RESUMO
OBJETIVOS: identificar as evidências científicas sobre tuberculose excessivamente resistente e multidroga resistente em pacientes pediátricos.
MÉTODOS: trata-se de uma revisão de escopo da literatura, tendo como questão norteadora: "Quais as evidências científicas sobre tuberculose multidroga-resistente (TB-MDR) e tuberculose extensivamente resistente em pacientes pediátricos?" A pesquisa usou os descritores: "tuberculose extensivamente resistente a medicamentos" OR "tuberculose resistente a múltiplos medicamentos" AND "pediatria". A pesquisa foi realizada de modo duplo-cego nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Regional Office for the Western Pacific's Institutional Repository for Information Sharing, Embase/Elsevier e International Clinical Trials Registry Platform, com um corte temporal de 2011 a 2021, sendo a amostra final sintetizada de 18 artigos, nos quais avaliou-se o conteúdo metodológico por meio do nível de evidência.
RESULTADOS: os resultados mostraram a escassez de pesquisas de alto nível de evidência relacionadas à TB-MDR em crianças, ausência de posologia adequada das drogas de segunda linha para o público pediátrico e a importância do teste de sensibilidade a drogas para o tratamento dos casos.
CONCLUSÕES: identificou-se que os obstáculos do tratamento TB-MDR se concentraram na ausência de protocolos detalhados, de dosagens medicamentosas seguras e com menor efeito colateral, e, principalmente, nos determinantes sociais do processo saúde e doença que envolvem a TB-MDR.
Palavras-chave:
Tuberculose multidroga resistente, Tuberculose extensivamente resistente a drogas, Pediatria, Determinantes sociais de saúde
ABSTRACT
Abstract
OBJECTIVES: to identify the scientific evidence on excessively resistant and multidrug resistant tuberculosis in pediatric patients.
METHODS: this is a scope review of the literature, with a guiding question: "What is the scientific evidence on multidrug-resistant tuberculosis (MDR-TB) and extensively drug-resistant tuberculosis in pediatric patients?". The research used the descriptors: "extensively drug-resistant tuberculosis" OR "multidrug-resistant tuberculosis" AND "pediatrics". The research was carried out in a double-blind manner in the following databases of the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Regional Office for the Western Pacific's Institutional Repository for Information Sharing, Embase/Elsevier and International Clinical Trials Registry Platform, with a temporal cut-off from 2011 to 2021, sending a final synthesized sample of 18 articles, which evaluated the methodological content through the level of evidence.
RESULTS: the results show the lack of research with a high level of evidence related to MDR-TB in children, the lack of adequate dosage of second-line drugs for the pediatric population and the importance of drug sensitivity testing for the cases of treatment
CONCLUSIONS: it was identified that the obstacles to MDR-TB treatment were concentrated in the lack of detailed protocols, safe drug dosages with a low side effect, and mainly in the social health determinants and disease process involving MDR-TB.
Keywords:
Multidrug-resistant tuberculosis, Extensively drug-resistant tuberculosis, Pediatrics, Social determinants of health
IntroduçãoA tuberculose (TB) é uma doença de abrangência global sendo uma das dez principais causadoras de óbitos no mundo, ficando em primeiro lugar nas mortes por um único agente infeccioso, o que supera, em números, os óbitos pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Mundialmente estima-se que em 2019, dez milhões de indivíduos contraíram TB, desse total de pessoas 12% eram crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos.
1 Segundo o Ministério da Saúde, entre 2017 e 2019 houve um aumento nos casos incidentes de TB no Brasil, entretanto, em 2020 ocorreu brusca queda desse número somado a um aumento nos casos de abandono do tratamento, totalizando 66.819 casos novos de TB.
2A TB multidroga resistente (TB-MDR) representa um embate frente ao sucesso no controle global da tuberculose devido à alta incidência de casos,
3,4 e consiste na infecção pelo
Mycobacterium tuberculosis resistente a dois medicamentos ou mais, normalmente rifampicina e isoniazida. A prevalência de TB-MDR passou de 50.000 casos no ano de 2009, alcançando um número maior que 150.000 casos em 2017.
