RESUMO
OBJETIVOS: avaliar a associação entre o tempo para iniciar o primeiro contato pele a pele (CPP) e o tempo diário praticado com a taxa de sepse tardia em recém-nascidos ≤1.800g.
MÉTODOS: coorte multicêntrica realizada em unidades neonatais de três regiões geográficas brasileiras. O CPP foi registrado em ficha individual pela equipe e pais do recém-nascido. Dados maternos e neonatais foram obtidos por questionários aplicados às mães e em prontuários médicos. A análise dos dados foi realizada por algoritmo da árvore de classificação, que dividiu o conjunto de dados em subconjuntos mutuamente exclusivos que melhor descreveram a variável resposta.
RESULTADOS: 405 recém-nascidos participaram do estudo, com média de 31,3±2,7 semanas de idade gestacional e mediana de peso ao nascer 1.412g (IQ=1.164–1.605g). Realizar o primeiro CPP com até 137h de vida (≤5,7 dias) foi associado a menor taxa de sepse tardia (p=0,02) para recém-nascidos que fizeram CPP diário de 112,5 a 174,7 min/dia (1,9 a 2,9h/dia), com redução na taxa de sepse (39,3% para 27,5%). Além disso, a duração do CPP>174,7min/dia (>2,9h/dia) foi relevante (p<0,001) para os recém-nascidos >1.344g, com redução nesse desfecho (21,1% para 6%).
CONCLUSÕES: o CPP mostrou-se importante para redução das taxas de sepse tardia em recém-nascidos pré-termo, especialmente quando realizado de forma oportuna (≤5,7 dias) e prolongada (>2,9h/dia).
Palavras-chave:
Método canguru, Recém-nascido de baixo peso, Recém-nascido pré-termo, Sepse neonatal
ABSTRACT
OBJETIVOS: avaliar a associação entre o tempo para iniciar o primeiro contato pele a pele (CPP) e o tempo diário praticado com a taxa de sepse tardia em recém-nascidos ≤1.800g.
MÉTODOS: coorte multicêntrica realizada em unidades neonatais de três regiões geográficas brasileiras. O CPP foi registrado em ficha individual pela equipe e pais do recém-nascido. Dados maternos e neonatais foram obtidos por questionários aplicados às mães e em prontuários médicos. A análise dos dados foi realizada por algoritmo da árvore de classificação, que dividiu o conjunto de dados em subconjuntos mutuamente exclusivos que melhor descreveram a variável resposta.
RESULTADOS: 405 recém-nascidos participaram do estudo, com média de 31,3±2,7 semanas de idade gestacional e mediana de peso ao nascer 1.412g (IQ=1.164-1.605g). Realizar o primeiro CPP com até 137h de vida (≤5,7 dias) foi associado a menor taxa de sepse tardia (p=0,02) para recém-nascidos que fizeram CPP diário de 112,5 a 174,7 min/dia (1,9 a 2,9h/dia), com redução na taxa de sepse (39,3% para 27,5%). Além disso, a duração do CPP>174,7min/dia (>2,9h/dia) foi relevante (p<0,001) para os recém-nascidos >1.344g, com redução nesse desfecho (21,1% para 6%).
CONCLUSÕES: o CPP mostrou-se importante para redução das taxas de sepse tardia em recém-nascidos pré-termo, especialmente quando realizado de forma oportuna (≤5,7 dias) e prolongada (>2,9h/dia).
Keywords:
Método canguru, Recém-nascido de baixo peso, Recém-nascido pré-termo, Sepse neonatal
IntroduçãoÓbitos neonatais representam 44% da mortalidade infantil nos países em desenvolvimento e estão relacionados principalmente à prematuridade, asfixia ao nascer e a ocorrência de infecções no recém-nascido (RN).
1 Com o objetivo de reduzir desfechos neonatais desfavoráveis, como a redução de sepse neonatal tardia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem recomendado a prática do contato pele a pele (CPP), que deve ser iniciado tão logo o RN tenha alcançado estabilidade clínica.
2O CPP é uma tecnologia leve, que consiste em colocar o RN, livre de roupas, em contato com a pele no tórax da mãe ou pai, em posição prona, por tempo que seja confortável para ambos. Inicialmente idealizado na Colômbia em 1978, foi disseminado para vários países no mundo e tem sido objeto de importantes estudos que têm comprovado a sua eficácia em reduzir a morbimortalidade no período neonatal.
