity hospital.

Keywords: Prenatal care, Health education, Quality of health care, Maternal and child health, Perinatal care

Introdução

O desenvolvimento e o aprimoramento de programas e políticas públicas há décadas têm tido um importante papel na organização da atenção ao pré-natal e à criança no Brasil.1 O Ministério da Saúde, em 2000, criou o Programa de Humanização do Parto e Nascimento (PHPN) para odesenvolvimento de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-nascidos.2 Em 2004, estabeleceu uma Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil, que incentiva ações de orientação à mãe sobre a importância do aleitamento materno, teste do pezinho, cuidados com o coto umbilical, imunização e primeira consulta.3 Em 2011, foi implantada a Rede Cegonha, outra política que priorizaa qualidade do pré-natal e da assistência ao parto e nascimento, incluindo o acompanhamento integral das crianças até 24 meses de vida.4

Nesse cenário, é sabido que os óbitos neonatais, geralmente, estão associados a uma falha na assistência prestada à mãe e ao recém-nascido durante o período pré e pós-parto, sendo estes considerados evitáveis a partir do fornecimento de um cuidado integral em saúde, incluindo atividades educativas.5 Há evidências convincentes que as abordagens educativas durante a gravidez têm impacto potencial na redução da mortalidade neonatal.6 Esses processos incluem orientaçõe sem aleitamento materno, a vacinação materna e infantil, os cuidados com o cordão umbilical, a triagem neonatal por meio do “Teste do Pezinho”, as medidas preventivas e sinais de perigo para a mãe e o bebê e a primeira consulta do recém-nascido na primeira semana de vida.7 Em revisão sistemática sobre o impacto de ações educacionais desenvolvidas no pré-natal de baixo risco nos desfechos obstétricos, observou-se que as práticas educativas durante o pré-natal contribuem para resultados obstétricos favoráveis por minimizarem dúvidas e anseios da mulher durante a gestação, preparando-a para o parto e pós-parto.8

Adicionalmente às ações educativas, a indicação da maternidade durante o pré-natal promove o vínculo da gestante com a maternidade, evitando a peregrinação da mulher durante o trabalho de parto e riscos à sua saúde e à do recém-nascido.4

Apesar do aumento da cobertura da assistência pré-natal no País, estudo de base nacional apontou que apenas um quinto das mulheres receberam cuidado adequado de assistência pré-natal e tal resultado teve relação com desigualdades regionais e sociais.9 A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) identificou que 86,6% das mulheres iniciaram o pré-natal antes da 13ª semana de gestação, que 88,8% das mulheres com 15 anos ou mais e parto a termo ou pós-termo tiveram seis ou mais consultas de pré-natal e 70,1% realizaram pré-natal em estabelecimentos públicos de saúde, com o predomínio das Unidades Básicas de Saúde.10 Dificuldade de acesso, condições socioeconômicas desfavoráveis, baixa escolaridade materna11 e peregrinação pré-natal12 foram outros fatores associados à inadequada assistência pré-natal.

O conhecimento dos fatores relacionados à não participação em atividades educativas e a não indicação da gestante à maternidade de referência pelos gestores públicos pode favorecer o desenvolvimento de ações de saúde eficazes que, consequentemente, possam contribuir na prevenção de complicações para a mulher e recém-nascido. Sendo assim, o presente estudo analisou os fatores associados à participação em atividades educativas e à indicação da maternidade de referência ao parto fornecidas às mulheres durante o pré-natal.

Métodos

Foram avaliados dados de um estudo longitudinal multicêntrico, intitulado “Projeto Viver”, realizado com 3438 puérperas e recém-nascidos de três maternidades do estado do Espírito Santo no período de agosto de 2019 a março de 2020.

As maternidades, localizadas em duas regiões de saúde do estado (Metropolitana e Norte) foram escolhidas considerando dois aspectos: (1) concentrar o maior número de nascimentos na região; (2) possuir diversidade de atendimento, com coberturas de 80 a 100% Sistema Único de Saúde (SUS) e 100% particular ou conveniada à saúde suplementar.

A coleta de dados das mães e das crianças que não foram a óbito após o parto até a alta hospitalar incluiu entrevistas em três momentos: pessoalmente na maternidade, logo após o parto; no 7° e nos 27º dias de vida da criança, quando completaram o período neonatal, ambas por contato telefônico. Com intuito de reduzir perdas no seguimento, realizou-se o 2º acompanhamento entre o 7º e 10º dia de nascimento; e o 3º entre o 27º e o 30º dia.