5No que tange ao público infantil, em 2018 a tuberculose em menores de 15 anos representou 11% dos casos no contexto global, outrossim, o número de crianças que iniciaram o tratamento de TB foi igual a 349.487, o que representou um aumento de 20% quando comparado ao ano de 2017. A estimativa sugere que de 2018 até 2022 o número de pessoas com diagnóstico e tratamento para tuberculose seja de 40 milhões, desses, 3,5 milhões de crianças.
6 Atualmente, em áreas com elevados números de novos casos, a TB está entre as dez principais doenças responsáveis pelo óbito de menores de cinco anos.
7 Suspeita-se que uma criança está com tuberculose, na maioria dos casos, quando ela apresenta uma doença respiratória de repetição. Estudo realizado em 2018 aponta que aproximadamente 32.000 crianças adoecem anualmente em todo o mundo por TB-MDR, sendo esses casos ainda mais negligenciados no que se refere ao diagnóstico e tratamento.
8,9A TB-MDR em crianças é extremamente desafiadora. Além de empecilhos no que se refere à qualidade de amostras em crianças para obtenção dos diagnósticos e aquelas que possuem baciloscopia negativa por apresentarem característica paucibacilar, têm-se o tratamento prolongado, que varia de 18 a 20 meses.
9 Não obstante, os serviços de saúde não se encontram preparados para manejar os casos citados, isto se deve por políticas de saúde pública limitadas na área, pesquisas insuficientes e falta de acesso à terapia medicamentosa adequada, culminando em um cuidado em saúde inadequado.
10Nesse contexto, tendo em vista a ausência substancial de pesquisas na área e a negligência envolvendo a doença nesse público vulnerável, torna-se essencial discutir acerca do diagnóstico, tratamento e manejo dos casos de TB-MDR infantil. O presente artigo objetivou realizar uma revisão de escopo sobre as evidências científicas encontradas na literatura sobre TB extensivamente resistente e TB-MDR em pacientes pediátricos.
MétodosEssa revisão de literatura foi conduzida pelo método da
scoping review/revisão de escopo, a qual fornece um mapeamento de evidências disponíveis, o que permite identificar lacunas de conhecimento
11.
Para definir a questão norteadora, foi utilizada a sigla PECO (
Population/Exposure/Comparison/Outcomes), considerando População = (Pacientes pediátricos com TB multidroga resistente), Exposição = (Antimicrobianos anti-tuberculose), Comparação = (Pacientes pediátricos com TB não multidroga resistentes) e Desfecho = (Prognóstico).
12,13 Assim, a questão norteadora foi: "Quais as evidências científicas sobre TB-MDR e TB extensivamente resistente em pacientes pediátricos?". A declaração
Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analys extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) foi utilizada para resumir o processo de seleção dos estudos e suas etapas, sendo representada na Figura 1.
11 Foram utilizadas as bases de dados MEDLINE/PubMed (
Medical Literature Analysis and Retrieval System Online),
Regional Office for the Western Pacific's Institutional Repository for Information Sharing (WHO IRIS), Embase/Elsevier e
International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). A estratégia de busca foi desenhada e conduzida por dois autores experientes, de modo independente, através dos Descritores de Ciências em Saúde (DeCS) e traduzidos no
Medical Subject Headings (MeSH): "Tuberculose Extensivamente Resistente a Medicamentos" OR "Tuberculose Resistente a Múltiplos Medicamentos" AND "Pediatria" // "Extensively Drug-Resistant Tuberculosis" OR "Tuberculosis, Multidrug-Resistant" AND "Pediatrics"
Dentre os critérios de inclusão, contava-se: publicações de 2011 a 2021, sendo nos idiomas inglês, espanhol e português, texto completo disponível ou não, além disso, foram incluídos: relatos de casos, artigo original, ensaio clínico, meta-análise, ensaio randomizado controlado e revisão sistemática. O público alvo para estudo trata-se da população pediátrica de zero a dez anos, excluindo a população adolescente. A seguir, foi realizada a identificação dos estudos a serem utilizados por meio da seleção por título, resumo e leitura completa, através do
SoftwareMendeley - Reference Management Software, dessa forma, removendo os artigos duplicados e aumentando a confiabilidade da pesquisa. Foram excluídas as produções que não contemplavam a questão norteadora descrita, além disso, foram desconsiderados artigos que tem como classificação livros, documentos,
preprints, comentários ao editor e artigos de revisão integrativa.
