RESUMO
OBJETIVOS: estimar as taxas de near miss neonatal e investigar os fatores sociodemográficos, obstétricos, do parto e dos neonatos residentes em uma capital do Centro-Oeste.
MÉTODOS: estudo observacional de coorte de nascidos vivos de Cuiabá no período de 2015 a 2018, com dados dos Sistemas de Informações sobre Mortalidade e sobre Nascidos Vivos. Foi calculada a taxa de near miss neonatal conforme as variáveis sociodemográficas, obstétricas, do parto e dos neonatos. Modelo de regressão logística foi ajustado para analisar os fatores associados ao near miss neonatal.
RESULTADOS: a taxa de near miss neonatal foi 22,8 por mil nascidos vivos e as variáveis que apresentaram associação com o desfecho foram: idade materna de 35 anos ou mais (OR=1,53; IC95%=1,17-2,00), realizar menos de seis consultas de pré-natal (OR=2,43; IC95%=2,08-2,86), apresentação fetal não cefálica (OR=3,09; IC95%=2,44-3,92), gravidez múltipla (OR=3,30; IC95%=2,57-4,23), nenhum filho nascido vivo (OR=1,62; IC=1,34-1,96) ouum filho nascido vivo (OR=1,22; IC95%=1,00-1,48), parto em hospital público/universitário (OR=2,16; IC95%=1,73-2,71) e filantrópico (OR=1,51; IC95%=1,19-1,91)e trabalho de parto não induzido (OR=1,50; IC95%=1,25-1,80).
CONCLUSÃO: a taxa de near miss neonatal foi de 3,04 casos para cada óbito, sendo que o near miss neonatal foi influenciado pelas características maternas, histórico obstétrico, tipo do hospital do nascimento e organização da assistência ao parto.
Palavras-chave:
Estatísticas vitais, Near miss, Sistema de informação, Morbidade, Recém-nascido
ABSTRACT
OBJECTIVES: to estimate neonatal near miss rates and investigate sociodemographic, obstetric, childbirth, and neonate factors residing in a Midwest capital city.
METHODS: observational cohort study of live births from Cuiabá in the period of 2015 to 2018, with data from the Sistemas de Informações sobre Mortalidade e sobre Nascidos Vivos (Mortality and Live Birth Information Systems). The neonatal near miss rate was calculated according to sociodemographic, obstetric, childbirth, and neonate variables. Logistic regression model was adjusted to analyze the factors associated with neonatal near miss.
RESULTS: the neonatal near miss rate was 22.8 per thousand live births and the variables showed an association with the outcome were: maternal age 35 years or older (OR=1.53; CI95%=1.17-2.00), having fewer than six prenatal consultations (OR=2.43; CI95%=2.08-2.86), non-cephalic fetal presentation (OR=3.09; CI95%=2.44-3.92), multiple pregnancy (OR=3.30; CI95%=2.57- 4.23), no live birth (OR=1.62; CI95%=1.34-1.96) or one live birth (OR=1.22; CI95%=1.00-1.48), delivery in public/university hospital (OR=2.16; CI95%=1.73-2.71) and philanthropic hospital (OR=1.51; CI95%=1.19-1.91) and non-induced labor (OR=1.50; CI95%=1.25-1.80).
CONCLUSION: the neonatal near miss rate was 3.04 cases for each death, and neonatal near miss was influenced by maternal characteristics, obstetric history, type of birth hospital, and delivery care organization.
Keywords:
Vital statistics, Near miss, Information system, Morbidity, Newborn
IntroduçãoEm 2017, as mortes neonatais representaram 2,5 milhões em todo mundo e 18 óbitos/1.000 nascidos vivos. Estima-se que 56 milhões de crianças menores de cinco anos irão morrer entre 2018 e 2023, sendo que metade dessas mortes ocorrerá no período neonatal.
1 O Brasil também acompanha essa tendência global. Entre os anos de 2010 e 2017, reduziu 3,9% da Taxa de Mortalidade Infantil (TMI), atingindo 13,4 óbitos/1.000 nascidos vivos em 2017, sendo o componente neonatal precoce o que mais contribuiu para esse total, com 7,2 óbitos/1.000 nascidos vivos.
2A redução da mortalidade neonatal tem estreita relação com a qualidade dos cuidados prestados na gestação, parto e nascimento. Nessa perspectiva, o evento
near miss neonatal (NMN) pode ser utilizado na avaliação da atenção à saúde materna e infantil, uma vez que amplia a base de análise da mortalidade ao utilizar dados de morbidade e sua conformação no contexto assistencial, investigando os fatores interligados com a ameaça de vida ao nascer.