3,4Estudos têm apontado para a influência de diferentes tempos de realização da prática do CPP na redução das taxas de sepse tardia. Em investigação realizada na França, os autores observaram associação entre o CPP realizado por três horas ou mais diariamente com redução na sepse tardia;
5 essa mesma associação foi observada em estudo na Ucrânia,
6 enquanto nas Filipinas essa associação se deu com tempo maior ou igual a quatro horas/dia de CPP.
7 Outro estudo, multicêntrico e randomizado, que analisou o CPP iniciado de forma imediata, observou redução nas taxas de suspeita de sepse com tempo mediano para o primeiro contato de 1,3 horas e prática diária de CPP na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) de 16,9 horas.
8Metanálises realizadas em importantes revisões sistemáticas não encontraram resultados conclusivos quanto ao tempo diário de CPP associado com menor taxa de infecção em RN de baixo peso ao nascer devido à grande variação do tempo utilizado em cada estudo primário.
3,4 Portanto, atualmente, não existe consenso sobre o tempo oportuno para o início desse primeiro contato após a internação do RN em Unidades Neonatais, bem como sobre qual tempo diário de CPP é necessário para se observar efeito na redução das taxas de sepse tardia.
O objetivo do presente estudo foi avaliar a associação entre o tempo para iniciar o primeiro CPP e o tempo diário praticado com a taxa de sepse tardia em recém-nascidos com peso ≤1.800g, durante internação neonatal.
MétodosTrata-se de um estudo multicêntrico observacional tipo coorte prospectivo realizado no período de maio de 2018 a março de 2020. Participaram desta pesquisa cinco unidades neonatais brasileiras, sendo duas da região Nordeste, duas do Sudeste e uma do Sul.
Foram considerados elegíveis todos os nascidos vivos nessas instituições durante o período do estudo que atendiam aos seguintes critérios: parto único, peso de nascimento até 1.800g, sem malformações, asfixia perinatal grave e/ou síndromes genéticas. Os critérios de não inclusão e exclusão, assim como as perdas, estão detalhados no fluxograma da amostra (Figura 1). Mulheres com distúrbios psiquiátricos ou comportamentais e soropositivas para HIV (
Human Immunodeficiency Virus) não foram incluídas no estudo. Algumas mulheres foram excluídas da amostra segundo critérios detalhados na Figura 1.
Para esta pesquisa, o tamanho mínimo da amostra foi estimado em 357 díades. Esse quantitativo baseou-se em estudo piloto que considerou razão expostos/não expostos de 06 e diferença de risco de 23%. Considerou-se nível de significância bilateral de 95%, poder de 99% e erro tipo I de 5%. O estudo piloto foi realizado na primeira etapa do projeto multicêntrico, implementado em maio de 2018, com o objetivo de estabelecer parâmetros que possibilitassem o cálculo amostral, além de proporcionar dados que foram incorporados na amostra total do estudo. O cálculo de 357 díades refere-se ao mínimo necessário para representar a confiabilidade dos resultados, no entanto a amostra total superou em número de participantes para 405 díades.
Foram coletadas variáveis maternas e neonatais por meio de questionários aplicados às mães, e completados com dados dos prontuários, durante o período de internação do neonato. O tempo de CPP foi registrado em cartões anexados ao leito, sendo preenchidos pela equipe de saúde após internação na unidade neonatal. Os pais também foram treinados a preencher o registro do CPP, sob a supervisão da equipe de saúde. No cartão registrou-se a hora de início e do término de cada CPP, além de quem o realizava (mãe ou pai). Diariamente, esses registros eram checados por pesquisadores auxiliares, capacitados previamente, que faziam contato com os pais e com os profissionais de saúde, além de consolidar esses dados em ficha de prontuário do RN.
Para a análise estatística foi considerada a variável desfecho "sepse tardia", definida quando sua evidência diagnóstica (clínica/laboratorial/microbiológica) ocorreu após as primeiras 48 horas de vida do RN, enquanto este estivesse internado em unidade de assistência neonatal, devidamente registrado em prontuário médico.
9As variáveis explanatórias foram definidas a partir de um modelo teórico, com base nos achados da literatura, para investigar a associação com o desfecho em estudo.