Após a leitura e seleção dos artigos, foram sumarizados em um documento da
Microsoft Word Office 365, contendo: ano de publicação, nome dos autores, título da publicação, idioma, base de dados e breve conclusão sobre o conteúdo do artigo. Além de conter as principais informações do nível de evidência e contribuição para prática clínica, bem como o fator de impacto das revistas.
De forma a cumprir o requisito da revisão de escopo e promover maior robustez e qualidade da produção, nosso estudo avaliou o nível de evidência (NE) identificado de acordo com a hierarquia, sendo escolhida por ser amplamente utilizada e eficaz para classificar as evidências para revisões de literatura, sendo os níveis: NE I - Revisões sistemáticas ou meta-análises de ensaios clínicos randomizados; NE II - Ensaio clínico controlado randomizado bem projetado; NE III - Ensaio clínico controlado bem projetado sem randomização; NE IV - Estudo de coorte, caso-controle, estudo transversal bem desenhado; NE V - Revisão sistemática de estudos qualitativos e estudos descritivos; NE VI - Único estudo descritivo ou qualitativo; NE VII - Opinião de autoridade e/ou relatório de especialistas.
ResultadosForam selecionados 18 artigos de acordo com os critérios de inclusão apresentados. Todos os artigos foram publicados originalmente na língua inglesa, 38,8% deles foram realizados no continente Asiático. Do número total selecionado, 94,4% foram obtidos na base de dados MEDLINE/PubMed e apenas 5,6% foram selecionados na base de dados Embase/Elsevier e
International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP).A Tabela 1 representa o nível de evidência dos artigos, bem como seu desenho metodológico e fator de impacto da revista. Dentre os artigos revisados encontram-se quatro relatos de caso (22,2%), quatro estudos de coorte, três prospectivos e um retrospectivo (22,2%), apresentados na Tabela 2, além de seis estudos transversais (33,3%), sendo esse o estudo mais prevalente, e quatro revisões sistemáticas (22,2%) encontrados na Tabela 3.
Somando-se os casos apresentados nos quatro relatos de casos revisados, obteve-se 100% de casos de crianças com tuberculose TB-MDR, entre elas, 25% com vacinação de Bacilo de Calmette e Guérin (BCG) confirmada e 25% não vacinadas. Entre os 50% das crianças restantes o dado não foi descrito. Em apenas 25% das crianças o contato domiciliar de um caso adulto confirmado de TB ou TB-MRD foi confirmado; 50% dos estudos de casos não apresentaram desfecho descrito; 25% das crianças obtiveram cura; 12,5% foram a óbito e os 12,5% restantes abandonaram o tratamento.
De todas as coortes analisadas, 25% colocaram como achado atual na literatura a exposição à fumaça de lenha como fator de risco para contrair TB e 50% das coortes incluídas, propõem uma posologia de levofloxacino, antibiótico da classe das fluorquinolonas, para o tratamento de TB-MDR em pacientes pediátricos. Sendo representados na Tabela 2.
Dos estudos transversais analisados, apenas 33,3% indicaram a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) como um obstáculo para o tratamento da TB-MDR. A negligência dos programas de tuberculose em relação à doença em crianças foi apontada em aproximadamente 16,6% dos estudos. Dos dados totais apresentados, somente 16,6% mostraram uma maior resistência ao etambutol na amostra analisada, enquanto 33,3% apresentaram resistência à isoniazida e 16,6% à estreptomicina. Os restantes 33,3% não forneceram essa informação. No contexto das revisões sistemáticas, todas elas descreveram a infecção pelo HIV como um fator de risco para contrair TB-MDR; 25% das revisões enfatizaram o HIV como fator de risco; 50% mencionaram a ausência de vacina BCG e o HIV como fatores de risco; e os últimos 25% descreveram a infecção pelo HIV, ausência de BCG e alterações nutricionais como fatores de risco para a TB-MDR. Apenas 25% das revisões discutiram os efeitos adversos do tratamento, identificando a neuropatia periférica, anemia e leucopenia como os mais graves em crianças. Todos os artigos enfatizaram a importância do teste de sensibilidade a medicamentos para o diagnóstico e tratamento eficaz da TB-MDR, mas também ressaltaram a falta de acesso a esse teste. Os detalhes estão apresentados na Tabela 3.
