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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Transtorno de estresse pós-traumático e anomalias congênitas no pré-natal

Michelle Alves Viana Aguiar 1; Anelise Riedel Abrahão 2

DOI: 10.1590/1806-9304202200030005

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar os sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita.
MÉTODOS: estudo quantitativo e transversal-correlacional. A amostra foi composta por 111 gestantes com diagnóstico de anomalia, entre 2013 a 2014. Foi utilizado um questionário semiestruturado e a Escala do Impacto do Evento - Revisada (IES-R). Para a análise estatística o teste Qui quadrado, t de Student ou Mann-Whitney, coeficientes alfa de Cronbach, correlação de Pearson e modelos de regressão linear simples.
RESULTADOS: as anomalias congênitas viáveis corresponderam a 66,6% e as inviáveis, a 33,3%. A média de todos os domínios da IES-R como a soma das questões dos domínios da IES-R foram altas nas gestantes com diagnóstico de anomalia congênita. Ao se utilizar um corte de 5,6 unidades no escore total da IES-R, 46,8% de todas as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita apresentaram sintomas de TEPT, sendo mais frequente entre as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável (64,9%). As questões de intrusão e hiperestimulação da escala IES-R estiveram mais correlacionadas entre si. Pareceu existir uma relação decrescente dos sintomas de TEPT, em relação ao tempo da notícia do diagnóstico de anomalia congênita.
CONCLUSÃO: os sintomas do TEPT estiveram mais presentes em gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável.

Palavras-chave: Anormalidades congênitas, Gestantes, Diagnóstico pré-natal, Transtornos de estresse pós-traumáticos

ABSTRACT

OBJECTIVE: to assess post-traumatic stress disorder (PTSD) symptoms in pregnant women diagnosed with congenital anomaly.
METHODS: his is a quantitative and cross-correlational study. The sample consisted of 111 pregnant women diagnosed with congenital anomaly between 2013 and 2014. We used a semi-structured questionnaire and the Impact of Events Scale - Revised (IES-R). For statistical analysis, the chi-square test, Student's t test or Mann-Whitney test, Cronbach Alpha coefficients, Pearson's correlation and simple linear regression models.
RESULTS: viable congenital anomalies corresponded to 66.6%, and non-viable, to 33.3%. The average of all areas of IES-R, as well as the sum of matters concerning IES-R, were high in all pregnant women diagnosed with congenital anomaly. Using a cut of 5.6 units in the IES-Rtotal score, we found that 46.8% of pregnant women diagnosed with a congenital anomaly showed PTSD symptoms; however, symptoms were more frequent among pregnant women diagnosed with non-viable congenital anomaly (64.9%). The IES-R intrusion and hyperstimulation dimensions were more correlated. We observed a decreasing connection with PTSD symptoms in relation to the time of the notification of congenital anomaly diagnosis.

Keywords: PTSD symptoms were more frequent in pregnant women diagnosed with non-viable congenital anomaly.

Introdução

As anomalias congênitas são alterações estruturais e/ou funcionais presentes ao nascimento. Há diversas manifestações clínicas que se expressam como dismorfias leves com alta prevalência na gestação até alterações complexas de órgãos ou segmentos corporais, que são raras.1

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 50% das anomalias congênitas são de causa indeterminadas, mas podem ter etiologias genéticas, ambientais, infecciosas e nutricionais, podendo se apresentar isoladas ou combinadas. Estima-se que os óbitos mundiais neonatais relacionados às anomalias congênitas correspondam a 295 mil a cada ano.2

As anomalias congênitas repercutem na incidência e na prevalência da morbimortalidade fetal e neonatal. Em longo prazo, podem ter impactos significativos sobre os indivíduos e as famílias acometidas, ao sistema de saúde e sociedade.2 No caso das doenças gênicas, a família pode ter mais de um filho afetado.3