As variáveis explanatórias referentes às mulheres foram: idade (menor que 20 anos, de 20 a 34 e acima de 35 anos); escolaridade (sem instrução/fundamental incompleto; fundamental completo/ensino médio incompleto; ensino médio completo/ensino superior incompleto e ensino superior completo); situação conjugal (com companheiro e sem companheiro); adequação do pré-natal (adequado ou sem pré-natal/inadequado), considerada adequada a assistência pré-natal iniciada até o 4º mês de gestação e seis ou mais consultas realizadas para uma gestação a termo ou em menor número de acordo com a idade gestacional no momento do parto (três consultas até 29 semanas; quatro consultas de 30 a 33 semanas e cinco consultas de 34 a 36 semanas),
10 Síndrome hipertensiva específica da gravidez (SHEG); história de infecção na gestação; uso de álcool na gestação; uso de corticosteroide antes do parto e via de nascimento (vaginal ou cesárea).
As variáveis do recém-nascido foram: peso ao nascimento, aferido em gramas; idade gestacional ao nascimento, calculado pela data da última menstruação ou pelo ultrassom do primeiro trimestre ou pelo escore do
New Ballard, expressa em dias, sendo transformada em semanas para a análise; adequação de peso para a idade gestacional, categorizado em AIG, PIG ou GIG (adequado, pequeno ou grande para a idade gestacional), segundo classificação
Intergrowth 21;
11 Score for Neonatal AcutePhysiology - Perinatal Extension II (Snappe II), pontuado de 0 a 162;
12 APGAR do 5º minuto de vida, pontuado de 0 a 10;
13 infecção precoce, quando ocorrida dentro das primeiras 48 horas de vida do RN.
9A variável referente ao tempo diário de exposição ao CPP durante os dias de internação, foi aferida em minutos totais, posteriormente calculada em minutos por dia (tempo total do CPP durante a internação dividido pelo número de dias em que esse contato foi realizado com um dos genitores).
A variável referente ao primeiro CPP foi registrada pelo total de horas em que se deu esse primeiro contato após a internação do RN.
Os dados coletados foram tabulados em instrumento do
Google Form e depois exportados para uma planilha do
Microsoft Office Excel, versão 2016. Dados quantitativos foram representados por média e desvio padrão ou medianas e intervalos interquartis, dependendo de sua distribuição e critérios de normalidade e variáveis categóricas foram apresentadas em frequências e percentagens.
Para a análise estatística do modelo teórico com as variáveis selecionadas acima identificadas, foi utilizado um método não paramétrico, baseado no aprendizado de máquina (inteligência artificial): a Árvore de Classificação.
14 A variável dependente utilizada foi "sepse tardia", considerada "nó raiz" dessa árvore. Em seguida, foi inserida a variável "CPP/dia" como primeiro "nó descendente", e a partir dele, por meio de testes lógicos, foi gerado um algorítimo que selecionou e identificou os "demais nós descendentes", a partir do conjunto de variáveis preditoras materno-infantis, definidas no modelo teórico. Esse processo foi realizado até não haver mais divisão desses nós, encerrando o crescimento da árvore em "nós terminais" Ao analisar variáveis contínuas, o algoritmo determinou os pontos de corte mais apropriados estatisticamente.
15 Assim, pretendeu-se encontrar nesse processo, os pontos de corte de tempo de CPP que tivessem relação de associação com a sepse tardia durante a internação hospitalar. Para a construção da árvore de classificação, foi inserido todo o conjunto de variáveis materno-infantis selecionadas no
software da IBM SPSS 21.
Os resultados descritivos da amostra foram realizados no pacote estatístico Stata 14.0. Para análise dos dados foram fixados níveis de significância em 5% e adotados intervalos de 95% de confiança (IC95%).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional, sob parecer nº número 2.570.959 (CAAE: 83803817.0.1001.5086).
ResultadosUm total de 405 díades foram analisadas (Figura 1), com média de idade gestacional dos RN de 31,3 ± 2,7 semanas e mediana de peso de 1.412 (1.164 – 1.605) gramas. A taxa de sepse tardia durante a internação foi de 29,1%. Outras características dos RN constam na Tabela 1 e na Tabela 2 estão descritas as características maternas.
A Figura 2 apresenta a árvore de classificação com o desfecho sepse tardia, segundo características maternas e dos RN internados. Esta árvore possui oito nós, sendo cinco deles terminais. A árvore expõe a relação entre as características das díades em três níveis de profundidade, sendo que nenhuma das características maternas permaneceu associada com o desfecho no modelo explicativo. As características mais relevantes encontradas foram: tempo de início para o primeiro CPP ≤137h (5,7dias) e peso de nascimento do RN >1.344 gramas.
