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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Prevalência da má nutrição em crianças menores de cinco anos na cidade da Beira, Moçambique, 2019

Matias Joaquim Culpa1; Denise Oliveira e Silva2; Nathália Paula de Souza3; Alessandro Henrique da Silva Santos4; André Luiz Sá de Oliveira5; Eduarda Ângela Pessoa Cesse6

DOI: 10.1590/1806-9304202400000016 e20230016

RESUMO

OBJETIVOS: descrever a prevalência da má nutrição (baixo peso, baixa estatura e excesso de peso) em crianças de seis a 59 meses e sua distribuição espacial na cidade de Beira, Moçambique.
MÉTODOS: estudo transversal exploratório, realizado entre outubro e novembro de 2019, incluindo 407 crianças de seis a 59 meses. O cálculo da amostra foi baseado na prevalência do déficit estatura/idade. Os dados antropométricos foram analisados no Anthro e a prevalência de má nutrição apresentada por meio de mapas temáticos no Quantum Geographic Information System (QGIS).
RESULTADOS: os principais resultados mostram uma prevalência de 27,0% de baixa estatura/idade, 7,9% de baixo peso/estatura e 4,7% de excesso de peso.
CONCLUSÕES: a distribuição espacial evidenciou que as áreas urbanas e periurbanas da cidade apresentavam prevalências similares das três formas de má nutrição. A prevalência da má nutrição em Beira é alta, embora o déficit estatura/idade seja a sua maior expressão, estando o excesso de peso difusamente distribuído.

Palavras-chave: Desnutrição, Obesidade, Criança, Sistema de informação geográfica

ABSTRACT

OBJECTIVES: to describe the prevalence of malnutrition (underweight, low height, and overweight) in children aged six to 59 months and its spatial distribution in the city of Beira, Mozambique.
METHODS: an exploratory cross-sectional study was conducted between October and November 2019, involving 407 children aged six to 59 months. The sample size calculation was based on the prevalence of height-for-age deficit. Anthropometric data were analyzed using Anthro version and the prevalence of malnutrition was presented through thematic maps generated in Quantum Geographic Information System (QGIS).
RESULTS: the main findings revealed a prevalence of 27.0% for low height/age, 7.9% for underweight/height, and 4.7% for overweight.
CONCLUSIONS: the spatial distribution highlighted that both urban and peri-urban areas of the city showed similar prevalence rates for the three forms of malnutrition. The prevalence of malnutrition in Beira is high, with deficit height/age being the most significant expression, while overweight is diffusely distributed.

