RESUMO
OBJETIVOS: analisar uma década do comportamento espaço-temporal da coqueluche no Brasil e as suas características epidemiológicas.
MÉTODOS: estudo ecológico de série temporal dos casos e óbitos por coqueluche do Sistema de Informação de Agravos de Notificação no Brasil (2010-2019). Utilizou-se o método de análise linear generalizada de Prais-Winsten e a análise de Kernel.
RESULTADOS: notificaram-se 32.849 casos, desses 466 (1,42%) evoluíram para óbito, com prevalência de 1,63/100.000 habitantes e coeficiente de mortalidade de 0,023/100.000 habitantes. Na análise temporal, evidenciou-se o comportamento cíclico da coqueluche com variações de tendência no período em 2014. A maioria dos casos ocorreu em menores de 1 ano (60,16%, p<0,01), sexo feminino (55,28%, p=0,066) e brancos (48,42%, p=0,14). A maior parcela dos óbitos foi em crianças <1 ano (98,07, p<0,01), sexo feminino (56,01%, p=0,066) e brancos (43,78%, p=0,14). No Kernel da prevalência, destacaram-se as regiões Sul, Sudeste e Nordeste com alta densidade; enquanto para mortalidade, sobressaíram-se Sudeste e Nordeste.
CONCLUSÃO: observou-se o comportamento cíclico da coqueluche, com tendência de decréscimo nos últimos anos e a concentração de casos no público infantil. O que reforça a importância de fortalecer o processo de imunização da população.
Palavras-chave:
Coqueluche, Doenças preveníveis por vacina, Análise espacial
ABSTRACT
OBJECTIVES: to analyze a decade of spatio-temporal behavior of pertussis in Brazil and its epidemiological characteristics.
METHODS: ecological time series study of pertussis cases and deaths from the Notifiable Diseases Information System in Brazil (2010-2019). The method of generalized linear analysis of Prais-Winsten and the Kernel analysis were used.
RESULTS: 32,849 cases were reported, of which 466 (1.42%) evolved to death, with a prevalence of 1.63/100,000 inhabitants and a mortality rate of 0.023/100,000 inhabitants. In the temporal analysis, the cyclical behavior of pertussis was evidenced, with trend variations in the period in 2014. Most cases occurred in children under 1 year of age (60.16%, p<0.01), sex female (55.28%, p=0.066) and white (48.42%, p=0.14). The largest share of deaths was in children aged <1 year (98.07, p<0.01), females (56.01%, p=0.066) and whites (43.78%, p=0.14). In the Kernel of prevalence, the South, Southeast and Northeast regions stood out with high density; while for mortality, the Southeast and Northeast stood out.
CONCLUSIONS: the cyclical behavior of pertussis was observed, with a decreasing trend in recent years and the concentration of cases in children. This reinforces the importance of strengthening the population's immunization process.
Keywords:
Whooping cough, Vaccine-preventable diseases, Spatial analysis
IntroduçãoA coqueluche é uma doença infecciosa aguda, de notificação compulsória, reemergente, de distribuição global e causada pela bactéria
Bordetella pertussis que atinge principalmente o trato respiratório, cujo ser humano é o único reservatório natural.
1,2 Apesar de ser uma doença imunoprevenível pela vacina pentavalente (DTP + Hib + Hep. B), ainda é considerada um problema de saúde pública por ser responsável por uma expressiva morbimortalidade infantil.
1,3,4Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que são notificados cerca de 30 a 50 milhões de casos e 300 mil óbitos por ano no mundo
, sendo a maioria em crianças menores de seis meses de idade e em lactentes, podendo se manifestar na forma grave e culminar com o desfecho negativo do óbito.
5Além disso, para Trevizan e Coutinho
6 e Bricks,
7 o comportamento do aumento da coqueluche é particularmente importante, visto que é possível identificar que a sua prevalência se concentra em crianças menores de um ano, cerca de 70% dos casos, e ocorre com maior frequência em crianças com três meses de idade, uma vez que ainda não receberam todas as três doses da vacina. Do ponto de vista clínico, o principal sintoma apresentado é a tosse persistente com duração de dez a 14 dias, além da tosse paroxística, vômitos, cianose e a presença de leucocitose acima de 20 mil células/mm, quando realizado o exame laboratorial.