DiscussãoAs evidências científicas sobre TB-MDR e TB extensivamente resistente em pacientes pediátricos, sumarizadas nesta revisão em 18 artigos presentes nas Tabelas 2 e 3, evidenciaram como principais achados, a saber: o tratamento de TB- MDR é um desafio social e econômico sendo que nem sempre a cura é alcançada. Além disso, demonstram riscos decorrentes do tratamento como hipertensão intracraniana e insuficiência hepática. Destaca-se que a dosagem de 250mg de levofloxacino, principal droga utilizada para o tratamento, apresenta maior biodisponibilidade, favorecendo o tratamento. As revisões sistemáticas e estudos transversais demonstraram que um dos maiores obstáculos é o contato domiciliar de crianças com TB-MDR, as quais são mais propensas a desenvolver TB do que as pessoas expostas à drogas, bem como dificuldade da adesão familiar e da criança no tratamento da doença.
Globalmente os testes de sensibilidade às drogas (DST), especialmente as técnicas de cultura mais rápidas, componente ímpar para o manejo dos casos de TB-MDR, não são acessados facilmente nos serviços de saúde e quando disponíveis, ocorrem atrasos no que se refere aos resultados, além de outros empecilhos como dificuldades na coleta de amostras em crianças e o fato de que as amostras de casos em adultos tem análise priorizada, conjunto de fatores dificultadores do diagnóstico infantil.
14,15Conquanto, Jain
et al.
16 reafirmam o desafio em obter o diagnóstico de TB-MDR em crianças, pontuando a dificuldade na coleta de amostras infantis para realização de exames microscópicos e culturas, maior probabilidade desse público ter a doença em sua forma extrapulmonar e a característica paucibacilar muitas vezes presente. Desse modo, o tratamento deve ser iniciado de acordo com a sensibilidade conhecida no adulto até o resultado do DST.
9,15-22 Não obstante, as crianças que já tiveram e abandonaram o tratamento de TB ativa ou que apresentaram a doença recidivante após terapêutica com drogas de primeira linha, também são possíveis fontes de TB-MDR.
23Visto isso, casos de TB em adultos são uma forma de rastrear e diagnosticar precocemente o contato infantil, devendo ser realizado majoritariamente pela Estratégia Saúde da Família (ESF) através de Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT).
24 Além disso, deve-se investir também no tratamento diretamente observado (TDO) para o público pediátrico. O TDO no paciente pediátrico consiste em um conjunto de atividades que possuem como objetivo garantir uma assistência planejada à criança. Entre as estratégias destaca-se a observação durante a ingestão da medicação, que pode ser feita pelo cuidador da criança, se o profissional de saúde que acompanha a família avaliar aptidão.
25-27 Em nenhum dos artigos sintetizados nesta revisão o TDO é tido como estratégia para o público infantil, o que mostra a invisibilidade das crianças frente as estratégias de cuidado.
27Outro aspecto importante refere-se à ausência de posologia adequada das drogas de segunda linha usadas para tratar TB-MDR em crianças, apesar disso o sucesso do tratamento é 30% maior do que no público adulto. Todavia, os pacientes pediátricos enfrentam sérios danos relacionados à toxicidade das drogas, em sua maioria esses efeitos podem ser manuseados e contidos quando o paciente está sendo monitorado e acompanhado. Algumas exceções incluem a perda auditiva, hipotireoidismo e insuficiência hepática, que são citados na literatura como de fato incapacitantes para os pequenos.