Para garantir a qualidade da pesquisa, a coleta de dados foi realizada por uma equipe devidamente treinada e utilizados formulários padronizados. Foi elaborado um manual de orientação sobre preenchimento dos instrumentos e disponibilizado para cada membro da equipe.

Para analisar os fatores associados às variáveis dependentes (atividade educativa no pré-natal e indicação da maternidade de referência ao parto), utilizou-se um modelo hierarquizado que foi dividido em três níveis, contendo informações demográficas, socioeconômicas, hábitos comportamentais e sobre a assistência pré-natal.

O primeiro nível abrange as informações socioeconômicas e demográficas da mãe, como: escolaridade (anos de estudo completos); renda familiar (categorizada em quintis); relação civil (com companheiro; sem companheiro); se a mulher possuía trabalho com remuneração (sim; não); quantidade de moradores por cômodo, excluindo-se banheiros.

No segundo nível foram utilizadas informações demográficas, reprodutivas e hábitos comportamentais da mãe na gestação: idade (anos); paridade (0; >1); consumo de álcool (sim; não); consumo de tabaco (sim; não); consumo de drogas (sim; não); atividade física (sim; não); vítima de violência (sim; não).

O terceiro nível incluiu as variáveis gestacionais: modelo de serviço de saúde onde realizou o pré-natal (público; privado); semana da gestação que iniciou o pré-natal; número de consultas de pré-natal (<7; ≥7); classificação do risco da gestação por profissional de saúde (baixo; médio; alto; muito alto); problemas de saúde ocorridos durante a gestação (sim; não).

Para a análise e validação estatística das associações, foi utilizado o programa Stata versão 16.0. Na análise descritiva foram apresentados os valores absolutos e relativos de todas as variáveis categóricas e utilizado o teste qui-quadrado de Pearson para testar as variáveis dependentes com as variáveis independentes. No modelo hierarquizado utilizou-se a Regressão de Poisson com ajuste robusto da variância para estimar a razão de prevalência entre as mulheres que participaram de atividade educativa no pré-natal e as que receberam orientação sobre a maternidade de referência para o parto. Para todas as análises, adotou-se o nível de significância de 5%.

Inicialmente, fez-se análise de cada variável independente, utilizando o critério de informação de Akaike (AIC), o critério de informação Bayesiano (BIC) e o R2 ajustado para verificar em qual formato (categórica ou contínua) se ajustava melhor ao modelo.Posteriormente, fez-se a análise univariável para retirar do modelo as que apresentassem valor p>0,20. Todas as variáveis propostas no modelo hierárquico tiveram valor p<0,07.

A análise multivariável iniciou com a inclusão de todas as variáveis do primeiro nível, mantendo as que apresentaram valor p<0,05. Após, foram acrescentadas as variáveis do segundo nível e as com valor p>0,05 foram removidas do modelo. As variáveis do primeiro nível foram mantidas, independente do valor p, após a inclusão das variáveis do segundo nível. Seguidamente, as variáveis do terceiro nível foram incluídas e as que tiveram valor p<0,05 permaneceram no modelo, mantendo as variáveis dos níveis anteriores, independente do seu valor p.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vila Velha (UVV), sob parecer no. 3033870, da Unimed, parecer no. 3269032, e da Santa Casa de Vitória, parecer no. 3356606.

Resultados

Na maternidade, 3438 parturientes foram entrevistadas (82,7%) e houve uma relação positiva entre as que declararam ter participado de atividade educativa no pré-natal com a idade, a escolaridade e a renda familiar (p<0,001). A prevalência de participação nas atividades educativas foi maior entre as mulheres que tinham companheiro (24,6%) e nas que possuíam trabalho remunerado (27,1%) (Tabela 1). No entanto, a prevalência nessas atividades em geral foi baixa, em médiaduas a cada dez mulheres participaram de atividades educativas no pré-natal.
 


Quase o dobro das mulheres assistidas na saúde suplementar (31,8%) participaram de atividades educativas quando comparadas às que foram acompanhadas na saúde pública (17,6%). As mulheres na primeira gestação (29,5%) com pré-natal iniciado no primeiro trimestre (25,9%), com mais de sete consultas (25,9%) e que fizeram atividade física (35,1%) apresentaram maior participação nas atividades educativas. Entretanto, a menor participação foi observada nas mulheres que consumiram álcool (17,4%) e tabaco (14,2%) na gestação (Tabela 2).
 


