, udia Vicari Bolognani5
Eduardo Henrique Costa Moresi1; Pedro Piancastelli Moreira2; Isabela Lemos Ferrer3; Melorie Kern Capovilla Sarubo Baptistella4; Cláudia Vicari Bolognani5 RESUMO OBJETIVOS: avaliar as taxas de cesárea pela classificação de Robson em 10 grupos (G) e as principais indicações nos grupos prevalentes e no G10.
Palavras-chave:
Cesárea, Nascimento vaginal após cesárea, Nascimento a termo; Nascimento prematuro, Parto obstétrica
ABSTRACT OBJECTIVES: to evaluate cesarean taxes by looking at Robson classification on 10 groups (G) and the principal indications at the prevalent groups and at G10.
Keywords:
Cesarean section, Vaginal birth after cesarean, Term birth, Premature birth, Delivery obstetric
Classificação de Robson para cesárea em um Hospital Público do Distrito Federal
MÉTODOS: estudo transversal, observacional, retrospectivo, incluindo todos os nascimentos em um hospital público do Distrito Federal em 2019. Dados coletados de prontuários eletrônicos e as parturientes categorizadas em dez grupos. Teste qui-quadrado de Pearson para o valor de p e razão de chances comum de Mantel-Haenszel para estimativa de risco, com OR e IC95%.
RESULTADOS: ocorreram 2.205 nascimentos, 1.084 (49,1%) cesáreas e 1.121 (50,9%) partos normais. Os principais contribuintes para a cesárea foram G5 (39,3%), G2 (21,2%) e G1 (13,6%). No G10, cesárea teve 51,5% dos nascimentos, não diferindo estatisticamente dos demais grupos (p>0,05). Considerando todos os prematuros, G6 ao G10 e demais grupos, há maior chance de cesárea em relação ao parto normal (OR=1,4; IC95%= 1.011-2.094; p=0,042). Distócia prevaleceu nos G1 e G2, Cesárea prévia no G5 e Síndromes hipertensivas no G10.
CONCLUSÃO: a cesárea mostrou taxas elevadas inclusive nas primíparas e nos prematuros. Predomínio de Distócia e Sofrimento fetal sugerem melhor avaliação destes critérios diagnósticos, principalmente em G1, G2 e G10.
METHODS: cross-sectional, observational, retrospective study, including all deliveries performed in a public hospital in Distrito Federal in 2019. Data were collected from medical records and pregnant women were classified in 10 groups. Pearson’s chi-squared test was used to calculate the p-value. The risk estimate for cesarean was defined by common odds ratio of Mantel-Haenszel, with calculation of odds ratio (OR) and 95% confidence interval (CI95%).
RESULTS: there were 2,205 deliveries, 1,084 (49.1%) of which were cesarean and 1,121 (50.9%) vaginal deliveries. The principal factors for cesarean were G5 (39.3%), G2 (21.2%) and G1 (13.6%). At G10, cesarean had 51.5% of births, not differing statistically from the other groups (p>0.05). Considering all preterm births, G6 to G10 and the other groups, there is a bigger chance of cesarean happening in relation to normal labor (OR=1.4; CI95%= 1.011-2.094; p=0.042). Dystocia remained at G1 and G2, previous cesarean at G5 and hypertensive syndrome at G10.
CONCLUSION: cesarean was most prevalent delivery route, showing elevated rates even in primiparous and preterm births. Preponderance of dystocia and acute fetal distress suggests better evaluation of the diagnostic criteria, mainly in G1, G2 and G10.