Keywords: Malnutrition, Obesity, Child, Geographic information systems

Introdução
A má nutrição é um problema de proporção global, com maior impacto em países com grandes desigualdades sociais.1,2 Sua manifestação pode ocorrer em nível populacional ou do indivíduo por meio da desnutrição, de carências nutricionais e/ou do excesso de peso.3 Os determinantes da má nutrição têm origens complexas e sua reprodução associa-se a inúmeras morbidades nos ciclos da vida.4
As evidências indicam que o organismo de uma criança subnutrida manifesta uma redução perceptível no desenvolvimento e nas suas ações metabólicas, quando comparado com crianças que recebem uma alimentação adequada.5 As consequências da desnutrição no desenvolvimento infantil são numerosas, incluindo o retardo no crescimento e o comprometimento cognitivo.6
Estima-se que, em nível global, 21,3% de crianças menores de cinco anos apresentam baixa estatura para idade, 5,9% baixo peso para estatura (magreza) e 5,6% excesso de peso.7 Em 2019, a África e a Ásia agregaram as mais altas prevalências da má nutrição em crianças menores de cinco anos, onde a baixa estatura para idade era de 54,0% e 40,0%, respectivamente. O déficit de peso para estatura foi de 27,0% na África e 69,0% na Ásia, enquanto o excesso de peso foi de 24,0% e 45,0%, respectivamente.3
Em 2015, a região da África Subsaariana registrou prevalência de baixo peso em crianças menores de cinco anos acima de 30%. Entretanto, em 2018, apesar de uma diminuição global no índice de atraso no crescimento infantil, a região Subsaariana teve aumento no número de casos de baixo peso, elevando-se de 50,3 milhões para 58,8 milhões.8 Um estudo longitudinal realizado entre 2008 a 2009 em 11 cidades da África Austral incluindo a capital moçambicana, Maputo, reportou que a ocorrência da insegurança alimentar em áreas urbanas chega a atingir 15% da população e a ocorrência da desnutrição por déficit de crescimento chega a atingir 27% das crianças menores de cinco anos.9
Em Moçambique, país da África subsaariana localizado na região austral da África, a desnutrição infantil é considerada um dos principais problemas de saúde pública até os primeiros cinco anos de vida3. Esse cenário tem sido relatado desde os primeiros estudos populacionais realizados no país a partir de 1992.10
O estudo do custo da fome, realizado em Moçambique em 2014, demonstrou que cerca de 200 mil crianças menores de cinco anos tinham mortes associadas à desnutrição, o que correspondia a 25,6%.10 Na província de Sofala, região central de Moçambique, o déficit de peso em relação à estatura de crianças menores de cinco anos é de 7,0% e de estatura em relação à idade de 48,0%.11 É nessa província onde se localiza a cidade de Beira, situada abaixo do nível do mar e próxima ao canal de Moçambique, no Oceano Índico, o que a torna vulnerável à ocorrência de enchentes e ciclones.12 Em março de 2019, ocorreu a passagem do ciclone IDAI que causou diversos danos aos campos agrícolas, às infraestruturas sociais, perda de centenas de vidas humanas e o agravamento de doenças como diarreias, cólera, além do surgimento de outras, à exemplo da pelagra.12
Diante do contexto apresentado, objetiva-se descrever a prevalência da má nutrição (baixo peso para estatura, baixa estatura para idade e excesso de peso) em crianças de seis a 59 meses e sua distribuição espacial na cidade de Beira, Moçambique, em 2019.