28, 29Foram relatados
30 casos de aumento da pressão intracraniana como efeito adverso ao uso de levofloxacino, uma das drogas de escolha do tratamento de TB-MDR.
28 Em consonância às reações adversas medicamentosas. Outrossim, apresentou-se também como principais efeitos adversos encontrados nas terapias anti TB-MDR a anemia, neuropatia periférica e leucopenia.
30-33Vale ressaltar que há ampla dificuldade de acesso de atendimento a essas crianças, e quando finalmente realizado, não raramente encontram-se muitas limitações nos serviços de saúde, inclusive no que tange ao conhecimento da equipe sobre a doença em questão,
18 evidenciando mais uma fragilidade da atenção à saúde relativa à TB- MDR.
18Alguns dos autores analisados descreveram maior morbidade da TB-MDR em pacientes pediátricos com deficiências nutricionais, portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e os que não possuíam a vacina de BCG.
17,18,22 Tanto a desnutrição infantil, quanto a ausência de BCG e a transmissão vertical do HIV são marcadores sociais importantes da pobreza e desigualdade social, que revelam a TB-MDR infantil como uma doença da miséria.
34Crianças com HIV em uso de terapia antirretroviral (TARV), têm maior probabilidade de obter um desfecho de tratamento de TB-MDR positivo, quando comparado àquelas que não utilizam TARV.
9 As imunodeficiências são importantes fatores de risco para o adoecimento por TB, devido alterações nas respostas imunitárias frente aos patógenos, deixando o indivíduo ainda mais vulnerável.
31,35 A transmissão vertical do HIV pode ser evitada, contudo grande parte das gestantes de baixa renda não possuem acesso a serviços de pré-natal,
35,36,37 evidenciando a relação da condição de pobreza bem como as iniquidades em saúde.
31Frente às questões nutricionais, às consultas de puericultura devem ser componente ímpar no acompanhamento dessas crianças, visto que se pode traçar o perfil socioeconômico dos pacientes atendidos.
36,37 Apesar de haver no Brasil oferta substancial de alimentos provenientes da agricultura, a ausência de capital de grande parcela da população impede o acesso,
38 fazendo com que as deficiências nutricionais permaneçam e contribuam para maior morbidade da TB-MDR em pacientes pediátricos.
38-40 Até 2030, a erradicação da fome e da pobreza é uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Uma estratégia para alcançar tais objetivos é eliminar a desnutrição até 2030 e resolver o problema em crianças com menos de cinco anos até 2025.
41No que se refere à importância da vacinação por BCG, um documento publicado em 2018 pela OMS, salienta que ela é a única vacina contra tuberculose disponibilizada, prevenindo contra as formas mais graves da doença, sendo a vacinação dos recém-nascidos um dos principais pilares da estratégia de redução global da tuberculose.
42 Com a pandemia da COVID-19 e suas medidas de isolamento social, a vacinação infantil sofreu preocupante declínio. Estimativas sugerem que aproximadamente 80 milhões de crianças ficaram vulneráveis ao contágio por doenças evitáveis devido à redução da cobertura vacinal global.
40-42A tuberculose possui seus traços históricos associados à pobreza, aglomerados humanos, déficit de saneamento básico e consequente estigma social. Desse modo, tem-se uma doença estreitamente ligada a uma questão de vulnerabilidade social e que deve ter sua discussão pautada nos determinantes sociais de saúde (DSS) encontrados.
39,41-43Nota-se que nenhum dos artigos revisados tem análise sobre os impactos socioeconômicos do diagnóstico, tratamento e manejo de TB-MDR nos pacientes pediátricos. Alguns deles fazem referência à ausência de políticas públicas e pesquisas na área, resultando em desconhecimento e receio em manejar e tratar os casos em questão.
15,17,19,44-47 Isso demonstra a importância dos DSS no planejamento do plano terapêutico eficaz para cada indivíduo que adoece por TB, bem como à necessidade de apoio social para esse público, resultando no controle global da doença.