Em relação à indicação da maternidade de referência ao parto (Tabela 3), 61,2% das mulheres foram informadas durante o pré-natal. A prevalência de indicação da maternidade de referência aumentou com a idade (p=0,001), a escolaridade materna (p<0,001) e a renda familiar (p<0,001). As mulheres com companheiro (62,5%) e as que tinham trabalho remunerado (64,9%) foram as que mais receberam orientação sobre a maternidade de referência ao parto.
 


Ao observar as características reprodutivas e da gestação atual das participantes (Tabela 4), houve maior indicação da maternidade de referência para as mulheres acompanhadas no serviço de saúde privado (71,6%), nulíparas (64,6%), pré-natal iniciado no primeiro trimestre (63,7%), com sete ou mais consultas de pré-natal (63,4%), risco gestacional alto (68,9%), problemas de saúde na gestação (63,4%), que não usaram álcool (62,4%) e tabaco (62,2%) e praticaram atividade física (68,1%) na gestação.
 


Para participação em atividades educativas no pré-natal, utilizou-se na análise inicial apenas variáveis que apresentaram nível de significância menor que 20%, sendo elas: escolaridade materna (p<0,001), renda familiar (p<0,001), relação civil (p=0,002), trabalho com remuneração (p<0,001), razão de moradores por cômodo (p<0,001), idade materna (p<0,001), paridade (p<0,001), consumo de álcool (p=0,007), consumo de tabaco (p=0,002), consumo de drogas (p=0,123), atividade física (p<0,001), modelo de serviço de saúde (p<0,001), trimestre de início do pré-natal (p<0,001), quantidade de consultas no pré-natal (p<0,001) e problemas de saúde na gestação (p=0,103).

No modelo final da participação nas atividades educativas permaneceram as variáveis: escolaridade materna, renda familiar, idade materna, paridade e atividade física na gestação (Tabela 5). O aumento em um ano na idade materna acrescentou em 2% a participação em atividade educativa (RP= 1,02; IC95%=1,01–1,04). A prevalência foi 36% maior nas mulheres com maior renda familiar do que nas mais pobres (RP= 1,36; IC95%= 1,04–1,77), 84% maior nas primíparas do que nas que possuem um ou mais filhos (RP= 1,84; IC95%= 1,56–2,17) e 28% maior nas mulheres que praticaram atividade física na gestação (RP= 1,28; IC95%= 1,09–1,50).
 


Na indicação da maternidade de referência, as variáveis que apresentaram significância estatística menor que 20% na análise univariável foram: escolaridade materna (p<0,001), renda familiar (p<0,001), relação civil (p=0,003), trabalho com remuneração (p<0,001), razão de moradores por cômodo (p<0,001), idade materna (p<0,001), paridade (p=0,001), consumo de álcool (p<0,001), consumo de tabaco (p<0,001), consumo de drogas (p=0,110), atividade física (p<0,001), modelo de serviço de saúde (p<0,001), trimestre de início do pré-natal (p<0,001), quantidade de consultas no pré-natal (p<0,001), risco gestacional (p=0,031) e problemas de saúde na gestação (p=0,043).

No modelo final para a indicação da maternidade de referência ao parto, as variáveis que permaneceram foram: escolaridade materna, renda familiar, consumo de álcool, tabaco e drogas na gestação e modelo de serviço de saúde que realizou o pré-natal (Tabela 5). Ao aumentar em um ano a escolaridade materna, acrescenta-se 1% na indicação da maternidade de referência (RP= 1,01; IC95%= 1,00–1,02). A indicação da maternidade foi 15% maior nas mulheres mais ricas quando comparadas às mais pobres (RP= 1,15; IC95%= 1,01–1,30), 31% maior nas que não fumaram na gestação (RP= 1,31; IC95%= 1,07–1,61), 44% maior nas que usaram drogas na gestação (RP= 1,44; IC95%= 1,17–1,77) e 13% maior nas mulheres que fizeram o pré-natal na saúde suplementar (RP= 1,13; IC95%= 1,05–1,24).

Discussão

Pode-se observar que a participação em atividades educativas durante o pré-natal foi mais frequente entre as mulheres com maior renda, com mais idade, sem filhos e que praticavam atividade física. A indicação da maternidade de referência para o parto esteve mais presente nas mulheres com maior escolaridade, maior renda familiar, com pré-natal realizado na saúde suplementar, que não fumaram, mas que usaram drogas na gestação.

