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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Associação do estado nutricional com deficiência urinária de iodo em gestantes brasileiras

Thaís Cristina Serra da Silva1; Poliana Cristina de Almeida Fonseca Viola2; Ana Karina Teixeira de Cunha França3; Maria Tereza Borges Araújo Frota4; Isabela Leal Calado5; Luana Lopes Padilha6; Wyllyane Rayana Chaves Carvalho7; Kátia Danielle Araújo Lourenço Viana8; Sueli Ismael Oliveira da Conceição9; Nayra Anielly Cabral Cantanhede10; Sylvia do Carmo Castro Franceschini11; Carolina Abreu de Carvalho12

DOI: 10.1590/1806-9304202400000080 e20240080

RESUMO

OBJETIVOS: investigar a associação do estado nutricional com deficiência de iodo urinário em gestantes atendidas em Unidades Básicas de Saúde do município de São Luís – MA.
MÉTODOS: estudo transversal, realizado com 261 gestantes. Foram coletadas amostras de urina para análise de determinação do iodo urinário, considerou-se deficiência o valor <150 µg/L e adequado, valor ≥150 µg/L. Foram aferidas as medidas de peso e altura no momento da coleta e investigação do peso pré-gestacional para cálculo do IMC. As variáveis contínuas foram expressas em média, desvio padrão, mediana, percentil 25 e 75 e as categóricas em frequência simples e relativa e em percentual. Análises multivariadas investigaram associação entre IMC pré-gestacional e atual e UIC (Concentração urinária de iodo).
RESULTADOS: a média do IMC pré-gestacional foi 24,3 ± 4,5 kg/m2 e do IMC atual 27,2 ± 6,5 kg/m2. A mediana de concentração de iodo urinário foi de 181,3 µ/L (113,2-271,7) e 40,6% da amostra possuía deficiência de iodo. O aumento no IMC pré-gestacional e atual foi associado à redução da prevalência de deficiência de iodo em gestantes (RP = 0,94; (IC95% = 0,88; 0,99) e RP = 0,95; (IC95% = 0,88 – 0,99), respectivamente).
CONCLUSÃO: o IMC elevado está positivamente associado à UIC e proporciona redução na prevalência de deficiência de iodo em gestantes.

Palavras-chave: Deficiência de iodo, Estado nutricional, Gestantes, Sobrepeso, Alimentos ultraprocessados

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate the association of nutritional status with urinary iodine deficiency in pregnant women attending the Basic Health Units in the city of São Luís - Maranhão.
METHODS: cross-sectional study carried out with 261 pregnant women. Urine samples were collected for analysis of determination of urinary iodine. Iodine deficiency was considered as <150 µg/L and adequate as ≥150 µg/L. Weight and height measurements were taken at the time of collection and investigation of pre-pregnancy weight calculate BMI). Continuous variables were presented as mean, standard deviation, median, 25th and 75th percentiles, and categorical variables as simple and relative frequencies and percentages. Multivariate analyses investigate the association between pre-pregnancy and current BMI and UIC (urinary iodine concentration).
RESULTS: the mean pre-pregnancy BMI was 24.3 ± 4.5 kg/m2, and the current BMI was 27.2 ± 6.5 kg/m2. The median UIC was 181.3 µg/L (113.2-271.7), and 40.6% of the sample showed iodine deficiency. The increase in pre-pregnancy and current BMI was associated with a reduction in the prevalence of iodine deficiency in pregnant women (PR = 0.94; (CI95% = 0.88; 0.99) and PR = 0.95; (CI95% = 0.88 – 0.99), respectively).
CONCLUSION: high BMI is positively associated with UIC and provides a reduction in iodine deficiency prevalence in pregnant women.