Métodos
Trata-se de um estudo transversal exploratório, sobre o perfil antropométrico em crianças dos seis a 59 meses, realizado entre os meses de outubro e novembro de 2019, na cidade da Beira, província de Sofala, Moçambique.
A cidade de Beira possui uma superfície de 633 Km2, densidade populacional de 736,04 habitantes por Km2. É dividida em cinco postos administrativos: Posto Administrativo Urbano Central; Munhava; Inhamizua; Manga; e Nhangau. Esses compõem dezesseis áreas de Saúde: Munhava, Ponta-Gea, Macurungo, Nhaconjo, Chingussura, Mascarenhas, Marrocanhe, Cerâmica, Matadouro, Chota, Manga Loforte, Chamba, São Lucas, Inhamizua, Posto Militar e Nhangau.13
Os postos administrativos estão localizados em áreas urbanas e periurbanas. A área urbana é caracterizada pela existência de vias de acesso, transporte público, fácil trânsito a várias infraestruturas sociais. Fazem parte da área urbana as áreas de saúde de Ponta-Gea, Macurungo, São Lucas, Posto Militar, enquanto as demais fazem parte da área periurbana,12 caracterizada pela fraca ou inexistente urbanização, déficit de meios de transporte, e falta de vias de acesso e de infraestruturas sociais.
Segundo o Censo populacional de 2017, a cidade da Beira tinha uma população de 465.918 habitantes, sendo 74.547 crianças na faixa etária de seis a 59 meses, o que corresponde a 16,4% da população moçambicana.13
Para o cálculo da amostra foi considerado o índice estatura/idade, sendo o índice de maior prevalência de 48,0% descrito nos estudos populacionais, realizados entre os anos 1992 e 2014 a nível da província. Em comparação ao indicador peso/estatura o qual apresenta prevalência menor (7%).14 Assim, o tamanho amostral para o estudo do indicador estatura/idade é estatisticamente adequado para o estudo do indicador peso/estatura, uma vez que a amostra obtida para o estudo do primeiro indicador é maior do que seria necessário no segundo indicador.
O cálculo da amostra foi efetuado pelo programa estatístico EpiInfo 7 pela utilização da equação para proporção em população infinita, com margem de erro da estimativa de 5,0% e nível de confiança de 95%. Por meio destas referências, obteve-se uma amostra de 383 crianças, com o acréscimo de uma margem de 10,0%, para considerar possíveis perdas, o que resultou em uma amostra final de 421 crianças com faixa etária de seis a 59 meses.
O sorteio amostral foi efetuado de forma proporcional à população e bairros de cada área de saúde. Para isso, foram realizados dois sorteios: o primeiro das residências; o segundo, em famílias com duas ou mais crianças em idade elegível, para a seleção de apenas uma criança. Cada criança elegível correspondeu a uma família e/ou cuidador de domicílios elegíveis selecionados por quarteirão, considerando a contagem das residências no sentido horário. Nas áreas em que o quarteirão apresentava melhor urbanização (estruturação e distanciamento entre as residências) considerou-se a variação de cinco em cinco casas. Em quarteirões não urbanizados (sem vias de acesso, ou sem estruturação das residências, ou com residências muito próximas umas das outras) considerou-se a variação de dez em dez casas.
O contingente amostral final obtido em campo foi de 407 crianças distribuídas da seguinte forma por área de saúde: Munhava (68), Ponta-Gea (68), Macurungo (33), Nhaconjo (40), Chingussura (45), Mascarenhas (24), Marrocanhe (9), Cerâmica (10), Matadouro (11), Chota (16), Manga Loforte (25), Chamba (21), São Lucas (10), Inhamizua (16), Posto Militar (11), não tendo sido incluída a área de saúde de Nhangau, devido a problemas logísticos.
Foi realizado pré-teste dos equipamentos antropométricos e procedimentos de entrevistas no Centro de Saúde de Ponta-Gea, na cidade da Beira, com 46 crianças de seis a 59 meses. Essas não foram inseridas na amostra final.
