Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Avaliação do método canguru durante pandemia de Covid-19 em duas maternidades de referência em Pernambuco

Joice Luiza Alves Cândido 1; Paulo Germano de Frias 2; Silvia Wanick Sarinho 3

DOI: 10.1590/1806-9304202400000064 e20240064

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar a segunda etapa do Método Canguru (MC) e a sua integração com a terceira etapa em maternidades do Recife no contexto da pandemia de coronavírus.
MÉTODOS: avaliação normativa realizada na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais Canguru (UCINCa) em duas maternidades públicas de referência para o MC entre novembro/2021 e maio/2022. Elaborou-se o modelo lógico e a matriz de indicadores do MC, validada através do Método Delphi. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas com profissionais da equipe das UCINCa e a coordenação municipal de saúde da criança. Considerou-se implantado quando os critérios alcançaram (de 100,0 a 80,0%); parcialmente implantado (79,9 a 60,0%); incipiente (59,9 a 40,0%) e não implantado (<ou=39,9%).
RESULTADOS: o MC estava parcialmente implantado nas duas UCINCa (79,0% ambas). A dimensão Estrutura encontrava-se implantada (84,0 e 97,0%) e a de Processo, nos componentes Educação (70,0% ambas) e Gestão encontravam-se parcialmente implantados (61,0% e 78,0%), embora as unidades afirmem não compartilhar os objetivos clínicos, exames e tratamentos e não ter um sistema de referência/contrarreferência efetivo. Ao passo que o componente Assistencial estava implantado em uma unidade (90,0%) e parcialmente implantado na outra (75,0%).
CONCLUSÃO: a UCINCa encontrava-se parcialmente implantada durante a pandemia de coronavírus nas duas maternidades de referências, mas com obstáculos para a integração com a terceira etapa do método.

Palavras-chave: Nascimento prematuro, Método canguru, Covid-19, Avaliação em saúde, Avaliação de processos em cuidados de saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate the second stage of the Kangaroo Mother Care (KMC) and its integration with the third stage in maternity hospitals in Recife in the context of the coronavirus pandemic.
METHODS: normative assessment carried out at the Kangaroo Neonatal Intermediate Care Unit (KNICU) in two public reference maternity hospitals for KMC between November/2021 and May/2022. The logical model and matrix of KMC indicators were developed and validated using the Delphi Method: semi-structured interviews were carried out with professionals from the KNICU team and the municipal child health coordination. It was considered implemented when the criteria were met (from 100.0 to 80.0%); partially implemented (79.9 to 60.0%); incipient (59.9 to 40.0%) and not implemented (<or=39.9%).
RESULTS: the MC was partially implemented in both KNICU (79.0% both). The Structure dimension was implemented (84.0 and 97.0%) and the Process dimension, in the Education (70.0% both) and Management components, were partially implemented (61.0% and 78.0%), although the units claim that they do not share clinical objectives, exams and treatments and do not have an effective referral/counter-referral system. While Assistance was implemented in one unit (90.0%) and partially implemented in the other (75.0%).
CONCLUSION: KNICU was partially implemented during the coronavirus pandemic in the two reference maternity hospitals, but with obstacles to integration with the third stage of the method.

Keywords: Premature birth, Kangaroo-mother care method, COVID-19, Health evaluation, Process assessment, Health care