2,4Historicamente, a ampliação da cobertura das vacinas tríplice bacteriana e tetravalente a partir da década de 1990 contribuiu de forma significativa para a redução da prevalência da coqueluche no país, de 10,6 casos por 100 mil habitantes (hab) no início da década para 0,32/100 mil hab, aumentando a cobertura vacinal de 70% para além de 95%. Entretanto, em 2011, houve um aumento inesperado e súbito dos casos que se manteve nos anos de 2013 e 2014. Estudos apontam que, provavelmente, esse aumento ocorreu devido ao melhor diagnóstico laboratorial com a introdução de técnicas biomoleculares, o aprimoramento da vigilância em saúde, a diminuição da imunidade conferida pela vacina e o aumento de portadores assintomáticos.
3,8Assim, a reemergência da coqueluche é considerada um problema de saúde pública no Brasil por ser uma doença controlada nos anos anteriores com a vacina disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), porém ainda é uma causa de morbimortalidade, principalmente, em crianças menores de um ano.
2,8Diante do exposto, justifica-se este artigo devido à necessidade de atualizar o escopo de produções científicas sobre a coqueluche e a sua distribuição geográfica no território brasileiro. Além disso, busca-se subsidiar a tomada de decisão dos gestores públicos de saúde na formulação e implementação de estratégias de controle dos casos de coqueluche nas áreas prioritárias do país. Assim, este estudo objetiva analisar uma década do comportamento espaço temporal da coqueluche no Brasil e as suas características epidemiológicas.
MétodosTrata-se de um estudo epidemiológico ecológico de série temporal realizado a partir de dados secundários obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Departamento de Informática do SUS (DataSUS), referente aos casos e óbitos por coqueluche no Brasil no período de 2010 a 2019, disponíveis na aba “Epidemiológicas e Morbidade”.
9Os dados referentes a população, têm como fonte as estimativas populacionais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponíveis no DataSUS na aba “Demográficas e Socioeconômicas da população residente”.
9 Para tabulação dos casos, foi selecionada a variável “Unidade Federativa (UF) de residência” para a linha e, na coluna, foram selecionadas as demais variáveis. Para os óbitos foram aplicados os mesmos métodos, adicionando-se o filtro de “óbitos” na variável de “evolução do caso” na seção “seleções disponíveis” no site.
9Geograficamente, o Brasil está localizado na América do Sul e possui uma área territorial de 8.510.345,538 km
2. Atualmente, é dividido administrativamente em 5.570 municípios, 26 estados e o Distrito Federal, distribuídos em cinco regiões geográficas (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) com uma população estimada para o ano de 2020 de 211.755.692 hab.
10As variáveis selecionadas para o estudo foram: ano, sexo, faixa etária, raça/cor, gestante, critério de confirmação, evolução do caso, região geográfica e UF, segundo o local de residência e óbitos. Essa seleção visou analisar de modo sociodemográfico o comportamento da doença nas localidades estudadas. Posteriormente, os dados foram organizados em planilhas eletrônicas do Microsoft Office Excel 2016
® e analisados nos softwares TerraView 4.2.2, QGIS 3.12.2 e o R 3.6.3 com o pacote
prais.
Também foram calculadas as frequências absolutas e relativas de cada variável, a taxa de prevalência e o coeficiente de mortalidade por sexo (masculino e feminino) e do total de casos, ambos por 100.000 hab. Além disso, foi empregado o teste de qui-quadrado para verificar associações estatísticas entre as diferentes categorias das variáveis, sendo adotado um nível de significância estatística de 5% (
p<0,05) para caracterização do cenário epidemiológico da coqueluche no Brasil (Tabela 1).
Na primeira etapa, a análise estatística buscou realizar um estudo de tendência temporal da taxa de prevalência e do coeficiente de mortalidade por 100 mil hab com o intuito de analisar a evolução temporal desses indicadores ao longo do período estudado. Para isso, foi utilizado o modelo de análise de regressão linear generalizada de Prais-Winsten, no qual os anos de estudo foram considerados como variáveis independentes (X) enquanto as taxas de prevalência e mortalidade, como variáveis dependentes (Y). Foi realizada a transformação logarítmica para suavizar os valores de Y para que o modelo pudesse detectar, de forma precisa, as variações e estimar os valores de
b1. Após encontrar os valores de
b1, com o intuito de obter as taxas de variação, os valores foram aplicados à fórmula
11,12:
A partir da análise da taxa de variação, é possível inferir que uma tendência é crescente quando a taxa de variação é positiva (+), decrescente quando a taxa for negativa (-) ou estacionária quando não há diferença significativa ente o valor obtido e zero.