Keywords: Iodine deficiency, Nutritional status, Pregnant women, Overweight, Ultra processed foods

Introdução
O estado nutricional materno desencadeia modificações que repercutem na saúde do binômio mãe-filho para além do período gestacional.1 Atualmente, a prevalência de sobrepeso e obesidade na gestação apresenta números elevados,2 e em países desenvolvidos o excesso de peso já é uma realidade nas mulheres em idade fértil antes mesmo de engravidar.1 Em gestantes, acredita-se que a obesidade pode aumentar o risco de desenvolvimento de insuficiência iódica.3
O iodo é um micronutriente essencial para os humanos.4 A deficiência de iodo durante a gestação pode ocasionar distúrbios como aborto espontâneo, parto prematuro e natimorto.5 O efeito do ganho de peso sobre a quantidade de iodo pode estar associado a uma modificação do simportador de sódio-iodo (NIS) pela presença de marcadores inflamatórios aumentados na obesidade.6,7 Um estudo realizado com indivíduos adultos encontrou associação entre a presença aumentada do marcador interleucina 1 (IL-1) e baixos níveis de iodo em sobrepesados e obesos.7
Uma pesquisa feita no Reino Unido encontrou prevalência de 70% de insuficiência de iodo entre mulheres obesas no 2º trimestre gestacional. Porém, essa amostra foi composta apenas por gestantes com IMC ≥30 kg/m2, portanto, sem um grupo controle.8 No Brasil, o perfil nutricional materno9 e o estado nutricional do iodo na gestação10 têm sido avaliados de forma isolada. Portanto, ainda há escassez de estudos que busquem avaliar a associação entre estado nutricional materno e deficiência de iodo no período gestacional.
Nesse sentido, a crescente prevalência de mulheres com excesso de peso no período gestacional2 denota a importância de mais estudos sobre os impactos dessa alteração do estado nutricional sobre a saúde materna. Além disso, investigar a associação entre o estado nutricional gestacional e a deficiência de iodo é importante, pois trata- se de um nutriente essencial para o bom desfecho perinatal. Visto que já tem sido reportado consequências da relação entre a deficiência de iodo no binômio mãe-filho, como pré-eclâmpsia11 e defiências neurológicas na prole.12 Nossa hipótese é que o estado nutricional da gestante influencia seu nível de iodo urinário. Portanto, este estudo teve por objetivo investigar a associação do estado nutricional com a deficiência de iodo urinário em gestantes brasileiras.