As medidas de peso foram realizadas por meio da utilização de balança eletrônica, de tara central, da Marca AVANUTRI® com capacidade máxima de 200 kg e sensibilidade 50g. Essa balança também é indicada para verificar o peso por meio da pesagem da criança no colo da mãe/cuidador(a) com a aplicação da função tara. Neste estudo somente as crianças menores de 24 meses, foram pesadas no colo da mãe. Sendo padronizada aferição do peso de cada criança obrigatoriamente para ser efetuada duas vezes e sem roupa, por antropometristas devidamente treinados e capacitados pela equipe de coordenação da pesquisa. O valor final do peso em gramas, foi obtido pela média entre as duas pesagens. Quando a diferença entre as duas pesagens foi maior que 50g, realizou-se a terceira pesagem, e calculou-se a média entre os três valores.
Para a aferição da estatura, foi utilizado um estadiômetro de madeira com craveira, com graduação de 1mm e capacidade máxima de 150cm. O comprimento foi avaliado na posição supina para crianças com até 24 meses de idade e as demais crianças foram avaliadas na posição ortostática. Aferida duas vezes e considerado como valor final de registro a média das duas aferições de estatura.14,15 Quando a diferença entre as duas medidas era maior que 2,5cm realizava-se uma terceira medida ecalculava-se a média entre as três aferições.
A análise dos dados antropométricos foi realizada com base no programa Anthro versão 3.2.2, que é utilizado para a avaliação do crescimento e desenvolvimento da criança até os cinco anos de idade da WHO.15
A baixa estatura para idade (déficit de estatura) foi avaliada pelo índice estatura/idade e classificada quando escore-z <-2. O baixo peso e excesso de peso foram avaliados por meio do índice peso/estatura, tendo como ponto de corte o escore-z ≤-2 e escore-z ≥+2, respectivamente.15
Para avaliar a distribuição da prevalência dos indicadores de má nutrição, o banco de dados foi exportado para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21, pelo qual foram construídas as tabelas de distribuição de frequência e aplicado o teste qui-quadrado para comparação de proporção. Todas as conclusões foram elaboradas considerando o nível de significância de 5,0%.
As prevalências de má nutrição encontradas foram descritas segundo características de localização espacial na cidade de Beira, utilizando o programa Quantum Geographic Information System (QGIS), versão 3.10.0, um sistema de informação geográfica (SIG) construído em software livre e de código aberto utilizado para criação dos mapas cartográficos. Para a construção dos mapas, adotou-se a base cartográfica da cidade de Beira, em formato shapefile, no sistema de projeção geográfico (latitude/longitude) e no sistema geodésico de referência WGS-84, coletada no sítio eletrônico do Instituto Nacional de Estatística (INE) do governo de Moçambique.
Para a visualização e compreensão da dinâmica da distribuição espacial foram gerados mapas temáticos pelo método espacial de geração de superfícies contínuas denominado Ponderação pelo Inverso da Distância (IDW). Este tipo de superfície interpolada é frequentemente chamado de superfície estatística.16 Após a confecção dos mapas, foi feita análise descritiva e exploratória dos dados para descrever a distribuição das variáveis do estudo, observações atípicas do tipo de distribuição, de padrões na distribuição espacial.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IAM/Fiocruz e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde do Brasil sob a referência CAAE 13744519.3.0000.5190. Também aprovada pelo Comitê Nacional de Bioética para Saúde do Ministério da Saúde de Moçambique sob a referência 476/CNBS/19