11,12 Em seguida, foram calculados os intervalos de confiança (IC), aplicando a seguinte fórmula:
Os valores de
b mínimo e
b máximo foram obtidos através do IC gerado pelo
software R durante a análise estatística e, depois aplicados a fórmula. Os valores de
b mínimo e do
b máximo, correspondem, respectivamente, aos pontos mínimo e máximo do IC.
Na segunda etapa, a análise espacial buscou proporcionar a visualização da distribuição geográfica da doença no país, mensurar as suas propriedades e as relações possibilitando a visualização dos padrões existentes.
13 A utilização dos Sistemas de Informações Geográficas (SIG) tem se mostrado como importantes ferramentas para o monitoramento e o controle de doenças, pois contribui com as medidas de prevenção de doenças e agravos, permite a avaliação das medidas de controle utilizadas e garante informações atualizadas sobre a situação epidemiológica e a distribuição no espaço geográfico.
14Neste estudo, foi aplicada a ferramenta de densidade de Kernel como estratégia para permitir a visualização e a análise do comportamento dos padrões de densidade e espacialização dos casos e dos óbitos por coqueluche no Brasil. Esse é um método de análise estatística que através da interpolação de dados pontuais por unidade de área, permite estimar as curvas de densidade e convertê-las em dados de superfície contínua.
O estimador de densidade Kernel é calculado conforme a equação de Silverman,
15 em que, χ é o vetor de coordenada que representa a localização do ponto analisado;
n é o total de pontos analisados;
h é a largura da banda;
K é a função Kernel; e
Xi é o vetor da i-ésima coordenada que representa cada ponto observado em relação ao estimado.
Por conceito, uma superfície que é suavemente curva pode ser ajustada sobre cada ponto, sendo o valor da superfície mais alta em sua localização e diminuindo com o aumento da distância do ponto até chegar a zero no fim do raio de busca. A densidade em casa célula
raster de saída é calculada a partir da adição dos valores de todas as superfícies do Kernel onde elas se sobrepõem ao centro da célula
raster.
O software QGIS de licença livre foi utilizado para o cálculo dos mapas de Kernel aplicando a ferramenta de mapas de calor e a função quártica de Silverman.
15 A estratificação das classes para os mapas de distribuição e Kernel ocorreu por quantil.
ResultadosDurante o período de 2010 a 2019, foram identificados 32.849 casos e 466 óbitos por coqueluche no Brasil, tendo se observado uma prevalência média de 1,63 casos por 100 mil hab e um coeficiente de mortalidade médio de 0,023 óbitos/100 mil hab.
Na análise de regressão linear generalizada de Prais-Winsten, observou-se que a porcentagem de crescimento anual da taxa de prevalência da coqueluche no Brasil, no período analisado, foi estimada em 2,52% (IC95%= 0,3 - 4,7) nos indivíduos de sexo masculino com tendência de crescimento. Para indivíduos do sexo feminino, a tendência seguiu o mesmo sentido com percentual de crescimento de 7,7% (IC95%= 5,3 - 10), bem como para os indivíduos no total com um crescimento percentual de 5,06% (IC95%= 2,8 - 7,3) (Figura 1).
Ainda na Figura 1, vê-se que a tendência temporal da taxa de prevalência por sexo e do total de casos apresentam um comportamento variado ao longo dos anos, o que demonstra o comportamento cíclico da coqueluche. Nele, é possível perceber que há uma tendência de aumento da prevalência entre os anos de 2010 a 2014 e que o cenário muda nos anos seguintes, até o ano de 2016, quando novamente há um aumento dessa taxa, mas logo volta a decrescer nos anos de 2018 a 2019.
Para o coeficiente de mortalidade, a porcentagem de decrescimento anual da taxa de mortalidade foi estimada em -48,8% (IC95%= -51,6 a -46,0) nos indivíduos de sexo masculino com tendência de declínio. A análise para o sexo feminino também demonstrou uma tendência decrescente de -14,4% (IC95%= -16,5 a -12,4) e o total de óbitos de -28,9% (IC95%= -30,9 a -26,83). Vê-se, também, o comportamento cíclico da coqueluche no tocante aos óbitos, embora com uma tendência geral de decrescimento no período, observa-se que houve anos marcados pelo aumento da mortalidade, seguidos pela diminuição do coeficiente, cujo pico da taxa de mortalidade por coqueluche ocorreu no ano de 2014 (Figura 2).