A cesárea é um procedimento que, indicado adequadamente, reduz a morbimortalidade materna e fetal. No entanto, quando realizada desnecessariamente, traz diversos riscos, tanto para a gestante quanto para o feto, a curto e longo prazo.1,2 Dentre os desfechos maternos, pode-se citar morte, hemorragia (podendo requerer histerectomia ou hemotransfusão), ruptura uterina, complicações anestésicas e choque entre outras, podendo também levar ao comprometimento de futuras gestações devido à anormalidade placentária e ruptura uterina. Para o recém-nascido, destacam-se laceração, problemas respiratórios e internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).2
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma taxa de cesárea entre 10 e 15%, uma vez que valores mais elevados não implicam em redução da mortalidade materna ou neonatal1. Por muito tempo, essas taxas foram almejadas sem levar em consideração determinantes populacionais relevantes, como fatores socioeconômicos. Em 2015, foi desenvolvido um instrumento validado pela OMS, que ajusta esses valores às características sociodemográficas, clínicas e obstétricas da população. Para o Brasil, a taxa de cesárea alcançaria valores de 25% a 30%, bem abaixo dos 58,2% encontrados na época, com variações de 38,1% em hospitais públicos a 92,8% em hospitais privados.3–5 A prevalência de altas taxas de cesárea em hospitais privados também é comum em outros países da América Latina. Uma hipótese para esse aumento seria a de as indicações médicas terem se tornado mais permissivas, elevando as cesáreas eletivas, dentre estas possíveis causas, fato que também é uma tendência mundial, podemos citar os fatores maternos, culturais, obstétricos e relacionados à assistência à saúde.6–9
Uma das práticas mais comuns decorrentes de cesáreas eletivas foi a interrupção acima de 37 semanas de idade gestacional (IG), dada a classificação considerar prematuros os nascimentos antes de 37 semanas de IG. No entanto, estudos atuais observaram que nascimentos entre ≥ 37 e < 39 semanas de IG implicaram em maiores riscos de eventos adversos quando comparados aos nascimentos mais tardios, ou seja, com ≥ 39 semanas de IG. Esses estudos destacam a existência de heterogeneidade no grupo de gestações a termo, propondo que gestações com IG entre 37 ≥ e < 39 semanas sejam classificadas como de termo precoce.10,11
Em 2001, Robson desenvolveu uma classificação metodológica simples que categoriza as gestantes em dez grupos utilizando as informações de cinco características obstétricas: paridade, história obstétrica anterior, tipo de gestação, início do trabalho de parto, e idade gestacional. É um método prático, reprodutível, totalmente inclusivo e mutuamente exclusivo que permite a avaliação interna das taxas de cesárea em uma instituição de saúde, e a identificação de grupos estratégicos que devem ser abordados para prevenir cesáreas desnecessárias.3,12 Nessa linha, em 2015 a OMS recomendou seu uso para analisar e comparar as taxas de cesáreas ao longo do tempo no mesmo hospital e entre diferentes hospitais e, com isso, propor estratégias de intervenção.1
Considerando a importância de conhecer não apenas as taxas de cesáreas, mas grupos específicos para nortear as políticas de intervenção, este estudo teve como objetivo principal conhecer as taxas de cesárea e identificar os grupos mais contribuintes para essas taxas, a partir da Classificação de Robson.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, observacional, retrospectivo, incluindo todos os nascimentos realizados em um hospital público do Sistema Único de Saúde (SUS) da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), localizado na cidade de Brasília, que é referência para cinco das trinta e uma Regiões Administrativas do DF, de 01/01/2019 a 31/12/2019.13 A amostra foi de conveniência incluiu todos os 2.205 nascimentos ocorridos no hospital estudado no período de estudo.
Os dados foram coletados em prontuários eletrônicos, por meio do sistema Intersystems trakCare™ da SES-DF, com base na razão de alta de recém-nascidos (RN) emitida pelo Centro de Coleta e Análise de Informações do SUS. Foram excluídas do estudo as parturientes que tiveram parto domiciliar, em trânsito ou em outra instituição de saúde removida para o hospital de estudo após o parto.
A idade gestacional foi avaliada em semanas completas no momento do parto pelo exame ultrassonográfico precoce ou pela data da última menstruação e, na ausência de um desses dados, por Capurro. Tipo de gravidez, classificada como única, múltipla, cefálica, pélvica ou oblíqua. Para história obstétrica, como nulípara ou multípara, subdividida na presença ou ausência de cicatriz uterina. O início do trabalho de parto como espontâneo, induzido ou cesárea fora do trabalho de parto, sendo assim classificado de acordo com os dez Grupos de Robson (Tabela 1). Para a presença ou não de intercorrência na gestação, foram utilizados dados da ficha do neonato e considerados como sim, qualquer informação da presença de patologia como infecção do trato urinário (ITU), vulvovaginite, sangramento vaginal, hipotireoidismo gestacional, anemia, diabetes mellitus ou gestacional, síndromes hipertensivas, uso de tabaco, doença psiquiátrica entre outras intercorrências.
Para avaliação da maturidade fetal, a IG completa em semanas durante o parto foi dividida em prematuros ou pré-termo nascidos com < 37 semanas de IG, a termo precoce com 37 ≥ e < 39 e a termo com ≥ 39 semanas. Na análise das indicações de cesárea, foi utilizada a primeira indicação do médico obstetra, e estas foram agrupadas de acordo com o consenso de assistência obstétrica do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), definindo cinco grupos de indicações de cesárea: distócia de parto, sofrimento fetal, cesárea prévia, síndromes hipertensivas e outras indicações.14
A análise estatística foi realizada por meio do software IBM SPSS Statistics v.22. O teste qui-quadrado de Pearson foi usado para calcular o valor de p. A estimativa de risco para a cesárea foi definida pela razão de chances comum de Mantel-Haenszel, com cálculo do odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para todos os testes estatísticos, foi definido o nível de significância de 95% (p< 0,05).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS/SES), sob o Parecer nº 3.590.309.