Resultados
A Tabela 1 demonstra que das 407 crianças que participaram do estudo, 139 (34,2%) eram residentes em área urbana e 268 (65,8%) em área periurbana. A maioria tinha entre 24 e 56 meses (n=220; 56,6%), seguida das faixas etárias de 12 a 23 meses (n=112; 25,1%) e de seis a 11 meses (n=75; 18,3%). A maior parte das crianças era do sexo feminino (n=209; 51,4%) e muitas das crianças eram cuidadas pelas suas mães biológicas (n=337; 82,8%).

 



A Tabela 2 apresenta a análise do peso/estatura e estatura/idade. Pelo índice peso/estatura observou-se a ocorrência de baixo peso em 7,9% das crianças de seis a 59 meses; eutrofia em 87,5% e excesso de peso em 4,7% delas. Na análise do índice estatura/idade observou-se que 27,0% das crianças apresentavam desnutrição crônica e 73,0% apresentavam estatura adequada.

 



A Figura 1 aponta que a região mais urbana da cidade apresenta baixa prevalência de déficit de estatura, com exceção do bairro Chaimite, pertencente à área de saúde de Ponta-Gea. Na porção central da cidade e nas áreas periurbanas observa-se um aumento moderado da prevalência da baixa estatura/idade, nomeadamente os bairros de Munhava, Mananga, Maraza, todos pertencentes à área de saúde da Munhava. Destaca-se que as mais baixas prevalências da baixa estatura/idade são observadas nas áreas mais periféricas, localizadas na porção norte da cidade.

 



A Figura 2 evidencia que, tanto na área urbana como na periurbana, são identificadas prevalências de excesso de peso e baixo peso. De maneira geral, a distribuição do baixo peso localiza-se, em maior parte, nos bairros da zona urbana como Chaimite e Macute (área de saúde de Ponta-Gea), Macurungo (Área de saúde de Macurungo) e Matacuane (área de saúde de Posto Militar). Já na área periurbana, verifica-se altas prevalências de baixo peso nos bairros de Munhava (área de saúde de Munhava), Nhangoma e Nhangau (área de saúde Matadouro). Observa-se um excesso de peso nas áreas urbanas de Pioneiro e Esturro (pertencentes à área de saúde da Ponta-Gea) e as áreas periurbanas de Mananga e Maraza (pertencentes à área de saúde de Munhava), Chota (área do Centro de saúde de Chota), Bairro Manga Mascarenha (Centro de saúde de Mascarenhas), Ndunda (área do centro de saúde Ndunda) e o bairro de Chingussura (Centro de saúde de Chingussura).