A Tabela 1, apresenta uma avaliação da caracterização epidemiológica dos casos e óbitos por coqueluche no país. A maioria ocorreu em indivíduos do sexo feminino (55,28%), menores de um ano (60,16%), na raça/cor branca (48,42%). O critério de confirmação mais utilizado foi o clínico (50,74%), o critério de gestante também não se aplicava na maioria dos casos (92,23%), a maior parte evoluiu para cura (90,96%), enquanto 466 (1,42%) indivíduos tiveram como desfecho o óbito pelo agravo notificado.
Com relação à caracterização epidemiológica dos óbitos por coqueluche no Brasil, constatou-se que a maioria foi no sexo feminino (56,01%), menores de um ano (98,07%), na raça/cor branca (43,78%), critério de confirmação laboratorial (49,14%) e o critério de gestante não se aplicava a todos os casos (Tabela 1).
Vale destacar que o teste de associação de qui-quadrado demonstrou significância entre as variáveis de caracterização e a situação dos indivíduos para a faixa etária (
p< 0,01) e para o critério de confirmação (
p< 0,01). Para a faixa etária, observou-se o elevado número de casos e óbitos nos menores de um ano. Para as demais variáveis não houve associação estatisticamente significante e para evolução do caso e gestante, não houve aplicação do teste, pois para essas variáveis não apresentam dados sobre os óbitos em todas as categorias.
Conforme apresentado na Tabela 2, observou-se que a região geográfica de residência que registrou mais casos e óbitos por coqueluche no período estudado foi a Sudeste (42,28% e 53,86%, respectivamente), seguida pela Nordeste (24,73% e 18,67%, respectivamente), Sul, (20,30% e 12,88%, respectivamente), Centro-Oeste (7,08% e 7,51%, respectivamente) e Norte (5,60% e 7,08%, respectivamente).
Com relação a prevalência da coqueluche, segundo a região geográfica, destacou-se a região Sul com 2,31 casos por 100 mil hab, seguida pela Sudeste (1,64/100 mil hab), Centro-Oeste (1,53/100 mil hab), Nordeste (1,46/100 mil hab) e Norte (1,07/100 mil hab). Para o CM, a região Sudeste apresentou uma mortalidade de 0,03 óbitos a cada 100 mil hab, enquanto as demais regiões apresentaram um CM de 0,02 óbitos por 100 mil hab (Tabela 2).
No que concerne à análise por UF, o Espírito Santo se destacou com a maior prevalência no período estudado (7,97/100 mil hab), seguido por Pernambuco (3,74/100 mil hab), Distrito Federal (2,68/100 mil hab), Paraná (2,63/100 mil hab) e o Rio Grande do Sul (2,30/100 mil hab). Em contraponto, as cinco UF com menores prevalências foram Sergipe (0,22/100 mil hab), Paraíba (0,35/100 mil hab), Pará (0,46/100 mil hab), Ceará (0,49/100 mil hab) e Rio de Janeiro (0,61/100 mil hab) (Tabela 2).
Em relação à mortalidade, verificou-se que as UF com os maiores coeficientes de mortalidade foram Distrito Federal (0,059/100mil hab), São Paulo (0,042/100mil hab), Rondônia (0,041/100mil hab), Roraima (0,039/100mil hab) e Amazonas (0,034/100mil hab). E os com os menores foram Sergipe (0,005/100mil hab), Tocantins (0,007/100mil hab), Pará (0,007/100mil hab), Ceará (0,008/100 mil hab) e Goiás (0,009/100mil hab) (Tabela 2).
Quanto aos mapas das densidades de Kernel da taxa de prevalência (Figura 3 A-A) e do total de casos (Figura 3 A-B) de coqueluche, observa-se a concentração de áreas de maior densidade em estados das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Destaca-se também a presença de um cluster de alta concentração de casos na área litorânea de Pernambuco e na divisa com os estados da Paraíba e Alagoas; assim como no Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e em parte do Rio Grande do Sul. No mapa de Kernel do total de casos (Figura 3 A-B), notou-se semelhança com o mapa da taxa prevalência, sendo que além das UF citadas anteriormente, destacaram-se o Distrito Federal e a divisa entre Piauí e Maranhão (Figura 3 A-A).