Métodos
Estudo transversal, realizado na cidade de São Luís – MA, Brasil, de fevereiro de 2019 a fevereiro de 2020. São Luís está localizada no Nordeste do Brasil e possuía cerca de 1.109.000 habitantes em 2020.
O tamanho da amostra foi determinado a partir de uma proporção mínima de 8%, com erro relativo de 4% (variação de 4 a 12%) e nível de confiança de 95%, o que resultou em uma amostra aleatória simples de 177 gestantes. Como a amostra foi selecionada por unidade básica de saúde, foi incluído um efeito de delineamento de 1,5, o que aumentou o tamanho da amostra para 266 gestantes. Para este estudo foram utilizados dados de 261 gestantes ≥18 anos, residentes da zona urbana e rural de São Luís e usuárias da rede pública de saúde atendidas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) durante a pesquisa. Não foram incluídas gestantes com histórico de doença e/ou cirurgia tireoidiana e diagnóstico referido de hipotireoidismo ou hipertireiodismo.
Foram selecionadas 12 UBS na cidade e obteve-se uma lista das gestantes atendidas em cada uma delas. A partir dessa lista as gestantes foram selecionadas aleatoriamente para participar da pesquisa.
A coleta dos dados foi realizada por equipes previamente treinadas. As entrevistas aconteceram no interior das UBS ou nos domicílios das gestantes, quando elas eram localizadas em casa. Informações sobre o perfil socioeconômico, demográfico e de saúde das gestantes foram coletadas por meio de um questionário semiestruturado. Os dados incluíram idade materna (anos), cor da pele (autorreferida), escolaridade materna (ensino fundamental completo/ensino fundamental incompleto; ensino médio incompleto; ensino médio completo ou ensino superior), situação conjugal (com companheiro e sem companheiro), renda familiar (categorizada em tercis), local de residência (rural ou urbano), número de moradores no domicílio, uso de suplemento nutricional (sim ou não), uso de suplemento nutricional contendo iodo (sim ou não), consumo de alimentos ultraprocessados (percentual de consumo em relação ao valor energético da dieta avaliado em tercis) e idade gestacional (em semanas). Os questionários eletrônicos foram respondidos por meio de tablets, usando o software RedCap®.
O consumo alimentar foi avaliado por meio de recordatórios de 24 horas (R24h), utilizando a técnica das múltiplas passagens. Aplicou-se um R24h referente a alimentação da gestante no dia anterior à entrevista, seguindo o Método dos Múltiplos Passos.13 Todos os R24h foram digitados no software GloboDiet, versão Brasileira, modo Data Entry. No presente estudo, utilizou-se apenas o tercil do percentual de consumo de ultraprocessados, que são alimentos produzidos industrialmente, através de substâncias retiradas total ou parcialmente de outros alimentos, derivadas de constituintes de alimentos ou formuladas em laboratório.14
Para a análise do iodo, foram coletados 20 ml de urina das gestantes em recipiente estéril, hermeticamente vedado, identifciado e armazenado a temperatura de - 20ºC.
As análises para determinação do iodo na urina foram realizadas utilizando-se um espectrômetro de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) modelo Elan DRC II (Perkin-Elmer, Norwalk, CT) operando com argônio de alta pureza (99,999%, White Martins, Brasil). O controle de qualidade dos resultados foi realizado com análise de material de referência certificada de urina proveniente na National Intitute of Standards and Technology (NIST), SRM 2670a - Toxic Elements in Freeze-Dried Urine.
Para classificação do estado nutricional de iodo das gestantes foi considerado deficiência de iodo o valor mediano < 150 µg/L.15 A concentração urinária de iodo também foi utilizada como variável contínua nas análises estatísticas.
Para avaliação do estado nutricional das gestantes foram aferidas as medidas de peso e altura, de acordo com as técnicas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), utilizadas para cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC = peso (kg) / altura2 (m)), bem como investigação do peso pré- gestacional. O peso pré-gestacional (PPG) foi obtido na Caderneta da Gestante ou por relato verbal desta. O peso atual (PA) foi obtido em balança antropométrica eletrônica digital, tipo plataforma com precisão de 0,1 kg e capacidade de 180 kg. A altura foi mensurada com o estadiômetro móvel com precisão de 0,5 cm, da marca AlturaExata®.
Para classificação do estado nutricional pré-gestacional foram utilizados os pontos de corte preconizados pelo Institute Of Medicine16 e adotados pelo Ministério da Saúde brasileiro, sendo considerado: Baixo peso (<18,5 kg/m2), eutrofia (18,5 a 24,9 kg/m2), sobrepeso (25,0 a 29,9 kg/m2) e obesidade (≥ 30 kg/m2). O estado nutricional atual foi avaliado pela classificação de Atalah et al.,17 considerando o IMC segundo a semana gestacional, categorizado em baixo peso, adequado, sobrepeso e obesidade. O IMC atual e pré-gestacional foram utilizados como variáveis contínuas nos modelos de regressão.
Para seleção dos fatores de confusão incluídos nas análises ajustadas, utilizou-se Directed Acyclic Graphs (DAG). O DAG é uma ferramenta que permite configurar um modelo teórico, com o objetivo de demostrar as relações entre as variáveis explicativas e independentes. Este modelo indentifica quais variáveis precisam ser incluídas no ajuste estatístico. Com isso, o uso do DAG evita a realização de ajustes desnecessários, além de minimizar a ocorrência de viés de confusão e seleção.18
O DAG foi construído no browser Dagitty®. Foi desenvolvido um modelo teórico descrevendo as relações entre as variáveis de exposição (IMC pré- gestacional – Fig. 1A – e IMC atual – Fig. 1B) com a variável desfecho (deficiência de iodo ou concetração urinária de iodo na gestação), bem como outras co-variáveis.
 


O modelo teórico indicou que o conjunto mínimo de variáveis para ajuste do efeito do IMC pré-gestacional na deficiência de iodo ou concentração urinária de iodo é idade materna, escolaridade materna, renda familiar, local de residência e situação conjugal. Considerando o IMC atual como exposição, o ajuste mínimo sugerido foi: idade materna, escolaridade materna, renda familiar, local de residência, situação conjugal, consumo atual de ultraprocessados e idade gestacional.
Todas as análises estatísticas foram realizadas no software Stata®, versão 14.0. As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil, conforme a distribuição. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequências simples e relativas. Como a prevalência de deficiência de iodo na amostra foi maior que 10%, utilizou-se a regressão de Poisson com ajuste robusto da variância para calcular a Razão de Prevalência (RP) em modelos bivariados e multivariados quando o desfecho foi categórico. Para avaliar a associação entre IMC pré-gestacional ou IMC atual e a concentração urinária de iodo na gestação, utilizou-se de análise de regressão linear em modelos multivariados. O nível de significância adotado em todas as análises foi de 5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), sob parecer nº 2.982.185, de 25 de outubro de 2018, CAEE 80172617.0.2005.5086.