Resultados
No período do estudo, ocorreram 2.205 nascimentos, sendo 1.084 (49,1%) cesáreas e 1.121 (50,9%) partos normais em hospital público de referência na cidade de Brasília-DF. Predominaram as mulheres na faixa etária de 20 a 34 anos, sendo 69,3% do total. Multíparas, sem cesárea prévia, com gestações únicas, feto cefálico, início de trabalho de parto espontâneo e que informaram alguma intercorrência na gestação, também prevaleceram. A Tabela 2 apresenta as principais características dessas parturientes.
De acordo com os Grupos de Robson, os grupos G1, G5 e G2 foram responsáveis por 69,2% dos nascimentos. Os grupos G5 e G2 contribuíram com mais de 50% das cesáreas, com 39,3% e 21,2% respectivamente. Dentro dos grupos, G5 houve 81,1% de cesáreas, seguido pelos grupos G2 com 77,4% e G10 com 51,5% conforme Tabela 3.
Nos grupos que mais contribuíram para as taxas de cesárea, intercorrências na gestação foram relatadas por 63,9% das mulheres no G1, 58,7% no G2, 59,2% no G5 e 86,5% no G10. Distócia apareceu como indicação de cesárea prevalente em G1 (68,7%) e G2 (59,6%), para o G5 prevaleceu Cesárea prévia (81,5%) e G10 Síndromes hipertensivas (32,7%). Ainda no G10, 53 (52,5%) iniciaram o trabalho de parto espontaneamente, 48 (47,2%) foram submetidas à indução ou cesárea antes do trabalho de parto e 24 (23,8%) apresentaram cicatriz cirúrgica prévia. (Tabela 4).
No G10, caracterizado por gestação única, feto cefálico e IG < 37 semanas, inclusive com cicatriz cirúrgica prévia, 52 (51,5%) foram submetidas à cesárea e 57 (56,4%) eram multíparas. Em relação à via de nascimento, o G10 não difere estatisticamente quando comparado aos demais grupos. Porém, quando todos os prematuros (< 37 semanas) foram agrupados, incluindo os grupos G6 ao G9, temos um total de 126 nascimentos. Destes, 73 (58%) foram cesáreas e 53 (42%) foram partos normais. A análise estatística entre as três categorias de maturidade não mostrou diferença, porém, ao comparar os nascimentos com < 37 semanas com os nascimentos com ≥ 37 semanas, houve diferença estatisticamente significante, sendo que os nascimentos com < 37 anos tiveram 1,4 mais chance de ter cesárea quando comparados com nascimentos com ≥ 37 semanas (Tabela 5).
Discussão
Este estudo avaliou 2.205 nascimentos, sendo 1.084 (49,1%) cesáreas e 1.121 (50,9%) partos vaginais em um hospital público do Distrito Federal que, embora seja referência para partos, não é referência para nascimentos prematuros devido à ausência de UTI Neonatal. Portanto, esperava-se que as taxas de cesárea não atingissem valores acima dos 25-30% recomendados para o Brasil.4 Taxas semelhantes foram encontradas na China, com valores de 50,9% em hospitais secundários e 55,9% em hospitais terciários.15 Predominaram mulheres entre 20 e 25 anos, multíparas, sem cesárea prévia, fetos únicos, cefálicas e com início espontâneo do trabalho de parto, critérios considerados de menor risco para cesárea.16
Embora cerca de 55% das mulheres tenham relato de alguma intercorrência na gestação, sabemos que a maioria não é determinante da via de parto e muitas são passíveis de intervenção terapêutica durante o pré-natal16, podemos citar por exemplo as infecções do trato urinário, as vulvovaginites, intercorrências do primeiro trimestre (enjoos, sangramentos, cólicas) e ameaça de trabalho de parto prematuro entre tantas outras. As ações de pré-natal, sem dúvida, terão impacto positivo ou negativo durante o trabalho de parto, mas a via de parto, nas instituições públicas do Distrito Federal, é decidida, no ambiente hospitalar. A literatura descreve bem as indicações absolutas para a operação abdominal, como desproporção cefalopélvica, corioamnionite, deformidade pélvica materna, eclâmpsia e síndrome HELLP, asfixia ou acidose fetal, prolapso de cordão umbilical, placenta prévia total, apresentação fetal anormal que impossibilita o parto vaginal, e ruptura uterina. Indicações consideradas relativas, como cardiotocografia fetal alterada, não evolução do trabalho de parto, cesárea prévia, entre outras, devem ser avaliadas individualmente e discutidas entre os profissionais assistenciais da parturiente.5