3Assim sendo, o conceito de NMN considerao recém-nascido que apresentou uma morbidade grave com risco de vida
4, mas que sobreviveu nos primeiros 28 dias de vida.
3-6 Para alguns pesquisadores, conhecer as características do NMN é o primeiro passo para a redução da mortalidade neonatal, bem como as sequelas a longo prazo.
3-5 Todavia, tem-se escassez de dados sobre esse evento, pois a construção desse conceito é recente, um pouco mais de uma década e as pesquisas sobre o tema estão sendo desenvolvidas de modo embrionário e, ainda temos poucas revisões de literatura sobre o tema.
7-8Apesar de o Brasil liderar os estudos dessa temática na América Latina, faz-se necessário o aprofundamento e ampliação do debate sobre sua utilização na prática assistencial, a fim de que seja viável sua aplicação no contexto dos serviços de saúde.
9 Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo estimar as taxas de
near miss neonatal e investigar os fatores sociodemográficos, obstétricos, do parto e dos neonatos residentes em umacapital do Centro-Oeste.
MétodosTrata-se de uma coorte de nascidos vivos no período de 2015 a 2018. A população do estudo foi constituída de 40.741 recém-nascidos vivos e filhos de mães residentes em Cuiabá-MT-Brasil. Os dados foram coletados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), cedidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá-MT-Brasil (SMS), com autorização para serem utilizados neste estudo. A escolha por utilizar dados secundários dos sistemas de informação se deu pela acessibilidade, abrangência e multiplicidade de dados a respeito dos eventos vitais e morbidade.
Os casos de NMN foram definidos a partir dos critérios adaptados de Silva
et al., (2014; 2017):
10,11 peso de nascimento <1.500g, idade gestacional (IG) menor que 32 semanas, Apgar<7 no quinto minuto e presença de malformação congênita. Esses critérios foram validados
10,11 e tem 97% de sensibilidade, 92,6% de especificidade
9,10 e 97% de acurácia,
10,12 além de apresentarem os pontos de coorte mais adequados com base na literatura perinatal.
12A partir das definições de critérios pragmáticos de
NMN na literatura, este estudo testou a validade dos seguintes critérios no período neonatal (0 a 27 dias): peso de nascimento <1.500g, presença de anomalia congênita, idade gestacional (IG) menor que 32 semanas e Apgar<7 no quinto minuto, identificando especificidade de 97,70% [IC95%=97,55-97,84], sensibilidade de 80,07% [IC95%=75,20-84,17] e uma acurácia de 97,57% [IC95%=97,41-97,71], apresentando uma alta sensibilidade e especificidade, assim como em estudos anteriores. Esse processo de validação usou os óbitos neonatais como padrão-ouro.
12Foram incluídos no estudo todos os recém-nascidos vivos de parto hospitalar, cujas mães residiam no município de Cuiabá e que sobreviveram até o 27º dia de vida após o nascimento. Aqueles que tinham falta de dados nos sistemas de informações e os que estavam duplicados foram excluídos da amostra. Para a identificação dos óbitos foi realizado
linkage determinístico
13 entre o SIM e SINASC, utilizando o número da Declaração de Nascido Vivo (DNV) como campo comum aos dois sistemas. As informações do SIM foram utilizadas para o cálculo das taxas de mortalidade.
As variáveis deste estudo foram obtidas do SINASC:
1) socioeconômicas e demográficas maternas: faixa etária (dez a 19 anos; 20 a 34 anos e 35 anos ou mais), situação conjugal (casada e união estável foram recodificadas como "com companheiro" e ser solteira, viúva e separada judicialmente/divorciada para "sem companheiro"), escolaridade (zero a oito anos de estudo; nove a 11 anos de estudo e 12 anos ou mais), raça/cor da pele (branca, parda, preta e, a amarela agrupou-se com a indígena), ocupação materna (as categorias estudantes, do lar, desempregadas, aposentadas e pensionistas foram classificadas como "não trabalha" e as demais ocupações receberam a denominação "trabalha");
2) obstétricas: paridade (nulípara, primípara, secundípara, multípara), tipo de gestação atual (única, dupla ou mais), histórico obstétrico (número de partos normais e cesáreos anteriores e número de filhos vivos e mortos);
3) assistência pré-natal: trimestre de início do pré-natal (primeiro; segundo; terceiro) e número de consultas realizadas (menos de seis ou seis ou mais);
4) relativas ao parto: tipo de estabelecimento (filantrópico, privado, privado conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, universitário que foi unificado com o "público", por serem conveniados ao SUS), tipo de parto (cesárea ou vaginal), profissional que assistiu ao parto (médico e não médico), apresentação fetal (cefálica e não cefálica em que foram incluídas as posições podálica, pélvica e transversa), trabalho de parto induzido (sim ou não) e;
5) relativa aos recém-nascidos: sexo.