Resultados
Foram incluídas no estudo 261 gestantes com idade média de 25,9 ± 5,7 anos, sendo 18 a idade mínima e 42 anos, a máxima. A mediana de concentração de iodo urinário entre as gestantes investigadas foi de 181,3 µ/L (113,2 - 271,7) e 40,6% da amostra possuía deficiência de iodo. Quanto às características socioeconômicas e demográficas, 88,5% eram não brancas, 76,7% tinham o ensino médio completo e 76,4% viviam com companheiro. A média da renda familiar no 1º e 3º tercil foi de 738,05 ± 303,26 reais e 3869,30 ± 2194,44 reais, respectivamente. A maioria das gestantes morava na zona urbana (78,5%) e a média da quantidade de moradores em domicílio foi de 3,7 ± 1,7 pessoas.
Entre as participantes, 76,6% fizeram uso de algum tipo de suplementação durante a gestação, e entre estas, apenas 9,5% consumiram suplementos que continham iodo. A mediana do consumo de alimentos ultraprocessados foi de 16,1% (5.4 – 31.4).
O terceiro trimestre gestacional teve o maior número de gestantes, representando 43,2% do total. A média da idade gestacional foi de 23,2 ± 10,5 semanas. A média do IMC pré-gestacional foi de 24,3 ± 4,5 kg/m2. Enquanto o IMC atual apresentou média de 27,2 ± 6,5 kg/m2 (Tabela 1).
 


Na análise bivariada, as gestantes com ensino fundamental completo ou ensino fundamental incompleto tiveram menores níveis de iodo urinário (β = -55,95; IC95%= -103,14; -8,77). Estiveram associados ao aumento dos níveis de iodo o IMC pré- gestacional (β = 3,58; IC95%=0,25; 6,91) e o segundo e terceiro tercil do percentual de consumo de ultraprocessados (β = 40,73; IC95%= 5,59; 75,87 e β = 71,92; IC95%= 36,78; 107,06, respectivamente). Estar no percentual de consumo de ultraprocessados maior, classificado no segundo e terceiro tercil (RP = 0,68; IC95% = 0,48; 0,97 e RP = 0,68; IC95% = 0,48; 0,97, respectivamente) foi associado a menor prevalência de deficiência de iodo (Tabela 2).
 


Na análise multivariada, observou-se que o aumento em 1 kg/m2 no IMC pré-gestacional implicou no aumento de 7,21 µg (IC95% = 2,58 – 11,85) nos níveis de iodo urinário. O maior IMC pré-gestacional foi associado a uma redução da deficiência de iodo (RP = 0,94; IC95% = 0,89; 0,99) (Tabela 3).
 


A cada aumento de 1 kg/m2 no IMC atual das gestantes houve aumento nos níveis de iodo urinário em 6,12 µg (IC95% = 1,06; 11,19), sendo significante para associação linear. O aumento no IMC atual foi associado à redução da prevalência de deficiência de iodo em gestantes (RP = 0,94; IC95% = 0,88; 0,99) (Tabela 4).
 


Foi realizada uma análise de sensibilidade sem gestantes que consumiram suplementos contendo iodo. A associação entre o IMC pré-gestacional ou atual e níveis de iodo urinário permanece (β=8,48; CI95%= 2,42; 14,53 e β=7,79; CI95%=1,17; 14,42). Contudo, não foi encontrado diferença na análise da associação entre o IMC pré-gestacional ou atual e deficiência de iodo categorizada (RP=0,97; CI95% = 0,91; 1,02 e RP=0,96; CI95% = 0,90; 1,02).