O avanço tecnológico da Medicina Fetal possibilita a detecção precoce das anomalias congênitas. O impacto desse diagnóstico fetal em qualquer momento da gestação é devastador aos envolvidos.4 Nota-se que o sofrimento psíquico gerado pela gestação de um feto com anomalia congênita pode gerar um quadro de estresse pós-traumático, cujos sintomas podem cursar por toda a vida.5

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é caracterizado por uma resposta imediata ou tardia diante de um ou mais eventos traumáticos.6,7 Os sintomas do TEPT variam de acordo com a natureza do evento traumático, o número de exposições e a vulnerabilidade do indivíduo. Este está associado a elevados níveis de incapacidades sociais e laborais com ônus econômicos e ao sistema de saúde.7,8 Destaca-se também o sofrimento psicológico, à ansiedade, depressão e suicídio6 e pode repercutir, negativamente, na qualidade de vida do indivíduo.

O estudo objetiva avaliar os sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático em gestantes com diagnóstico de anomalia congênita atendidas num serviço de referência de anomalias congênitas no Brasil.


Métodos

Estudo quantitativo com desenho transversal-correlacional. A amostra foi composta por 111 gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita viável e inviável, atendidas no Ambulatório de Medicina Fetal da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no período de novembro de 2013 a novembro de 2014. As gestantes recrutadas para o estudo foram encaminhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), hospital escola da referida pesquisa e convênios.

Foram incluídas gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita, com conhecimento do mesmo há, no mínimo 7 dias, como descrito no critério de aplicabilidade da Escala IES-R.9 Foram excluídas as gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita que referiram transtorno psiquiátrico e com prévio atendimento psicológico. Destaca-se que não ocorreu exclusão por idade e sim classificação por faixa etária, sendo as jovens (idade materna de 21 a 34 anos), seguidas das adolescentes (idade materna ≤20 anos) e, posteriormente, com Idade Materna Avançada (IMA) (idade materna ≥35 anos).

Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram um questionário semi-estruturado, composto por variáveis socioeconômicas e demográficas, obstétricas e fetais. Além disso, para rastreamento da sintomatologia do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) foi utilizada a Escala do Impacto do Evento-Revisada (IES-R), a qual pode ser utilizada tanto na prática clínica quanto em pesquisas científicas.10,11 A IES-R contempla os critérios de avaliação do TEPT publicados no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – Quinta Edição (DSM-V)7 e foi validada no Brasil em 2012 por Caiuby et al.12

A escala IES-R visa rastrear os sintomas do TEPT em qualquer fase do desenvolvimento dos sintomas (agudo, crônico e tardio), porém não é indicado como meio diagnóstico para esse transtorno.10,12 Vale destacar que o indivíduo responde as questões com relação às memórias do evento estressor ocorrido nos últimos 7 dias antes da aplicação da escala.9

A IES-R é composta por 22 questões distribuídas em três subescalas (intrusão, evitação e hiperestimulação).12 O escore para cada questão varia de zero a 4 pontos, e o cálculo do escore de cada subescala é obtido pela média dos itens que compõem as subescalas intrusão, evitação e hiperestimulação, desconsiderando as questões não respondidas.9

A análise da somatória das questões da IES-R com resultados acima de 33 pontos são considerados os melhores pontos de corte para provável presença de sintomas do TEPT, associados à avaliação clínica.13 No entanto, segundo os autores da IES-R, o cálculo da média dos itens é mais indicado.9 A adaptação transcultural da versão brasileira utiliza um corte em 5,6 unidades no escore total da IES-R, definido como a soma das médias das questões que compõem as três subescalas (variando de zero a 12 pontos), para rastrear os sintomas do TEPT.12

Para a análise estatística, foram utilizados os seguintes testes: qui-quadrado para as variáveis categóricas; t de Student ou Mann-Whitney para as comparações de variáveis contínuas; os coeficientes alfa de Cronbach14 e correlação de Pearson nos domínios que compõem a escala IES-R; modelos de regressão linear simples15 para avaliar, conjuntamente, o efeito do tempo do recebimento do diagnóstico de anomalia congênita, viável e inviável, com o escore total e dos domínios da IES-R.