Foram calculados os seguintes indicadores: 1) Taxa de
nearmiss neonatal (TNMN), definida como número de casos de
near miss neonatal dividido pelo total de nascidos vivos multiplicados por mil; 2) Taxa de desfecho neonatal grave (TDNG), definida pelo número de casos de
near miss neonatal mais os óbitos neonatais divididos pelo total de nascidos vivos multiplicados por mil; 3) Taxa de mortalidade infantil (TMI): número de óbitos em crianças menores de um ano dividido pelo total de nascidos vivos multiplicados por mil; 4) Taxa de mortalidade neonatal (TMN): número de óbitos neonatais dividido pelo total de nascidos vivos multiplicado por mil; 5) Taxa de mortalidade neonatal precoce (TMNP): número de óbitos neonatais precoces (zero ao sexto dia) dividido pelo total de nascidos vivos multiplicado por mil; 6) Taxa de mortalidade neonatal tardia (TMNT): número de óbitos neonatais tardios (sétimo ao 27º dia) dividido pelo total de nascidos vivos multiplicado por mil.
Foi realizada análise descritiva por meio de frequências absolutas e relativas pelo Software STATA
@ versão 12. Na análise bivariada, o teste qui-quadrado de Pearson foi usado para avaliar a associação entre TNMN e as variáveis sociodemográficas maternas, obstétricas, do parto e do recém-nascido. As variáveis com
p<0,20 na análise bivariada foram incluídas no modelo de regressão logística multivariada inicial, considerou-se o método de seleção
backward. Permaneceram no modelo final as variáveis com
p<0,05. Para essas, foi estimada o
odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%).A adequação do modelo múltiplo foi verificada pelo teste de Hosmer-Lemeshow (
p=11,82).O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com o parecer nº 3.734.141, CAAE 25558619.0.0000.5541 de 28 de novembro de 2019.
ResultadosNo período de 2015 a 2018, nasceram em Cuiabá 40.741 nascidos vivos, desse total, 427 vieram a óbito durante o primeiro ano de vida e 306 no período neonatal (zero ao 27º dia de vida), representando 71,7% do total dos óbitos infantis. Dos óbitos neonatais, 66% ocorreram no período neonatal precoce (zero a seis dias), desses, 47,02% nas primeiras 24 horas de vida; e 34% no período neonatal tardio (zero a 27 dias) (Tabela 1).
Identificou-se no período analisado que 931 (2,28%) nascidos vivos apresentaram pelo menos um critério pragmático; e desses, 42,96% nasceram com idade gestacional menor que 32 semanas; 40,71% tiveram peso ao nascer inferior a 1500g; 27,93% apresentaram índice de Apgar<7 no quinto minuto e; 20,08% manifestaram pelo menos uma malformação congênita ao nascer. A TNMN foi de 22,8/1.000 nascidos vivos (NV) e a TMN foi de 7,5/1.000 NV, sendo observado 3,04 casos de
near miss neonatal para cada óbito neonatal (Tabela 1).
De todos os nascidos vivos, a maioria das mães tinha idade entre 20 e 34 anos (72,17%) e era de cor parda (72,01%). Mais da metade possuía escolaridade entre nove e 11 anos de estudo (52,14%), trabalhava (52,34%), teve filho do sexo masculino (51,07%) e possuía companheiro (62,40%). A proporção de mães adolescentes e com 35 anos ou mais foi baixa (6,22% e 13,90%, respectivamente). A TNMN foi maior entre as mães com 35 anos ou mais, com até oito anos de estudo e sem companheiro (Tabela 2).
Da coorte de nascidos vivos, a maioria das mães iniciou o pré-natal no primeiro trimestre da gestação (80,34%), realizou seis ou mais consultas (83,92%), não teve nenhum filho morto (81,22%), teve trabalho de parto com apresentação cefálica (96,74%), não induzido (75,55%), por gestação única (97,57), assistido por médico (99,10%), em hospital privado conveniado ao SUS (53,36%) e por parto cesáreo (55,71%) (Tabela 3).