46,47Identificou-se que a ausência de estudos em TB-MDR no público infantil é um empecilho para o diagnóstico, tratamento e manejo adequado dos casos, além disso, a lacuna no rastreio dos contatos domiciliares dos pacientes adultos com diagnóstico de TB-MDR, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a negligência frente à doença transformam-se em um grande problema de saúde pública, refletindo negativamente na tentativa de redução global dos casos de tuberculose.
A vacina BCG, bons aspectos nutricionais e terapia antirretroviral para as crianças com HIV são essenciais para reduzir os riscos de contrair TB-MDR no público infantil. Ausência de drogas com posologias adequadas para os pacientes pediátricos constituem outro importante desafio, provocando grande efeito tóxico nos pequenos, que por sua vez devem ser monitorados assiduamente pela equipe de saúde ao longo de todo tratamento.
Em suma, esta revisão demonstrou, por meio dos artigos sintetizados, que os obstáculos do tratamento TB-MDR se concentraram na ausência de protocolos detalhados, de dosagens medicamentosas seguras e com menor efeito colateral, e principalmente nos determinantes sociais do processo saúde e doença que envolvem a TB-MDR.
Nesse contexto, nossa revisão encontrou evidências que corroboram com a necessidade de investir em pesquisas clínicas, com alto nível de evidência sobre o tema, visto que há lacunas no conhecimento que ainda precisam ser esclarecidas, contribuindo para redução da TB-MDR em crianças.
Referências1. World Health Organization (WHO). Global Tuberculosisis Report 2020. Geneva: WHO; 2020. [acesso em 2021 Abr 19]. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336069/9789240013131-eng.pdf2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Tuberculose 2021. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2021. [acesso em 2021 Abr 19]. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2021/boletim-tuberculose-2021_24.033. Piubello A, Souleymane MB, Hassane-Harouna S, Yacouba A, Lempens P, Assao-Neino MM,
et al. Management of multidrug-resistant tuberculosis with shorter treatment regimen in Niger: nationwide programmatic achievements. Respir Med. Jan 2020; 161: 105844.
4. Lange C, Dheda K, Chesov D, Mandalakas AM, Udwadia Z, Horsburgh Jr CR. Management of drug-resistant tuberculosis. Lancet. 2019 Set; 394 (10202): 953-66.
5. Glanziou P. Predicted impact of the COVID-19 pandemic on global tuberculosis deaths in 2020. Medrxiv. 2020; 20 (1): 1-7.
6. World Health Organization (WHO). Global Tuberculosisis Report 2019. Geneva: WHO; 2020. [acesso em 2021 Abr 19]. Disponível em:
https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/329368/9789241565714-eng.pdf?sequence=197. Velizarova S, Gabrovska N, Spasova A, Marais B, Harausz EP, Tiberi S,
et al. Management and outcomes of severe childhood tuberculosis in the pediatric intensive care setting: can we identify best practices? J Bras Pneumol. 2019; 45 (2): e20190043.
8. Santanna CC. Diagnóstico da tuberculose na infância e na adolescência. Pulmão RJ. 2012; 21 (1): 60-4
9. Harausz EP, Garcia-Prats AJ, Law S, Schaaf HS, Kredo T, Seddon JA,
et al. Treatment and outcomes in children with multidrug-resistant tuberculosis: a systematic review and individual patient data meta-analysis. PLOS Med. 2018 Jul; 15 (7): e1002591.
10. World Health Organization (WHO). Road map toward ending TB in children and adolescents. 2a ed. Geneva: WHO; 2018. [acesso em 2021 Abr 19]. Disponível em:
https://www.stoptb.org/publications/roadmap-towards-ending-tb-children-and-adolescents-2nd-edition11. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O'Brien KK, Colquhoun H, Levac D,
et al. PRISMA extension for scoping reviews (prisma-scr): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018 Set; 169 (7): 467.
12. Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Evidence-Based practice in nursing & healthcare: a guide to best practice. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2018. 823 p.
13. Morgan RL, Whaley P, Thayer KA, Schünemann HJ. Identifying the PECO: a framework for formulating good questions to explore the association of environmental and other exposures with health outcomes. Environ Int. 2018 Dez; 121: 1027-31.