Os resultados foram apresentados comparando as características das gestantes com diagnósticos fetais de anomalia congênita, viável e inviável. As análises foram realizadas com auxílio do software R 3.2.2.16 Os gráficos foram construídos com o pacote ggplot2.17 Os testes foram interpretados considerando nível de significância de 5%. Essa pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (CEP 449.061/13 e CAAE 19776613000005505).

Resultados

No estudo foram incluídas 111 gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita, sendo 67,7% do Sistema Único de Saúde (SUS) e demais dos convênios e do hospital escola da referida pesquisa. A média de idade materna foi de 27,2±7,8 anos. Predominaram as gestantes jovens (idade materna de 21 a 34 anos), equivalentes a 57,7% da amostra, seguidas das adolescentes (idade materna ≤20 anos), com 24,3% e, posteriormente, as gestantes com Idade Materna Avançada (IMA) (idade materna ≥35 anos), 18%. Destaca-se também que essas gestantes, majoritariamente, autodeclararam-se pardas (43,2%) e referiram ensino médio completo e superior incompleto (73,9%), além de serem católicas (49,5%) e solteiras (67,6%).

Segundo os diagnósticos no pré-natal das anomalias congênitas, este estudo evidenciou que 66,6% eram gestações de fetos com prognóstico de viabilidade, enquanto que 33,3% eram de inviabilidade. Estes diagnósticos fetais foram estabelecidos principalmente no segundo trimestre gestacional em 77,5% dos casos.

Dentre todos os casos de anomalias congênitas destacaram-se as relacionadas ao sistema nervoso, circulatório e urinário. As anomalias congênitas inviáveis foram anencefalia (35,1%), além daquelas relacionadas ao sistema urinário (27%) e respiratório (24,3%). As anomalias congênitas viáveis mais frequentes foram do sistema nervoso (31,1%) e do aparelho circulatório (27%). Quando comparados os diagnósticos fetais de anomalias congênitas viáveis e inviáveis verificou-se que as relacionadas ao aparelho respiratório estiveram associadas à maior chance de inviabilidade fetal.

Nota-se que gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita inviável pensaram mais em realizar a interrupção terapêutica da gestação do que as com diagnóstico de anomalia congênita viável, correspondendo a 37,8% e 5,4%, respectivamente (p<0,001). Somente um terço dessas gestantes planejou a gestação, mas, em geral, a gravidez era desejada (97,3%).

Ao comparar os sintomas do TEPT em gestante com diagnóstico fetal de anomalia congênita, viável e inviável, identificaram que a média de todos os domínios da IES-R (evitação, intrusão e hiperestimulação), assim como a soma das questões dos domínios da IES-R foram altas em todas as gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita. Porém, superiores nas gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável (Tabela 1).


 



A média do escore total da IES-R entre as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável foi de 1,9 ponto, ou seja, superior a de mulheres com diagnóstico de anomalia congênita viável (p<0,001). Essa diferença aconteceu em todos os domínios da IES-R (Tabela 1). Ainda na tabela 1 estão as estatísticas para o escore, somando as questões que compunham a IES-R. A soma das questões dos domínios das subescalas foi de 48,1 para gestantes com diagnóstico de feto inviável e de 33,9 para gestantes com diagnóstico de feto viável, indicando a provável presença de sintomas do TEPT em ambos os grupos.

A Figura 1 separa os boxplots para os domínios da IES-R, segundo o diagnóstico no pré-natal de anomalia congênita viável e inviável. O valor do escore em todos os domínios da IES-R foi superior dentre as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável.


 



A Tabela 2 demonstra que usando o corte em 5,6 unidades no escore total da IES-R para o rastreamento de sintomas do TEPT, verificou-se que tais sintomas estavam presentes em 46,8% das gestantes com diagnóstico fetal de anomalias congênitas, viáveis e inviáveis. Porém, foi superior com 64,9% nas com diagnóstico fetal de inviabilidade (p < 0,001; teste qui quadrado).