A taxa de NMN foi maior entre as mães que realizaram menos de seis consultas de pré-natal, que não apresentaram nenhum parto cesáreo anterior, que não possuíam nenhum filho vivo, que tiveram dois ou mais filhos mortos, que vivenciaram seus partos em hospital público/universitário, que tiveram a apresentação fetal não cefálica, com gravidez dupla ou mais e com trabalho de parto não induzido (Tabela 3).
Na análise múltipla, os fatores que mantiveram associação estatisticamente significativa foram a mãe ter 35 anos de idade ou mais (OR=1,53; IC95%=1,17-2,00), ter no histórico obstétrico nenhum (OR=1,22; IC95%=1,00-1,48) ou um filho nascido vivo (OR=1,62; IC95%=1,34-1,96), gravidez múltipla (OR=3,30; IC95%=2,57-4,23), menos de seis consultas de pré-natal (OR=2,43; IC95%=2,08-2,86), parto realizado em hospital público/universitário (OR=2,16; IC95%=1,73-2,71) e filantrópico (OR=1,51; IC95%=1,19-1,91), apresentação não cefálica (OR=3,09; IC95%=2,44-3,92) e que não tiveram o trabalho de parto induzido (OR=1,50; IC95%=1,25-1,80) (Tabela 4).
DiscussãoNo período estudado, identificou-se em Cuiabá-MT-Brasil a TMN de 7,5/1.000 NV e a TNMN de 22,8/1.000 NV, decorrendo em 3,04 casos de
NMN para cada óbito neonatal, resultando em dados semelhantes aos de pesquisa desenvolvida em uma maternidade de Fortaleza-CE, que identificou 2,2 casos de NMN para cada óbito.
14 Em estudo realizado nas cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Niterói (RJ) e que utilizou quase os mesmos critérios pragmáticos dessa pesquisa, excluindo-se a anomalia congênita e ventilação mecânica, encontrou-se TNMN de 17,2/1.000 NV.
4Por sua vez, pesquisa desenvolvidaem 191 municípios brasileiros
10 e outra realizada em Joinville-SC,
11 queutilizaram os mesmos critérios de
NMNdeste estudo, com acréscimo da ventilação mecânica, obtiveram respectivamente a TNMN de 39,2/1.000 NV e TMN de 11,1/1.000 NV, resultando 3,5 casos de
NMN para cada óbito
10 e TNMN de 33/1.000 NV e TMN de 4,5/1.000 NV, sendo que para cada 7,3 casos de
NMN houve um óbito.
11 É provável que tais variações de resultados se justifiquem pela inclusão ou não da ventilação mecânica e malformação congênita para classificar casos de
NMN. A primeira nãofoi possível ser incluída neste estudo, pois essa informação não estava disponível no SIM e SINASC.
É preciso ponderar o uso dos critérios pragmáticos de forma isolada, uma vez que não contempla outros problemas associados. É sabido que quando se acrescenta o critério de ventilação mecânica, a probabilidade de morbidade
near miss neonatal é maior, pois só nascer com peso baixo não significa que apresentará desconforto respiratório com necessidade de ventilação mecânica.
10Apesar de os estudos de
NMN desenvolvidos no país terem utilizado diferentes critérios indicativos de gravidade dos recém-nascidos e distintos períodos de sobrevivência neonatal, eles apresentam boa acurácia e sensibilidade para detectar os casos de
near miss neonatal,
15 tal qual o presente estudo.
Quanto à seleção dos critérios para a identificação dos casos de
near miss neonatal adotados nesta pesquisa, o principal critério pragmático de entrada foi a idade gestacional <32 semanas, que também foi identificado pelos estudos realizados em Maceió-AL
6 e na região Sul de Gana, África.
16 Por sua vez, pesquisa desenvolvida em Recife-PE,
17 identificou como principal critério pragmático isolado de entrada, o baixo peso ao nascer. Ressalta-se que tanto a idade gestacional como o baixo peso ao nascer são fatores associados ao óbito neonatal.
18-21Os elementos mais preditivos do
NNM observados em Gana, África, foram idade gestacional <33 semanas, disfunção neurológica, respiratória e hemoglobina <10 gd/dl.