Houve predomínio de cesáreas nos grupos de Robson G1, G2 e G5, que juntos representam 74,2% de todas as cesáreas. O G5 apresentou os números mais expressivos, com a maior proporção de cesáreas dentro de seu grupo (81,1%), além de ser o que mais contribuiu para a taxa total de cesáreas no hospital (39,3%), dados já bem corroborados pela literatura.17,18 Embora as mulheres do G5 pudessem apresentar outras indicações para cesárea, o estudo evidenciou que cesárea anterior apareceu, sozinho ou concomitante com outra indicação, em 81,5% das mulheres submetidas à essa cirurgia. Isso é preocupante, pois reforça nessas pacientes a cultura de que é mais seguro ou que não conseguiriam ter um parto normal bem sucedido.6,19 Ressalta-se que a presença de cicatriz uterina prévia não é indicação absoluta para nova cirurgia, sendo esta indicação mais bem fundamentada quando se trata de dois ou mais cesáreas prévias,4,14 havendo a necessidade das duas primeiras terem aguardado o trabalho de parto espontâneo se iniciar, ou mesmo ter sido realizado a prova de indução do trabalho de parto. Essa recomendação é baseada em estudos que demonstraram que para o G5, quando bem indicada, a cesárea foi associada a menor chance de mortalidade, porém, sua prática indiscriminada foi associada a maior chance de desfechos adversos.20,21
As nulíparas, representadas pelos grupos G1 e G2, tiveram, respectivamente, 27% e 77,4% de cesárea em seus grupos, representando 34,8% das cesáreas realizadas e contribuindo com 17,1% de cesárea de todos os nascimentos. Este dado torna-se ainda mais relevante quando consideramos que a via de nascimento na primeira gravidez terá consequências para a vida reprodutiva da mulher, podendo afetar negativamente futuras gestações, quer seja pelos eventos adversos que podem surgir, ou pela limitação de vida reprodutiva por cesáreas recorrentes, corroboradas pelos altos índices aqui apresentados pelo G5.17,18,22 Diferentes estratégias têm sido propostas para evitar a cesárea nesses grupos, como: utilizar a classificação de Robson para avaliar, monitorar e comparar as taxas de cesárea; realizar triagem laboral mais eficiente; aguardar o tempo adequado para que ocorra a progressão do trabalho de parto; escolha criteriosa das pacientes que serão submetidas à indução do parto; não aceitar indicações de cesárea dadas por outros especialistas quando não há evidências que sustentem o procedimento; fornecer treinamento para partos normais problemáticos; utilizar métodos de monitoramento fetal durante o parto; buscar uma segunda opinião em situações controversas.2,6,21 Por ser uma instituição pública, com responsabilidade pela formação profissional (estágio, residência médica e multiprofissional), essas estratégias devem ser discutidas e implementadas, como o sucesso demonstrado em outros estudos de redução das taxas de cesáreas, de 3,1% para 0,1% no G1 e de 42% para 16,9% no G2.20,23
Considerando as cesáreas em todos os grupos, 25,7% foram realizadas antes do trabalho de parto. O trabalho de parto envolve uma série de mecanismos fisiológicos, com consequências tanto para a parturiente quanto para o feto, que têm a finalidade de preparar ambos para o momento do parto e preparar a mulher para o puerpério. Quando a cesárea é realizada antes do trabalho de parto, muitos desses mecanismos são perdidos, e o recém-nascido precisa passar por uma transição brusca da vida intra para a extrauterina.6 Assim, a cesárea antes do trabalho de parto deve ser evitada, a menos que haja uma indicação precisa para isso.