 



Ao avaliar o coeficiente de correlação de Pearson entre os domínios da escala IES-R, notou-se que as questões de intrusão e hiperestimulação estiveram mais correlacionadas entre si do que com o domínio de evitação. O alfa de Cronbach dos domínios foram altos em todas as subescalas da IES-R: 0,842 (evitação); 0,908 (intrusão) e 0,868 (hiperestimulação). O alfa de Cronbach para o escore total desta escala foi de 0,943. Isso demonstrou que a IES-R teve valores de consistência interna altos para o escore total e também para sua subescalas.

A Figura 2 demonstra a relação entre o tempo do recebimento do diagnóstico de anomalia congênita com os sintomas do TEPT em gestantes com fetos viáveis e inviáveis. A média do escore da IES-R foi superior entre os casos inviáveis e houve relação decrescente do escore total em relação ao tempo da notícia do diagnóstico de anomalia congênita.


 



Para testar a força e a interação do tempo do recebimento do diagnóstico de anomalia congênita com os sintomas do TEPT nas gestantes, construiu-se, inicialmente, um modelo para o escore total da IES-R. Na Análise de Variância (ANOVA) não houve efeito de interação entre o tempo do diagnóstico de anomalia congênita e o escore da IES-R segundo o diagnóstico de anomalia congênita (Tabela 3).


 



Diante disso, ajustou-se outro modelo estatístico (regressão linear múltipla) apenas com os efeitos fixos. Conclui-se que ao nível de significância de 5%, que o escore diminuiu 0,028 unidade em média para cada dia após o diagnóstico de anomalia congênita, independente da viabilidade fetal. A qualidade do ajuste, porém, não foi muito alta, com coeficiente de determinação (R²) de apenas 18,2%, sendo que boa parte dessa variabilidade foi explicada pelo tipo de diagnóstico de anomalia congênita. De qualquer forma, existiu a relação com o tempo, embora fraca.

Entre as gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita, tanto viável quanto inviável, pareceu existir uma relação fraca no domínio de evitação da IES-R. Os outros dois domínios (intrusão e hiperestimulação) apresentaram relações mais destacadas com o tempo. Já a relação com o tipo de diagnóstico de anomalia congênita foi importante em todos os domínios da IES-R.

Discussão

Neste estudo, predominaram as gestantes jovens, seguidas das adolescentes e com Idade Materna Avançada (IMA). As anomalias congênitas viáveis foram mais frequentes nas gestantes adolescentes e jovens, enquanto as inviáveis, em gestantes com IMA. Neste contexto, os extremos etários são considerados importantes fatores de risco para anomalia congênita.2,18

As anomalias congênitas mais freqüentes foram às relacionadas ao sistema nervoso (excluindo anencefalia), aparelho circulatório e urinário. Estes achados corroboram com os encontrados por outros estudiosos que descrevem os principais diagnósticos de anomalias congênitas no pré-natal: anomalias do sistema nervoso central, nefrourológicas e cardiovasculares, principalmente entre as gestantes adolescentes.19,20

Ao avaliar os principais diagnósticos no pré-natal de anomalias congênitas inviáveis, destacaram-se a anencefalia, seguida as do aparelho urinário e respiratório. Segundo Benute et al.21 entre os diagnósticos de anomalias congênitas inviáveis, a anencefalia é a principal. Por outro lado, ao analisar os diagnósticos no pré-natal de anomalias congênitas viáveis verificaram-se como as mais comuns: do sistema nervoso e, posteriormente, as do aparelho circulatório.