16 Já em Gujarat, na Índia, o critério pragmático que mais identificou casos de
NMN foi Apgar<7 no quinto minuto, seguido por peso <1.500g ao nascer e prematuridade (IG <30 semanas).
22 Essas divergências entre as localidades podem ser explicadas pelas diferenças da assistência e a inclusão ou não de determinado critério para classificar casos de
NMN.
Neste estudo, o peso ao nascer <1.500g foi o segundo critério que concentrou o maior número de casos de
NMN. A literatura mostra que uma atuação eficiente e qualificada na restringência de nascimentos prematuros e de baixo peso influenciará decisivamente na diminuição dos índices de mortalidade neonatal,
18 o que se aplica não somente à realidade brasileira, mas também a de outros países.
Os resultados deste estudo também demostraram que o critério pragmático Apgar<7 no quinto minuto e malformação congênita ao nascer, concentraram a terceira e a quarta maior frequência de casos de NMN, respectivamente, ambos comprovadamente associados à mortalidade neonatal em nosso país.
19-21Apesar de a avaliação do Apgar ser considerada um método específico e subjetivo para relatar as condições de vitalidade do recém-nascido imediatamente após o nascimento e a resposta à necessidade de reanimação,
19,23 sua utilização na assistência é relevante. O índice de Apgar<7 no quinto minuto de vida, eleva o risco de morte
10,21 e tem sido considerado um indicador de
near miss neonatal,
3,6,7 com sensibilidade de 82,6% e especificidade de 97,9%.
10Ressalta-se que poucos estudos até o momento utilizaram a malformação congênita como critério pragmático para identificar casos de
NMN. Contudo, há que se considerar que os recém-nascidos com essa condição apresentam chance significativamente maior de mortalidade neonatal,
19,21,24tornando-se relevante inserir esse critério em estudos futuros, apesar de não possuir ainda delimitações precisas para essa inclusão,
6 uma vez que nem todas as malformações são fatais e contribuem para o óbito neonatal.
7Nesse sentido, sugere-se a inclusão apenas daquelas que não possam ser prevenidas, mesmo com intervenções eficazes e de qualidade, como algumas deformidades graves do sistema nervoso central e as cardiopatias congênitas. Todavia, isso ainda é um desafio, já que não há um consenso de quais são as anomalias graves e aquelas que possam ser tratadas precocemente.
Com relação à idade materna, a TNMN foi mais prevalente entre as mães com 35 ou mais anos de idade. Em consonância a esses achados, estudos que utilizaram dados da Pesquisa Nascer no Brasil 2011-2012
25,26 apresentaram associação entre a idade materna acima de 35 anos e o
NMN, o que indica um elevado risco do evento nesta faixa etária,
25 com 1,32 mais chance de
NMN quando comparadas a faixa etária de 20 a 34 anos de idade.
26 Além do que essas mulheres estão sujeitas a desenvolverem complicações durante o período gestacional e consequentemente terem resultados perinatais adversos.
25,26Mesmo que a maioria das mulheres estudadas tenha realizado mais de seis consultas de pré-natal, houve uma TNMN maior entre aquelas com menos de seis consultas, em consonância com achados de outros estudos
4,6,27 que reforçam que o número insuficiente de consultas durante a gestação pode trazer prejuízos para mãe e bebê, a exemplo da prematuridade
4 e se encontra associado ao NMN.
22,26 Teoricamente, quanto maior o número de consultas de pré-natal realizadas, maiores as chances de detectar e intervir em alterações, principalmente em gravidez de alto risco, que está associada a resultados maternos e perinatais ruins.Nesse sentido, é preciso ampliar a cobertura do pré-natal e melhorar a qualidade da assistência prestada.
6,27A apresentação pélvica ou podálica/transversa também se associou a uma taxa elevada de
NMN, do mesmo modo que em pesquisa realizada em Gana, África que identificou que a má apresentação durante o trabalho de parto causa complicações tanto para a mãe quanto para o bebê e pode interferir no resultado de
NMN.
27 Contudo, evidencia-se a necessidade de mais investigações para compreensão deste desfecho, que pode estar relacionado à condução do trabalho de parto, protocolos assistenciais e preparo dos profissionais que assistem à parturiente.
28Poucas pesquisas até o momento investigaram a relação entre o tipo de gravidez (única, dupla, tripla ou mais) e o NMN
11,25-27 e revelaram maior risco entre gravidez múltipla e o desfecho (NMN), o que também foi observado nos achadosdeste estudo. Ressalta-se ainda que essa variável é considerada fator de risco para a mortalidade neonatal
21,25 e piores resultados para morbidade neonatal grave,
14 sendo importante que os serviços de atenção pré-natal acompanhem as gestações de alto risco, fornecendo informações apropriadas para a gestante multípara sobre as consequências e os riscos da multiparidade.