 



Discussão
O déficit de estatura a nível da cidade da Beira acomete 27% das crianças de seis a 59 meses. As prevalências de baixo peso e excesso de peso não apresentaram diferença estatística e ambas as condições estão presentes em áreas urbanas e periurbanas. No entanto, o excesso de peso concentra-se nas áreas mais próximas ao centro urbano.
Alguns estudos realizados na mesma faixa de idade, em áreas urbanas de Moçambique, observaram prevalências de 3,8%; 5,2% e 6,4%;11,14 o estudo da aldeia urbana de Bandja nos Camarões, registrou baixa prevalência de baixo peso (5,2%),17 sendo prevalências abaixo da encontrada neste estudo, em Beira (7,9%). Todavia, estudo realizado em área urbana de Cartum no Sudão, identificou que o déficit de peso atingiu 15,4% das crianças,18 enquanto outros estudos identificaram um aumento proporcional nas taxas de prevalência do déficit de peso à medida que se afasta de áreas urbanas.4,19
Os resultados de uma revisão integrativa, baseada em inquéritos nacionais de 26 países, demonstraram que as áreas rurais apresentaram maior prevalência de todas as formas de desnutrição em comparação com as áreas urbanas.19 No Brasil, Um estudo de base populacional realizado em crianças menores de cinco anos observou que os fatores causais da prevalência da desnutrição infantil são mais presentes em áreas rurais e em populações de baixo poder socioeconômico.20 No entanto, um estudo conduzido em oito cidades da África Austral indicou que a aceleração da urbanização nessa região não está impactando significativamente na redução da prevalência da desnutrição e da insegurança alimentar urbana.9 Os resultados do presente estudo demostram a homogeneidade na ocorrência do déficit de peso em área urbana e periurbana.
Neste estudo, o déficit de estatura foi inferior ao encontrado em Moçambique em 2014-15 (35,1%),21 mantendo-se como problema de saúde pública. Em um intervalo de 16 anos o déficit estatural em Moçambique aumentou 7.8% entre 1997 (27,3%) a 2015 (35,1%).21 A alta prevalência do déficit estatural também foi encontrada em outras cidades africanas como Cartum, capital de Sudão, com 24,9%,18 bem como em um assentamento urbano em Nairóbi (Quênia), onde a prevalência foi de 47,0%.22 Diversos estudos destacam que a redução da prevalência da desnutrição está associada a uma variedade de fatores, incluindo mudanças nas políticas sociais, urbanização, níveis educacionais, saneamento ambiental, acesso a serviços de saúde e melhorias na renda familiar.3,23,24
Ao analisar a ocorrência do excesso de peso verificamos uma menor prevalência quando comparado com os indicadores de desnutrição a nível da cidade de Beira, todavia, o mesmo encontra-se mais difundido geograficamente. No entanto, outros estudos encontraram prevalências superiores, por exemplo, na província de Nampula, no norte de Moçambique, onde 13% das crianças de zero a 24 meses estavam com excesso de peso,24 e em um inquérito populacional de Moçambique (2008)cuja prevalência foi de 5,0% em crianças menores de cinco anos em áreas urbanas.25 Em um relatório da Unicef, a prevalência foi de 7,5% nas crianças moçambicanas, atingindo 8,7% na área urbana.26 Estes achados ressaltam a complexidade das dinâmicas nutricionais e a necessidade de considerar contextos específicos na formulação de estratégias de saúde pública.
Um estudo realizado em crianças menores de cinco anos em área semi-rural de "Western Cape" na África de Sul registou a prevalência de excesso de peso de 26% e uma prevalência de baixa estatura de 14%, assim demostrando que o excesso de peso e a desnutrição coabitam em mesmo espaço geográfico.27 Portanto, um estudo desenvolvido na Ásia refere que não se pode criar a linearidade do conceito de que a desnutrição é um problema prevalente em populações pobres e rurais e o excesso de peso, comumente associado à população rica e urbana, uma vez que o excesso de peso também está presente em crianças residentes em áreas recônditas e mais pobres, assim como a desnutrição em crianças residentes em áreas urbanas.28 Neste sentido, a cidade da Beira já registra a coexistência de desnutrição e excesso de peso, ainda que a prevalência de desnutrição seja superior.
Atualmente, a obesidade infantil representa uma das principais preocupações em saúde pública, dada sua ascendente prevalência e suas implicações abrangentes na saúde física, mental social e econômica.29 Apesar da cidade da Beira apresentar uma menor prevalência de excesso de peso, a problemática a ela associada, demanda atenção na agenda da saúde pública, considerando o contexto global marcado pela rápida transição alimentar e nutricional.30
As diferentes formas de má nutrição são historicamente estudadas no mundo considerando espaços geográficos e estratos sociais diferentes, em relação a dinâmica de sua exposição a fatores de risco diferentes.3 Um estudo refere que sua ocorrência pode estar associada ao impacto da globalização dos sistemas alimentares contemporâneos, que produzem e ofertam alimentos altamente calóricos, de custo baixo e ultraprocessados, principalmente para as populações mais pobres.29
Vale salientar que a cidade da Beira tem sido palco de vários impactos decorrentes das mudanças climáticas, frequentemente assolada por cheias, estiagem e ciclones, como o IDAI, que ocorreu em março de 2019. Esse ciclone foi considerado um dos maioresdo hemisfério sul do planeta nos últimos dez anos. Esses desastres climáticos têm impactado de forma significativa na economia do país, principalmente nas cidades mais propensas a estes fenômenos.12 As questões ambientais associadas às injustiças sociais afetam os sistemas alimentares e a saúde e podem exacerbar as desigualdades nos perfis nutricionais das populações, com maior impacto em países mais pobres.30
Dentre as limitações do estudo, destaca-se a não abrangência da área rural e de uma das áreas de saúde da cidade da Beira, em virtude de aspectos operacionais e logísticos. Por outro lado, ressalta-se como potencialidade que os resultados obtidos são inéditos e contribuem para a compreensão dos impactos das diferentes formas da má nutrição na população local, tendo em vista que a amostra foi representativa para a cidade da Beira. Ademais, a coleta de dados aconteceu após a ocorrência do ciclone IDAI, o que ratifica a importância deste estudo como marco para o monitoramento desse cenário.
Diante do exposto, pode-se concluir que a má nutrição, em todas as suas formas (desnutrição e excesso de peso) configura-se como um problema de saúde pública na cidade da Beira. Assim, os resultados alcançados podem auxiliar as autoridades sanitárias em Moçambique, governo provincial e governo municipal na redefinição de políticas públicas que contribuam com a redução das iniquidades econômico-sociais e de saúde para a promoção da segurança alimentar e nutricional em Beira.

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Contribuição dos autores: Culpa MJ: concepção e desenho do estudo, revisão da literatura, análise dos dados, e redação do artigo. Oliveira e Silva D e Cesse EAP: aquisição de dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final. Souza NP: análise de dados e revisão crítica do artigo. Silva Santos AH: análise e concepção dos dados. Oliveira ALS: análise espacial. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesses.


Recebido em 25 de Janeiro de 2023
Versão final apresentada em 4 de Dezembro de 2023
Aprovado em 5 de Dezembro de 2023

Editora Associada: Lygia Vanderlei

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