As anomalias congênitas caracterizadas como viáveis são compatíveis com a vida, pois independentemente do grau de limitação sofrido pelo ser em desenvolvimento, o mesmo terá condições de se adaptar e viver com estas limitações. Entretanto, as anomalias congênitas graves tornam o feto inviável/incompatível com a vida extrauterina.22

Os diagnósticos de anomalias congênitas foram realizados no segundo trimestre gestacional (14ª a 27ª semanas) em 77,5% dos casos. Isto porque, a maioria das gestantes com tais diagnósticos são encaminhadas, tardiamente, ao serviço de referência em medicina fetal, após 24 semanas de gestação. Este fato dificulta o rastreamento das anomalias congênitas, dentre elas as cromossômicas, por meio de procedimentos invasivos, como biópsia de vilo corial e a amniocentese. Soma-se a isso a importância do cuidado multiprofissional a gestante e família com objetivo de amenizar o sofrimento emocional e os riscos materno-fetais. Além de contribuir para um melhor prognóstico neonatal, nos casos de anomalias congênitas viáveis.

As anomalias congênitas têm diferentes abordagens no pré-natal a depender da viabilidade fetal. Assim, a diferenciação entre anomalia congênita viável e inviável é importante no plano assistencial e no biodireito, visto que delimita a interrupção terapêutica da gestação. Esta é realizada somente em gestantes com fetos portadores de anomalias congênitas inviáveis, sem potencialidade alguma de vida, o que não caracteriza o aborto.22

Diante o diagnóstico de anencefalia a gestante tem o direito de manter a gestação ou interrompê-la.23 Além da anencefalia, legalizada no Brasil, existem outros tipos de anomalias congênitas também consideradas inviáveis, sobretudo se associadas à hipoplasia pulmonar severa. Nestes casos, no Brasil, é possível a interrupção terapêutica da gestação somente por meio da solicitação judicial e com parecer favorável. Além disso, deve ser garantido a gestante o acompanhamento pré-natal com equipe multiprofissional, preferencialmente, em medicina fetal.

Estes diagnósticos fetais de anomalias congênitas podem gerar nas gestantes sintomas do TEPT, visto que, podem ser considerados eventos estressores e de ameaça a vida. Assim, diante do estresse de tais diagnósticos fetais as gestantes podem apresentar: lembranças invasivas (flashbacks), sonhos ou pesadelos, insônia, raiva, medo, agressividade e hipervigilância.6,7 Tais sintomas podem estar associados a ansiedade, depressão e até mesmo suicídio.6

Neste contexto, os sintomas de TEPT podem ser verificados por meio da Escala do Impacto do Evento-Revisada (IES-R). Segundo autores9,12,13 os sintomas podem ser avaliados da seguinte forma: somas das questões das subescalas da IES-R13; cálculo da média dos itens das subescalas da IES-R9; e na adaptação transcultural da versão brasileira da IES-R pode utilizar um corte em 5,6 unidades no escore total, definido como a soma das médias das questões que compõem as três subescalas.12 Neste estudo, com gestantes com diagnóstico pré-natal de anomalias congênitas foram realizadas todas essas analises.

Ao realizar a análise da soma das questões das subescalas da IES-R, as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável apresentaram 48,1 pontos e aquelas com diagnóstico de anomalia congênita viável, 33,9 pontos. A soma das questões da IES-R nos dois grupos estudados foi equivalente a 38,7. Tais resultados demonstram provável presença do TEPT nas gestantes estudadas, sendo maior naquelas com diagnóstico de inviabilidade fetal.

Segundo Reed13 na escala IES-R, os resultados que excedem 24 pontos podem ser significativos, visto que indivíduos que apresentam pelo menos um sintoma do TEPT se tornam uma preocupação clínica. Resultado acima de 33 pontos é considerado melhor ponto de corte para provável presença do TEPT associado à avaliação clínica. Uma pontuação acima de 37 pontos é alta o suficiente para comprometimento do sistema imunológico13 que repercutem na qualidade de vida.