Introdução
A prematuridade é um desafio para o cuidado perinatal. Estima-se que um a cada dez bebês nascem prematuros no mundo e, em 2020, aproximadamente um milhão de bebês morreram em sua decorrência, sendo considerada a principal causa de morte em menores de cinco anos de idade.1 Além disso, milhões de crianças permanecem com sequelas e deficiências, apesar dos avanços tecnológicos e nos cuidados perinatais que aumentaram a sobrevida de neonatos prematuros e de baixo peso. Daí a necessidade de proporcionar cuidados pós-natais centrados no melhor desenvolvimento do recém-nascido prematuro (RNPT) para que desempenhe plenamente todas as suas capacidades.1,2
O Método Canguru (MC) surge como uma estratégia para redução da mortalidade infantil e qualificação do cuidado neonatal, sendo reconhecido pelo contato pele a pele precoce, oferecido pela “Posição Canguru”, assumindo características diversas nos países que o adotam.3-5 No Brasil, é proposto em três etapas, as duas primeiras no hospital: uma na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal Convencional (UCINCo), e a outra na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal Canguru (UCINCa). A terceira ocorre após a alta hospitalar, por meio do compartilhamento da atenção entre a maternidade de origem e a Unidade Básica de Saúde (UBS) para o acompanhamento da criança até que atinja 2.500g.3,4,6
A criança prematura ou de baixo peso necessita do tratamento especializado durante seu internamento e após a alta hospitalar, do suporte e do monitoramento da equipe da atenção primária à saúde (APS). Na UCINCa além do acolhimento e atendimento qualificado para o RNPT e sua família, deve ser oferecido orientações e estímulo para manter o seguimento compartilhado da criança entre o ambulatório de egresso e a APS.7
Diante de uma emergência em saúde pública de interesse internacional o regulamento sanitário internacional recomenda que os sistemas nacionais de saúde se estruturem para responder as necessidades decorrentes. Igualmente, diante da pandemia por Covid-19, decretada em março de 2020, os serviços de saúde adotaram diversas estratégias para o seu enfrentamento.8 Entre elas, as medidas restritivas que implicaram na necessidade de adaptações na assistência prestada ao binômio mãe-bebê.9
Inicialmente, orientações globais contraditórias foram divulgadas causando impactos negativos na continuidade do MC,10-13 ainda que, posteriormente foi identificado que o benefício de manter o método supere de 65 a 630 vezes o risco de morrer de Covid-19.11 Apesar disso, estudo sobre o MC realizado em 62 países constatou mudanças substanciais nos serviços direcionados a RNPT.12
Avaliar as repercussões da pandemia do coronavírus no cuidado de RNPT e de baixo peso é fundamental para a continuidade da assistência integral a esse grupo. Estudos sobre intervenções diversificadas sinalizam que o monitoramento e a avaliação são instrumentos que favorecem escolhas de ações essenciais e efetivas para sua implantação plena ao apontar obstáculos que restringem o alcance de melhores resultados.14,15 Este estudo teve como objetivo avaliar a segunda etapa do MC e a sua integração com a terceira etapa em maternidades do Recife no contexto da pandemia de coronavírus.

Métodos
Trata-se de uma avaliação normativa da UCINCa, em que se comparou os recursos empregados, sua organização, os serviços e os bens produzidos com critérios e normas estabelecidos pelo Ministério da Saúde (MS).16
O estudo foi realizado na UCINCa de duas maternidades públicas localizadas no município de Recife. A maternidade A é uma entidade filantrópica, de alto risco e atua como um dos Centros Nacionais de Referência para o MC. Inicialmente, a Unidade Neonatal (UN) contava com 18 leitos de UTIN, 32 leitos de UCINCo e 22 leitos de UCINCa.17 Entretanto, durante a pandemia de Covid-19, a instituição se tornou a maternidade de referência estadual para atendimento de gestantes com SAR-Cov-2, implicando no fechamento temporário da UCINCa e reabertura no final do ano de 2021, com cinco leitos seguido de aumento progressivo até chegar a dez leitos no período da coleta de dados.
A maternidade B também é uma unidade para partos de alto risco, atua como referência estadual do MC e conta com 15 leitos de UTIN, 15 leitos de UCINCo e oito leitos de UCINCa com mais dois de reserva.18 Durante a pandemia de Covid-19 não houve interrupção dos atendimentos na UCINCa, mas as restrições sanitárias causaram redução do número de internamentos.
Para a realização da avaliação foi elaborado um modelo lógico da 2ª etapa do MC (Tabela 1). A modelização da intervenção considerou a tríade donabediana estrutura, processo e resultado, onde a estrutura se refere aos recursos físicos, humanos e materiais necessários para a prestação do cuidado; o processo às atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde; e o resultado, aos efeitos obtidos no cuidado em saúde.19
 