27Quanto ao número de filhos vivos em gestações anteriores e a sua relação com o
NMN,
14 ainda não há evidências científicas, embora este estudo tenha identificado associação do
NMN com a mãe possuir nenhum ou um filho nascido vivo em gestação anterior
. Sendo assim, indaga-se quanto à inserção dessa variável em estudos futuros, já que o histórico de gestação vem ganhando relevância na literatura por atuar nos desfechos e prognósticos neonatais, com a maior chance de mortalidade neonatal em mães que possuem histórico de óbito de filhos.
29A pesquisa identificou associação entre
NMN e nascer em hospital público/universitário e filantrópico, além de apresentar uma TNMN maior entre os neonatos que nasceram em hospitais públicos, como foi identificado em Joinville-SC.
11 Ainda sobre o local de nascimento e o
NMN, estudo identificou que as maternidades/hospitais localizados nas capitais
26 apresentaram maior associação ao
near miss. Essa associação também observada nesta pesquisa, pode ter sido favorecida pelo fato de que as maternidades localizadas na capital do estado de Mato Grosso, em especial os hospitais públicos/universitários, possuem serviços especializados e de referência para assistir gestantes e neonatos de risco, disponibilizando protocolos assistenciais, profissionais capacitados e uso de tecnologias.
O trabalho de parto não induzido apresentou associação com o TNMN, contudo, não foi identificado estudos com essa variável, sinalizando para a necessidade de investimentos em pesquisas futuras dessa variável com o
NMN, dada a sua relevância na condução dos partos.
30Como já referido, há dificuldades em comparar os resultados entre as pesquisas de NMN, devido à falta de consonância sobre o conceito e os critérios para a sua classificação. Não obstante, é consensual que este novo modelo de análise da mortalidade neonatal possa ser utilizado em contextos diversificados, norteando intervenções efetivas, que poderão melhorar a qualidade da assistência neonatal,
3,7 mesmo que sua aplicabilidade nos serviços ainda seja um grande desafio.
As limitações do estudo se deram pelo uso de dados provenientes de fontes secundárias, com ausência de informações relevantes para estudos epidemiológicos sobre a saúde materno-infantil, além do preenchimento incompleto de algumas variáveis analisadas, dificultando inferências. Outra limitação deste estudo foi o uso exclusivo de um único critério, o pragmático, o que resultou em um número reduzido de
NMN, mas que ao abranger todo o período neonatal ampliou a identificação dos casos e equilibrou os valores encontrados.
Neste estudo, a TNMN foi maior que a TMN, com 3,04 casos de NMN para cada óbito. As variáveis que apresentaram associação com o NMN foram: idade materna de 35 ou mais anos, realizar menos de seis consultas de pré-natal, apresentação fetal não cefálica, gravidez múltipla, não ter tido nenhum ou um filho nascido vivo, nascer em hospital público/universitário e filantrópico e trabalho de parto não induzido. Ainda assim, esses achados devem ser discutidos com cautela, com intuito de se buscar maiores evidências dos fatores envolvidos.
Os resultados evidenciaram a relevância da determinação de NMN na distribuição das características maternas, assistenciais e do histórico obstétrico, já que são fatores passíveis de intervenções. Conclui-se que a investigação dos casos de NMN e dos fatores associadostem implicações relevantes para o sistema de saúde, contribuindo para melhorar a qualidade do cuidado e, consequentemente redução das mortes neonatais.
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Recebido em 18 de Junho de 2021
Versão final apresentada em 7 de Fevereiro de 2023
Aprovado em 23 de Fevereiro de 2023
Editor Associado: Samir Kassar
Contribuição dos autores: Modes PSSA: elaboração e desenvolvimento da pesquisa, coleta e análise dos dados, escrita do manuscrito. Gaíva MAM: participou de todas as etapas da pesquisa. Atuou nas correções e escrita do manuscrito.
Andrade ACS: estatística que auxiliou na construção da metodologia do projeto, auxiliou na análise e interpretação dos dados, software utilizado nas análises e correções do manuscrito; Guimarães LV: atuou na construção do projeto, na condução da pesquisa, na interpretação dos dados e correção do manuscrito.
Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.