Estudo realizado em um serviço de referência de Medicina Fetal na Noruega realizou a análise das somas das questões da IES-R, verificando que as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita tiveram escore em todas as subescalas (intrusão, evitação e hiperestimulação) da IES-R ≥20 pontos, principalmente nos domínios intrusão e hiperestimulação. Estes autores consideram essa pontuação como provável presença do TEPT. Ao compararem as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita com gestantes sem tal diagnóstico, verificou-se que as primeiras tiveram níveis, significativamente, mais elevados de angústia psicossocial em todos os testes, incluindo a avaliação da IES-R.24

Outros autores ao avaliar os sintomas de TEPT em puérperas por meio da IES-R identificaram que mais da metade da amostra teve pontuação ≥24 pontos no escore total, e as demais participantes, equivalente a 37 pontos. A sintomatologia do TEPT esteve mais presente no grupo de puérperas com diagnóstico de anomalia congênita inviável.25 Tais achados são equivalentes aos encontrados no grupo de gestante com diagnóstico de inviabilidade fetal. Isto demonstra que os sintomas de TEPT estão presentes nas mulheres desde o diagnóstico fetal de anomalia congênita e após o parto, por um tempo indeterminado, e varia de acordo o enfrentamento individual e sua rede de apoio.

No entanto, segundo os autores9 da IES-R, é mais indicado o cálculo da média dos itens do que apenas a soma das questões das subescalas da IES-R. Neste estudo a média do escore total da IES-R entre as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita inviável foi superior a de gestantes diagnóstico de anomalia congênita viável (p<0,001). Essa diferença foi observada em todos os domínios da IES-R o que confirma a presença dos sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Estudos corroboram com tais resultados, visto que demonstraram que a média de todos os domínios da IES-R foi alta entre as gestantes com diagnóstico de anomalia congênita, sendo superior dentre as com fetos inviáveis.9 Kaasen et al.24 observaram que gestantes com diagnóstico de anomalias congênitas graves, sem tratamento e com prognóstico fetal indeterminado (como acrania, displasia esquelética e agenesia renal bilateral) tiveram maiores médias em todos os domínios da IES-R. Por outro lado, gestantes com diagnóstico de anomalia congênita menos grave, com tratamento e melhor prognóstico (como gastrosquise e cisto renal unilateral) apresentaram menores médias na IES-R. Deste modo, a gravidade e ambiguidade no diagnóstico de anomalia congênita foi um preditor forte para sofrimento psíquico verificado em todos os domínios da IES-R.24

Por fim, ao realizar o corte em 5,6 unidades no escore total da IES-R para o rastreamento de sintomas do TEPT,12 verificou-se que tais sintomas estavam presentes em 46,8% das gestantes com diagnóstico fetal de anomalias congênitas, viáveis e inviáveis. Os sintomas do TEPT foram mais frequentes em gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita inviável, equivalente a 64,9%, do que entre as gestantes com fetos viáveis.

Ao avaliar a correlação entre os domínios da IES-R, nota-se que as questões de intrusão e hiperestimulação são mais correlacionadas entre si do que com o domínio de evitação. O alfa de Cronbach dos domínios foram altos em todas as subescalas da IES-R: 0,842 (evitação); 0,908 (intrusão) e 0,868 (hiperestimulação); o alfa Cronbach para o escore total dessa escala foi de 0,943. Tais resultados são similares com outros estudos, demonstrando que a IES-R tem altos valores de consistência interna para escore total (alfa de Cronbach entre 0,85 a 0,96) e também para as subescalas (evitação de 0,77 a 0,87; intrusão de 0,72 a 0,94; hiperestimulação de 0,81 a 0,91).11,12

A maior correlação entre os domínios intrusão e hiperestimulação da IES-R pode estar relacionada a alguns sintomas do TEPT na gestante com diagnóstico fetal de anomalia congênita, tanto com prognóstico de viabilidade quanto de inviabilidade. De acordo o DSM-V,7 esses sintomas podem ser lembranças intrusivas involuntárias e sonhos angustiantes e recorrentes com o evento traumático; sofrimento psicológico e reações fisiológicas intensas a sinais que simbolizem algum aspecto do evento traumático - neste caso, o diagnóstico de anomalia congênita.