Na análise espacial da mortalidade, percebeu-se
clusters de alta densidade da mortalidade por coqueluche em São Paulo (Sudeste) e Pernambuco (Nordeste) e um
cluster de média densidade em Tocantins (Norte). Na espacialização da frequência absoluta dos óbitos, notou-se uma concentração de
clusters de alta densidade nas UF de Pernambuco (Nordeste), Distrito Federal (Centro-Oeste), São Paulo (Sudeste) e Rio de Janeiro (Sudeste), enquanto o Rio Grande Sul (Sul), Paraná (Sul) e Amazonas (Norte) apresentaram
clusters de média e baixa densidade (Figura 3 B).
Ao comparar os mapas da taxa de prevalência (Figura 3 A-A) e do coeficiente de mortalidade (Figura 3 B-A) por coqueluche, observou-se que os estados de Pernambuco e São Paulo estão presentes nos dois mapas com
clusters de alta densidade para ambos indicadores. Ao avaliar os mapas do total de casos (Figura 3 A-B) e do total de óbitos (Figura 3 B-B), notou-se que as áreas em comum foram São Paulo, Espírito Santo, Distrito Federal, Pernambuco, Paraná e o Rio Grande do Sul. Em ambos os mapas, a região Norte apresentou
clusters de média e baixa densidade.
DiscussãoNo presente estudo, percebeu-se o aumento dos casos de coqueluche no Brasil a partir de 2010 até 2014, com uma tendência de decréscimo nos anos seguintes. Isso pode estar relacionado com o aprimoramento dos mecanismos de confirmação do diagnóstico de vigilância laboratorial, por meio da introdução de técnicas biomoleculares na rotina dos laboratórios de saúde com a confirmação rápida, sensível e precisa; cobertura vacinal heterogênea e o próprio comportamento temporal da doença.
16-18 Já o decréscimo, por sua vez, pode estar relacionado com a introdução da vacina dT para gestantes e profissionais de saúde, com o fortalecimento das medidas de quimioprofilaxia para os contatos de casos suspeitos e o ciclo epidêmico da doença.
18Além disso, a coqueluche é uma doença de comportamento cíclico e apresenta picos epidêmicos em cada três a cinco anos, o que pode explicar a sua variação temporal,
1 conforme identificado neste estudo. Outro fator que fortalece a ocorrência de casos da coqueluche é a incompletude dos calendários de vacinação de gestantes, comprometendo a imunização natural passiva dos bebês via placenta e a necessidade de cumprir o número de doses preconizadas para as crianças.
17A prevalência da coqueluche na população infanto-juvenil pode estar associada ao não cumprimento dos calendários de imunização desse público, acarretando deficiência na imunidade e propiciando a propagação do bacilo responsável pela doença.
19 Conforme boletim epidemiológico,
1 no período de 2010 a 2014, houve um expressivo aumento dos números de casos de coqueluche em crianças de um a nove anos, público que deveria estar imunizado através do esquema vacinal completo, o que denota um importante problema de saúde pública e necessita de uma atenção especial.
19Outra preocupação para as autoridades sanitárias é que a coqueluche ainda é uma causa de morbimortalidade infantil, pois os menores de um ano são os mais susceptíveis à doença
. Isso ocorre porque os menores de um ano ainda não completaram o esquema de doses recomendadas da vacina, além de terem o seu sistema imunológico em desenvolvimento
19 e como apresentado neste e em outros estudos, a maioria dos casos e óbitos por coqueluche é verificada nesta faixa etária. Ao considerar que o único reservatório da doença é o ser humano, entende-se que a transmissão para os bebês ocorre por meio de pessoas próximas, o que evidencia a necessidade da imunização como forma de proteger a população.
20Além disso, apesar dos avanços no preenchimento das fichas de notificação e dos sistemas de informações em saúde, há a problemática do elevado percentual de ignorados em algumas variáveis, como visto neste estudo no quesito raça/cor. Tal situação, pode ocorrer devido ao desconhecimento ou despreparo dos profissionais de saúde sobre a relevância de tais informações para a gestão e pesquisas em saúde.
21Percebeu-se que embora a coqueluche apresente uma distribuição geográfica heterogênea no Brasil, há uma maior concentração nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul, como mostrado em outro estudo,
18 podendo estar associada às características populacionais e climáticas dessas regiões.