Para a construção do modelo lógico foram consultados os documentos institucionais e normas técnicas que tratam do MC. Entre eles: Portaria SAS/MS n° 930/2012, Portaria GM/MS nº 1683/2007 e os manuais do MC - Método canguru: diretrizes do cuidado (2019), Manual da terceira etapa do Método Canguru na Atenção Básica (2018), Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico (2017), Guia de Orientações para o Método Canguru na Atenção Básica: Cuidado Compartilhado (2016) e Seguimento Compartilhado entre a Atenção Hospitalar e a Atenção Básica (2015). Estratégias locais para a aplicação da política do MC como planos e leis estaduais e municipais não foram incluídos, por não serem generalizados a todo o país.
Ao final, o modelo lógico apresentou três componentes: 1) Educação, relacionado as orientações aos pais e cuidadores, 2) Assistencial, referente aos cuidados e atenção ao RNPT propriamente dito, e 3) Gestão, alusiva a integração da segunda e terceira etapas do método e a capacitações da equipe multidisciplinar. A partir do modelo lógico foi elaborada uma matriz de indicadores e julgamento, representativos da estrutura e processo para cada componente do modelo e definidos parâmetros conforme o disposto nas Portarias e Manuais consultados e, quando não disponível, foi estabelecido pelo pesquisador principal a partir da experiência em um hospital universitário.
Visando ampliar a validade do construto e a confiabilidade, a matriz de indicadores e julgamento foi submetida a revisão por um grupo de especialistas na área do estudo usando uma técnica para obtenção de consenso, o Método Delphi. Detalhes sobre os procedimentos metodológicos utilizados na técnica foram descritos e publicados previamente.20 A matriz final de indicadores e julgamento ficou composta por 51 indicadores distribuídos em 26 indicadores de estrutura e 25 de processo (Tabela 2).
 


O período de coleta de dados foi compreendido entre novembro de 2021 a maio de 2022, utilizando instrumento para coleta baseado nos indicadores que constam na matriz de julgamento e organizado considerando os componentes da UCINCa. Foram incluídos no estudo os profissionais de nível superior da equipe multiprofissional que atuam nas UCINCa, os coordenadores do MC destes serviços e a gestora da área de saúde da criança do município e excluídos os profissionais que estavam de licença de saúde e férias durante a coleta de dados. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com nove profissionais na maternidade A, sendo uma coordenadora médica, uma coordenadora de enfermagem, duas enfermeiras assistenciais, duas médicas, uma fonoaudióloga, um fisioterapeuta e duas psicólogas. Na maternidade B foram entrevistados nove profissionais, sendo uma coordenadora médica, uma coordenadora de enfermagem, três enfermeiras assistenciais, uma médica, uma fonoaudióloga, uma terapeuta ocupacional e uma psicóloga.
Para avaliar o quanto os critérios e normas do MC foram cumpridos, o nível de implantação foi expresso pela proporção da pontuação obtida em relação à pontuação máxima alcançável para cada componente e para o serviço com um todo, relacionados a estrutura e processo, conforme disposto na matriz de indicadores e julgamento. Para classificar o nível alcançado pela UCINCa adotou-se os seguintes pontos de corte: implantado, ao se alcançar percentuais de 100,0 a 80,0%, parcialmente implantado, entre 79,9 e 60,0%, incipiente, entre 59,9 e 40,0% e não implantado, menor ou igual a 39,9%.
Seguiu-se as recomendações da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa IMIP, CAAE n° 35017420.7.3002.5201 e, pelo Comitê de Ética em Pesquisa HAM, CAAE nº 35017420.7.3001.5197.

Resultados
Em ambos os serviços a UCINCa foi considerada parcialmente implantada (79,0%) durante a pandemia de Covid-19. A dimensão Estrutura encontrava-se implantada na maternidade B (84,0%) e na maternidade A (97,0%). Na dimensão Processo, o componente Educação encontrava-se parcialmente implantado e os dois serviços obtiveram a mesma proporção (70,0%). O componente Assistencial estava implantado na maternidade B (90,0%) e parcialmente implantado na maternidade A (75,0%); enquanto o componente Gestão foi parcialmente implantado, na maternidade B (61,0%) e na maternidade A (78,0%) (Tabela 3).
 


Em relação a estrutura das UCINCas, a maternidade B não dispunha de fisioterapeuta, de incubadoras e de aspirador portátil, enquanto a maternidade A não tinha incubadora de transporte no setor. No componente Educação, os indicadores com menores pontuações nas maternidades B e A foram: “Proporção de profissionais que orientam pais e cuidadores quanto ao aleitamento artificial” (75,0% e 62,5%, respectivamente); “Proporção dos profissionais que orientam pais e cuidadores sobre o reconhecimento dos sinais de alerta” e “Proporção dos profissionais que orientam pais e cuidadores quanto seguimento após a alta” (ambos com 87,5% e 75,0%, respectivamente) (Tabela 3).
Quanto ao componente Assistencial, na maternidade B, 100,0% dos profissionais relataram estimular a participação do pai ou outra figura de referência para a díade mãe-bebê, e, a visita de familiares e da rede social de apoio enquanto 87,5% dos profissionais da maternidade A relataram o mesmo; 100,0% dos profissionais da maternidade B informam auxiliar a mãe na amamentação e extração de leite contra 62,5% dos profissionais da maternidade A. Em relação ao componente Gestão, nos dois serviços houve capacitações sobre o método, com 77,0% dos profissionais da maternidade B relatando ter cursos, enquanto na maternidade A foi 90,0%. Igualmente, os profissionais de ambas as unidades informaram ter responsável clínico e comunicação da UCINCa com as secretarias estadual e municipal de saúde, distrito sanitário ou UBS. Apesar disso, os profissionais da maternidade B afirmam que não há compartilhamento dos objetivos clínicos, exames e tratamentos e nem a existência efetiva de um sistema de referência e contrarreferência com a UBS, enquanto os da maternidade A informam que estas ações nem sempre ocorrem (Tabela 3).