Soma-se a estes a excitabilidade aumentada, pois a gestante com diagnóstico de anomalia congênita pode apresentar irritabilidade e surtos de raiva, geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos; comportamento imprudente ou autodestrutivo; hipervigilância; resposta de sobressalto exagerada; e dificuldade de concentração e de iniciar e manter o sono.7

Apesar do domínio evitação da IES-R apresentar menor correlação com os domínios intrusão e hiperestimulação, é importante destacar os sintomas do TEPT relacionados à evitação. As gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita também podem ter períodos de evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes sobre o evento traumático; além de evitar locais, pessoas, ações, atividades, objetos e tudo que lembre o evento traumático.7

No entanto, os sintomas evitativos em menor porcetagem em relação aos intrusivos e hiperestimulativos podem estar relacionados ao diagnóstico de anomalia congênita fetal em acompanhamento. Isto porque, as gestantes não têm como evitar alguns locais e pessoas, a exemplo do serviço de pré-natal.

Observou-se que entre as gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita, existiu uma relação decrescente, embora fraca, dos sintomas do TEPT, em relação ao tempo da notícia do diagnóstico fetal de anomalia congênita. No domínio evitação da IES-R, essa relação é mais fraca e, nos domínios intrusão e hiperestimulação, existem relações mais destacadas com o tempo.

O escore total da IES-R diminui 0,028 unidade, em média, para cada dia após o diagnóstico fetal de anomalia congênita, independente da viabilidade fetal. Isso significa que somente após 35 dias decorridos do diagnóstico de anomalia congênita, a gestante diminuiu, em média, 1 ponto na IES-R. Deste modo, os sintomas do TEPT prevalecem ao longo da gestação ou até mesmo no parto ou pós-parto.

Estas análises demonstram que os sintomas do TEPT são mais significativos entre as gestantes com diagnóstico de fetos inviáveis. O diagnóstico do TEPT inclui a investigação de seus sintomas, a história pregressa do indivíduo e o diagnóstico diferencial com outros doenças psicopatológicos.26 A sintomatologia do TEPT se manifesta nos primeiros 3 meses após o trauma, porém pode existir um atraso de meses ou até anos antes de os critérios diagnósticos serem atendidos − fato conhecido como “início tardio”.7

O tratamento do TEPT inclui terapia medicamentosa, cognitivo-comportamental e abordagem psicodinâmica.27 A terapia cognitivo-comportamental é apontada como a mais eficiente para o tratamento de TEPT.28 Por outro lado, o tratamento medicamentoso é controverso para os indivíduos com o TEPT.29

Neste sentindo, as gestantes com diagnóstico fetal de anomalia congênita apresentam estratégias de enfrentamento, como a religiosidade, na esperança incondicional por um milagre. Por outro lado, permanecem sentimentos de ansiedade, frustração e culpa, além do medo em relação aos riscos materno-fetais.30 Destaca-se a relevância do atendimento multiprofissional, no pré-natal e puerpério, de forma qualificada e atenta aos sintomas e efeitos do estresse e do trauma ocasionados na mulher com diagnóstico fetal de anomalia congênita.


Agradecimentos

Ao fomento CAPES. A equipe multiprofissional e as gestantes da Casa da Saúde da Mulher Prof. Dr. Domingos Deláscio. Ao estatístico Lucas Petri.


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Recebido em 20 de junho de 2020
Versão final apresentada em 8 de Fevereiro de 2021
Aprovado em 28 de Março de 2022


Contribuições dos autores
Aguiar MAV responsável pela pesquisa, realizou a revisão bibliográfica, construção do projeto de pesquisa, o desenho metodológico, além da coleta de dados, análise estatística e dos resultados. Abrahão AR foi a orientadora do projeto. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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