22,23 Em pesquisa realizada entre os anos de 2006 a 2013,
24 viu-se que as regiões Sudeste e Nordeste também se destacaram como áreas de maior letalidade para coqueluche, cuja maioria dos óbitos foram em crianças menores de um ano, enquanto o Sul apresentava menor letalidade, quando comparado às regiões citadas anteriormente, achados que corroboram com os resultados da atual pesquisa.
Na região Sudeste esse fator pode ser explicado pelo clima tropical que varia no decorrer do ano, no entanto, nos períodos da primavera e do verão a região chega a atingir picos superiores a 30°C, o que favorece o desenvolvimento da bactéria no local, além da densidade populacional.
16,25 Enquanto no Nordeste, o clima litorâneo úmido com temperaturas elevadas, possibilita o metabolismo da bactéria, além de ser uma região com grande rotatividade de turismo o que pode contribuir com a proliferação da
Bordetella pertussis16,26Com relação à região Sul, pode estar relacionado com o seu clima subtropical e a ocorrência de casos nos públicos adolescentes e adultos que reduziram a sua proteção vacinal no decorrer do tempo, o que favorece a circulação da bactéria entre a população, acometendo, principalmente, o público infantil que ainda não completou o esquema vacinal.
6,26 Quanto à região Norte, o menor registro provavelmente, está associado à sua menor densidade populacional, pois, embora seja a maior região do país, possui parte do seu território ocupado pela Floresta Amazônica,
16,26 além da ocorrência de subnotificações de casos e óbitos.
Em um estudo sobre as Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) de crianças menores de um ano em São Paulo, entre os anos de 2008 a 2014,
27 evidenciou significativas internações por coqueluche e se enfatizou a necessidade de maior atenção para essa doença. Com isso, embora possua um objeto de estudo diferente, o trabalho ressalta a importância de ampliar os cuidados com a imunização de adultos e crianças, pois a doença pode se agravar e ocorrer a necessidade de internação hospitalar e, no pior dos desfechos, evoluir para o óbito.
Dentre as limitações desta pesquisa está a possibilidade de reprodução de vieses presentes nas notificações dos casos e óbitos registrados no SINAN, o que pode não expressar com fidedignidade a realidade do país sobre o aumento, diminuição e estabilidade dos casos e óbitos por coqueluche. Para tanto, buscou-se na literatura estudos que também trataram da temática da coqueluche no Brasil para embasar a interpretação e discussão desses resultados.
Faz-se necessário ampliar as ações da atenção e de vigilância em saúde para identificação, diagnóstico e tratamento da doença em tempo oportuno, a fim de evitar o desfecho negativo do óbito. Assim como, é preciso potencializar a atuação do Programa Nacional de Imunização para ampliar a vacinação na população alvo e/ou garantir que o esquema vacinal seja completo,
3,5,8,28 diante do atual cenário de crescimento do movimento antivacina no mundo.
29Por fim, a partir das análises de tempo-espaço realizadas foi possível observar o comportamento da coqueluche no país, marcado por oscilações de aumentos e diminuições das taxas de prevalência e de mortalidade ao longo do tempo, geralmente a cada três ou cinco anos, evidenciando a apresentação cíclica da doença. Além disso, mesmo diante de uma tendência de decréscimo dessas taxas nos últimos anos, é importante fortalecer a atenção das autoridades sanitárias e da população para a coqueluche, afim de evitar o aumento de casos e óbitos no país por uma doença imunoprevenível.
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Recebido em 21 de Julho de 2021
Versão final apresentada em 8 de Junho de 2022
Aprovado em 10 de Junho de 2022
Contribuição dos autoresConcepção e planejamento do estudo: Silva LR, Arruda LES, Freitas MVA, Santos ISF, Oliveira ECA. Coleta dos dados: Silva LR, Ferreira JF, Arruda LES, Vasconcelos AD, Freitas MVA, Santos ISF, Silva JTL, Silva MGG, Teixeira CMB, Lira G, Oliveira ECA. Análise e interpretação dos dados: Silva LR, Ferreira JF, Arruda LES, Vasconcelos AD, Santos ISF, Silva JTL, Silva MGG, Teixeira CMB, Lira G, Oliveira ECA. Redação do manuscrito: Silva LR, Ferreira JF, Arruda LES, Vasconcelos AD, Freitas MVA, Santos ISF, Silva JTL, Silva MGG, Teixeira CMB, Lira G, Oliveira ECA. Revisão crítica do manuscrito: Silva LR, Ferreira JF, Freitas MVA, Oliveira ECA. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.