A introdução do tempo de CPP/dia como variável explicativa mais próxima ao desfecho gerou três nós descendentes (CPP ≤112,5; entre 112,5-174,7 e >174,7 min/dia), porém sem demonstrar associação significativa com essa variável (
p=0,42). No entanto, o segundo nó demonstrou que o grupo de RN que praticou o CPP diário entre 112,5 e 174,7 min/dia (1,9 horas/dia a 2,9 horas/dia), quando realizou o primeiro CPP com até 137 horas de vida (≤5,7 dias) foi associado com menores taxas de sepse tardia daquele que o fez tardiamente (27,5
versus 54,7%), o que representou uma redução nas taxas de sepse tardia de 39,3% para 27,5%, nesse grupo.
O terceiro nó demonstrou que os RN que realizaram tempo diário de CPP >174,7 min/dia (>2,9 horas/dia) e nasceram com peso >1344 gramas apresentaram menores taxas de sepse tardia (6%) em relação aos que nasceram com menor peso (53,2%), o que representou uma redução de 24,1% para 6% nas taxas de sepse tardia desse grupo.
DiscussãoEste estudo demonstrou que os RN que realizaram CPP entre 112,5 e 174,7 minutos/dia (1,9 horas a 2,9 horas/dia) e fizeram o primeiro contato após o nascimento com até 137 minutos de vida (≤5,7 dias) tiveram menores taxas de sepse tardia, com redução nessas taxas de 39,3% para 27,5%. Também se observou que realizar o CPP diário em tempo maior que 174,7 min/dia (>2,9 horas/dia) está associado com menores taxas de sepse tardia para os RN que nasceram pesando >1.344g, com redução de 24,1% para 6% de sepse tardia nesse grupo.
Importantes revisões sistemáticas demonstraram que RN com baixo peso ao nascer (<2.500 gramas) que realizaram CPP durante internação, apresentaram menor taxa de sepse tardia em relação àqueles submetidos ao cuidado convencional.
3,4 O presente estudo mostrou que realizar o primeiro CPP de forma mais oportuna (≤5,7 dias de vida do RN) modifica de forma significativa as taxas de sepse tardia em RN pré-termo. Arya
et al.
16 observaram que a mortalidade relacionada a sepse neonatal foi 37% menor no grupo de RN que fez CPP dentro das primeiras duas horas de vida. Outros estudos têm apontado para a importância do início precoce desse contato, após internação na UTIN, como forma de proteção para estas infecções.
5,6,8 Os achados atuais também apontam para o tempo de início do primeiro CPP como um fator importante que contribui em reduzir taxas de sepse tardia, indicando que não se deve perder o tempo oportuno para a realização desse primeiro contato.
Uma teoria que poderia explicar a proteção do CPP realizado de forma mais precoce para a redução de sepse tardia diz respeito à proteção do microbioma do RN que é admitido em UTIN. O microbioma humano influencia o seu sistema imunológico e desempenha um papel significativo na prevenção como na aquisição de estados de doenças. Os neonatos pré-termo são mais vulneráveis a desenvolver um microbioma alterado devido ao contato direto e prolongado a que são expostos em um ambiente atípico como na UTIN.
17 Outra hipótese para alteração do microbioma seria a forma de nascimento.
Crianças nascidas por via vaginal têm conteúdo microbiano intestinal semelhante ao da flora vaginal e intestinal materna, que inclui bactérias comensais como
Bacteroides,
Bifidobacterium,
Clostridium e bactérias do ácido lático, enquanto nascidos por cesárea são colonizados por bactérias da pele (como
Staphylococcus, Corynebacterium, Propionibacterium sp.) o que atrasa a colonização e estabelecimento daquelas bactérias comensais no intestinal do RN.
18,19 Além disso, RNs pré-termo apresentam baixa diversidade bacteriana, composta com maior proporção de
Proteobacterias e Enterococcus no intestino em comparação com os não pré-termo.
20Devido a esses fatores, RNs pré-termo, geralmente nascidos por cesárea, apresentando baixa diversidade no microbioma intestinal e expostos a um ambiente hospitalar complexo, como o da UTIN, cuja flora microbiológica é frequentemente formada com cepas patogênicas, estão mais propensos ao desenvolvimento de sepse neonatal tardia que os de termo.
17 Estudo brasileiro demonstrou que é possível ocorrer descolonização de cepa bacteriana hospitalar por meio de trocas com a flora comensal materna, associado a realização diária do CPP.
21 Então, quanto mais precoce e de forma mais regular o CPP for realizado, maior a possibilidade da flora não patogênica da mãe e pai colonizar o corpo do RN, o que poderá impactar de forma significativa na redução das taxas de sepse tardia.