Discussão
Este estudo investigou a relação entre o IMC pré-gestacional e atual de gestantes com os níveis e a deficiência de iodo. Foi identificado que gestantes com maior IMC pré-gestacional e atual têm maiores chances de ter níveis de iodo urinário mais elevados. Uma associação positiva entre consumo de alimentos ultraprocessados e maior teor de iodúria também foi observada na amostra. Além disso, a prevalência de gestantes iodo deficientes foi elevada (40,6%).
A associação entre estado nutricional e deficiência de iodo tem sido referida em alguns estudos.6,7,19 No entanto, dados dessa investigação em gestantes são escassos,3,8 e no Brasil não foram encontrados estudos até o momento. Todavia, estudos com outros públicos têm abordado essa relação. Uma pesquisa realizada na Espanha mostrou que a concentração de iodo urinário é menor em mulheres obesas (não gestantes) em comparação a mulheres eutróficas.6 Por outro lado, em consonância com nossos achados, um estudo com crianças brasileiras entre 6 e 14 anos, indicou que quanto maior o IMC, maior o nível de iodo na urina.19 Acredita-se que esse resultado é efeito da política brasileira de fortificação do sal.
No Brasil, a política de iodização do sal para consumo humano, vigente desde 1953 nas áreas de bócio endêmico, tornou-se nacionalmente obrigatória na década de 70, o que desde então favorece a ingestão de iodo dentro dos padrões dietéticos adequados.20 No presente estudo, observou-se que as gestantes com maior IMC possuíam concentrações de iodo mais elevadas. Acredita-se que essa relação esteja associada a maior ingestão de iodo via alimentos ultraprocessados, uma vez que neste estudo o maior consumo de ultraprocessados associou-se à menor prevalência de deficiência de iodo. Desse modo, o efeito do alto consumo de ultraprocessados parece favorecer a redução da deficiência de iodo, visto que estes são fontes exacerbadas de sal, e consequentemente, de iodo.14
Dessa maneira, a despeito da vantagem de garantir uma nutrição de iodo adequada, o consumo de ultraprocessados não deve ser uma prática estimulada, visto que os malefícios superam esse possível benefício. Para isso, prevenir e tratar essa deficiência com fontes naturais do iodo é a conduta mais recomendada. A inserção de fontes variadas e naturais desse mineral no consumo habitual favorecem a adesão a uma alimentação saudável e adequada,4 contribuindo com o bom desenvolvimento da gestação e reduzindo as chances de desvios nutricionais no binômio mãe – filho.11,12
A falta de acesso à informação desfavorece a adesão às recomendações dietéticas ideais quanto a suplementação de nutrientes durante a gestação, como a de iodo. O presente estudo demonstrou que mães com menor escolaridade possuem mais chances de serem iodo deficientes. Uma investigação realizada em uma área rural da Hungria encontrou que gestantes com tempo de estudo menor ou igual a oito anos apresentavam maior risco de ter deficiência de iodo durante o período gestacional em relação às mães com maior escolaridade.21 Portanto, o maior nível de escolaridade parece contribuir para a nutrição adequada de iodo durante o período gestacional.
Apesar de as estimativas nacionais apontarem para um cenário de ampla cobertura do programa de fortificação do sal22 o conhecimento acerca do grupo materno-infantil ainda precisa ser melhor estudado. Em 2013, houve a diminuição do teor de iodo no sal, pois dados de estudos realizados em escolares,23 mostraram que suas amostras urinárias apresentavam excesso de iodo. Porém, é importante considerar que os resultados para escolares refletem o consumo de uma população específica, na qual o hábito alimentar é, muitas vezes, rico em produtos que possuem quantidade excessiva de sal,24 o que consequentemente confere uma grande oferta de iodo. Entretanto, esta realidade pode não ser a mesma para gestantes, conforme a alta taxa de deficiência encontrada no presente estudo demonstra.
Nos últimos anos, trabalhos com gestantes têm chamado atenção para uma expressiva deficiência de iodo nesse grupo.25,26 Em Ribeirão Preto, Ferreira et al.,25 encontraram prevalência de 57% de deficiência de iodo entre mulheres grávidas paulistas. No município de Diamantina, outro inquérito obteve resultados ainda maiores, revelando 73,8% da deficiência iódica entre gestantes.26 Semelhante aos nossos achados, Ning Yao et al.,27 no sudeste da China, identificaram 40,97% de deficiência de iodo entre as gestantes avaliadas, mesmo o país tendo adotado a fortificação do sal como política pública desde 1995.28 Diante disso, sugere-se que apesar da suplementação difundida como programa de uma política pública em muitos países, a exemplo de Brasil e China, a deficiência de iodo no grupo materno-infantil é preocupante.