Discussão
O estudo mostrou que durante a pandemia pelo coronavírus a segunda etapa do MC encontrava-se parcialmente implantada nos dois serviços de referência e apresentou dificuldades para a integração com a 3ª etapa do método. Por outro lado, enquanto a dimensão de estrutura apresentou-se implantada, verificaram-se variações no nível de implantação entre os componentes da dimensão processo, com os componentes Educação e Gestão parcialmente implantados e o componente Assistencial implantado e parcialmente implantado, respectivamente, para cada unidade de saúde.
Durante a pandemia, a UCINCa da maternidade A, um dos Centros Nacional de Referência (CNR), foi fechado temporariamente enquanto funcionou como referência estadual para gestantes com coronavírus e seus profissionais foram realocados em outros setores da instituição. A reabertura da UCINCa foi gradual, o que poderia explicar a sua implantação parcial. Estudo realizado em 2015 identificou que todas as maternidades indicadas como CNR do método e 66,7% das de referência estadual apresentaram todas as etapas implantadas.21 A diferença desses resultados com os da nossa avaliação, além da vigência da pandemia e o hiato de quase dez anos entre os estudos21 pode ser decorrente da matriz de indicadores conter atualizações normativas, não existentes previamente, ou ter usado critérios de julgamento diferenciados.
O fechamento da UCINCa na maternidade A foi encontrado também em diversos países que adotaram a estratégia de resposta centralizada para o isolamento e tratamento da Covid-19.12 Tal estratégia alterou os cuidados com os recém-nascidos (RN) que incluíram realocação do espaço da unidade, a redistribuição da equipe de cuidados neonatais para tarefas relacionadas a Covid-19, e até a separação mãe-bebê não apenas para as positivas para Covid-19, mas também as suspeitas, interrompendo a continuidade dos cuidados prestados às mães e aos RN.11,12 No Brasil, a orientação do MS foi para não reduzir ou fechar as UCINCas,22 embora muitas maternidades foram afetadas no país.
Rao et al.12 identificaram que o MC era prática rotineira de 85% dos entrevistados antes da pandemia, e durante a pandemia, 55%. As repercussões da pandemia de coronavírus sobre o MC incluíram a redução da duração do contato pele a pele (26,5%), alta mais precoce (30,8%), interrupção total dos serviços do MC (7%) ou políticas de visitação restritas (51,2%).23
No presente estudo, os profissionais dos dois serviços afirmaram estimular as visitas de familiares e da rede de apoio. Apesar disso, durante a pandemia, com as medidas de distanciamento social houveram restrições na política de visitação e do envolvimento da família nos cuidados com o RN além das demais consequências verificadas para o MC.9,11,12,22-24 Essas medidas acarretam prejuízos na saúde mental materna, dificultando a formação do vínculo com o RN e a adesão ao MC.24 Com o devido suporte da equipe da UCINCa esses danos podem ser minimizados, favorecendo um efeito positivo na interação e cuidados com o RN.9,24,25 Entretanto, aspectos relacionados às incertezas, orientações e disponibilização de equipamentos de proteção individual geraram temor pela vida, estresse e medo entre os prestadores de cuidados ao RN.12
A dimensão estrutura encontrava-se implantada nos dois serviços avaliados, e esse é um dos aspectos relevantes, nas estratégias de humanização da atenção. Em concordância, profissionais e usuários escutados acerca dos atributos ambientais desejáveis em uma UCINCa destacaram a importância do ambiente confortável, com privacidade, controle de acesso, e que possua móveis e equipamentos ergonômicos e em quantidade suficiente.26
Neste estudo a proporção dos profissionais que orientam pais e cuidadores sobre reconhecimentos dos sinais de alerta foi abaixo do ideal, com valores menores na maternidade A que na maternidade B. Essa orientação inadequada aos pais pode se associar a outros fatores relacionados à instituição ou aos profissionais.27-29 Também, alguns profissionais entendem que determinadas atividades são atribuição de outros membros da equipe. Além disso, um estudo mostrou que alguns profissionais tendem a priorizar a assistência imediata, desconsiderando as atividades educativas e o preparo para alta.27