Apesar da alta cobertura de assistência pré-natal no Brasil, ainda existe uma baixa qualidade nessa assistência à gestante13 e tal realidade foi ratificada neste estudo, onde somente 23% das mulheres haviam participado de atividades de educação em saúde no pré-natal, sendo que 79% tinham sete ou mais consultas. Outras pesquisas apontam resultados similares, onde baixa proporção de mulheres participa de alguma atividade educativa no pré-natal,14,15 demonstrando uma falha na assistência por ausência de ações importantes que possam impactar na qualidade do pré-natal. Também se observou uma desigualdade social no acesso das mulheres às atividades educativas, sendo a prevalência maior entre participantes com maior renda familiar, idade mais avançada e que eram primíparas. A mesma relação é apresentada em diferentes amostras regionais16 ou nacionais.9 Isso ocorre, possivelmente, porque a maioria das mulheres com condições socioeconômicas mais baixas utilizam o serviço público de saúde, no qual ainda perduram grandes desigualdades sociais e econômicas entre as regiões geográficas do país.17 Quanto ao pior resultado de adequação do pré-natal entre as multíparas, é provável que esteja relacionado à dificuldade no comparecimento ao serviço de saúde por falta de suporte social no cuidado dos demais filhos.18 Coorte retrospectiva, com 3235 prontuários canadenses, observou que as mulheres com pré-natal inadequado tinham menor escolaridade e maior nível de desemprego.19

Ressalta-se que a realidade dos serviços de saúde nem sempre é capaz de atender as necessidades e expectativas da mulher durante o período gravídico e, muitas vezes, isso é consequência da ausência de profissionais de saúde habilitados para realizar ações de promoção à saúde por meio da educação em saúde. A Estratégia Saúde da Família (ESF) é um modelo de assistência à saúde que tem como um dos pilares as ações de promoção da saúde e isso foi demonstrado em um estudo realizado com mulheres no pré-natal, onde o recebimento de informações educativas foi maior entre as mulheres acompanhadas na ESF, seja por meio de reunião de grupo e/ou visita domiciliar.13

A educação em saúde tem um papel importante no cuidado materno e com o recém-nascido, impacta na melhoria da saúde materna, neonatal e infantil, principalmente quando estas são realizadas em populações com alta mortalidade e com recursos em saúde limitados.20 Sabe-se que as disparidades regionais e sociais influenciam no acesso das gestantes às ações educativas, que são complementares à consulta pré-natal, corroborando com o verificado no presente estudo, no qual a prevalência de participação nas atividades educativas foi maior entre as mulheres que apresentaram maior nível socioeconômico. Semelhantemente, pesquisa realizada no Ceará constatou que 15% das mulheres haviam tido acesso às ações de promoção e prevenção à saúde no pré-natal.21 Outro estudo, porém de base nacional, observou maior prevalência dessas ações na região Sul do país, em municípios com até dez mil ou com mais de 300 mil habitantes e naqueles com maior IDH.22

Revisão sistemática realizada nos EUA aponta que as atividades de educação em saúde com início no pré-natal e que continuam no pós-parto são mais eficazes do que os métodos que se concentram apenas na educação durante a gravidez, apresentando melhores resultados na continuidade da amamentação aos seis meses, nos comportamentos de saúde adequados e no melhor conhecimento sobre cuidados de saúde.6 Portanto, são necessários esforços de todo o sistema de saúde para aumentar a conscientização sobre a importância das ações educativas não apenas durante o pré-natal, como também durante o pós-natal.

Pesquisas realizadas em países distintos vêm observando que as disparidades no acesso aos cuidados em saúde têm relação com a idade, escolaridade e renda familiar. Em Gana, a localização geográfica, a renda familiar e a escolaridade são os principais impulsionadores das iniquidades na saúde materno-infantil.23 Nos EUA há forte evidência com a raça e etnia, seguro de saúde e educação na mortalidade materna e morbidade grave.24 Na Indonésia, a Pesquisa Demográfica e de Saúde demonstrou que a idade da mulher, a escolaridade, o número e a ordem de nascimento dos filhos, a diferença de idade entre a mãe e o marido, a ocupação do marido, o índice de riqueza, o acesso ao serviço de saúde e os fatores regionais foram significativamente associados à utilização de cuidados pré e pós-natais.25