O peso ao nascimento (>1.344g) também foi outra variável associada com menor taxa de sepse tardia no estudo atual, especialmente para o grupo de RN que realizou o CPP diário por maior tempo (>2,9 horas/dia). Segundo a escala
Intergrowth 21, RN <1.344g corresponde, em grande proporção, aos muito pré-termo,
11 e este grupo está sujeito a complicações adicionais como hemorragia intraventricular, retinopatia e enterocolite necrosante.
22 Além disso, permanecem por longos períodos de internação, o que contribui para maior exposição aos patógenos hospitalares em um corpo mais fragilizado devido a sua imaturidade biológica, justificando a alta taxa de infecção encontrada nesse grupo. No entanto, o CPP deve ser estimulado neste grupo de muito pré-termo, a fim de contribuir com outros benefícios já demonstrados na literatura, como vinculação materna,
23 menor tempo para alcançar dieta enteral completa,
24 aleitamento materno exclusivo,
25,26 neuroproteção,
27 redução de stress,
28 dentre outros.
Por outro lado, no presente estudo, RN pré-termo com peso ao nascer maior que 1.344g foram beneficiados com o uso mais prolongado do CPP (>2,9 horas/dia) na redução das taxas de sepse tardia. Esse fato demonstra o impacto que o maior tempo de prática dessa tecnologia pode ter no controle de infecções neonatais.
Ensaio clínico da OMS demonstrou redução de óbitos neonatais e de casos de suspeita de sepse no grupo que realizou o primeiro CPP de forma imediata (mediana 1,3 horas) e por maior tempo diário durante internação na UTIN (mediana 16,9 horas/dia) em relação ao grupo controle.
8 Outro ensaio clínico, realizado nas Filipinas, observou que a prática de pelo menos quatro horas por dia de CPP foi associada a redução de morbidades (enterecolite necrosante e sepse neonatal) em pré-termo submetidos a suporte respiratório por pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP -
Continuous Positive Airway Pressure).
7 Uma revisão sistemática com metanálise mostrou maiores benefícios sobre a mortalidade neonatal e provável redução de sepse clínica neonatal quando o CPP foi realizado por pelo menos oito horas por dia.
29Alguns autores teorizam que a redução das taxas de infecção e de mortalidade se deva à possibilidade da colonização do RN com o microbioma materno, além de maior probabilidade do aleitamento materno precoce, menor manipulação do RN por outras pessoas, redução do nivel de estresse pela presença materna e constante monitorização da mãe para com seu filho.
8,20,28 Portanto, a presença da mãe na UTIN, praticando o CPP de forma mais prolongada, é de fundamental importância para que se alcance menores taxas de sepse tardia e, consequentemente, redução dos óbitos neonatais.
Como limitação do presente estudo, pode-se citar que as unidades neonatais dos diferentes centros do estudo não foram avaliadas como variáveis independentes, o que pode ter influenciado na análise das taxas de sepse tardia.
A participação de cinco instituições de três regiões diferentes do país pode ser considerada um ponto positivo do trabalho, bem como a coleta dos dados ter sido realizada de forma prospectiva. Destaca-se ainda, a escolha de um método que nos permitiu observar pontos de corte do tempo de início e do contato diário do CPP associados às infecções tardias. Através da "Árvore de Classificação",
14 foi possível criar um modelo explicativo para esse desfecho que foi ajustado por diversas variáveis, e situar a prática do CPP neste contexto.
O presente estudo identificou um tempo de até 137 minutos (≤ 5,7 dias) para realizar o primeiro CPP na UTIN e observar um efeito positivo na redução de sepse tardia dos neonatos que praticaram 112,5 a 174,7min/dia (1,9 horas a 2,9 horas/dia) de CPP. Demonstrou também que realizar o CPP de forma mais prolongada durante a internação neonatal (>2,9 horas/dia) foi associado com redução significativa da sepse tardia naqueles que nasceram com peso acima de 1.344g. Estudos que apresentem pontos de corte para o tempo de início e duração da prática diária do CPP são importantes para orientar as equipes de saúde que atuam com o cuidado neonatal.
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Agradecimentos: Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa.
Contribuição dos autores: Lamy Filho F, Goudard MJF, Marba STM, Santos AM, Lima GMS, Costa R, Azevedo VMGO e Lamy ZC participaram da concepção do projeto, coleta de dados, análise dos dados e escrita do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.
Recebido em 5 de Junho de 2023
Versão final apresentada em 25 de Março de 2024
Aprovado em 26 de Março de 2024
Editor Associado: Pricila Mullachery