O G8, é caracterizado por todas as gestações múltiplas, representa uma pequena parcela entre todos os partos (1,5%) e tem pouca influência no percentual final do hospital. No entanto, é importante destacar que 93% dos nascimentos neste grupo foram por cesárea, embora gestações gemelares isoladamente não sejam uma indicação para esta via, uma vez que a cesárea com o primeiro feto na apresentação cefálica não reduziu o risco de eventos adversos perinatais, maternos e fetais.4,24 Por outro lado, tem sido relatado que o parto normal implicaria em maior risco de morbidade materna, principalmente quanto à hemorragia.25 No entanto, uma boa avaliação da gestante, vitalidade e posição, principalmente do primeiro feto, se em boas condições nesta instituição, que capacita os profissionais obstétricos, garantindo a segurança desses partos, deve estimular as parturientes a terem partos normais.2
No G10, 51,5% das mulheres foram submetidas à cesárea, 23,8% tiveram cesárea anterior e 47,2% foram submetidas à indução ou cesárea antes de entrar em trabalho de parto, embora mais da metade das mulheres do G10 fossem multíparas. Ao comparar os tipos de parto entre pré-termo (< 37 semanas), termo precoce (37 ≤ e < 39 semanas) e termo (≥ 39 semanas) não houve diferença estatisticamente significante, mas ao comparar pré-termo (< 37 semanas) e os demais (tanto a termo precoce quanto a termo), os dados mostraram que recém-nascidos pré-termo (< 37 semanas) eram mais propensos a nascer por cesárea do que por parto vaginal (OR = 1,4; IC95%= 1,011-2,094; p< 0,05). Em gestações pré-termo sem fatores de risco, a realização de cesárea não implica em melhora do desfecho materno e neonatal. Estudos têm demonstrado que altas taxas de cesáreas estão associadas a piores desfechos neonatais.26,27 Quando se leva em conta a presença de fatores de risco, com a presença de comorbidades maternas e fetais importantes, a cesárea melhora os resultados neonatais.26,27 Em nosso estudo, a intercorrência na gestação foi relatada em 86,5% das mulheres submetidas à cesárea, podendo explicar, pelo menos parcialmente, a alta taxa neste grupo.
Estudos apontam que a presença de cesárea prévia é fator de risco para a ocorrência de partos prematuros.28,29 Em uma coorte realizada na Holanda com 268.495 mulheres, foi demonstrado que a incidência de parto prematuro na segunda gestação foi maior em mulheres com cesárea anterior do que em mulheres com parto normal anterior (OR ajustado = 1,14; IC95%= 1.07-1.21). Essa incidência aumenta tanto em gestantes para as quais a cesárea foi planejada (OR ajustado = 1,86; IC95%= 1,58-2,18) quanto naquelas para as quais a cesárea não foi planejada (OR ajustado = 1,40; IC95%= 1,24- 1,58).29 Uma metanálise chinesa com dez estudos de coorte totalizando 10.333.501 gestantes obteve resultado semelhante em que gestantes com cesárea prévia são mais propensas a partos prematuros em comparação com gestantes com histórico de parto vaginal (RR = 1,10; IC95%= 1,01-1,20).28 Assim, evitar a cesárea deve ser sempre considerada, principalmente em nulíparas, visto que estas podem causar a incidência de partos prematuros subsequentes.
Embora os pesquisadores tenham tido acesso aos dados de todos os nascimentos, o estudo em questão apresenta algumas limitações. As bases de dados são secundárias e as indicações de cesáreas feitas pelos obstetras de plantão, sendo parte de caráter subjetivo devido à falta de informações mais precisas, impossibilitando o conhecimento dos critérios utilizados na indicação. Embora o hospital estudado não seja referência para partos prematuros, a taxa de nascimento no G10 de 4,6% foi acima da taxa de nascimentos neste grupo no DF no ano de 2019 que foi de 2,1%, viabilizando, portanto as análises deste estudo.30
No período de estudo, a via de nascimento predominante em um hospital foi a cesárea com taxa de 49,1%, número acima do recomendado pela OMS, embora em concordância com os dados sobre cesáreas no Brasil. Os principais contribuintes para esse número foram os grupos G1, G2 e G5, reforçando o atendimento às mulheres desses grupos, com prioridade para as primíparas. No G10, mais da metade destas gestantes foram submetidas à cesárea e, a chance de cesárea aumentou quando todos os prematuros foram agrupados. Considerando a declaração da OMS, “todos os esforços devem ser feitos para fornecer cesárea às mulheres necessitadas, em vez de se esforçar para atingir uma taxa específica”1 e a aplicabilidade da Classificação de Robson, este estudo reforça que cada instituição conheça e suas taxas de cesárea em cada grupo e proponha intervenção para sua redução, com base na garantia da qualidade de excelência na assistência materna e neonatal.
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Recebido em 29 de Maio de 2021
Versão final apresentada em 16 de Maio de 2022
Aprovado em 27 de Agosto de 2022
Contribuição dos autores: Moresi EH, Moreira PP, Ferrer IL, Baptistella MKCS e Bolognani CV: concepção, análise e interpretação de dados, redação e revisão critica do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.