A respeito da indicação da maternidade de referência, estudo nacional de base hospitalar realizado com 16220 mulheres aponta que 43% não sabiam qual maternidade deveriam procurar, ficando sujeitas à busca de disponibilidade de leito hospitalar para a realização do parto,26 o que vai ao encontro do resultado obtido no presente estudo, no qual 39% das mulheres não foram referenciadas à maternidade. A peregrinação da mulher durante o trabalho de parto é um fator que coloca em risco a saúde da mãe e do bebê e tem relação direta com o aumento da mortalidade neonatal, como apontado em uma coorte que analisou o perfil da mortalidade neonatal e a assistência à gestante e ao recém-nascido e encontrou forte associação entre o óbito neonatal e a peregrinação para o parto, visto que em 40% dos óbitos, as mães haviam percorrido mais de uma maternidade no momento do parto.27

Portanto, a orientação e a indicação da maternidade para o parto devem ocorrer desde o início do acompanhamento pré-natal, facilitando o acesso das gestantes no momento do parto ou em caso de emergências.28 Nesse sentido, a alta porcentagem de mulheres que não sabiam qual a maternidade de referência para o parto reflete a ausência de planejamento para a assistência ao nascimento e falha na adequação do processo de assistência pré-natal, segundo critérios do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento e da Organização Mundial da Saúde.2 Além disso, o acesso à essa orientação foi mais frequente nas mulheres com maior escolaridade, que fizeram o pré-natal na saúde suplementar, não fumantes e usuárias de drogas.

Sobre as usuárias de drogas, o pré-natal deste grupo pode ser realizado pela Unidade Básica de Saúde ou pela equipe de consultório na rua, conforme a Diretriz do Ministério da Saúde. Assim, deve-se garantir a vinculação à maternidade de referência, avaliar e classificar o risco da gestante e, conforme cada caso, encaminhar para serviço especializado de pré-natal de alto risco, articulando o caso com serviços de atendimento psicossocial e de apoio familiar.29 Essas ações podem ser uma explicação para as mulheres usuárias de drogas, neste estudo, saberem qual maternidade deveria procurar no momento do parto do que as que não usaram drogas. Diferente dos nossos achados, uma coorte retrospectiva realizada no Canadá notou que a baixa qualidade do pré-natal era mais frequente nas mulheres com consumo elevado de tabaco e drogas.19

Como limitação, considera-se as perdas e recusas pelas puérperas no pós-parto, já que as entrevistas foram realizadas ainda na maternidade. Para reduzir tal viés, a mulher foi abordada em, pelo menos, dois momentos por outro entrevistador, antes de ser considerada como recusa. A insatisfação com a gestação ou mesmo com a assistência recebida na maternidade pode ser um fator que contribuiu para o não aceite em participar da pesquisa, podendo o resultado deste estudo estar subestimado, já que há uma relação entre satisfação do usuário e qualidade do serviço, bem como com o perfil do usuário, visto que características como: jovem, usuário exclusivo do SUS, baixa escolaridade e autopercepção de saúde ruim gerou mais chances de insatisfação dos usuários com o sistema de saúde brasileiro.30 Além disso, a mulher no período pós-parto pode não responder adequadamente a entrevista, por estar cansada ou mesmo em situação de depressão pós-parto, podendo ser causa de viés. Ao observar tal situação, o entrevistador suspendia a entrevista e retornava em outro momento, o que pode ter minimizado este viés.

Pode-se concluir que, apesar da elevada cobertura das consultas de pré-natal, foi observada baixa abrangência das ações de educação em saúde e do conhecimento da mulher em relação à maternidade de referência ao parto, sobretudo nas mulheres com menor condição socioeconômica. É importante incentivar e capacitar a equipe de saúde para o desenvolvimento de ações educativas com as gestantes, seja em grupo e/ou individual. A efetivação de políticas de saúde com ênfase na melhoria da qualidade da assistência ao pré-natal, incluindo as ações educativas no cuidado à gestante ao recém-nascido é uma medida que pode reduzir as complicações no pós-parto e no cuidado com o recém-nascido.

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Contribuição dos autores

Poton WL: concepção e desenho do estudo, análise dos dados e interpretação dos resultados.

Haddad LSP: análise dos dados e interpretação dos resultados.

Bubach S, Santos AS, Horta BL, Cypreste AMZ, Souza CG, Oliveira AC, Baltar ECV, Catharino RR, Duemke LB e Santos TMR: concepção e desenho do estudo.

Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 27 de Dezembro de 2023
Versão final apresentada em 21 de Agosto de 2024
Aprovado em 21 de Agosto de 2024

Editor Associado: Aurélio Costa

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