Igualmente ao achado sobre os sinais de alerta, neste estudo, a proporção dos profissionais que orientam pais e cuidadores quanto ao seguimento após a alta obteve uma baixa adesão. Diferentemente, o MS recomenda e os estudos mostram a relevância da preparação para a alta por meio de orientações adequadas às famílias quanto a continuidade da assistência na 3a etapa do MC e a vinculação das mães às equipes da APS.27,28 Estudo realizado em hospital escola materno-infantil identificou que embora as enfermeiras reconheçam os benefícios do MC predomina o pouco conhecimento sobre o método, escassa experiência, resistência da equipe e insuficiente apoio institucional para a sua implantação.27 Dessa forma os problemas que podem ocorrer em domicílios não são suficientemente valorizados, previstos e as soluções não informadas adequadamente.29
No componente Gestão se identificou fragilidades nos dois serviços durante a pandemia que se encontravam parcialmente implantados. A ausência de compartilhamento dos objetivos clínicos, exames e tratamentos entre a UCINCa, ambulatório de egresso e as UBS são obstáculos para uma efetiva rede de referência e contrarreferência dificultando a integração da 2ª com a 3ª etapa do MC.28 Estudos apontam uma frágil comunicação entre os diferentes níveis de atenção, fragmentando e descontinuando o cuidado, onde os profissionais da APS minimizam sua importância na 3ª etapa do MC e, por vezes, a comunicação clínica ao serviço especializado é assumida pelos cuidadores do bebê.3,5 Essa fragilidade pode repercutir no aumento da mortalidade neonatal tardia especialmente em um contexto de pandemia, em que a orientação governamental era da suspensão temporária das consultas de seguimento nos ambulatórios de follow-up e realização das mesmas pelas equipes da APS.3,22
Essas dificuldades são expostas em estudo que identificou considerável número de mães que não recebeu visita domiciliar na primeira semana de alta hospitalar e atribuiu a isso uma provável falta de orientações adequadas sobre a importância do compartilhamento do cuidado com a APS, pelos profissionais da UCINCa. Mostrou ainda que estes profissionais mesmo reconhecendo a importância da APS, acreditavam que a equipe era despreparada para lidar com as especificidades do RNPT ou de baixo peso e precisava ser capacitada.3
No tocante à capacitação dos profissionais que atuam no MC, um número expressivo dos profissionais entrevistados referiu ter capacitação sobre o método embora com percentuais distintos entre as instituições, maior na maternidade A. Capacitações e atualizações da equipe sobre o MC são essenciais para garantir a qualidade da assistência em todas as suas etapas para os pacientes e suas famílias, promovendo o suporte emocional para a equipe se sentir confiante quanto a sua conduta.12,25,30
Como limitações deste estudo, apesar da avaliação normativa responder se os critérios e normas ministeriais foram cumpridos, ela não esclarece o porquê do descumprimento, ainda que possibilite levantar hipóteses em um contexto de pandemia. Além disso, o próprio período da pandemia interfere no resultado da avaliação, visto que os desafios impostos aos profissionais e aos serviços geraram dificuldades próprias para aplicação do MC.
A UCINCa encontrava-se parcialmente implantada durante a pandemia de coronavírus nas duas maternidades de referências e com obstáculos para a integração com a 3ª etapa do método para sua implantação plena. Enquanto a dimensão Estrutura encontrava-se implantada nas duas unidades, a dimensão Processo estava parcialmente implantada em todos os seus componentes, à exceção do componente assistencial na maternidade B. Destaca-se a necessidade de capacitar os profissionais sobre o MC, assim como conscientizá-los quanto à realização das atividades educativas. Os benefícios do método amplamente reconhecidos sinalizam a necessidade de prezar pela sua manutenção mesmo com adaptações em um contexto de uma emergência em saúde pública de interesse internacional como foi a do coronavírus. Reforça-se a importância de promover estratégias que articulem a segunda etapa com a terceira etapas, sobretudo com as equipes da APS para um atendimento qualificado e integral da criança após a alta hospitalar.

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Contribuição dos autores
Cândido JLA, Frias PG e Sarinho SW: concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 13 de Março, 2023
Versão final apresentada em 11 de Julho, 2024
Aprovado em 25 de Julho, 2024

Editora Associada: Ana Albuquerque

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