14. Reubenson G. Pediatric drug-resistant tuberculosis. Pediatric Drugs. 2011; 13 (6): 349-55.
15. Galli L, Lancella L, Garazzino S, Tadolini M, Matteelli A, Migliori GB,
et al. Recommendations for treating children with drug-resistant tuberculosis. Pharmacol Res. 2016 Mar; 105: 176-82.
16. Jain SK, Ordonez A, Kinikar A, Gupte N, Thakar M, Mave V,
et al. Pediatric tuberculosis in young children in india: a prospective study. Bio Med Res Int. 2013; 2013: 1-7.
17. Kay AW, González Fernández L, Takwoingi Y, Eisenhut M, Vu RD, Steingart KR,
et al. Xpert MTB/RIF and Xpert MTB/RIF Ultra assays for active tuberculosis and rifampicin resistance in children. Cochrane Database Syst Rev. 2020 Aug; 8 (8): CD013359.
18. Chiang SS, Starke JR, Miller AC, Cruz AT, Del Castillo H, Valdivia WJ,
et al. Baseline predictors of treatment outcomes in children with multidrug-resistant tuberculosis: a retrospective cohort study. Clin Infect Dis. 2016 Jul; 63 (8): 1063-71.
19. Jiao WW, Liu ZG, Han R, Zhao XQ, Dong F, Dong HY,
et al. Prevalence of drug resistant Mycobacterium tuberculosis among children in China. Tuberculosis. 2015 Mai; 95 (3): 315-20.
20. Kim HJ, Yoon HH, Eun BW, Ahn Y, Ryoo S, Kim HJ. The rate of drug-resistant tuberculosis in korean children and adolescents since 2007. J Korean Med Sci. 2017 Jun; 32 (6): 954-60.
21. Wang T, Dong F, Li QJ, Yin QQ, Song WQ, Mokrousov I,
et al. Clinical and drug resistance characteristics of new pediatric tuberculosis cases in northern china. Microb Drug Resist. 2018 Nov; 24 (9): 1397-403.
22. Golla V, Snow K, Mandalakas AM, Schaaf HS, Du Preez K, Hesseling AC,
et al. The impact of drug resistance on the risk of tuberculosis infection and disease in child household contacts: a cross sectional study. BMC Infect Dis. 2017 Ago; 17 (1): 593.
23. Schaaf HS. Diagnosis and management of multidrug-resistant tuberculosis in children: a practical approach. Ind J Pediatr. 2019; 86 (8): 717-24.
24. Araújo DS, Palheta MD, Souza JC, Júnior ID, Silva FB, Araújo VD,
et al. O papel do enfermeiro na busca ativa de pacientes em abandono do tratamento de tuberculose: uma revisão integrativa da literatura. Rev Eletr Acervo Saúde. 2020 Set; 59 (Supl.): e4263.
25. Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MH, Aquino R. Atenção primária à saúde em tempos de COVID-19: o que fazer? Cad Saúde Pública. 2020; 36 (8): e00149720.
26. Silva ANC, Ross JR. Tratamento diretamente observado na tuberculose. J Manag Primary Health Care. 2020; 12: 1-11.
27. Jonckheree SF, Jennifer OC. Overcoming Challenges in the Diagnosis, Prevention, and Treatment of Pediatric Drug-Resistant Tuberculosis. Expert Rev Respir Med. 2017; 5 (11): 385-94.
28. Laan LE, Schaaf HS, Solomons R, Willemse M, Mohamed N, Baboolal SO,
et al. Probable levofloxacin-associated secondary intracranial hypertension in a child with multidrug-resistant tuberculosis. Pediatr Infect Dis J. 2016 Jun; 35 (6): 706-8.
29. Katragkou A, Antachopoulos C, Hatziagorou E, Sdougka M, Roilides E, Tsanakas J. Drug-resistant tuberculosis in two children in Greece: report of the first extensively drug-resistant case. Eur J Pediatr. 2012 Ago; 172 (4): 563-7.