No período gestacional, essas elevadas prevalências de deficiência podem estar relacionadas a necessidade de iodo aumentada. Até a segunda metade da gestação, o aporte fetal desse oligoelemento é totalmente dependente das reservas maternas, visto que o feto não consegue secretar hormônios tireoidianos, responsáveis por funções importantes para seu bom desenvolvimento.11 Diante disso, a recomendação de ingestão diária do mineral no período gestacional é cerca de 30% maior em relação à população geral.15 Em níveis deficientes de iodo, as consequências ao binômio mãe-filho podem ir desde impactos perinatais desfavoráveis como crescimento fetal reduzido e prematuridade,11 até atrasos no neurodesenvolvimento infantil e baixo desempenho escolar.12 Portanto, é de grande relevância que se coloque na pauta das políticas públicas de saúde e nutrição o combate à deficiência de iodo no grupo materno-infantil, dada as elevadas prevalências de deficiência desse nutriente e suas potenciais consequências deletérias.
Uma limitação deste estudo foi a aplicação de um único recordatório de 24 horas, o que pode levar a viés de memória por parte dos entrevistados e não refletir o consumo alimentar habitual da população. No entanto, para minimizar o viés de memória utilizou-se o método dos múltiplos passos,13 além de uma revisão do questionário, com objetivo de lembrar alimentos comumente subnotificados.
Por outro lado, esse estudo possui pontos fortes importantes, como o uso do DAG na definição de um modelo teórico com base em regras heurísticas, a fim de selecionar o conjunto mínimo de ajustes necessários para evitar viés de confusão e seleção.18 Ademais, a utilização da excreção do iodo urinário destaca-se como a medida mais fidedigna para avaliar o estado nutricional recente do iodo em estudos populacionais.15 Porém, é importante fazer a ressalva de que uma única medida pode não refletir o estado habitual. Destaca-se que até o momento não foram localizados estudos no Brasil que tenham avaliado essa associação, sendo este o primeiro trabalho brasileiro que evidencia a relação entre IMC pré-gestacional e atual e o estado nutricional do iodo em gestantes.
Os resultados desse estudo evidenciam que ter o IMC elevado favorece a diminuição do risco de deficiência de iodo em gestantes. Apesar disso, o desenvolvimento e/ou manutenção do excesso de peso não é uma medida recomendada, visto que relaciona-se com diversos desfechos negativos na gestação, como prematuridade, macrossomia, recém-nascido grande para idade gestacional (GIG), entre outros.29 Ademais, o alto consumo de ultraprocessados durante a gravidez observado no presente estudo, também pode desencadear efeitos prejudiciais a saúde, já bem documentados na literatura.30
Portanto, encontrou-se uma alta prevalência de gestante com deficiência de iodo, e maiores valores de IMC pré-gestacional e atual foram associados a níveis mais elevados de iodo urinário. Essa associação está relacionada ao consumo elevado de ultraprocessados em gestantes com maior IMC. Dessa maneira, sugere-se o desencorajamento do consumo de alimentos ultraprocessados entre gestantes e o incentivo à substituição por alimentos naturais fontes de iodo, como peixes, crustáceos, leites e ovos. Às gestantes com dificuldade de acesso a esses alimentos, recomenda-se a suplementação iódica por via medicamentosa, com devida prescrição médica.

Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes – Finance code 001) pelo apoio financeiro.

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Contribuições dos autores
Silva TCS: realizou a pesquisa e redigiu o artigo. França AKTC, Viana KDAL e Franceschini SCC: realizaram a pesquisa, desenharam o estudo e contribuíram na concepção do artigo. Frota MTBA, Padilha LL, Carvalho WRC, Conceição SIO, Cantanhede NAC, Calado IL: realizaram a pesquisa e desenharam o estudo. Viola PCAF: analisou os dados e contribuiu na redação do artigo. Carvalho CA: realizou a pesquisa, desenhou o estudo, analisou os dados e redigiu o artigo.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 30 de Março, 2024
Versão final apresentada em 26 de Junho, 2024
Aprovado em 4 de Julho, 2024

Editor Associado: Alex Sandro Souza

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