30. Zhang Z, Cheng Z, Liu Q, Shang T, Jiang L, Fu Z,
et al. Safety of longer linezolid regimen in children with drug-resistant tuberculosis and extensive tuberculosis in Southwest China. J Glob Antimicrob Resist. 2020 Jun; 21: 375-9.
31. Barreto ML. Desigualdades em Saúde: uma perspectiva global. Ciên Saúde Colet. 2017; 22 (7): 2097-2108.
32. Mase SR, Jereb JA, Gonzalez D, Martin F, Daley CL, Fred D,
et al. Pharmacokinetics and dosing of levofloxacin in children treated for active or latent multidrug-resistant tuberculosis, federated states of micronesia and republic of the marshall islands. Pediatr Infect Dis J. 2016 Abr; 35 (4): 414-21.
33. Garcia-Prats AJ, Purchase SE, Osman M, Draper HR, Schaaf HS, Wiesner L,
et al. Pharmacokinetics, safety, and dosing of novel pediatric levofloxacin dispersible tablets in children with multidrug-resistant tuberculosis exposure. Antimicrob Agents Chemother. 2019 Jan; 63 (4): e01865.
34. Tran ST, Renschler JP, Le HT, Dang HT, Dao TM, Pham AN,
et al. Diagnostic accuracy of microscopic observation drug susceptibility (MODS) assay for pediatric tuberculosis in hanoi, vietnam. PLoS ONE. 2013 Set; 8 (9): e72100.
35. Friedrich L, Menegotto M, Magdaleno MA, Silva OLC. Transmissão vertical do HIV: uma revisão sobre o tema. Bol Cient Pediatr. 2016; 5 (3): 81-6.
36. Tahan TT, Gabardo BM, Rossoni AM. Tuberculosis in childhood and adolescence: a view from different perspectives. J Pediatr (Rio J.). 2020 Mar; 96: 99-110.
37. Góes FG, Silva MD, Paula GK, Oliveira LP, Mello ND, Silveira SS. Nurses' contributions to good practices in child care: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. 2018; 71 (Suppl. 6): 2808-17.
38. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1130, de 05 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015. [acesso em 2021 Mai 6]. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html39. Garcia LRS, Roncalli AG. Determinantes socioeconômicos e de saúde da desnutrição infantil: uma análise da distribuição espacial. Saúde Pesq. 2020; 13 (3): 595-606.
40. Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília (DF); 2004. [acesso em 2021 Mai 6]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm41. Organização das Nações Unidas (ONU). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: ONU; 2015. [acesso em 2021 Mai 6]. Disponível em:
https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-09/agenda2030-pt-br.pdf42. World Health Organization (WHO). BCG vaccines: WHO position paper – February 2018. Releve Epidemiologique Hebdomadaire. Genebra: WHO; 2018. [acesso em 2021 Apr 29]. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/260307/WER9308-73-96.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
43. Ministério da Saúde (BR). Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [acesso em 2021 Apr 29]. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_procedimentos_vacinacao.pdf44. Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais. Rev Saúde Pública. 2020; 54: 115.
45. Shah I. Multidrug-resistant tuberculosis in children from 2003 to 2005: a brief report. Indian J Med Microbiol. 2012; 30 (2): 208-11.
46. Salazar-Austin N, Ordonez AA, Hsu AJ, Benson JE, Mahesh M, Menachery E,
et al. Extensively drug-resistant tuberculosis in a young child after travel to India. Lancet Infect Dis. 2015 Dez; 15 (12): 1485-91.
47. Guo Q, Pan Y, Yang Z, Liu R, Xing L, Peng Z,
et al. Epidemiology and clinical characteristics of pediatric drug-resistant tuberculosis in chongqing, china. Plos One. 2016 Mar; 11 (3): e0151303.
Contribuição dos autores: Sobreira LB, Freitas PSS e Rezende LDA: concepção e delineamento do estudo; análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica e intelectual. Nascimento LCN, Vieira ACBCV, Sales CMM e Pacheco AO: redação do manuscrito; revisão crítica e intelectual.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 10 de Março de 2023
Versão final apresentada em 19 de Outubro de 2023
Aprovado em 23 de Novembro de 2023
Editor Associado: Pricila Mullachery